AGONIA - O ESTADO DA NAÇÃO OU O ESTADO DO MUNDO ? (1)
Crónicas do Professor Ferrão
“Agonia – o estado da Nação ou o estado do mundo ?” (1)
Lisboa, 11 de Julho de 2008
Discutiu-se, ontem (no ano anterior – 2008), na Assembleia da República o Estado da Nação. José Sócrates no fim do seu terceiro ano de mandato vincou o sucesso da sua política reformista, não obstante o contexto internacional de crise energética, alimentar, ambiental e económica se tenha reflectido no nosso país com o aprofundamento de uma violenta crise social.
Como disse António Vitorino, no seu mediático espaço televisivo, o país discute, dicotómica e demagogicamente, o estado da Nação: de um lado, o governo constrói o discurso do sucesso e da esperança e a oposição, por seu lado, constrói o discurso do falhanço e do desespero, enquanto o país vive, de facto, uma conjuntura de dificuldades económicas com o aumento do preço do petróleo[1], com o aumento dos bens essenciais, com o aumento do desemprego, com o aumento das taxas de juro que conduzem à perda do poder de compra da maioria dos cidadãos.
Todas estas circunstâncias decorrem, em parte, da conjuntura internacional que resulta de políticas macroeconómicas neoliberais que têm erguido uma globalização económica que tem fracassado na edificação de uma autêntica sociedade de bem-estar.
Na realidade, este progresso material da Civilização Global tem gerado múltiplas crises (energética, ambiental, climática, económica, social, etc.), que tem varrido o mundo no início do século XXI, sem que o nosso planeta esteja mais feliz e solidário. E o cerne da questão é que a Humanidade tem decaído nos seus padrões de conduta moral[2], como dizia anteontem o nosso pensador Adriano Moreira[3], tem alargado o fosso entre ricos e pobres e, fundamentalmente, sob o pretexto da falência financeira do Estado-Providência, tem desmantelado a qualidade de vida das classes médias Europeias aprisionadas na lógica do mega capitalismo financeiro proporcionado pelas fusões das grandes empresas.
Em abono da verdade, as grandes convicções ideológicas do socialismo democrático afirmados por Willy Brandt[4] e por Mário Soares, nos anos 80, estão longe de ser cumpridas, a meu ver, com a inflexão neoliberal[5] do socialismo de terceira via, pois se confrontarmos as afirmações de princípios do socialismo democrático daquela década e as cedências deste rumo do socialismo actual, europeu e português, compreendemos que existe um óbvio desajustamento.
Com efeito, os anseios concebidos pelos ideólogos da social-democracia alemã, e partilhados pelos dirigentes socialistas europeus da época, dos países desenvolvidos caminharem para uma melhoria da qualidade de vida dos cidadãos não foi conseguida devido à falência do Estado-Providência[6] e ao declínio demográfico Europeu.
Não restam dúvidas que o novo Código do Trabalho[7] e o conceito de flexisegurança que anda na moda se afastam dos conceitos de qualidade de vida expressos pelo socialismo democrático Europeu dos anos 80, daí se explica que Manuel Alegre se tenha manifestado contra o conteúdo lesivo, deste novo Código Laboral[8], em termos de direitos dos trabalhadores durante a presente legislatura.
As ideias de dignificar e de humanizar o mundo do trabalho, com a redução dos horários laborais para facilitar as obrigações familiares e de reduzir as formas de pressão sobre os trabalhadores para aumentar a qualidade de vida dos trabalhadores e a sua saúde[9], estão bem longe, e pelo contrário, foram concretizadas de forma inversa. Isto é, os direitos dos trabalhadores têm diminuído, a precarização laboral e o desemprego têm aumentado e a qualidade de vida laboral e a contenção do “stress” têm sido cada vez mais uma miragem com a política neoliberal.
Este preocupante cenário global leva-nos à formulação de algumas questões, de fundo, que merecem atenta meditação e discussão pública internacional e nacional:
- Em que medida este rumo de desenfreada Globalização Neoliberal, do mundo e do país, torna os cidadãos mais livres, mais felizes e mais honestos?
- O mundo para o qual caminhamos é um mundo mais justo e mais solidário à luz dos ideais do socialismo democrático?
- Não será este modelo materialista, assente na Globalização económica e neoliberal, demasiado descompensado em função das matrizes espiritual e material que historicamente [10]coexistiram na Civilização Ocidental?
- Não estaremos a apagar da memória colectiva do Ocidente demasiado rapidamente a matriz idealista dos pensadores Gregos?
- Será que o declínio da Civilização Ocidental (EUA e Europa) e a ascensão da Civilização Oriental (das emergentes superpotências: Índia e China) não se deve ao predomínio do modelo materialista desta globalização em detrimento de uma globalização total que defendesse, simultaneamente, a competitividade, o bem-estar, a liberdade e os Direitos Humanos?
Nuno Sotto-Mayor Ferrão
[1] As variáveis circunstanciais em Julho de 2009 mudaram um pouco com a inflexão do preço do petróleo e com a mudança da administração norte-americana em que a estratégia neo-conservadora de G.W.Bush foi substituída por uma estratégia política de rosto mais humanizado com a eleição do Presidente B.Obama, todavia os pilares estruturais da política internacional permanecem os mesmos. Sobre as expectativas optimistas que alguns observadores de esquerda depositam na Governação do novo Presidente dos EUA pode ler-se com bastante interesse o livro de Mário Soares, Um mundo em mudança, Lisboa, Edição Temas e Debates, 2009.
[2] Vide a minha crónica neste Blogue intitulada “A Modernidade cultural e cívica de São Paulo, o apóstolo dos gentios” (12).
[3] Evoco de cor um artigo do Professor Doutor Adriano Moreira no Diário de Notícias, mas sobre o mesmo assunto recomendo o seu estimulante artigo com o título: “A ética nas relações internacionais”, in Estudos da Conjuntura Internacional, Lisboa, Edições Dom Quixote, 2000, pp. 284-293.
[4] “Comentário ao Projecto de Irsee para um novo programa do SPD, apresentado Willy Brandt, então apresentado em Bona, em 30 de Junho de 1986”, in Documentos do Socialismo Democrático, Lisboa, Fundação Friedrich Ebert, 1987, pp. 45-49.
[5] Para se compreender a adaptação do socialismo de terceira via à realidade neoliberal aconselho a leitura de um livro clássico sobre as raízes históricas da formação do fenómeno neoliberal: Noam Chomsky, Neoliberalismo e ordem global, Lisboa, Editorial Notícias, 2000.
[6] “Reinstitucionalizar, reinventar o Welfare State, in AAVV, A nova primavera do político, Guerra e Paz Editores, 2007, pp. 94-99.
[7] Estes parágrafos 5 a 8 foram acrescentados à crónica original de 11 de Julho de 2008 em 27 de Julho de 2009.
[8] O novo Código do Trabalho foi aprovado pelo Governo Socialista em funções e desaprovado pela posição assumida pelo deputado Manuel Alegre.
[9] Vide para confirmar estes anseios laborais da social - democracia alemã dos anos 80 o livro histórico fundamental: Documentos do Socialismo Democrático, Lisboa, Fundação Friedricht Ebert, 1987, pp. 128-129.
[10] Não nos esqueçamos do forte legado das raízes greco-romanas na estruturação da ponderada mentalidade da Civilização Ocidental durante vários séculos da História Universal.