L. H. BERLIOZ (1803-1869), BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A MÚSICA DESTE COMPOSITOR ROMÂNTICO FRANCÊS
No dia 24 de Abril tive o privilégio de assistir à virtuosa interpretação da Sinfonia Fantástica, Opus 14, de Luís Hector Berlioz (1803-1869) nos “Dias da Música” do Centro Cultural de Belém. Esta obra, criada em 1830, distingue-se pelo contraste entre momentos melódicos de grande beleza, em andamentos lentos, e fases de grande arrebatamento emocional que fizeram vibrar entusiasticamente a plateia do grande auditório. A Orquestra Sinfónica Metropolitana de Lisboa, que executou primorosamente esta obra, foi dirigida pelo maestro Nir Kabaretti que teve uma notável prestação acompanhada pela sua exuberante expressividade corporal nos pulos ritmados evidenciados e na prodigiosa gesticulação da batuta como comandante da sinfonia.
Esta obra-prima da música romântica foi dedicada à actriz Henrietta Constance Smithsons que lhe serviu de inspiração para esta composição, com quem viria a casar apesar de futura separação. Com efeito, esta obra resultou da inspiração recebida na representação desta actriz na peça dramática “Hamlet” de W. Shakespeare e pela leitura de “Fausto” de J. W. von Goethe. É possível que Berlioz se tenha identificado com o simbolismo deste intemporal poema em que o médico e alquimista Dr. Fausto se sente insatisfeito com a ciência e arranja forma de estimular a paixão pelo seu ofício, porque se nos lembrarmos do seu percurso biográfico a seguir evocado percebemos esta dedução.
Berlioz esteve destinado a ser médico por pressão familiar, mas acabou por seguir a sua vocação musical num ímpeto claramente romântico e tornou-se maestro e compositor. Desenvolveu a sua têmpera emocional no contexto do ambiente cultural francês, tendo convivido com os escritores Alexandre Dumas, Victor Hugo e Honoré de Balzac. Esta peça musical de Berlioz é bem emblemática do espírito romântico caracterizado pela libertação em relação aos cânones das partituras clássicas e pelo arrebatamento sentimental.
Sob o signo do livro “Paixões da Alma” do filósofo René Descartes (1596-1650) o Centro Cultural de Belém organizou este ano os “Dias da Música” nos dias 23, 24 e 25 de Abril neste evento de democratização da cultura com sessões contínuas de música erudita a preços convidativos. Todavia, fazem falta concertos gratuitos de música clássica, que no fim dos anos oitenta se faziam nas ruínas do Convento do Carmo em Lisboa nas quentes noites de Verão, pois prestaram um notável serviço público neste simbólico monumento para sempre ligado à genética Revolução do 25 de Abril de 1974 que hoje comemoramos.
Afigura-se-nos que existe uma insofismável contradição entre o racionalismo deste pensador francês e a música romântica, pois a alma segundo os românticos reside no coração, que faz palpitar e estremecer o público com os andamentos sinfónicos recheados de “Allegro(s)”, de “Vivace(s)” e de “Appassionato(s) Assai”., enquanto o racionalismo de R. Descartes estava sobretudo preocupado com a sistematização das paixões. Na verdade, na senda dos ensinamentos de António Damásio e de Daniel Goldman que evidenciaram, no fim do século XX e início do XXI, à Humanidade a importância da inteligência emocional, a qual implica a plena fruição da sensibilidade e, ao mesmo tempo, a gestão de racional sensatez dos impulsos emotivos.
É, sem dúvida, uma obra a ter em conta para quem queira ter um reportório discográfico do Romantismo. Recomendo, pois, a audição atenta desta inebriante peça nestes fantásticos dias Primaveris… Pessoalmente, já não ouvia esta música há uns largos anos, tendo-a numa gravação em disco vinil que já não escutava desde o século passado.
Nuno Sotto Mayor Ferrão