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Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão

Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.

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O VALOR SIMBÓLICO DAS FÉRIAS (8)

29 de Julho de 2009

 

Crónicas do Professor Ferrão
Ericeira, 27 de Agosto de 2008
“O valor simbólico das Férias”(8)[1]

 
            Quando as férias caminham para o fim, ou mesmo terminam, paira em nós uma sensação de nostalgia pelo sumiço desse tempo de intensa felicidade. É, pois, um sabor amargo que nos paira na alma, mas, na verdade, foi um tempo útil para “recarregar energias” para o novo ano laboral que se aproxima de um exigente e extenuante dia-a-dia profissional, como é timbre das actuais sociedades, tecnocráticas, do mundo de hoje.
 
            Só uma prolongada estadia num local verdadeiramente repousante, como foi o caso das férias do Verão de 2008 na Ericeira com a família, pode alhear-nos um pouco do mundo para fruirmos com descontracção dos lazeres que nos dão prazer e para de novo podermos enfrentar com renovado ânimo os constrangimentos das nossas obrigações laborais. Deste modo, é esta percepção do significado simbólico das férias que nos faz compreender a multidimensionadidade do ser humano e a essência existencial[2] de cada pessoa, uma vez que a profundidade do sentido da vida vem à tona durante as férias estivais que constituem um espaço de genuína liberdade pessoal. 
 
            Constatamos, assim, que as possibilidades de escolha que nos são oferecidas durante as férias estivais nos permitem romper com as rotinas diárias do trabalho, que nos impelem a um conjunto de obrigações inumeráveis sem tempo para descansar e dormir tranquilamente, sem que alguma insónia se interponha a meio do nosso sono, em que os famigerados viciados do trabalho[3], e o sistema de trabalho neoliberal nos procuram submergir.
 
            Neste fim de férias, que balanço faço delas? Em primeiro lugar, penso que se solidificaram os afectos com os entes queridos e com alguns amigos mais presentes. Neste sentido, a Ericeira revelou-se, também nesta perspectiva, além das expectativas, porque nos permitiu exercitar a liberdade no contexto da interacção com os outros levando-nos a encontrar afinidades ou descobrindo e conhecendo a alteridade com admiração e respeito.
 
            Ao mesmo tempo, de forma paradoxal sinto uma sensação de insatisfação ao analisar os objectivos prévios que ficaram aquém das expectativas, visto que não fiz, praticamente, nenhum exercício físico e pouco tempo dediquei à oração. Tanto mais quanto se sabe que, embora Deus não se esquece de nós[4], é importante alimentar a fé e fazer alguma ginástica, porque como diz o clássico provérbio popular o ideal é “corpo são em mente sã”. 
 
          Todavia, o sentimento geral é manifestamente satisfatório, dado que descansei, dei espaço à minha livre e espontânea vontade de desfrutar dos meus lazeres favoritos e de conhecer e amar mais profundamente os meus entes queridos.
 
            Em boa verdade, nestas sociedades em que vivemos, de carácter enraizadamente quantitativista, este tipo de balanço em função de objectivos prévios afigura-se-me muito limitativo, porque na realidade não se atinge o âmago qualitativo da questão avaliativa. Desta forma, não importa tanto quantas viagens fizemos nas férias, uma vez que não somos contabilistas, nem demógrafos, mas sobretudo importa saber o que aprendemos numa só viagem mediante, por exemplo, uma apreciação mais substantiva num relato mais intimista, ou subjectivo, através da escrita dum livro de viagens ou dum pequeno diário.
 
            A título de exemplo, tive durante estas férias o inexcedível prazer de participar numa excursão à Tapada Nacional de Mafra que valeu, simultaneamente, pelo convívio com a família e com os amigos e pela possibilidade, que tivemos, de contemplar os prodígios da flora e da fauna locais. 
 
             Com efeito, percebemos que estes sítios naturais, como a Tapada “Real” nos seus oitocentos hectares de floresta, onde a natureza ainda não está devassada pela mão devastadora do Homem, são inspiradores dum espírito lírico, vincadamente, motivador que possibilitam ao Homem Moderno abstrair-se dos complexos problemas que tolhem as sociedades mais desenvolvidas.  
 
            Por conseguinte, mesmo quando as férias chegam ao fim, apesar do sentimento nostálgico que nos assola, permanece em nós o seu valor simbólico que nos enche a alma de alegria, constituindo-se este simbolismo como uma reserva anímica necessária à “reentré” profissional. Desta maneira, as boas recordações (dos banhos revitalizantes, dos passeios encantadores, dos convívios salutares, das leituras estimulantes, das jantaradas gostosas, das noitadas divertidas, etc.) fazem-nos reviver no nosso espírito, ao longo do ano, aquilo que vivenciámos nesse recente passado memorável, normalmente saudoso, que designamos por férias. 
 
          De facto, são, normalmente, estes sonhos vividos e saudosos, desse tempo de suspensão do trabalho, que nos motivam nos momentos mais áridos, de crise pessoal ou profissional, e em particular nas ocasiões em que estamos assoberbados de trabalho.
 
          Enfim, convém assinalar que para as pessoas de personalidade mais racionalista, mais calculista, as férias são, também, úteis para se proceder a um balanço crítico da vivência do ano profissional ou pessoal que passou. Creio, pois, que só as pessoas mais sombrias, do ponto de vista da inteligência emocional, sobrevalorizam esta potencialidade utilitária das férias. 
 
           Em conclusão, é legítimo afirmar que a riqueza das férias advém da possibilidade que nos é oferecida de realizar uma ruptura afectiva[5] e vivencial com a rotina quotidiana do mundo do trabalho, no sentido de nos libertar do grande fardo técnico e científico que molda o dia-a-dia dos homens contemporâneos. 
 
Nuno Sotto Mayor Ferrão
 
 

[1] Crónica escrita a 27 de Agosto de 2008, mas actualizada e publicada em 29 Julho de 2009.
[2] Passe o pleonasmo metafísico desta expressão, pois na verdade os existencialistas contestam a possibilidade de se identificar o núcleo ontológico dos indivíduos.
[3] Aquilo a que invertendo o provérbio popular ficaria: ”não trabalho para viver, pois vivo para trabalhar”.
[4] Por meio das nossas convicções e da nossa fé.
[5] Ruptura afectiva em termos de intensidade quantitativa dos afectos trocados com os nossos entes queridos.

AGONIA - O ESTADO DA NAÇÃO OU O ESTADO DO MUNDO ? (1)

Crónicas do Professor Ferrão

“Agonia – o estado da Nação ou o estado do mundo ?” (1)

Lisboa, 11 de Julho de 2008

 

            Discutiu-se, ontem (no ano anterior – 2008), na Assembleia da República o Estado da Nação. José Sócrates no fim do seu terceiro ano de mandato vincou o sucesso da sua política reformista, não obstante o contexto internacional de crise energética, alimentar, ambiental e económica se tenha reflectido no nosso país com o aprofundamento de uma violenta crise social.

 

            Como disse António Vitorino, no seu mediático espaço televisivo, o país discute, dicotómica e demagogicamente, o estado da Nação: de um lado, o governo constrói o discurso do sucesso e da esperança e a oposição, por seu lado, constrói o discurso do falhanço e do desespero, enquanto o país vive, de facto, uma conjuntura de dificuldades económicas com o aumento do preço do petróleo[1], com o aumento dos bens essenciais, com o aumento do desemprego, com o aumento das taxas de juro que conduzem à perda do poder de compra da maioria dos cidadãos.

 

Todas estas circunstâncias decorrem, em parte, da conjuntura internacional que resulta de políticas macroeconómicas neoliberais que têm erguido uma globalização económica que tem fracassado na edificação de uma autêntica sociedade de bem-estar.

 

            Na realidade, este progresso material da Civilização Global tem gerado múltiplas crises (energética, ambiental, climática, económica, social, etc.), que tem varrido o mundo no início do século XXI, sem que o nosso planeta esteja mais feliz e solidário. E o cerne da questão é que a Humanidade tem decaído nos seus padrões de conduta moral[2], como dizia anteontem o nosso pensador Adriano Moreira[3], tem alargado o fosso entre ricos e pobres e, fundamentalmente, sob o pretexto da falência financeira do Estado-Providência, tem desmantelado a qualidade de vida das classes médias Europeias aprisionadas na lógica do mega capitalismo financeiro proporcionado pelas fusões das grandes empresas.

 

            Em abono da verdade, as grandes convicções ideológicas do socialismo democrático afirmados por Willy Brandt[4] e por Mário Soares, nos anos 80, estão longe de ser cumpridas, a meu ver, com a inflexão neoliberal[5] do socialismo de terceira via, pois se confrontarmos as afirmações de princípios do socialismo democrático daquela década e as cedências deste rumo do socialismo actual, europeu e português, compreendemos que existe um óbvio desajustamento.

 

Com efeito, os anseios concebidos pelos ideólogos da social-democracia alemã, e partilhados pelos dirigentes socialistas europeus da época, dos países desenvolvidos caminharem para uma melhoria da qualidade de vida dos cidadãos não foi conseguida devido à falência do Estado-Providência[6] e ao declínio demográfico Europeu.

 

            Não restam dúvidas que o novo Código do Trabalho[7] e o conceito de flexisegurança que anda na moda se afastam dos conceitos de qualidade de vida expressos pelo socialismo democrático Europeu dos anos 80, daí se explica que Manuel Alegre se tenha manifestado contra o conteúdo lesivo, deste novo Código Laboral[8], em termos de direitos dos trabalhadores durante a presente legislatura.

 

As ideias de dignificar e de humanizar o mundo do trabalho, com a redução dos horários laborais para facilitar as obrigações familiares e de reduzir as formas de pressão sobre os trabalhadores para aumentar a qualidade de vida dos trabalhadores e a sua saúde[9], estão bem longe, e pelo contrário, foram concretizadas de forma inversa. Isto é, os direitos dos trabalhadores têm diminuído, a precarização laboral e o desemprego têm aumentado e a qualidade de vida laboral e a contenção do “stress” têm sido cada vez mais uma miragem com a política neoliberal. 

 

            Este preocupante cenário global leva-nos à formulação de algumas questões, de fundo, que merecem atenta meditação e discussão pública internacional e nacional:

 

  • Em que medida este rumo de desenfreada Globalização Neoliberal, do mundo e do país, torna os cidadãos mais livres, mais felizes e mais honestos?

 

  • O mundo para o qual caminhamos é um mundo mais justo e mais solidário à luz dos ideais do socialismo democrático?

 

  • Não será este modelo materialista, assente na Globalização económica e neoliberal, demasiado descompensado em função das matrizes espiritual e material que historicamente [10]coexistiram na Civilização Ocidental?

 

  • Não estaremos a apagar da memória colectiva do Ocidente demasiado rapidamente a matriz idealista dos pensadores Gregos?

 

  • Será que o declínio da Civilização Ocidental (EUA e Europa) e a ascensão da Civilização Oriental (das emergentes superpotências: Índia e China) não se deve ao predomínio do modelo materialista desta globalização em detrimento de uma globalização total que defendesse, simultaneamente, a competitividade, o bem-estar, a liberdade e os Direitos Humanos?

 

Nuno Sotto-Mayor Ferrão 



[1] As variáveis circunstanciais em Julho de 2009 mudaram um pouco com a inflexão do preço do petróleo e com a mudança da administração norte-americana em que a estratégia neo-conservadora de G.W.Bush foi substituída por uma estratégia política de rosto mais humanizado com a eleição do Presidente B.Obama, todavia os pilares estruturais da política internacional permanecem os mesmos. Sobre as expectativas optimistas que alguns observadores de esquerda depositam na Governação do novo Presidente dos EUA pode ler-se com bastante interesse o livro de Mário Soares, Um mundo em mudança, Lisboa, Edição Temas e Debates, 2009.

[2] Vide a minha crónica neste Blogue intitulada “A Modernidade cultural e cívica de São Paulo, o apóstolo dos gentios” (12).

[3] Evoco de cor um artigo do Professor Doutor Adriano Moreira no Diário de Notícias, mas sobre o mesmo assunto recomendo o seu estimulante artigo com o título: “A ética nas relações internacionais”, in Estudos da Conjuntura Internacional, Lisboa, Edições Dom Quixote, 2000, pp. 284-293.

[4] “Comentário ao Projecto de Irsee para um novo programa do SPD, apresentado Willy Brandt, então apresentado em Bona, em 30 de Junho de 1986”, in Documentos do Socialismo Democrático, Lisboa, Fundação Friedrich Ebert, 1987, pp. 45-49.

[5] Para se compreender a adaptação do socialismo de terceira via à realidade neoliberal aconselho a leitura de um livro clássico sobre as raízes históricas da formação do fenómeno neoliberal: Noam Chomsky, Neoliberalismo e ordem global, Lisboa, Editorial Notícias, 2000.

[6] “Reinstitucionalizar, reinventar o Welfare State, in AAVV, A nova primavera do político, Guerra e Paz Editores, 2007, pp. 94-99.

[7] Estes parágrafos 5 a 8 foram acrescentados à crónica original de 11 de Julho de 2008 em 27 de Julho de 2009.

[8] O novo Código do Trabalho foi aprovado pelo Governo Socialista em funções e desaprovado pela posição assumida pelo deputado Manuel Alegre.

[9] Vide para confirmar estes anseios laborais da social - democracia alemã dos anos 80 o livro histórico fundamental: Documentos do Socialismo Democrático, Lisboa, Fundação Friedricht Ebert, 1987, pp. 128-129.

[10] Não nos esqueçamos do forte legado das raízes greco-romanas na estruturação da ponderada mentalidade da Civilização Ocidental durante vários séculos da História Universal.

ERICEIRA, UMA VILA PITORESCA DE SUBLIME BELEZA(6)

Crónicas do Professor Ferrão
“Ericeira, uma vila pitoresca de sublime beleza”(6)
7 de Agosto de 2008

 
            A nobre e pitoresca vila da Ericeira caracteriza-se por um clima fortemente influenciado pela presença do Atlântico, cuja origem toponímica deriva, segundo alguns filólogos, de “ouriço”. Este microclima de fortes nebulosidades, à noite e de manhã, com constantes nevoeiros deu projecção aos mitos e às lendas sobre o retorno do rei D. Sebastião desde os fins do século XVII. 
 
            A economia da vila sempre viveu, desde tempos imemoriais, da actividade piscatória, que deu origem ao porto de pesca hoje conhecido como praia dos pescadores. Só no início do século XX com a chegada de membros da elite aristocrática da sociedade (famílias como Rivotti, Burnay, Ulrich, Pimentel, Batalha Reis, etc.), principalmente desde a 1ª República, a Ericeira começou a revelar a sua vocação turística que preserva até ao presente. Das personalidades que se destacaram na promoção social e turística da vila há que nomear os nomes de Eduardo Burnay, José Frederico Ulrich e Jaime Lobo e Silva, tendo ficado registados, meritoriamente, na toponímia local. 
 
            Num primeiro período histórico, do final do século XIX até ao início do século XX, os banhistas da Ericeira eram os membros da família real e os aristocratas monárquicos e republicanos que aí edificaram as suas casas de férias. É, aliás, deste surto construtivo que vão emergir algumas casas, bem pitorescas, no estilo designado por “Português Suave”, impulsionado pelo arquitecto Raul Lino[1] sobretudo durante o Estado Novo. 
 
            Numa segunda fase, do final dos anos 60 até à actualidade, desenvolveu-se um segundo surto arquitectónico que alargou o perímetro da vila e alteou as edificações reservadas às classes médias. Foi, neste período, que se democratizaram e massificaram as praias, do nosso país, com a presença de banhistas representativos de toda a sociedade, ao ponto de nos dias de hoje ser difícil estender uma toalha numa das praias da vila, sem molestar o vizinho.
 
            Na projecção do nome da Ericeira, além fronteiras, os campeonatos mundiais de Surf que se realizam habitualmente na praia de Ribeira d’ Ilhas tiveram um papel fundamental. Este desporto de veraneio levou, inclusive, à criação de produtos e de lojas que associam o nome da vila ao nome desta modalidade desportiva. Não é de espantar, assim, que os turistas estrangeiros, os aficionados e os praticantes do Surf, se sintam atraídos pelas belezas naturais oferecidas pelas falésias dos arredores.
 
            A abundância de pescado que chega, todos os dias, ao porto da Ericeira tornou afamados os numerosos restaurantes de peixe fresco. Lembro, das minhas investigações históricas nos jornais dos anos 50, que o Almirante Manuel Maria Sarmento Rodrigues[2] quando tinha convidados estrangeiros alojados em sua casa em Lisboa, gostava de trazê-los para jantar a esta vila, fazendo-os apreciar a paisagem e a comida desta notável localidade “à beira mar plantada”, possivelmente por ser simbolicamente evocadora da epopeia marítima dos portugueses do século XV. Na verdade, na Ericeira pode degustar-se um esplêndido peixe grelhado, uns mariscos fantásticos ou um arroz de tamboril de apurado saber que recomendo vivamente.
 
            Nos últimos anos devido aos fluxos demográficos das migrações, inerentes ao processo de Globalização económica, a Ericeira tem sido invadida por uma forte comunidade de brasileiros[3] que animam com a sua alegria espontânea as noites de Verão, ocupando-se dos trabalhos de acolhimento turístico na Restauração, que se alojaram maioritariamente na parte norte da vila.
 
            Gostaria de chamar a atenção para dois elementos da memória histórica desta vila que merecem um pequeno registo. Contam-nos os anais da História que foi da praia dos pescadores que a família real portuguesa (o rei D. Manuel II e a sua mãe D. Amélia) partiu para o exílio em Inglaterra perante a comoção desgostosa do povo Ericeirense a 5 de Outubro de 1910[4], visto que a empatia entre a população local e a família real era muito significativa. 
 
            Da mesma forma, é digna de menção a bela Igreja matriz da vila, dedicada a São Pedro, que no seu estilo artístico de Barroco tardio servia pela sua elegante beleza interior os membros da fidalguia nos séculos XVIII e XIX e os representantes da aristocracia católica no começo do século XX. Presumimos, pois, que a arraia-miúda devia afluir, sobretudo, com grande devoção à castiça capela em honra de Nossa Senhora dos Navegantes, junto à praia dos pescadores, invocando e orando pela protecção da sua comunidade piscatória.
 
            Termino esta crónica com o fascínio que esta localidade bem merece, ou como bem publicita o slogan turístico actual da Junta de Freguesia da Ericeira: “A Ericeira está para além das expectativas de quem a não conhece”, referindo as deslumbrantes paisagens de mar que se avistam de vários miradouros românticos (das Ribas, das Furnas, do caminho pedonal para a praia do Lisandro, de S. Sebastião, etc.) que nos permitem contemplar com desvelado sentido poético a lua, o pôr-do-sol, as perigosas falésias e a ondulação encrespada do bravio oceano Atlântico. 
 
          Vale a pena, sem dúvida, experimentar o “sabor” admirável desta sinfonia marítima, com tons de vento refrescante, que orla o gracioso casario que se presta à fotogenia pela sua beleza arrebatadora.  
 
Nuno Sotto Mayor Ferrão
 
           

 


[1] Vide Ana Tostões, “ Raul Lino”, in Dicionário da História do Estado Novo, vol. 2, dir. Fernando Rosas e J.M. Brandão de Brito, Venda Nova, Bertrand Editora, 1996, 521-522.
[2] Vide Nuno Sotto-Mayor Ferrão, Aspectos da vida e obra do Almirante Sarmento Rodrigues (1899-1979), Mirandela, Edição da Câmara Municipal de Freixo de Espada-à-Cinta, 1999.
[3] Esta tendência inverte o fluxo histórico que marcou a História portuguesa com a ida de muitos portugueses para o Brasil à procura de melhores condições de vida sobretudo nos séculos XIX e XX.
[4] Vide Joaquim Veríssimo Serrão, “D. Manuel II no exílio (1910-1932)”, in História de Portugal, vol. XI, dir. João Medina, Lisboa, Amadora, Edições Ediclube, 1993, pp. 95-100.

BAPTISTA BASTOS - UMA SUGESTÃO DE LEITURA DE VERÃO (3)

Crónicas do Professor Ferrão
“Baptista Bastos – uma sugestão de leitura de Verão” (3)
Lisboa, 23 de Julho de 2008
 
 
            Acabei de ler há uns dias ( ano anterior - 2008 ) um interessante romance histórico de Baptista Bastos, intitulado A Colina de Cristal[1]. Este romance escrito num fluente estilo neo-realista privilegia na sua narrativa a descrição dos ambientes envolventes aos personagens, tendo os diálogos dos protagonistas (Centauro e Rémora) um papel mais secundário.
 
            A narrativa desenrola-se ao longo de uma linha diacrónica que se inicia com o encontro fortuito dos protagonistas e termina com a solidão de Centauro, concebido como personagem principal. A história começa com a protecção de Centauro a Rémora, uma vez que este estava a ser perseguido por um magote de gente enfurecida devido às opiniões antagónicas que assumiu num grupo. Os dois personagens tornam-se amigos e Centauro, que trabalha como construtor de estradas, acaba por levar o Rémora consigo. Apesar da amizade entre eles, o Rémora sente sempre algum constrangimento afectivo em relação a Centauro.
 
            Por conseguinte, a mensagem do livro, quanto a mim, é a explicitação da dureza da vida laboral dos personagens que como construtores de estradas ( “estradeiros” ) são aventureiros, dado que nas suas vidas percorrem o país ligando as suas povoações, mas, com efeito, são seres profundamente solitários, sem elos familiares, sem esposas e sem amigos, à excepção da amizade mútua. Os temas abordados no romance são, pois, a solidão confrangedora do Homem Contemporâneo e a perversidade moral do labor de certas profissões fisicamente extenuantes.
 
            Por seu turno, o enquadramento histórico parece-nos bastante bem conseguido, porque nos dá uma imagem impressiva do ambiente caótico da 1ª República e do ambiente repressivo dos subsequentes regimes autoritários.

            

            Seria, talvez, legítimo que os professores de História, do ensino básico, aconselhassem aos alunos do nono ano de escolaridade a sua leitura para uma compreensão diacrónica mais globalizante. No mínimo, seria bom para os alunos que queiram aprofundar os seus conhecimentos sobre o regime Salazarista, visto que o autor faz algumas citações de documentos propagandísticos da época. Embora nem sempre faça as referências bibliográficas e documentais completas, como aliás não se espera de um romancista.
 
            Em suma, é uma interessante leitura de Verão que flui rapidamente pela elegante linguagem de Baptista Bastos, pelo tamanho diminuto do volume e pela forma envolvente como o argumento nos prende até ao fim. Assim, este romance tecido num estilo neo-realista[2] de fulgor descritivo, com um contexto histórico nacional bem desenhado em relação à primeira metade do século XX, leva-nos a uma reflexão sobre a vivência do Homem Contemporâneo.
 
           A não perder, seguramente, para quem gosta deste estilo de literatura.      
 
Nuno Sotto Mayor Ferrão
 

 


[1] Baptista Bastos, A Colina de Cristal, s.l., Edição Círculo de Leitores, 1991, 191 págs. 
[2] José Esteves Pereira, “Neo-Realismo em Portugal”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol. 2, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, p. 33

I - CATÁLOGO DAS CRÓNICAS DO PROFESSOR NUNO SOTTO MAYOR FERRÃO

 

I - CATÁLOGO DAS CRÓNICAS DO PROFESSOR NUNO SOTTO MAYOR FERRÃO

 

 

(1) "Agonia - o estado da Nação ou o estado do mundo ?" - Julho de 2008*

 

(2) "Baptista Bastos - uma sugestão de leitura de Verão" - Julho de 2008*

 

(3) Crónica familiar - Julho de 2008

 

(4) "Alentejo -  a antecâmara do Paraíso" - Julho de 2008*

 

(5) Crónica familiar - Julho de 2008

 

(6) "Ericeira - um mar de tradições" - Agosto de 2008*

 

(7) "As implicações da ausência de Deus na contemporaneidade" - Agosto de 2008*

 

(8) "O valor simbólico das férias" - Agosto de 2008*

 

(9) Crónica familiar - Setembro de 2008

 

(10) Crónica política - Dezembro de 2008

 

(11) Crónica política - Abril de 2009

 

(12) "A modernidade cultural e cívica de São Paulo - o apóstolo dos gentios" - Julho de 2009*

 

 

*Crónicas publicadas, ou a aguardar publicação, neste Blog.

 

 

ALENTEJO - A ANTECÂMARA DO PARAÍSO (4)

Crónicas do Professor Ferrão
“Alentejo – antecâmara do Paraíso” (4)
Lisboa, 28 de Julho de 2008

 
 
            O Alentejo é para mim uma paixão que resultou de vários anos em que lá trabalhei em sítios paradisíacos. Este fim-de-semana ( ano anterior – 2008 ) tive a oportunidade de matar saudades desta fantástica região do nosso país.
 
            O primeiro retrato que faço do Alentejo, e que me ficou na retina de inesgotáveis viagens de automóvel, é conjunto de imagens que retenho das bucólicas paisagens da nossa planície dourada salpicada de azinheiras, sobreiros e chaparros. É, pois, um ambiente de paz, de tranquilidade e de beleza natural que se respira na contemplação destas rústicas paisagens do interior Alentejano. Aliás, na lição Queiroziana d’ “As Cidades e as Serras” o Homem Contemporâneo necessita da complementaridade entre o campo e a cidade, daí que nada melhor do que passar um fim-de-semana ou, mesmo, umas férias num local de feérica tranquilidade que nos faz lembrar as idílicas paisagens dos pintores românticos do século XIX.
 
            Em segundo lugar, para quem é um “bom prato”, como eu, a gastronomia Alentejana eleva-se à categoria de um prazer incontornável. Num mundo que vive das refeições de “fast food”, nada melhor do que experimentar o sabor das boas tascas Alentejanas onde se comem umas deliciosas migas, umas insuperáveis sopas de cação, umas maravilhosas “burras”, uns fantásticos pezinhos de coentrada, onde toda a boa comida é temperada com umas ervas aromáticas que só medram no interior Alentejano…Sem falar já de alguns produtos regionais de excelência, que são vendidos nos hipermercados das grandes cidades, como os queijos de reputação ( Évora, Serpa e Nisa ), os enchidos de Barrancos, os torresmos, os divinais doces conventuais e os extraordinários vinhos destas terras cálidas!
 
            Também não é de menosprezar os recantos castiços que o património arquitectónico e arqueológico do Alentejo nos reserva de uma maneira ímpar que não encontramos noutro lugar do país. Vamos passeando e esbarramo-nos com castelos, igrejas, aquedutos, paços senhoriais, ruínas romanas, dólmenes, menhires e belas aldeias, vilas e cidades de uma brancura inesgotáveis que expulsam o calor da intimidade dos lares e acenam com o valor da paz à alma dos visitantes. Com efeito, toda esta atmosfera patrimonial e a simplicidade das gentes alentejanas são puramente encantatórias.
 
            Sem dúvida que o calor abrasador do Alentejo é um elemento bem característico em tempos de estio, mas é compensado com a magia das noites estreladas e amenas que fazem atrair algumas comunidades nórdicas. Estas noites permitem-nos passeios bem retemperadores que libertam o espírito do Homem Pós-Moderno das incertezas da Sociedade Global.
 
            Aconselho, pois, vivamente uma visita regular a esta antecâmara do Paraíso como forma de nos livrarmos da infecta Modernidade que nos tem feito perder qualidade de vida. Para se deixarem entranhar por esta beleza bucólica recomendaria uma visita a localidades oníricas como Monsaraz, Vila Viçosa, Alandroal, Serpa, Terena ou Marvão e a paisagens rústicas como as planuras que cercam as formosas cidades de Beja e de Évora.
 
Nuno Sotto Mayor Ferrão

A MODERNIDADE CULTURAL E CÍVICA DE SÃO PAULO - O APÓSTOLO DOS GENTIOS

Crónicas do Professor Ferrão (12)

"A modernidade cultural e cívica de São Paulo - o apóstolo dos gentios"

Lisboa, 16 de Julho de 2009

 

         Terminou a 29 de Junho de 2009 o ano Paulino comemorativo dos dois mil anos do nascimento do apóstolo de Jesus Cristo – Paulo de Tarso da Cilícia, na actual Turquia. Este texto resultou de algumas reflexões que fui fazendo no grupo Paulino a que pertenci na Igreja de Nossa Senhora do Amparo, na paróquia de Benfica, em torno da Antologia de D. Anacleto Oliveira, bispo auxiliar de Lisboa ( Um ano a caminhar com São Paulo, Coimbra, Coimbra Editora, 2008) e das esclarecidas conferências que tive o privilégio de assistir ( deste autor, do teólogo Juan Ambrósio e do Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa).  Sem estes contributos intelectuais, sem o debate no grupo Paulino e sem este dom de prosador estas reflexões, seguramente, não poderiam ser partilhadas convosco.
 
            O legado cultural da vida de São Paulo e das suas Cartas apostólicas é de uma notável modernidade como terei oportunidade de demonstrar, como aliás já o fiz publicamente numa pequena intervenção num sarau cultural no salão paroquial da supracitada igreja[1]. No entanto, não irei traçar nenhuma resenha biográfica, mas apenas chamar a atenção para alguns aspectos invulgares da sua vida e obra para a época e, sobretudo, para a actualidade.
 
            Na minha perspectiva, São Paulo foi um precursor na defesa dos Direitos Humanos no contexto histórico do império romano, como já o sustentei algumas vezes, porque universalizou a religião cristã ao evangelizar os gentios, pois transmitiu-lhes a “Boa Nova” da Salvação por Jesus Cristo. O apóstolo Paulo foi, deste modo, responsável pela irradiação geográfica do Cristianismo no mundo Mediterrânico nas pregações feitas durante as suas longas viagens e nas Cartas que enviou às suas comunidades.
 
Efectivamente, esta vertente de defesa dos Direitos Humanos emerge em São Paulo do sentido da igualdade que atribui a todos os Homens mediante o tratamento fraternal de “irmão” que concede a todos os crentes, independentemente do estatuto social de cada um. Assim, no seu modo de ver o importante, não era se alguém tinha o estatuto de centurião ou de escravo, era que esse indivíduo era filho de Deus e, portanto, tinha igual dignidade humana o escravo e o cidadão, o pobre e o rico, devendo todos ser afectuosamente tratados como “irmãos”. Reparemos na Carta de São Paulo a Filémon quando o interpela dizendo: “(…) para que o recebas (…) não já como escravo, mas muito mais do que um escravo: como irmão amado (…)” ( Flm, 15-16 ).
 
Em segundo lugar, a modernidade da mensagem religiosa de São Paulo advém da forte inteligência emocional que manifestou nas suas Cartas às comunidades cristãs, pois estas foram fruto do seu dom de formular uma síntese perfeita entre a fé e a razão. Na realidade, a base da sua convicção foi a fé como sentimento religioso primordial quando afirma na Carta aos Gálatas: “(…) já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim (…)” ( Gl, 2-20). No entanto, a esta base emocional juntou o raciocínio ético que desenvolveu através da pedagogia da palavra para explicar a bondade da mensagem cristã ao desabafar na sua primeira Carta aos coríntios com a coloquial expressão: “(...) ai de mim, se eu não evangelizar!” (…)” (1ª Cor. 9,16).
 
Por consequência, esta inteligência emocional manifestou-se na conduta religiosa de São Paulo ao unir de forma coerente a sua capacidade de acção com a sua força espiritual conseguindo, pois, conciliar a oração com as suas extenuantes viagens apostólicas de pregação religiosa da Boa Nova aos povos pagãos.
 
Importa, agora, examinar duas sugestivas visões da transfiguração de São Paulo de perseguidor de cristãos em obstinado conversor cristão de almas pagãs. Na realidade, há duas interessantes e antagónicas interpretações da sua conversão a caminho de Damasco que merecem ser conhecidas. Enquanto uma corresponde à versão do crente, a outra corresponde à versão laica do ateu. A primeira interpretação, recente, é a do teólogo Juan Ambrósio, da Universidade Católica de Lisboa, que lê a conversão de São Paulo, pelo encontro místico com Cristo Ressuscitado, como um processo lento e comunitário, ou seja, a vivência inicial de São Paulo nas comunidades cristãs, a seguir a esse encontro genésico, constituiu na sua opinião um meio de aprofundamento do conhecimento de Cristo[2].
 
A segunda versão deste acontecimento da vida de São Paulo, que quero referir, é-lhe historicamente anterior (1934) e corresponde à versão laica de um escritor português do Saudosismo ( Teixeira de Pascoais, São Paulo, Lisboa, Editora Assírio e Alvim, 2002 ), contaminado pelo ambiente anticlerical da época, que encara São Paulo como um poeta que se converteu à fé no “Ressuscitado” por um forte sentimento de remorso pela morte de Santo Estêvão, isto é, a aparição de Cristo Ressuscitado dever-se-ia à sua má consciência por este martírio[3]. 
 
São Paulo pela sua vasta cultura, formado na escola judaica de Gamaliel, acabou por ter um papel fundamental na História do Cristianismo ao abrir intelectualmente esta religião, através das suas Cartas, aos valores morais e espirituais que lhe estão subjacentes. Protagonizou, assim, a nobre missão pedagógica de transmitir os valores éticos e as virtudes cristãs que deveriam pautar a conduta dos fiéis do seu tempo e das gerações vindouras.
 
Desta maneira, revelou aos seus contemporâneos, no contexto do desvirtuamento moral do império romano em que a corrupção se generalizara, o inestimável valor das virtudes teologais ( fé, esperança e caridade ) que deviam ancorar a vida dos cristãos em meio social tão adverso. Não me espanta, pois, que tenha exortado a comunidade cristã da cidade de Colossos com as seguintes palavras de revelação ética contra comportamentos egoístas: “(…) Como eleitos de Deus, santos e amados revesti-vos, pois de entranhas de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade, suportando-vos uns aos outros (…) se alguém tiver razão de queixa contra outro (…)” ( Cl, 3, 12-13 ).
 
Na verdade, outro indício precursor, e mesmo progressista, da acção apostólica de São Paulo na vida da nascente Igreja foi a activa participação que atribuiu às mulheres na vivência organizacional das primeiras comunidades cristãs, sendo exemplo disso a liderança que delegou em Lídia na Igreja da cidade de Filipos. Deste modo, revelou uma sensibilidade “feminista” ao confiar a algumas mulheres cargos eclesiásticos, o que era pouco comum entre as instituições religiosas da época. Esta sua preocupação em melhorar a situação da mulher nas sociedades do império romano patenteia, novamente, a sua disposição para a defesa do Direito de igualdade entre todos os crentes como uma das premissas do ideal cristão, designadamente de paridade entre homem e mulher.
 
Comprova-se, portanto, a sua luta por este Direito Humano quando anuncia o universalismo da religião cristã, que o levou a evangelizar os gentios, ao proclamar na Carta aos Gálatas essa igualdade entre todos os cristãos: “(…) Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há masculino e feminino, porque todos sois um em Cristo (…)” ( Gl 3, 28).
 
Em suma, São Paulo é um exemplo de vivificante actualidade, pelo seu optimismo cristão, que nos pode ajudar a enfrentar espiritualmente esta crise multipolar ( energética, climática, económica, social, política, moral, etc. ) deste complexo mundo Globalizado em que vivemos. Com efeito, o legado cultural da esperança cristã, que este apóstolo nos ensinou nas suas epístolas, é em tempos de crise e de grandes incertezas uma resposta psicologicamente positiva às angústias e ansiedades actuais e uma solução filosófica para a crise de valores das sociedades contemporâneas e para o inerente relativismo da mentalidade dominante nos países mais desenvolvidos. Daí, advém, a importância de sermos tocados pela mensagem Paulista de confiança no que o futuro nos reserva mediante a nossa fé cristã.
 
Compreendemos, assim, as palavras que São Paulo dirigiu em carta à comunidade cristã de Filipos ao persuadir os crentes pela veemência do seu poder carismático com as seguintes expressões, que devem ter comovido os corações dos fiéis: “(…) Alegrai-vos sempre no Senhor (…) O que de vós é bondoso seja conhecido de todos os homens (…) Por nada vos deixeis inquietar. (…)” ( Fl. 4, 4-6 ).
 
Por conseguinte, o exemplo de São Paulo de inquebrantável confiança no Deus do Amor e em Jesus Cristo seu Filho, que veio salvar a Humanidade, é-nos dado pelo seu esforço de missionação no nordeste do mundo Mediterrânico, não obstante todo o sofrimento que lhe terá causado uma doença crónica[4]. Esta lição de fé deste apóstolo faz-nos recordar o singular exemplo paralelo, de crença religiosa apesar de todo o sofrimento físico e de ânimo evangelizador pelas “sete partidas do mundo”, da acção pontifícia de João Paulo II[5]. Na realidade, a semelhança entre estas duas vidas paralelas, já que este papa muito viajou apesar das suas enfermidades e em especial da doença de Parkinson, levam-nos a conjecturar a hipótese deste papa se ter inspirado substancialmente no edificante exemplo de São Paulo.
 
Por último, a moralizante acção e doutrinação de São Paulo no contexto de podridão ética do império romano constitui um exemplo a seguir perante o desnorte de valores que submerge a vida política actual, influenciada pelo fenómeno da Globalização e pela ideologia neoliberal que sacralizou a “teologia de mercado”. Foi, aliás, este dantesco cenário internacional que mergulhou o mundo naquilo que, alguns autores, chamam de “capitalismo de casino” e que favoreceu escandalosas fraudes financeiras em várias regiões do mundo.
 
Deste modo, para se sair deste caos social que assola o planeta, nos nossos dias, é necessário interligar sem dogmatismos fundamentalistas a política e a religião, como o pretende fazer Tony Blair, ex-primeiro ministro inglês, nas suas académicas prelecções de “Globalização e Fé” numa prestigiada Faculdade dos Estados Unidos da América ou os teólogos da libertação como o professor universitário Leonardo Buff, por entenderem que o agravamento das injustiças e das desigualdades sociais decorrem das bases ideológicas deste tóxico sistema internacional.
 
Em conclusão, não restam dúvidas que a alavanca para garantir o bem-estar material e espiritual nas populações deste mundo globalizado passa pela reintrodução do legado ético na vida política internacional e nacional, o que poderá ser a solução para a desejada reaproximação entre cidadãos e governantes[6]. Contudo, afigura-se-nos fundamental que se quebrem alguns pressupostos identitários do mundo em que vivemos, nomeadamente é indispensável que os poderes políticos não estejam manietados pela força das grandes autoridades económicas e financeiras, mas ao invés que sejam guiados pelo senso ético. 
 
Ao fim e ao cabo, o revolucionário exemplo de São Paulo no quadro histórico de um império materialista assume uma modernidade cultural e cívica no tempo presente absolutamente entusiasmante.
 
Nuno Sotto-Mayor Ferrão

 


[1] Comunicação que fiz, em representação de um grupo Paulino de reflexão a 25 de Junho de 2009, num sarau cultural, no salão paroquial de Nossa Senhora do Amparo em Benfica, dinamizado pelo pároco José Traquina.
[2] De acordo com Conferência proferida pelo teólogo Juan Ambrósio no Anfiteatro da Escola Secundária Padre Alberto Neto, em Queluz, a 16 de Abril de 2009.
[3] “(…) Quem lhe apareceu, na estrada de Damasco, foi o seu remorso personificado em Jesus Cristo, o deus da sua vítima. (…) O Deus de Estêvão ficou a ser o Deus de Paulo. (…)” in Teixeira de Pascoais, São Paulo, Lisboa, Editora Assírio e Alvim, 2002, p. 31.
[4] Há autores que sustentam tratar-se epilepsia essa doença crónica de São Paulo, no entanto D. Anacleto Oliveira optou por referi-la como uma doença crónica. Vide D. Anacleto Oliveira, Um ano a caminhar com são Paulo, Coimbra, Gráfica de Coimbra 2, 2008, p. 44.
[5] Sobre este papel histórico do papa João Paulo II vale a pena ler o seguinte artigo: Jorge Borges de Macedo, “O sentido e o fim do último quartel do século XX. Experiência e Crise (1974-1995)” in História Universal, vol. II, Lisboa, Selecções do Reader’s Digest, s.d., pp. 550-561.
[6] Sobre esta permanente questão da distância entre cidadãos e governantes vale a pena ler o magnífico romance do nosso escritor laureado com o Prémio Nobel da Literatura: José Saramago, Ensaio sobre a lucidez, Lisboa, Editorial Caminho, 2004.

 

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