OS DIAS DA MÚSICA NO CENTRO CULTURAL DE BELÉM E OS SONS DA CONTEMPORANEIDADE (1883-1945)
“Que a música moderna tende a desumanizar-se, isto é, a libertar-se,
a purificar-se do delirante subjectivismo romântico, é um facto”
in Fernando Lopes-Graça, “Apresentação de Stravinsky”,
in Música e Músicos Modernos – Aspectos, obras, personalidades,
Lisboa, Editorial Caminho, 1986, p. 204.
O festival de música erudita que o Centro Cultural de Belém, em Lisboa, tem acolhido, nos últimos anos, intitulado, inicialmente, “Festa da Música” e agora “Dias da Música” subordinou-se, este ano durante os dias 15, 16 e 17 de Abril, ao tema “Da Europa ao Novo Mundo 1883-1945”. Foi um caminho heterodoxo iniciado pelos seus programadores que quiseram abrir novos horizontes estéticos, geográficos e estilísticos aos sons escutados pelo público que se deslocou a Belém: foi um verdadeiro êxito que levou os espectadores ao rubro em alguns concertos. Houve, ainda, a feliz oportunidade para a divulgação dos jovens talentos musicais na programação “Escolas em palco”.
As rupturas estéticas, iniciadas nesta conjuntura histórica, procuraram novas formas de expressão que extravasassem as linhas melódicas e empáticas, tão próprias do movimento Romântico. Assim, nos finais do século XIX, a par das formas clássicas, apareceram outras estruturas expressivas que, por um lado, deram mais liberdade aos artistas e, por outro, tornaram a música mais abstracta e mais difícil de ouvir por parte do público leigo.
É, neste sentido, que o grande compositor português Fernando Lopes-Graça afirmava, em 1931, que a música se tinha desumanizado no início do século XX, porque esta seria nas suas palavras “pura matéria sonora”[1] que não teria de transportar, como acontecia no Romantismo, nenhum estado de espírito. Esta tese constituiu, certamente, uma crítica ao sistema atonalista (de Schoenberg, de Berg, de Webern, etc.) que pecava pela ruptura com as sequências harmoniosas que caracterizavam a música baseada nas tonalidades clássicas.
A ânsia da inovação estética e da criatividade artística desencadeou o fenómeno das multiplicidades estilísticas (impressionismo, neoclassicismo, atonalismo, blues, jazz, ecletismo, etc.), tal como se verificou, também, na pintura, que marcam a música desta época. Estas rupturas estéticas fizeram-se à custa de algumas polémicas que causaram indignação em muitos artistas, críticos e públicos que estranharam os novos caminhos trilhados pelos compositores inovadores.
Os Estados Unidos da América emergindo, a seguir à 1ª Guerra Mundial, como a nova potência internacional acabaram por se tornar o novo território criador de onde brotaram novos géneros musicais inspirados no cosmopolitismo social afro-americano como o “Blues” ou o “Jazz”.
Maurice Ravel (1875-1937), Igor Stravinsky (1882-1971) e George Gershwin (1898-1937) foram três grandes criadores musicais deste período que ampliaram a paleta de sonoridades do mundo ocidental. Destes autores geniais que estiveram em destaque, em vários concertos nos Dias da Música, deixo aqui alguns excertos de obras emblemáticas.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] “(…) para a nova corrente estética, para a música desumanizada, a música não é senão pura matéria sonora (…)” in Fernando Lopes-Graça, “Apresentação de Stravinsky”, in Música e Músicos Modernos – Aspectos, obras, personalidades, Lisboa, Editorial Caminho, 1986, p. 203.