O NATAL – ALGUNS TRAÇOS DO SIMBOLISMO DESTA FESTA CRISTÃ NA BÍBLIA, NA FAMÍLIA E NA ARTE
Pintura da Adoração dos Reis Magos – Pintura quinhentista de Vasco Fernandes ( Grão-Vasco )
Presépio de Machado de Castro
Na pintura, acima exibida, da autoria do mestre português quinhentista Vasco Fernandes, mais conhecido por Grão-Vasco, vemos a adoração dos reis Magos a Cristo, bebé. Embora a plasticidade das formas anatómicas não tenha sido plenamente conseguida, podemos reconhecer na imagem a importância do simbolismo dos poderosos virem de longe adorar o “Salvador” como expressão de que os potentados devem ter a humildade de se ajoelharem perante a “Luz do mundo”.
Numa pertinente leitura que o Padre Vítor Melícias fez, do Evangelho de São Lucas ( 2, 1-14 )[1], do acontecimento da Natividade de Cristo interpretando-o como símbolo da Fraternidade e da Paz Universal, constatamos que o significado desta festa sagrada que anualmente celebramos nos surge a uma luz nova. Este autor reconhece, a par de outros estudiosos, o evangelista São Lucas, historiador e teólogo, como o supremo cantor da bondade de Cristo que coloca a sua missão salvífica na dignificação do Homem existente e na sublimação dos Direitos Universais da Pessoa Humana[2]. Este comentador, franciscano, esclarece-nos que a imagem literária do presépio como o estábulo onde Deus, encarnado Homem, nasceu, sem comodidades e muito indefeso das condições atmosféricas, exalta a opção divina pelo auxílio dos mais desfavorecidos e pelo culto do ideal da humildade.
São Lucas termina a narração deste emblemático episódio da religião Cristã com uma sinfonia de Anjos[3] que exaltam Deus e os valores morais que devem nortear os crentes (o Amor e a Paz). Assim, o evangelista apresenta-nos um Deus próximo dos seres humanos, infinitamente bondoso e misericordioso, que morigerava o espírito materialista e belicista dos conquistadores romanos que dominavam a Judeia. Esta mensagem, que o inspirado escritor nos legou, tem toda a actualidade num mundo de luzes efémeras e de consumismos despojados, muitas vezes, da espiritualidade cristã, não obstante tenha havido ultimamente algumas campanhas sociais de benemerência que sensibilizaram muitas almas caridosas.
São Francisco de Assis[4], marcado por uma visão cristocêntrica de beleza e de generosidade, foi um continuador da prédica de São Lucas que humanizou ainda mais o nascimento de Cristo com a invenção dos presépios populares como obras de artesanato. Na verdade, o evangelista realça, neste momento da vida de Cristo, o valor de associar a solidariedade divina à solidariedade humana, em que Deus envia Cristo aos homens e em que os pastores albergam a família de José, Maria e Cristo, no estábulo.
Este momento, de terna Piedade, faz apelo à conjugação da força da fé e do espírito de ajuda mútua de forma a tornar possível a harmonia entre a heterogeneidade das pessoas e a cultura de paz. Este Deus, que o evangelista nos desvenda, é marcado pelo seu Espírito de Amor, que se tornou tão próximo, para salvar os Homens das maldades e dos ódios que grassavam nas sociedades da época. Este Espírito Ético, cujo sinal iconográfico é a pomba branca, simbolizadora do Espírito Santo e da Paz, é a verdadeira encarnação do Natal!
O Natal transporta, no presente, a simbologia de reunir as famílias em volta de uma consoada, em que se comem manjares tradicionais (azevias, fatias douradas, bacalhau, peru, etc), em que as crianças abrem com expectativa as prendas tão ansiadas e os adultos confraternizam, num ambiente de ternura, de conforto e de troca de afectos, e os crentes deslocam-se à Missa do Galo. No entanto, nos dias que antecedem a Ceia Natalícia, de 24 para 25 de Dezembro, há uma azáfama consumista que enche Lojas, Centro Comerciais e Hipermercados num ambiente frenético de compras compulsivas que causa “stress” e um montão de desperdícios que deixam os contentores do lixo abarrotados de papéis de embrulho e de caixotes.
Johann Sebastian Bach (1685-1750) foi um dos mais tocantes compositores do estilo Barroco, que pela sua intensa religiosidade compôs muitas e harmoniosas obras sacras[5], não obstante tenha sido na sua época reconhecido em vida como um grande organista, que prestava serviço às Igrejas Luteranas, só teve a sua obra criativa plenamente consagrada para a posteridade com a atenção que lhe prestaram os compositores Mendelssohn e Von Bulow, já no século XIX. As belas peças musicais, que a seguir vos apresento, deste compositor, fazem jus ao lugar de destaque que a simbologia cristã teve no seu génio criativo.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Vítor Melícias, “25 de Dezembro – Natal - Noite”, in Os Evangelhos 2006 – Comentados, Lisboa, Edições Firmamento, 2005, pp. 249-250.
[2] Esta tendência interpretativa Humanista faz-nos lembrar a doutrina Personalista de Emmanuel Mounier, que acreditava que a solução para a crise económica e moral Europeia, do fim dos anos 20, passava por uma valorização do espírito comunitário de base humana.
[3] A música de J.Sebastian Bach ilustra-nos o espírito do coro celeste de Glorificação de Deus e da sua humanização em Jesus Cristo quando o evangelista nos diz: “(…) Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados.(....)”. ( “Evangelho de São Lucas”, Bíblia, 2, 1-14)
[4] São Francisco de Assis foi o introdutor, na noite de Natal de 1223, do culto popular do presépio, porque nessa missa solene que promoveu num bosque, em Itália, oficiou essa cerimónia com um presépio pendurado nas árvores. A ordem mendicante dos Franciscanos tornou-se junto das populações europeias na grande divulgadora do presépio como adereço Natalício. Vide Jorge Campos Tavares, Dicionário de Santos, Lisboa, Porto, Lello Editores, 2004, p. 59.
[5] Das suas inspiradas obras religiosas salientam-se uma missa Católica, Quatro Paixões (sendo a mais popular, a Paixão de São Mateus), um ‘Magnificat’ e várias oratórias.