Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
A literatura é, por definição, a produção estética mediante a linguagem transformada em obras escritas. Ora, a atribuição pela Academia Sueca do Prémio Nobel da Literatura ao músico Bob Dylan, sendo inovadora, corre o risco de desvirtuar o galardão e o nome desta instituição prestigiada, que tem consagrado escritores de todo o mundo. Como se sabe, Bob Dylan não é um produtor de obras literárias, havendo aqui um equívoco evidente, pois, por muito que as artes hoje em dia sejam complementares, este hibridismo cultural não honra a literatura universal.
Por detrás da polémica decisão da Academia Sueca do Nobel em relação à literatura, talvez esteja a questão de tentar dignificar a cultura de massas através da poesia inerente às músicas de Bob Dylan. No entanto, a democratização da literatura não se deve fazer mediante a inserção de letras nas músicas populares, pois trata-se, claramente, de um engodo. Se, ao invés, a Academia Sueca pretendia render homenagem à carreira musical de Bob Dylan, então devia ter criado um Prémio Nobel das Artes.
Dylan não é, nem nunca foi, um escritor de dimensão mundial, mas sim um músico carismático que escreveu muitas letras das suas músicas, que tomaram caminho no universo internacional. Este critério, revolucionário, da Academia Sueca do Nobel é um sintoma claro da crise de valores em que vivemos deste o início do século XX, neste caso dos valores literários que devem ser apreciados, sem excesso de preocupação em democratizá-los.
É indiscutível que Bob Dylan se tenha tornado um músico popular consagrado, já na altura do Live Aid (1985), mas, sobretudo, no início do século XXI com a obtenção de vários galardões artísticos, cívicos e da crítica musical (Medalha da Liberdade dado pelo Presidente dos EUA, Barack Obama; um Óscar, um Grammy e um Globo de Ouro). O inarrável é, mesmo, ter ganho o Prémio Nobel da Literatura de 2016 que configura um grande escândalo literário, embora tenha escrito poemas quando jovem e para as suas músicas.
O fundamento apresentado pela Academia Sueca para a atribuição do Nobel da Literatura é, claramente, insuficiente porque a sua obra não honra a literatura universal nem os grandes escritores da Humanidade como William Shakespeare, Luís Vaz de Camões, Fernando Pessoa, Miguel Cervantes, Vítor Hugo, Walter Scott, José Saramago, Mário Vargas Llosa, etc.
A justificação para a atribuição deste prémio é o valor das novas formas de expressão poéticas das músicas de Bob Dylan. Porém, este critério está à revelia da qualidade da obra literária, que neste músico é praticamente inexistente, com exceção de alguns poemas, mas que não configuram um corpo literário significativo.
Tantos escritores sublimes ficaram por premiar, como autores portugueses, lusófonos e estrangeiros, e foram selecionar, erroneamente, um criador musical. Importa não confundir “alhos com bugalhos”, como o fez a Academia Sueca neste ano de 2016, a 13 de outubro quando a notícia foi tornada pública.
O ativismo cívico de Bob Dylan é obviamente meritório, mas todos os talentos acumulados deste criador cultural não fazem dele um bom escritor. Esta afirmação evidente deixa numa posição incómoda a Academia Sueca dos Prémios Nobel, que seguiu um critério excessivamente revolucionário. Os critérios literários na avaliação da sua obra cultural, colocam-no numa posição desprezível em termos puramente literários, a não ser que queiramos transformar a cultura de massas no valor literário número um.
Desta forma, a literatura de cordel do século XIX ou a literatura dos best sellers da atualidade poderão em breve tornar-se sérios candidatos ao Nobel... “Os deuses devem estar loucos...”, como dizia Astérix, e a crise de valores chegou, mesmo, aos critérios do júri do Prémio Nobel da Literatura.
A História Universal do início do século XXI tem-nos trazido, em maior número, grandes acontecimentos negativos do que positivos. Esta afirmação, eventualmente polémica, faz-nos perguntar: onde mora a marcha progressiva da Civilização mundial ? Ora passemos, em revista, os principais acontecimentos que marcaram o início do século XXI.
Assim, conta-se em maior número os gigantescos acontecimentos deprimentes, do que os grandes acontecimentos esperançosos. Pretendemos traçar, com estas linhas, uma breve síntese de alguns dos traços históricos mais relevantes do século XXI.
O nosso século começou, de forma francamente negativa, com o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 às Torres Gémeas em Nova Iorque, que ceifou a vida de mais 3000 a 4000 pessoas. Desconcertado com a vulnerabilidade do seu país, o presidente norte-americano G. W. Bush resolveu atacar o Afeganistão, nesse ano, e envolver-se numa guerra difícil no Iraque, que só terminou na primavera de 2003 com a deposição do regime totalitário de Saddam Hussein. Um dos poucos sinais de esperança, no início deste século, foi a independência de Timor-Leste em 2002 sob os auspícios da comunidade internacional, que afastou este país das garras indonésias.
Os anos subsequentes da primeira década do século XXI foram tingidos de negro com o trágico tsunami asiático de 26 de dezembro de 2004, com a prisão do maior aldrabão financeiro da história da Humanidade, Bernie Madoff, que cometeu uma gigantesca fraude financeira que prejudicou uma multidão de seres humanos, com a crise financeira de 2008-2009, que começando na banca, abriu caminho a uma violenta crise económica mundial com nefastas repercussões na sociedade mundial, fazendo reviver, à Humanidade, os tons escuros da violenta crise económica de 1929.
O primeiro grande sinal de esperança, neste século, surgiu com a galvanização mundial resultante da eleição do presidente norte-americano, Barack Obama em 2008, primeiro presidente americano negro, que lançando o slogan “Yes, we can” entusiasmou grande parte da comunidade mundial.
Pouco depois, apareceu um grande pedregulho na marcha da Humanidade com a crise das dívidas soberanas europeias, o que foi descoberto em 2010 na Grécia, pondo em causa a sustentabilidade financeira da Zona Euro. Apesar deste desaire económico europeu, ventos de leste lançaram alguma esperança na economia mundo com a República Popular da China a afirmar-se, neste mesmo ano, como a segunda potência económica mundial.
Em 2011 Osama Bin Laden foi capturado e morto por forças norte-americanas, numa operação de sequestro, e a comunidade internacional julgou, prematuramente, que, face a isto, a Al-Qaeda e as organizações terroristas perderiam vigor. Nada mais enganador.
Entretanto, desde o fim do século XX que o fenómeno da globalização, nas suas virtudes e nos seus defeitos, se aprofunda, designadamente criando crescentes clivagens sociais entre as pessoas muito ricas e as pessoas muito pobres no mundo e deixando as classes médias cada vez mais afogadas em dificuldades fiscais. Não obstante, vingou positivamente a revolução digital desde o fim do século XX, que tornou o mundo, cada vez mais, uma verdadeira “aldeia global”, favorecendo o acesso à informação, mas não à sabedoria, de milhões de pessoas em todo o mundo.
Em 2010 emergiu um fenómeno virtuoso com a designada “Primavera Árabe”, que acabou por ser um bom prenúncio, mas que tarda em afirmar-se como uma realidade. Em 2013 surgiu um sopro de esperança com a eleição de Francisco como Papa, que com a sua simplicidade franciscana e a sua sabedoria de jesuíta, tem levado a Igreja Católica a modernizar-se de acordo com o espírito do Concílio Vaticano II e a entusiasmar a comunidade católica e muitas populações pacifistas dos nossos dias.
Em 2014, com as guerras civis da Síria, da Ucrânia, com a prepotente anexação da Península da Crimeia sob o impulso imperialista de V. Putin e com a criação do Estado Islâmico, na região transfronteiriça da Síria e do Iraque, o mundo parece deixar-se tolher pelas dinâmicas nefastas das forças inversas da bondade.
No ano de 2015, a Europa foi acordada por uma violenta crise humanitária de refugiados, que acorreram à Europa em busca de asilo ou de melhores condições de vida. No entanto, este ano, referido, terminou com alguns fumos brancos de esperança nas conclusões da cimeira mundial do ambiente, realizada em Paris, não sem que antes a cidade Luz tenha acordado em 13 de novembro com um lastimável ato terrorista.
O presente ano, de 2016, foi marcado pelo trágico sismo que abalou a Itália, mas presentemente a comunidade internacional está a ser bafejada pela expetativa de António Guterres, político, diplomata e humanista cristão português, de alma lusófona, poder vir a ser eleito Secretário-Geral das Nações Unidas e vir a tentar reformar os meios humanitários desta benemérita instituição supranacional, em busca de um mundo melhor, numa utopia indispensável nos dias que correm, sempre velozes, na senda das Comemorações dos 500 anos do lançamento da obra Utopia de Thomas More.
Sabendo o condicionalismo desta leitura, de sociologia histórica dos nossos dias, fortemente influenciada pelos meios de comunicação social, para os quais é notícia “o homem que mordeu o cão”, fui levado pela minha intuição histórica a testemunhar a veemência das linhas de força negativas que estão a comandar as dinâmicas sociais mundiais dos primeiros anos do século XXI.
Não obstante, há bons sinais de esperança, mas para isso é preciso que homens e líderes se deixem guiar, q.b., por um pragmatismo temperado por alguns ideais utópicos. Em suma, como dizia o pensador francês Paul Ricouer, sem uma Humanidade que saiba cozinhar a ideologia, em voga, com ideais utópicos não se alcançarão os progressos desejáveis do nosso evoluir histórico coletivo como Humanidade.