DEBATE POLÍTICO RELATIVO AO SISTEMA ADMINISTRATIVO COLONIAL ENTRE 1919 E 1945
Verificamos com base na nossa investigação histórica[1] que o debate em torno da estruturação da administração colonial, nos anos de 1920 e 1930, não se cingiu à escolha dualitária entre centralizar ou descentralizar, porque abrangeu também os diferentes graus de operacionalização de cada uma destas tendências e os efectivos mecanismos de os concretizar.
Poder-se-à afirmar que a Historiografia actual tem andado equivocada ao considerar que este debate se limitou à escolha dicotómica entre as duas tendências, visto que na realidade a discussão política se centrou na amplitude a conferir à descentralização ou à centralização. Na verdade, a prova que o debate político não se restringia a esta dualidade é o facto dos tratadistas de Direito Colonial classificarem, na altura, os sistemas coloniais de acordo com a seguinte trilogia: sujeição, assimilação ou autonomia[2].
Por exemplo, o professor da Escola Superior Colonial José Gonçalo Santa-Rita, prestigiado teorizador da administração colonial[3], categorizou os sistemas administrativos da seguinte forma: de sujeição, eminentemente centralizador da estrutura administrativa; de assimilação, eminentemente uniformizador da estrutura administrativa de todo o território nacional ( metrópole e colónias ); e de autonomia, eminentemente descentralizador da máquina administrativa quase a meio caminho da completa emancipação política. Apreciava o sistema assimilador como mais equilibrado, porque não sendo autoritário concedia algumas liberdades às colónias, sem no entanto lhes facilitar uma futura desvinculação da soberania metropolitana.
Este teórico concordava em 1931 com a oportunidade do Acto Colonial, pelo seu carácter nacionalista, embora não o identificasse como consignando um sistema de sujeição para não lhe atribuir explicitamente um cariz centralizador. Afirmava, inclusivamente, que este diploma consagrava o regime de descentralização administrativo, não obstante reconhecesse, contraditoriamente, que concedia mais poderes à metrópole. Esta clara manipulação ideológica da opinião pública sucedeu, porque depois de intensa campanha de múltiplos e distintos publicistas nas primeiras três décadas do século XX a favor da descentralização administrativa colonial ( António Enes, Eduardo Costa, Júlio de Vilhena, José Ferreira Marnoco e Sousa, Rui Ulrich, Tomás de Almeida Garrett, etc ) era difícil sustentar uma posição doutrinária inequívoca propícia à centralização do sistema colonial.
Por conseguinte, o debate dos doutrinadores políticos girou quase sempre em torno do grau de concretização de uma orientação ou de outra ( centralização versus descentralização ). Deste modo, a amplitude assumida pelo debate da questão, em relação à forma como estruturar a administração colonial, está longe da visão simplificada da maioria dos Historiadores.
Contudo, esta polémica dividiu a sociedade portuguesa, embora tivessse havido uma defesa mais generalizada do princípio descentralizador, ao passo os defensores da tese centralizadora procuravam encobrir a sua posição asseverando que também lutavam por uma descentralização, porquanto o contexto histórico da doutrina internacional do Tratado de Versalhes de 1919 e dos antecedentes doutrinários portugueses do fim do século XIX e princípio do século XX eram claramente a favor da descentralização administrativa. Com efeito, historicamente podemos afirmar que desde 1895 com o Comissário Régio de Moçambique António Enes e depois com a realização do I Congresso Colonial Nacional[3] na Sociedade de Geografia de Lisboa em 1901 se tornou dominante na opinião pública a importância do princípio descentralizador da administração colonial.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Investigação histórica orientada pelas diligências incansáveis do Professor Doutor José Medeiros Ferreira.
[2] Cf. Júlio Monteiro Roque da Silveira, Lições da cadeira de Administração Colonial, Famalicão, Tipografia Minerva, 1931, p. 194.
[3] Congresso Colonial Nacional. Actas das sessões, Lisboa, Edição da Sociedade de Geografia de Lisboa, 1902.