Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Tony Judt (1948-2010) foi um reputado historiador, escritor e professor universitário britânico que leccionou na Grã-Bretanha e nos EUA. Foi galardoado com vários Prémios nos últimos anos: finalista do Prémio Pulitzer em 2006, vencedor dos Prémios (Hannah Arendt em 2007, Livro Europeu em 2008 e Menção Honorária George Orwell em 2009). O seu livro mais emblemático intitula-se Pós-Guerra – Uma História da Europa desde 1945, que já se tornou um clássico da historiografia europeia. Veio a falecer em Agosto de 2010 com uma esclerose lateral amiotrófica. Tornou-se um pensador das implicações da actual Globalização e um crítico contundente das posições de Israel e da política belicista dos EUA levada a cabo por G. W. Bush. Em 1996 criou na Universidade de Nova York um centro de estudos europeus designado “Remarque Institute”.
Este pequeno, mas substantivo, livro[1] procura responder a quatro grandes questões que se revelam de enorme actualidade:
Que factores históricos levaram à crise do Estado-Providência dos países Ocidentais nos últimos 35 anos (1975-2010)?
Que lição histórica nos legou a mega Crise do capitalismo industrial de 1929?
Por que razão as sociedades actuais dos países ocidentais se sentem descontentes?
Como podem os países Ocidentais enfrentar os crescentes problemas socioeconómicos que os afectam?
Esta pertinente reflexão política, de base histórica, tem como objectivos centrais despertar a consciência crítica e cívica dos nossos prezados concidadãos ocidentais, que vivem numa gritante indiferença ideológica, por se terem deixado iludir pelas virtualidades do mercado livre (teologia de mercado[2]) que conduziu à redução dos mecanismos de intervenção do Estado.
Efectivamente, após 30 anos milagrosos, de prosperidade económica e de garantias de segurança, dados pelos Estados-Providência aos cidadãos ocidentais (1945-1975) a Europa e os EUA iniciaram uma inversão ideológica que desembocou numa crise múltipla, já no período de transição do século XX para o XXI, geradora de um mal-estar colectivo destas sociedades. Este transviado caminho começou com a liberalização económica extrema iniciada por Margaret Thatcher e Ronald Reagan, influenciados por ideólogos famosos como Friedrich Hayek, Ludwig von Mises e Milton Friedman, por escolas de gestão que proliferaram, que implementaram políticas neoliberais, conducentes à desregulamentação da economia e das finanças internacionais, com o pressuposto de que o individualismo geraria concorrência saudável e eficiência em muitos serviços prestados ao público.
Esta opção ideológica permitiu a onda de privatizações que varreu grande parte da Europa. Esta fase histórica foi impulsionada pela queda do muro de Berlim (1989) e dos regimes comunistas no leste do “velho continente” que deu a sensação a alguns, que subscreveram a tese de Francis Fukuyama[3], que o rumo político da História era uno para toda a Humanidade (“fim da História”). Contudo, com a implosão do capitalismo financeiro, em 2008, a opinião pública mundial percebeu a falta de esteios Éticos por parte dos Estados que deviam ter sido mais interventivos e vigilantes. Depois dos “calafrios” do cataclismo do sistema financeiro norte-americano, Henry Paulson, Secretário de Estado do Tesouro de G. W. Bush pediu autorização Estatal para injecções de capitais no periclitante sistema financeiro. Este ponto de chegada (a crise financeira de 2008) resultou da irresponsabilidade política dos dirigentes ocidentais na transição do século XIX para o XX.
Esta actual situação pantanosa das finanças internacionais, resultante da liberdade absoluta que foi dada aos especuladores e investidores privados, procedeu dos mitos impostos pelos defensores do Neoliberalismo, designadamente dos princípios seguintes encarados como dogmas: o culto das privatizações e do sector privado como favorável à eficiência e à qualidade dos serviços; a ilusão de que mercado livre iria permitir o crescimento ilimitado das economias; a virtude da desregulamentação do sector financeiro e de um Estado reduzido à dimensão mínima. Este credo Neoliberal foi mais absorvido pelos EUA, que acabaram por sofrer terrivelmente com a implosão do sistema financeiro, uma vez que estava minado por especuladores sem escrúpulos.
Esta crise actual, que se expandiu globalmente a outras regiões e a outros sectores, traduz a degradação Ética que colheu a sua seiva no sistema da competição selvagem que se instalou com os Governos de matriz neoliberal. Por exemplo, a Irlanda, que seguiu de perto os modelos britânico e norte-americano, foi considerada durante muitos anos como um modelo a imitar por várias nações que se queriam alçar nos “rankings” de crescimento económico, viu o seu sistema financeiro entrar em ruptura.
O economicismo como estratégia política tem degradado a Civilização Ocidental, que naufraga à vista de todos os honrados cidadãos, porque na visão de Tony Judt tem faltado aos Governantes um pensamento político de fundo e as opiniões públicas não despertaram ainda para esta situação de calamidade social com taxas de desemprego exorbitantes, em vários países, e com uma visível degradação do nível de vida das classes médias. Não obstante, esta apatia, das opiniões públicas, tem havido vários alertas de sumidades para a desconfiança que se deve manter perante o sistema financeiro, e os seus agentes, pois as verdades proclamadas contaminaram a credibilidade do capitalismo sem peias que foi fustigado por mentes conscienciosas de diferentes convicções ideológicas (Papa Bento XVI[4], Dr. Mário Soares[5], Professor e Pensador Vitorino Magalhães Godinho[6], o Historiador e Pensador Tony Judt, etc).
Como soluções de emergência, para obstaculizar as bancarrotas nacionais, os Estados, anteriormente tão odiados, foram em socorro dos bancos e das empresas injectando dinheiro dos contribuintes nesses sorvedouros resultantes da imoderada especulação e do lucro fácil que atraiu incautos cidadãos. Neste contexto, generalizado, de insucesso das políticas neoliberais as teses Keynesianas (economista John Maynard Keynes[7]) foram reabilitadas, porque importava fortalecer os Estados e tornar os Governos mais intervencionistas nas economias.
Tony Judt, com a acutilância da sua argumentação histórica, denuncia neste excelente ensaio que as rupturas do Estado-Providência e dos Sistemas de Segurança Social não se devem só ao factor da quebra demográfica Europeia, como os políticos e muitos comentadores gostam de sublinhar, mas fundamentalmente ao desmantelamento do Estado e dos seus Bens Patrimoniais por via das opções neoliberais. Com efeito, na sua percepção, a social-democracia esboroou-se dos cenários políticos das últimas décadas com o fenómeno das privatizações que fragilizou os Estados, com o processo da internacionalização das economias nacionais (vulgo Globalização económica) que facilitou a fuga de capitais aos mecanismos de tributação, por via dos paraísos fiscais, e com a crise demográfica procedente do envelhecimento da população Europeia.
Na sua vasta lucidez, o autor não evita a questão da falta de sustentabilidade económica dos Estados-Providência, mas afirma que tal possibilidade implica uma tributação elevada, geral ou selectiva, dos contribuintes e uma redefinição dos Serviços Básicos do Estado Social. Apenas evita falar em socialismo democrático por uma razão de convicção ideológica. Por outro lado, apresenta as emergentes potências mundiais (China e Índia) como países em contra ciclo económico, pelos níveis acelerados de crescimento dos últimos anos, que apenas proporcionam riqueza a uma minoria das suas sociedades.
Importa reter, também, algumas lições da História Contemporânea que Tony Judt como um reputado historiador nos deixa. Na realidade, os 30 anos do pós-guerra de 1945 a 1975 permitiram aos países mais desenvolvidos do Ocidente erguer Estados-Providência, ou no mínimo edificar um Estado Social de protecção dos cidadãos mais desfavorecidos, que contribuíram para diminuir as desigualdades sociais internas em várias nações Europeias devido às orientações social-democratas. Esta consciência construtiva dos Estadistas Europeus do pós-guerra adveio da recordação histórica, gravada na memória colectiva, da Grande Depressão de 1929 e das suas nefastas consequências sociais, políticas e militares (desemprego gritante, ascensão das ditaduras de extrema direita e eclosão da Segunda Guerra Mundial), tendo levado os Governos do Ocidente ao Planeamento, à Regulação e à Intervenção em todos os aspectos da vida da sociedade e da economia, embora com um sacralizado respeito pelos Direitos e Liberdades dos cidadãos.
De facto, a seguir à Segunda Guerra Mundial houve um consenso político-ideológico que congregou economistas, políticos, analistas e cidadãos em torno da necessidade de aceitar tributações elevadas para suprir as exigências das Despesas Públicas com os Serviços Sociais, o que se ficou a dever às lições da absurda beligerância das nações Europeias. No entanto, o predomínio da tendência individualista e as iniciativas políticas da “Dama de Ferro” e do “Cowboy”[8], dos filmes Western, vieram a mudar o paradigma e a mentalidade política prevalecente nos anos 80, 90 e nesta primeira década do século XXI com os ruinosos resultados que hoje são visíveis.
A solução para o futuro, na visão deste esclarecido e prudente historiador, está na reinvenção de um novo paradigma, sem dogmas, que implique o reencontro com os princípios da social-democracia e do socialismo democrático para que a Civilização Ocidental possa caminhar para a superação dos dilemas que agora a afligem. Acredita, pois, no papel do Estado e do sector público para a viabilização do Bem Comum e de uma Sociedade mais justa. Tony Judt lembra-nos que é nos países que adoptaram a social-democracia como paradigma político (a Suécia, a Finlândia, a Noruega, a Dinamarca, a Holanda, etc) que se manifesta uma maior justiça social, um maior bem-estar dos cidadãos com uma riqueza mais bem distribuída constituindo a argamassa que salvaguarda a coesão das próprias sociedades. Sem este indispensável investimento estratégico na revitalização, exequível, dos Estados-Providência continuaremos a viver na conjuntura internacional de uma Globalização, egoísta, que tem conduzido às crescentes desigualdades sociais internas e ao flagelo do desemprego em larga escala.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Tony Judt, Um tratado sobre os nossos actuais descontentamentos, Lisboa, Edições 70, 2010.
[2] Adriano Moreira, “A perspectiva da Globalização do passivo”, in Estudos da Conjuntura Internacional, Lisboa, 2000, p. 296.
[3] Francis Fukuyama, O Fim da História e o Último Homem, Lisboa, Edições Gradiva, 1992.
[4] Bento XVI, A Caridade na Verdade – Encíclica, Prior Velho, Edições Paulinas, 2009.
[5] Mário Soares, Elogio da Política, Lisboa, Sextante Editora, 2009.
[6] Vitorino Magalhães Godinho, Os Problemas de Portugal – Os Problemas da Europa, Lisboa, Edições Colibri, 2010.
[7] John Maynard Keynes, Teoria geral do Emprego, do Juro e da Moeda, Lisboa, Relógio de Água, 2010.
[8] Margaret Thatcher ficou assim conhecida nos meios de comunicação social dos anos 80 e 90 e Ronald Reagan já era conhecido, antes de exercer a Presidência dos EUA, como um actor de filmes de cowboys.
Pintura da Adoração dos Reis Magos – Pintura quinhentista de Vasco Fernandes ( Grão-Vasco )
Presépio de Machado de Castro
Na pintura, acima exibida, da autoria do mestre português quinhentista Vasco Fernandes, mais conhecido por Grão-Vasco, vemos a adoração dos reis Magos a Cristo, bebé. Embora a plasticidade das formas anatómicas não tenha sido plenamente conseguida, podemos reconhecer na imagem a importância do simbolismo dos poderosos virem de longe adorar o “Salvador” como expressão de que os potentados devem ter a humildade de se ajoelharem perante a “Luz do mundo”.
Numa pertinente leitura que o Padre Vítor Melícias fez, do Evangelho de São Lucas ( 2, 1-14 )[1], do acontecimento da Natividade de Cristo interpretando-o como símbolo da Fraternidade e da Paz Universal, constatamos que o significado desta festa sagrada que anualmente celebramos nos surge a uma luz nova. Este autor reconhece, a par de outros estudiosos, o evangelista São Lucas, historiador e teólogo, como o supremo cantor da bondade de Cristo que coloca a sua missão salvífica na dignificação do Homem existente e na sublimação dos Direitos Universais da Pessoa Humana[2]. Este comentador, franciscano, esclarece-nos que a imagem literária do presépio como o estábulo onde Deus, encarnado Homem, nasceu, sem comodidades e muito indefeso das condições atmosféricas, exalta a opção divina pelo auxílio dos mais desfavorecidos e pelo culto do ideal da humildade.
São Lucas termina a narração deste emblemático episódio da religião Cristã com uma sinfonia de Anjos[3] que exaltam Deus e os valores morais que devem nortear os crentes (o Amor e a Paz). Assim, o evangelista apresenta-nos um Deus próximo dos seres humanos, infinitamente bondoso e misericordioso, que morigerava o espírito materialista e belicista dos conquistadores romanos que dominavam a Judeia. Esta mensagem, que o inspirado escritor nos legou, tem toda a actualidade num mundo de luzes efémeras e de consumismos despojados, muitas vezes, da espiritualidade cristã, não obstante tenha havido ultimamente algumas campanhas sociais de benemerência que sensibilizaram muitas almas caridosas.
São Francisco de Assis[4], marcado por uma visão cristocêntrica de beleza e de generosidade, foi um continuador da prédica de São Lucas que humanizou ainda mais o nascimento de Cristo com a invenção dos presépios populares como obras de artesanato. Na verdade, o evangelista realça, neste momento da vida de Cristo, o valor de associar a solidariedade divina à solidariedade humana, em que Deus envia Cristo aos homens e em que os pastores albergam a família de José, Maria e Cristo, no estábulo.
Este momento, de terna Piedade, faz apelo à conjugação da força da fé e do espírito de ajuda mútua de forma a tornar possível a harmonia entre a heterogeneidade das pessoas e a cultura de paz. Este Deus, que o evangelista nos desvenda, é marcado pelo seu Espírito de Amor, que se tornou tão próximo, para salvar os Homens das maldades e dos ódios que grassavam nas sociedades da época. Este Espírito Ético, cujo sinal iconográfico é a pomba branca, simbolizadora do Espírito Santo e da Paz, é a verdadeira encarnação do Natal!
O Natal transporta, no presente, a simbologia de reunir as famílias em volta de uma consoada, em que se comem manjares tradicionais (azevias, fatias douradas, bacalhau, peru, etc), em que as crianças abrem com expectativa as prendas tão ansiadas e os adultos confraternizam, num ambiente de ternura, de conforto e de troca de afectos, e os crentes deslocam-se à Missa do Galo. No entanto, nos dias que antecedem a Ceia Natalícia, de 24 para 25 de Dezembro, há uma azáfama consumista que enche Lojas, Centro Comerciais e Hipermercados num ambiente frenético de compras compulsivas que causa “stress” e um montão de desperdícios que deixam os contentores do lixo abarrotados de papéis de embrulho e de caixotes.
Johann Sebastian Bach (1685-1750) foi um dos mais tocantes compositores do estilo Barroco, que pela sua intensa religiosidade compôs muitas e harmoniosas obras sacras[5], não obstante tenha sido na sua época reconhecido em vida como um grande organista, que prestava serviço às Igrejas Luteranas, só teve a sua obra criativa plenamente consagrada para a posteridade com a atenção que lhe prestaram os compositores Mendelssohn e Von Bulow, já no século XIX. As belas peças musicais, que a seguir vos apresento, deste compositor, fazem jus ao lugar de destaque que a simbologia cristã teve no seu génio criativo.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Vítor Melícias, “25 de Dezembro – Natal - Noite”, in Os Evangelhos 2006– Comentados, Lisboa, Edições Firmamento, 2005, pp. 249-250.
[2] Esta tendência interpretativa Humanista faz-nos lembrar a doutrina Personalista de Emmanuel Mounier, que acreditava que a solução para a crise económica e moral Europeia, do fim dos anos 20, passava por uma valorização do espírito comunitário de base humana.
[3] A música de J.Sebastian Bach ilustra-nos o espírito do coro celeste de Glorificação de Deus e da sua humanização em Jesus Cristo quando o evangelista nos diz: “(…) Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados.(....)”. ( “Evangelho de São Lucas”, Bíblia, 2, 1-14)
[4] São Francisco de Assis foi o introdutor, na noite de Natal de 1223, do culto popular do presépio, porque nessa missa solene que promoveu num bosque, em Itália, oficiou essa cerimónia com um presépio pendurado nas árvores. A ordem mendicante dos Franciscanos tornou-se junto das populações europeias na grande divulgadora do presépio como adereço Natalício. Vide Jorge Campos Tavares, Dicionário de Santos, Lisboa, Porto, Lello Editores, 2004, p. 59.
[5] Das suas inspiradas obras religiosas salientam-se uma missa Católica, Quatro Paixões (sendo a mais popular, a Paixão de São Mateus), um ‘Magnificat’ e várias oratórias.
Sir Ken Robinson é um consagrado autor britânico, nascido em Liverpool em 1950, que se tem destacado, no mundo anglófono, como um especialista nas questões da Educação. Esta pequena apresentação audiovisual fala-nos da necessidade de mudar o paradigma da Educação que está assente em pressupostos arcaicos. Na verdade, todos os países do mundo estão, na actualidade, a tentar fazer reformas nos seus sistemas de ensino e em traços muito sintéticos o autor aborda-nos algumas linhas da evolução histórica deste sistema na Civilização Ocidental. A problemática que nos levanta reside nos paradoxos com que está confrontado o actual sistema, que herdado dos séculos anteriores, não se compagina com o conceito, universalmente aceite, da inteligência emocional investigado por Daniel Goleman e António Damásio e com as desigualdades sociais potenciados pelo vigente sistema em vigor na maioria dos países.
Os vícios criados pelo ambiente social contemporâneo geram, também, falta de atenção e de concentração nas responsabilidades escolares dos alunos (medicação exagerada, estímulos tecnológicos excessivos e os constantes apelos ao consumismo) e têm gerado cidadãos muito individualistas pouco adaptados às exigências da Globalização.
As Artes e as Humanidades tem sido neste nocivo processo secundarizadas, como já o dizia Leonardo Coimbra – ministro da Instrução da I República, pela lógica do linear economicismo que não é compatível com os interesses do desenvolvimento humano e com a necessidade de potenciar as inteligências emocionais dos indivíduos. Ken Robinson faz-nos uma interessante comparação das escolas actuais com as fábricas, o que tem levado à exacerbada avaliação quantitativa através do desenho de perfis educativos dos alunos e dos nefastos rankings de escolas concebidos de acordo com parâmetros essencialmente cognitivos. A pertinente sugestão do autor é alicerçar os sistemas educativos na estratégia pedagógica do pensamento divergente como caminho imprescindível para se atingir a criatividade nas escolas e na necessidade de encontrar um novo paradigma global para se superarem estes paradoxos e constrangimentos. Este interessante documento audiovisual, que apresento, tive dele conhecimento através do blogue Córtex Frontal numa pertinente iniciativa de divulgação de Joana Amaral Dias.
Ernâni Rodrigues Lopes[1] era um economista sério, sensato que soube gerir as finanças do país, num tempo de dificuldades, durante o Bloco Central nos anos 80. Este prestigiado economista tinha excelentes referências históricas e éticas e, por esta razão, a pátria perdeu um Homem que estudava, pensava e empreendia a favor do progresso e da liberdade de Portugal. Ainda teve tempo de ir ao programa de Mário Crespo "Plano Inclinado" debater com o Professor Henrique Medina Carrreira os constrangimentos que o país sente para enfrentar os ingentes desafios do presente e do futuro, dando a sua opinião sobre as múltiplas crises em que o país e a Europa estão enredados. A lucidez e escorreita clarividência da sua argumentação impressionavam quem o ouvia e vai fazer falta à pátria um Homem com a sua coragem e a sua verticalidade Ética.
Revelou ainda essas qualidades na estratégia Atlantista que apontou como caminho económico para deslaçar os "nós górdios" em que o país se vê metido nesta Era da “desacopulagem das finanças e da economia”, para usar uma expressão sua. Na verdade, nos últimos tempos vinha defendendo as potencialidades económicas que Portugal poderia aproveitar do mar e da sua ligação com o espaço lusófono, tendo feito parte da Comissão de Honra do Congresso Económico - "Os Mares da Lusofonia", realizado no fim deste Outubro em Cascais, e sido prevista a sua participação como conferencista que iria encerrar o evento. No entanto, pelo seu estado de saúde, talvez já não tenha conseguido estar presente.
Conheceu como poucas pessoas, de elevadas responsabilidades, o espaço lusófono, pois ao longo da sua carreira profissional foi consultor económico de várias empresas e governos, tendo trabalhado em Portugal, mas também em Macau, no Brasil, em Cabo Verde, na Guiné-Bissau, em São Tomé e Príncipe, em Angola e em Moçambique. Com efeito, faleceu um grande Português que lucidamente nos avisava da importância estratégica dos mares para a sedimentação económica do espaço Lusófono.
[1] Este texto inspira-se nas palavras que lhe ouvi numa conferência no antigo Instituto Superior Naval de Guerra, no programa televisivo “Plano Inclinado” de Mário Crespo e nos testemunhos que tive oportunidade de ler na imprensa e nos blogues “Córtex Frontal” da parte do Professor José Medeiros Ferreira e “Duas ou três coisas – notas pouco diárias do Embaixador Português em França” do Diplomata Francisco Seixas da Costa que me levou a um primeiro comentário que transformei neste “post”.
José Maria Mendes Ribeiro Norton de Matos (1867-1955) no exercício de Alto Comissário, da República, para a colónia de Angola de 1921 a 1924 procurou salvaguardar os direitos dos indígenas dos abusos particados pelos colonos, porque nos meios internacionais pendia a acusação de que Portugal praticava “uma escravatura laboral” com os nativos de Angola e de Moçambique.
O empresário Venâncio Guimarães verberou em 1923 a administração angolana de Norton de Matos de desequilíbrio orçamental das contas desta colónia que explicou dever-se às despesas reais ultrapassarem sempre bastante as despesas previstas. Por outro lado, criticou a regulamentação do trabalho indígena que criou como Alto Comissário por julgá-la lesiva dos interesses económicos dos colonos, asseverando ser prejudicial retirar os mecanismos de sanção dos indígenas incumpridores da obrigação moral e legal de trabalhar. Convém, aliás, lembrar que, contextualmente, esta medida defensiva dos direitos laborais dos indígenas e o facto de os pretender transformar, paulatinamente, em camponeses livres e proprietários de terras provocou uma grande controvérsia social e um enorme descontentamento dos interesses consagrados dos colonos.
Este crítico veemente da sua gestão colonial temia que esta orientação administrativa potenciasse a independência económica das populações negras que pudesse ser o prenúncio de uma futura independência política angolana liderada pelos nativos. Com efeito, afigurava-se-lhe que esta administração arruinava económica e financeiramente Angola, porque fazia gastos exagerados e não facilitava o enriquecimento agrícola e económico, dado que a obtenção de mão-de-obra nativa estava mais dificultada aos colonos[1].
Por conseguinte, parece que esta política humanista protectora dos direitos laborais dos indígenas perfilhada por Norton de Matos em Angola e por Brito Camacho em Moçambique, de 1921 a 1924, incomodou os interesses burgueses de grupos de colonos[2], o que lhes criou grandes inimizades[3] e suscitou o emergir de movimentos de aspirações independentistas liderados por colonos nos anos 20 que se convenceram que a independência dos territórios possibilitaria uma melhor exploração da mão-de-obra indígena. Esta situação de crispação entre a administração colonial e alguns empresários explica o ódio que muitos colonos nutriam por estes Estadistas. No entanto, as suas políticas visaram, também, apaziguar a acusação internacional da prática da escravatura, nestas colónias, que circulava na imprensa estrangeira.
Deste modo, Norton de Matos sustentou a tese de que os indígenas deviam ser respeitados na sua cultura e nos seus Direitos Humanos[4] de forma a fazer passar a mensagem de que Portugal não escravizava os indígenas. Concebia que era impossível civilizar unilateralmente os indígenas aceitando, assim, a ideia duma aculturação mútua entre indígenas e colonos, embora preconizasse um assimilacionismo técnico, isto é, que os indígenas assilimilassem as técnicas dos colonos de forma a torná-los mais produtivos, bem como a toda a economia colonial[5]. Na sua opinião, civilizar o indígena implicava a criação nas colónias de infra-estruturas de transporte e de comunicação, de recursos técnicos e de instituições comerciais e administrativas que os enquadrassem nas formas organizacionais europeias.
Tinha a convicção de que a instrução excessivamente intelectualizada dos indígenas poderia suscitar preconceitos dos nativos em relação ao trabalho manual, daí que, do seu ponto de vista, fosse imperioso que se investisse nas colónias num ensino, sobretudo, profissionalizante com objectivo de formar operários e agricultores.
Em suma, concebia que a educação dos indígenas devia ser informal, lenta e respeitadora das suas tradições culturais, embora baseada numa instrução profissionalizante destinada à formação de mão-de-obra agrícola e operária. Deste modo, o seu pensamento colonial defendia o assimilacionismo técnico dos indígenas, mas não um assimilacionismo cultural, de forma a garantir-se um segregacionismo de funções sociais entre colonizadores e colonizados. Portanto, Norton de Matos[6], em Angola nos anos 20, procurou salvaguardar a defesa dos direitos dos indígenas e, ao mesmo tempo, proporcionar mecanismos de protecção dos interesses dos colonos.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Venâncio Guimarães, Angola – uma administração ruinosa – Para a história do reinado de Norton, Lisboa, Imprensa Lucas, 1923, 48 p.
[2] José Norton, Norton de Matos – biografia, Lisboa, Editora Bertrand, 2002, pp. 275-305.
[3] Um dos seus mais intransigentes inimigos foi o grande orador e tribuno Francisco Cunha Leal que lhe colocou em 1924 a maliciosa alcunha de “o Calígula de Angola”.
[4] As ideias de Norton de Matos inspiraram bastante o pensamento do Almirante Sarmento Rodrigues como político e administrador colonial como já o referi anteriormente: vide “O seu perfil de ‘maçon’-liberal e as amizades que cultivou”, in Nuno de Sotto Mayor Quaresma Mendes Ferrão, Aspectos da vida e obra do Almirante Sarmento Rodrigues (1899-1979), Mirandela, Edição da Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta, 1999, pp. 39-64.
[5] José Maria Norton de Matos, “A Província de Angola”, in Antologia Colonial Portuguesa, vol. I, Lisboa, Edição da Agência Geral das Colónias,1946.
[6] Daniel de Melo, “José Maria Mendes Ribeiro Norton de Matos”, in Dicionário de História do Estado Novo, vol. II, dir. Fernando Rosas e J.M. Brandão de Vrito, Lisboa, Editora Bertrand, 1996, pp. 553-555.