BAPTISTA BASTOS - UMA SUGESTÃO DE LEITURA DE VERÃO (3)
Crónicas do Professor Ferrão
“Baptista Bastos – uma sugestão de leitura de Verão” (3)
Lisboa, 23 de Julho de 2008
Acabei de ler há uns dias ( ano anterior - 2008 ) um interessante romance histórico de Baptista Bastos, intitulado A Colina de Cristal[1]. Este romance escrito num fluente estilo neo-realista privilegia na sua narrativa a descrição dos ambientes envolventes aos personagens, tendo os diálogos dos protagonistas (Centauro e Rémora) um papel mais secundário.
A narrativa desenrola-se ao longo de uma linha diacrónica que se inicia com o encontro fortuito dos protagonistas e termina com a solidão de Centauro, concebido como personagem principal. A história começa com a protecção de Centauro a Rémora, uma vez que este estava a ser perseguido por um magote de gente enfurecida devido às opiniões antagónicas que assumiu num grupo. Os dois personagens tornam-se amigos e Centauro, que trabalha como construtor de estradas, acaba por levar o Rémora consigo. Apesar da amizade entre eles, o Rémora sente sempre algum constrangimento afectivo em relação a Centauro.
Por conseguinte, a mensagem do livro, quanto a mim, é a explicitação da dureza da vida laboral dos personagens que como construtores de estradas ( “estradeiros” ) são aventureiros, dado que nas suas vidas percorrem o país ligando as suas povoações, mas, com efeito, são seres profundamente solitários, sem elos familiares, sem esposas e sem amigos, à excepção da amizade mútua. Os temas abordados no romance são, pois, a solidão confrangedora do Homem Contemporâneo e a perversidade moral do labor de certas profissões fisicamente extenuantes.
Por seu turno, o enquadramento histórico parece-nos bastante bem conseguido, porque nos dá uma imagem impressiva do ambiente caótico da 1ª República e do ambiente repressivo dos subsequentes regimes autoritários.
Seria, talvez, legítimo que os professores de História, do ensino básico, aconselhassem aos alunos do nono ano de escolaridade a sua leitura para uma compreensão diacrónica mais globalizante. No mínimo, seria bom para os alunos que queiram aprofundar os seus conhecimentos sobre o regime Salazarista, visto que o autor faz algumas citações de documentos propagandísticos da época. Embora nem sempre faça as referências bibliográficas e documentais completas, como aliás não se espera de um romancista.
Em suma, é uma interessante leitura de Verão que flui rapidamente pela elegante linguagem de Baptista Bastos, pelo tamanho diminuto do volume e pela forma envolvente como o argumento nos prende até ao fim. Assim, este romance tecido num estilo neo-realista[2] de fulgor descritivo, com um contexto histórico nacional bem desenhado em relação à primeira metade do século XX, leva-nos a uma reflexão sobre a vivência do Homem Contemporâneo.
A não perder, seguramente, para quem gosta deste estilo de literatura.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Baptista Bastos, A Colina de Cristal, s.l., Edição Círculo de Leitores, 1991, 191 págs.
[2] José Esteves Pereira, “Neo-Realismo em Portugal”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol. 2, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, p. 33