DO INCONSCIENTE HUMANO DE SIGMUND FREUD AO NEOPOSITIVISMO IDEOLÓGICO DA AUSTERIDADE CEGA DA ATUALIDADE – UM BREVE ENSAIO DE FILOSOFIA DA HISTÓRIA
O pensamento Ocidental tem oscilado entre matrizes racionalistas e libertadoras do ser humano desde o século XVIII (Iluminismo, Romantismo, Positivismo, Subjetivismo psicanalítico, Utilitarismo Neo-liberal), no entanto só, talvez, a intervenção da psicologia moderada ao dar azo a uma síntese equilibrada da dualidade humana (corpo/espírito e racionalidade/emoção que se estampou no conceito operacional de inteligência emocional) proporcionou a compreensão da complexidade do Homem que já tinha sido entendida pelos filósofos da Antiguidade Clássica.
O primado da doutrina Neo-liberal na História da Humanidade desde os anos 70/80 do século XX foi uma tentativa de imprimir uma racionalidade baseada em interesses materiais às sociedades ocidentais, a tal ponto que nestes países se recorrem a formas de espiritualidade vindas do oriente para as pessoas conseguirem, de novo, novas formas de equilíbrio.
O prestigiado economista Amartya Sen, vencedor do Prémio Nobel, chamou a atenção para a importância do Desenvolvimento Humano, que passa pela liberdade de cidadania, evidenciando que o conceito de Desenvolvimento Económico é muito restritivo para a riqueza multidimensional do ser humano, como o demonstrava já Papa Paulo VI, em 1967, na sua atualização da Doutrina Social da Igreja.
Este economista mostrou, com rara lucidez e profundo sentido de equilíbrio, que o Neo-liberalismo do fim do século XX e início do século XXI impulsionou a globalização financeira que desencadeou crescentes injustiças sociais e a secundarização dos Direitos Humanos como tem sido expresso pelos vários relatórios, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, da ONU, que se traduziram no programa humanitário dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio que estão muito longe de ser alcançados.
Assim, o nefasto papel ideológico de Milton Friedman, de Frederich Hayek e de muitos outros gurus tem inculcado nas instâncias internacionais de poder (FMI, Banco Mundial, OCDE, Comissão Europeia, OMC, G 20, Fórum de Davos, etc) a premência da ideologia Neo-liberal tomada como pensamento único que os seus ideólogos e propagandistas procuram defender e fazer crer como racional.
Milton Friedman numa perspetiva redutora da natureza humana à luz do Direito Natural, ergueu-se como grande ideólogo desta corrente, que se quer absolutista, sustentando os interesses incomensuráveis do grande Capital. Na verdade, este processo político do Neo-liberalismo, procurando ocultar a máxima de Aristóteles de que “o Homem é um animal político”, guiou o processo de globalização financeira que tornou exponencial o crescimento das injustiças sociais e secundarizou os Direitos Humanos por incapacidade dos Estados, ilegitimamente endividados por mecanismos especulativos, e por absoluta ausência de instituições internacionais fortes capazes de meios de coerção.
A “economia de casino” ancorada na especulação e na Globalização Financeira deram azo à degradação da economia real, isto é, dos setores produtivos, ou seja, o nível de dinheiro a circular supera múltiplas vezes a capacidade produtiva mundial, o que explica o grande volume de agiotagem internacional.
A desregulamentação da Globalização, empreendida sob a influência da ideologia Neo-liberal, desde os consolados internacionais de Ronald Reagan e de Margaret Thatcher, conduziram a uma “economia de casino” internacional divorciada da economia real e da vida das pessoas, tendo instaurado a instabilidade e a incerteza nas economias com taxas de juro que agravaram as dívidas dos países em dificuldades e avolumaram as taxas de desemprego.
A grande consequência dos mecanismos de interdependência internacional foi o risco sistémico do mercado financeiro unificado propagar os problemas de forma planetária. Com efeito, só com uma ideologia moderada e o reforço de instituições supranacionais se poderá garantir uma Humanidade com maior qualidade de vida e coesão internacional, isto é, afastando crescentes desigualdades sociais e o risco de novas guerras mundiais, agora que estamos nas vésperas do funesto Centenário da 1ª Guerra Mundial (1914-2014).
O pensamento único levou o jornalista Joaquim Furtado a questionar se a realidade se poderá ter tornado inconstitucional, mas se de facto isso acontecesse as democracias deixariam de existir e os Estados de Direito deixariam de ter colunas vertebrais. Deste pressuposto incontornável não se pode sair, por muito que os ideólogos do Neo-liberalismo bem gostassem de o rebater com argumentos fiáveis.
Como já indicámos, de forma implícita, que o Positivismo e o seu pretenso racionalismo, do fim do século XIX e início do século XX, deram lugar à compreensão da complexidade da mente humana com os estudos da Psicanálise, sem que, no entanto, os psicólogos cognitivistas da escola norte-americana do Behavorismo se tenham deixado influenciar pelos pressupostos da complexidade da natureza humana.
Para responder ao aparente caos humano, à luz da lógica Neo-liberal, imposto pela psicologia introspetiva nas Ciências Humanas surgiu, a par da corrente Behaviorista, a ideologia Neo-positivista do Neo-liberalismo que pretende dar uma pretensa racionalidade às dinâmicas sociais na economia manietando comportamentos à mera consideração da sua eficácia humana. Daí que as avaliações quantitativas e estatísticas se tenham tornado hegemónicas.
Vítor Bento, reputado economista, enfatiza num ângulo Neo-liberal a necessidade de limitar as análises económicas a dois polos (os limitados recursos existentes e o número de indivíduos a ter em conta) menosprezando, de forma ideológica, que a problemática tem de ser encarada tomando em linha de conta três polos de considerações, ou seja, os dois já anteriormente referidos e a natureza humana com o que ela tem de ligação indissolúvel a uma liberdade não apenas de escolha no mercado, mas também de escolha de outros fatores de ordem subjetiva.
Desta problemática, é que o economista Vítor Bento não pode fugir, porque é inerente à natureza humana desde Aristóteles a António Damásio, passando, claro está, pela Psicanálise. Nós sabemos que seria mais fácil a gestão da Humanidade se fosse encarada do ponto de vista de uma objetividade que vale pelos números e pelas estatísticas aplicada a objetos, mas não vale para números aplicados a pessoas. Deste impasse Civilizacional a avaliação estatística Neo-liberal não se livra, conquanto esta bem gostasse de encontrar uma panaceia pseudo-científica para lidar com os imponderáveis da natureza humana.
Em síntese, enquanto não houver uma prevalecente ideologia moderada, a par de instituições supranacionais de governação mundial que imponham o respeito pelos princípios sacrossantos defendidos pelas Nações Unidas, corremos o risco desta Globalização ancorada no Neo-liberalismo perverter, de forma definitiva, as democracias e de aniquilar os fundamentos filosóficos de um Humanismo Ético. Convém, pois, que os responsáveis e os cidadãos ponderem nestas questões que moldam a História Contemporânea da Humanidade até à atualidade.
Nuno Sotto Mayor Ferrão