ERICEIRA, UMA VILA PITORESCA DE SUBLIME BELEZA(6)
Crónicas do Professor Ferrão
“Ericeira, uma vila pitoresca de sublime beleza”(6)
7 de Agosto de 2008
A nobre e pitoresca vila da Ericeira caracteriza-se por um clima fortemente influenciado pela presença do Atlântico, cuja origem toponímica deriva, segundo alguns filólogos, de “ouriço”. Este microclima de fortes nebulosidades, à noite e de manhã, com constantes nevoeiros deu projecção aos mitos e às lendas sobre o retorno do rei D. Sebastião desde os fins do século XVII.
A economia da vila sempre viveu, desde tempos imemoriais, da actividade piscatória, que deu origem ao porto de pesca hoje conhecido como praia dos pescadores. Só no início do século XX com a chegada de membros da elite aristocrática da sociedade (famílias como Rivotti, Burnay, Ulrich, Pimentel, Batalha Reis, etc.), principalmente desde a 1ª República, a Ericeira começou a revelar a sua vocação turística que preserva até ao presente. Das personalidades que se destacaram na promoção social e turística da vila há que nomear os nomes de Eduardo Burnay, José Frederico Ulrich e Jaime Lobo e Silva, tendo ficado registados, meritoriamente, na toponímia local.
Num primeiro período histórico, do final do século XIX até ao início do século XX, os banhistas da Ericeira eram os membros da família real e os aristocratas monárquicos e republicanos que aí edificaram as suas casas de férias. É, aliás, deste surto construtivo que vão emergir algumas casas, bem pitorescas, no estilo designado por “Português Suave”, impulsionado pelo arquitecto Raul Lino[1] sobretudo durante o Estado Novo.
Numa segunda fase, do final dos anos 60 até à actualidade, desenvolveu-se um segundo surto arquitectónico que alargou o perímetro da vila e alteou as edificações reservadas às classes médias. Foi, neste período, que se democratizaram e massificaram as praias, do nosso país, com a presença de banhistas representativos de toda a sociedade, ao ponto de nos dias de hoje ser difícil estender uma toalha numa das praias da vila, sem molestar o vizinho.
Na projecção do nome da Ericeira, além fronteiras, os campeonatos mundiais de Surf que se realizam habitualmente na praia de Ribeira d’ Ilhas tiveram um papel fundamental. Este desporto de veraneio levou, inclusive, à criação de produtos e de lojas que associam o nome da vila ao nome desta modalidade desportiva. Não é de espantar, assim, que os turistas estrangeiros, os aficionados e os praticantes do Surf, se sintam atraídos pelas belezas naturais oferecidas pelas falésias dos arredores.
A abundância de pescado que chega, todos os dias, ao porto da Ericeira tornou afamados os numerosos restaurantes de peixe fresco. Lembro, das minhas investigações históricas nos jornais dos anos 50, que o Almirante Manuel Maria Sarmento Rodrigues[2] quando tinha convidados estrangeiros alojados em sua casa em Lisboa, gostava de trazê-los para jantar a esta vila, fazendo-os apreciar a paisagem e a comida desta notável localidade “à beira mar plantada”, possivelmente por ser simbolicamente evocadora da epopeia marítima dos portugueses do século XV. Na verdade, na Ericeira pode degustar-se um esplêndido peixe grelhado, uns mariscos fantásticos ou um arroz de tamboril de apurado saber que recomendo vivamente.
Nos últimos anos devido aos fluxos demográficos das migrações, inerentes ao processo de Globalização económica, a Ericeira tem sido invadida por uma forte comunidade de brasileiros[3] que animam com a sua alegria espontânea as noites de Verão, ocupando-se dos trabalhos de acolhimento turístico na Restauração, que se alojaram maioritariamente na parte norte da vila.
Gostaria de chamar a atenção para dois elementos da memória histórica desta vila que merecem um pequeno registo. Contam-nos os anais da História que foi da praia dos pescadores que a família real portuguesa (o rei D. Manuel II e a sua mãe D. Amélia) partiu para o exílio em Inglaterra perante a comoção desgostosa do povo Ericeirense a 5 de Outubro de 1910[4], visto que a empatia entre a população local e a família real era muito significativa.
Da mesma forma, é digna de menção a bela Igreja matriz da vila, dedicada a São Pedro, que no seu estilo artístico de Barroco tardio servia pela sua elegante beleza interior os membros da fidalguia nos séculos XVIII e XIX e os representantes da aristocracia católica no começo do século XX. Presumimos, pois, que a arraia-miúda devia afluir, sobretudo, com grande devoção à castiça capela em honra de Nossa Senhora dos Navegantes, junto à praia dos pescadores, invocando e orando pela protecção da sua comunidade piscatória.
Termino esta crónica com o fascínio que esta localidade bem merece, ou como bem publicita o slogan turístico actual da Junta de Freguesia da Ericeira: “A Ericeira está para além das expectativas de quem a não conhece”, referindo as deslumbrantes paisagens de mar que se avistam de vários miradouros românticos (das Ribas, das Furnas, do caminho pedonal para a praia do Lisandro, de S. Sebastião, etc.) que nos permitem contemplar com desvelado sentido poético a lua, o pôr-do-sol, as perigosas falésias e a ondulação encrespada do bravio oceano Atlântico.
Vale a pena, sem dúvida, experimentar o “sabor” admirável desta sinfonia marítima, com tons de vento refrescante, que orla o gracioso casario que se presta à fotogenia pela sua beleza arrebatadora.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Vide Ana Tostões, “ Raul Lino”, in Dicionário da História do Estado Novo, vol. 2, dir. Fernando Rosas e J.M. Brandão de Brito, Venda Nova, Bertrand Editora, 1996, 521-522.
[2] Vide Nuno Sotto-Mayor Ferrão, Aspectos da vida e obra do Almirante Sarmento Rodrigues (1899-1979), Mirandela, Edição da Câmara Municipal de Freixo de Espada-à-Cinta, 1999.
[3] Esta tendência inverte o fluxo histórico que marcou a História portuguesa com a ida de muitos portugueses para o Brasil à procura de melhores condições de vida sobretudo nos séculos XIX e XX.
[4] Vide Joaquim Veríssimo Serrão, “D. Manuel II no exílio (1910-1932)”, in História de Portugal, vol. XI, dir. João Medina, Lisboa, Amadora, Edições Ediclube, 1993, pp. 95-100.