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Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão

Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.

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UMA PINTURA EMBLEMÁTICA DE FRANCISCO DE GOYA – “3 DE MAIO DE 1808”

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O quadro de Francisco Goya intitulado 3 de maio de 1808 tem dimensões grandiosas, não patentes em obras de reprodução (2,68m X 3,47m), como é o caso de uma pequena exposição disponibilizada pelo Museu do Prado à embaixada de Espanha. Datado de 1814, tem como técnica a pintura a óleo sobre tela no estilo artístico romântico.

 

A obra reproduz o acontecimento histórico que foi precedido da revolta da população madrilena contra os invasores franceses, ou seja, as tropas napoleónicas. Neste ambiente de insurreição, Goya pintou um grupo de 400 habitantes de Madrid, que tendo sido encontrado com armas, foi fuzilado na colina Príncipe Pio, na data que confere título à obra.

 

Salientam-se algumas caraterísticas românticas nesta pintura de Goya, fazendo-nos lembrar da obra de Pablo Picasso intitulada Guernica, que retratou a colossal tragédia da guerra civil espanhola. De facto, esta peça pictórica de Goya influenciou outras pinturas posteriores, em particular de Édouard Manet, pintor impressionista, e de Pablo Picasso, pintor cubista.

 

Aparecem como traços distintivos desta pintura: o horror sanguinário do grupo de madrilenos já fuzilados, à semelhança dos seres desmembrados no quadro de Picasso; a iluminação com um laternim gigante das figuras, que estavam prestes a ser fuziladas e se encontravam desesperadas, como se observa nas suas fisionomias de terror, escondendo-se alguns atrás de outros e vários atrás das mãos, para não verem a cena terrífica dos mortos estendidos no chão e o grupo anónimo dos carrascos do exército imperial napoleónico com armas apontadas aos insurretos.

 

Se, por um lado, tematicamente a pintura se enquadra no romantismo de forma inequívoca, com um episódio histórico a ser retratado em todo o seu dramatismo, por outro, do ponto de vista técnico, a obra é ainda herdeira dos contrates claro/escuro das pinturas barrocas, com uma iluminação teatral das figuras, em pânico, prestes a serem fuziladas.

 

Esta pintura foi criada, em 1814, no momento em que a Espanha já se tinha libertado das tropas francesas invasoras, tendo sido alvo de restauro técnico e encontrando-se atualmente patente no Museu do Prado, em Madrid.

 

Realçam-se, na pintura, elementos simbólicos bastante relevantes, como sejam o frade tonsurado, que traduz implicitamente o apoio da Igreja Católica, em Espanha, à resistência dos madrilenos e a figura central, com uma camisa branca e os braços levantados em sinal de rendição, que muitos associam a Jesus Cristo crucificado devido à sua posição de braços abertos e aos estigmas nas palmas das mãos.

 

Em suma, trata-se de uma obra-prima da pintura universal do pintor espanhol Francisco Goya, que retratou, com espírito romântico, a tragédia das tropas imperiais napoleónicas a espalharem os seus ideais liberais na ponta das armas, violentando as populações ocupadas com a brutalidade de um fuzilamento, mas, na verdade, a esconder interesses geopolíticos.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

BIBLIOGRAFIA DE NUNO SOTTO MAYOR FERRÃO (ATUALIZAÇÃO) E CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS

 

 

*Nuno Sotto Mayor Ferrão, “Breve evocação do Padre Manuel Antunes – No Centenário do seu nascimento (1918-2018)”, in Nova Águia, nº 22, 2º semestre de 2018, pp. 216-218 (no prelo).

 

*Idem, "A Nova Águia e cultura lusófona, das suas raízes identitárias a um futuro coletivo de esperança", in Nova Águia, nº 20, 2º semestre de 2017, pp. 235-240.

 

*Idem, "O Padre António Viera, um precursor do espírito e da convivência lusófona no Século XVII” in Nova Águia, nº 19, 1º semestre de 2017, pp. 103-111.

 

*Idem, “O Padre António Viera, um precursor do espírito da convivência lusófona no Século XVII”, in Brotéria, vol. 183, nº 5/6 – novembro/dezembro de 2016, pp 367-383.

 

* Idem, "A arte no pensamento de Vergílio Ferreira" in Nova Águia, nº 18, 2º semestre de 2016, pp. 61-66.

 

* Idem, "Ramalho Ortigão e a salvaguarda do património histórico-artístico - Nos 120 anos da obra 'O Culto da Arte em Portugal' (1896-2016)" in Nova Águia, nº 17, 1º semestre de 2016, pp. 115-120.

 

*Idem, “Ramalho Ortigão e a salvaguarda do património histórico-artístico – Nos 120 anos da obra ‘O Culto da Arte em Portugal’ (1896-2016)”, in Brotéria, vol. 182, fevereiro de 2016, pp. 133-144.

 

*Idem”, “O cosmopolitismo modernista e lusófono na Revista Orpheu – Evocação no seu centenário”, in Brotéria, vol. 181, julho de 2015, pp. 41-50.  

 

*Idem, “O cosmopolitismo modernista e lusófono na revista Orpheu”,  in Nova Águia, nº 15, 1º semestre de 2015, pp. 18-24.

 

*Idem, “A I Guerra Mundial na imprensa portuguesa – no centenário da Grande Guerra”, in Brotéria, vol. 180, nº 1 – janeiro de 2015, pp 33-44.

 

*Idem, “A I Guerra Mundial na imprensa portuguesa e na revista A Águia”, in Nova Águia, nº 14, 2º semestre de 2014, pp. 231-238. 

 

*Idem, “A atualidade internacional da Doutrina Social da Igreja no contexto da globalização”, in Brotéria vol. 178, nº 7/8 – julho/agosto de 2014, pp 33-44.

 

*Idem, “Balanço diacrónico (1974-2014) da Revolução de 25 de Abril”, in Nova Águia, nº 13, 1º semestre de 2014, pp. 57-63.

 

*Idem, “Nos 80 anos do historiador José Mattoso: a sua viva lição de sabedoria”, in Nova Águia, nº 12, 2º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 162-163.

 

*Idem, “António José Saraiva como cidadão e historiador: nos 20 anos da sua morte”, in Nova Águia, nº 12, 2º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 153-159.

 

*Idem, “A poesia portuguesa: o mar e a lusofonia”, in Nova Águia, nº 11, 1º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 23-24.

 

*Idem, “As linhas de força do pensamento historiográfico de Jaime Cortesão”, in Nova Águia, nº 11, 1º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 130-135.

 

*Idem, “A Renascença Portuguesa e o percurso político e historiográfico de Jaime Cortesão”, in Nova Águia, nº 9, 1º semestre de 2012, Sintra, Zéfiro Editora, 2012, pp. 138-144.

 

*Idem, “Relativismo Ético na História Contemporânea (1914-2010)”, in Brotéria, nº1, volume 174, Janeiro de 2012, pp. 47-51.

 

*Idem, “A dinâmica histórica do conceito de Lusofonia (1653-2011)” in Nova Águia, nº 8, 2º semestre de 2011Sintra, Zéfiro Editora, 2011, pp. 204-208.

 

*Idem, "Fernando Pessoa: o sentimento lusófono na sua obra", in Nova Águia, nº7, 1º semestre de 2011, Sintra, Zéfiro Editora, 2011, pp. 34-38.

 

*Idem, "Alexandre Herculano, aspectos da vida e obra e sua ascendência ideológica sobre o Republicanismo", in Sintra, Zéfiro Editora, Nova Águia, nº 6 - 2º semestre de 2010, pp. 130-135.

 

*Idem, "Leonardo Coimbra, a revista 'A Águia' e o panorama cultural contemporâneo", in Nova Águia, nº 5 - 1º semestre de 2010, Sintra, Editora Zéfiro, pp. 34-36.

 

*Idem, Aspectos da vida e obra do Almirante Sarmento Rodrigues (1899-1979), Mirandela, Edição Câmara Municipal de Freixo de Espada-à-Cinta, 1999, 293 p.

 

*Idem, O pensamento colonial de Sarmento Rodrigues enquanto Ministro do Ultramar (1950-1955), Dissertação de Mestrado em História Contemporânea, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1997, 233 p.

 

Citações bibliográficas do autor:

 

» Clio: revista do Centro de História da Universidade de Lisboa, “Resumo das Teses de Mestrado em Letras (História)”, Lisboa, 1996, p. 168.

 

» Joaquim Veríssimo Serrão, “Do berço humilde em Freixo à imortalidade da História”, Almirante Sarmento Rodrigues, 1899-1979: testemunhos e inéditos no centenário do seu nascimento, Academia de Marinha e Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta, Lisboa, 1999, p. 163.

 

» Cadernos de Estudos Africanos – Memórias Coloniais, Lisboa, Centro de Estudos Africanos do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, 2006, p. 150.

 

» Cultura - Revista de História e Teoria das Ideias, vol. 25, 2008, Lisboa, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, pp. 33 e 44. 

 

» António E. Duarte Silva, “Sarmento Rodrigues, a Guiné e o lusotropicalismo”, in Cultura: Revista de História e da Teoria das Ideias Lisboa, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, vol. 25, 2008, p. 44. (António E. Duarte Silva, « Sarmento Rodrigues, a Guiné e o luso-tropicalismo », Cultura [Online], Vol. 25 | 2008, consultado a 29 julho 2014. URL :http://cultura.revues.org/586.

 

» Ana Reis e João Garrinhas, “2 anos sob tutela autárquica”, inProfforma (Revista do Centro de Formação de Professores do Nordeste Alentejano), nº 2, março de 2011, pp. 1-7.

 

» Victor Andrade de Melo, “O esporte na política colonial portuguesa: as iniciativas de Sarmento Rodrigues na Guiné (1945-1949)”, in Revista Brasileira de  História, vol.34, no. 68, São Paulo, July/Dec. 2014, pp. 179,180 e 189.

 

» Rui Jorge Martins, “Rui Chafes, René Girard, Ramalho Ortigão e José Luís Peixoto na Brotéria“, Secretariado Nacional da Pastoral da Cultural (portal da internet).

Disponível em:

http://www.snpcultura.org/rui_chafes_rene_girard_ramalho_ortigao_jose_luis_peixoto_na_broteria.html

Acesso em 09.05.2016.

 

» Sérgio Neto, Do Minho ao Mandovi – Um estudo sobre o pensamento colonial de Norton de Matos, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, p. 317.

 

» Álvaro Henriques do Vale, Do Mapa Cor de Rosa à Europa do Estado Novo, Lisboa, Chiado Editora, 2015, nota 145.

 

» Isabel Maria Freitas Valente (Coord.), Europa, Mobilidades, crises, dinâmicas culturais, Pensar com Maria Manuela Tavares Ribeiro, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017, p. 404.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

A ARTE TAUROMÁQUICA NA HISTÓRIA DE PORTUGAL E A SUA POLÉMICA ATUAL

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Desde a Idade Média que o combate com o touro, em Portugal, se veio a transformar numa manifestação artística. Rezam as crónicas que os reis portugueses feriam com lanças os touros. São conhecidos os casos régios de D. Sancho I e de D. Sebastião como toureiros.

 

É já, em pleno século XV, que as touradas assumem uma forma organizada. D. Duarte, no seu tratado Ensinança de bem Cavalgar toda a sela de 1438, já abordava o combate com o touro. No entanto, será mais tarde o rei D. Sebastião a popularizar a arte tauromáquica, ao ordenar a construção de uma praça de touros em Xabregas, em Lisboa, e ao tourear na arena de Almada.

 

Data do século XVII a técnica dos forcados com lança, designados ‘peões lança’, e o primeiro tratado do toureio, cujo autor se chamava António Galvão de Andrade. Contudo, é no reinado de D. João V que se encontram as raízes da corrida à portuguesa com espectáculos faustosos, vestuários e adereços requintados. No século XVIII, começaram a difundir-se as praças de touros no país, sendo edificada a primeira praça taurina redonda, uma vez que, até à altura, tinha uma forma retangular.

 

No século XIX, deram-se transformações importantes com a abolição da morte do touro, por proibição formalizada em decreto real, nas praças taurinas e com a substituição da vara pela farpa. Um dos momentos altos, nesta centúria, foi a realização da grandiosa tourada de gala na Praça do Campo Pequeno, em 1898, para celebrar o 4º Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia. Nesta corrida, além do toureiro a cavalo surgiram os forcados com o vestuário atual. Já no século XX, o cavaleiro João Branco Núncio iniciou uma renovação artística do toureio a cavalo[1].  

 

A proibição concretizada da morte dos toiros, em plena arena, foi decretada durante a Ditadura Militar, em 1928, não obstante terem-se morto, posteriormente, em diversas ocasiões toiros no país.

 

Na atualidade, o debate em torno da arte tauromáquica tem-se reacendido nesta segunda década do século XXI. Devem as corridas de toiros acabar em Portugal? No leque partidário português, unicamente o BE e o PAN contestam a legitimidade das touradas.

 

O constitucionalista Vital Moreira recusa a realização das corridas de touros, afirmando que a tortura dos animais para gáudio do público configura um sadismo próximo das barbaridades, que entusiasmavam os romanos no Coliseu no tempo do império. Na sua argumentação, o constitucionalista frisa que este espectáculo significa uma degradação da dignidade humana.

 

O BE defende a erradicação paulatina deste espectáculo com a proibição da transmissão de corridas de toiros em televisões de canal aberto e o fim das subvenções públicas a estes eventos. O PAN, de forma mais radical, sustenta a necessidade do poder político ter a coragem de erradicar este espectáculo.

 

Gabriela Canavilhas, ex-ministra da Cultura, afirmou com pertinência que o espectáculo taurino é uma expressão cultural significativa, em que a maioria da população portuguesa se revê, pelo que não há razão de força maior para acabar com as touradas, dado que é uma tradição inegável do património cultural português, apesar das crescentes manifestações antitaurinas realizadas pelos defensores dos animais. O PSD, o CDS e o PCP contestam a proibição legal das touradas porque, sublinham, se trata de uma manifestação da cultura popular portuguesa, que reunem muitos aficcionados e espectadores.

 

Nos anos de 2013 e de 2014 houve, em cada um destes períodos, mais de 400 mil assistentes aos espectáculos tauromáquinos portugueses, em número superior a 200 anualmente, em conformidade com os dados da Inspeção-Geral das Atividades Económicas[2].

 

Em suma, a liberdade de escolha dos cidadãos e o valor das tradições culturais portugueses fundamentam que não se decrete a proibição das touradas, pois se estas terminarem deve ser de forma espontânea.

_____________________

[1] Jorge Mathias, “Tourada em Portugal”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol. 2, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, pp. 291-292.

[2] Disponível em: jornal i, “Touradas, a polémica está de volta”, 24 de agosto de 2015 in <https://ionline.sapo.pt/408352> Acesso em: 8 de setembro de 2018. 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

VI CENTENÁRIO DA DESCOBERTA DA MADEIRA (1418?-2018) - UMA BREVE EVOCAÇÃO HISTÓRICA

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As fontes históricas conhecidas não permitem datar, com exatidão, a chegada dos portugueses às ilhas de Porto Santo e da Madeira, havendo divergências na historiografia sobre a data deste acontecimento desde o século XIX. As autoridades madeirenses preferiram comemorar a descoberta oficial de Porto Santo, em 2018, com base numa versão historiográfica da datação, que não recolhe o consenso dos peritos.

 

João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz Teixeira e Bartolomeu Perestrelo foram os navegadores responsáveis pelo achamento destas ilhas atlânticas, que se encarregaram também do seu povoamento inicial.

 

As ilhas da Madeira e de Porto Santo eram conhecidas desde o século XIV, como o provam documentos cartográficos, segundo os estudos de Armando Cortesão, mas foi, efectivamente, por volta dos anos de 1418-1420 que foram descobertas oficialmente. Assim, na cartografia estrangeira do século XIV aparece já a toponímia de origem portuguesa nestas ilhas atlânticas.

 

Sendo certo que, desde 1425, os seus territórios começaram a ser povoados, apenas nas décadas de 1440 e de 1450 se constituíram as capitanias-donatarias de Machico, do Funchal e de Porto Santo, atribuídas pelo Infante D. Henrique àqueles navegadores, com amplos poderes de administração civil, criminal e económica, configurando, no fim da Idade Média, um autêntico regime senhorial.

 

A ilha da Madeira constituiu-se ainda no século XV como uma importante plataforma comercial. Nesta atividade mercantil avultaram, como principais produtos de exploração silvícola e agrícola, a madeira, o pastel e a urzela como plantas tintureiras, o trigo, o vinho e o açúcar.

 

Nos primeiros anos do segundo quartel da centúria, afirmou-se o trigo como cereal escasso na metrópole e, a partir da década de 1470, o açúcar como o produto preponderante de comercialização.

 

Como é consabido, a Madeira era conhecida dos navegadores portugueses desde o século XIV, mas na realidade já se efectuavam contactos marítimos com os territórios desde a Antiguidade, ou seja, desde o século VII a. C..

 

As navegações iniciais de Trezentos à Madeira encontram-se descritas em fontes históricas como a Relação de Francisco Alcoforado, do primeiro quartel do século XV, o escrito de Gaspar Frutuoso As Saudades da Terra, do fim do século XVI, e a Crónica dos Feitos da Guiné de Gomes Eanes de Zurara.

 

É bastante provável que a descoberta oficial da Madeira tenha acontecido no contexto das navegações atlânticas, ao longo das costas do Norte de África, por ação de ventos e de correntes marítimas inusitadas.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

 

 

A VISÃO ESPIRITUAL E HOLÍSTICA DE TEILHARD DE CHARDIN (1881-1955)

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“Nossa geração e as duas precedentes quase só ouviram falar de conflito entre Fé e Ciência. (...) Ora, à medida que a tensão se prolonga, é visivelmente sob uma forma muito diferente de equilíbrio – não eliminação, nem dualidade, mas síntese – que parece haver de se resolver o conflito."

                                                                                      Teilhard de Chardin, O fenómeno humano

Pierre Teilhard de Chardin afirmou-se no mundo como um padre jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo francês, nascido em França no último quartel do século XIX, que procurou ter uma visão conciliadora da ciência e da fé cristã, na senda dos trabalhos inconclusivos do Concílio Vaticano I (1869-1870). Esta proposta surgiu no seio de um contexto claramente anticlerical, no início do século XX. No entanto, a sua atitude de compaginar as duas perspetivas foi mal recebida pela Igreja Católica e pelos setores republicanos laicos.

 

A adversidade com que foi acolhida a sua perceção teológica levou a Igreja Católica a proibi-lo de lecionar nas suas escolas e de publicar as suas obras teológicas. Os seus polémicos pontos de vista sobre o pecado original originaram uma censura da Igreja Romana até aos anos 70 do século XX, pelo que só nos últimos Pontificados de S. João Paulo II, Bento XVI e Francisco houve um reconhecimento pleno do valor da sua obra teológica.

 

Educado numa família fortemente católica, Chardin entrou na Companhia de Jesus, como aprendiz, em 1899. No seu país, sofreu num ambiente fortemente anticlerical, o que o obrigou a prosseguir estudos em Inglaterra, onde se licenciou em 1902, em filosofia e em letras. Em 1911 foi ordenado sacerdote. Nos anos de 1912 a 1914 tirou o curso de Paleontologia, no Museu de História Natural de Paris, permitindo-lhe desenvolver pesquisas científicas, tendo visitado em Espanha as pinturas murais pré-históricas de Altamira.

 

Foi mobilizado para os contingentes da 1ª Guerra Mundial como carregador de macas e capelão nas trincheiras. Nas frentes de batalha, nesse contexto histórico infernal, escreveu textos místicos, onde se cruzam conhecimentos científicos, filosóficos e teológicos. De facto, este jovem cientista jesuíta, na qualidade de maqueiro, conseguiu conceber uma verdadeira mística cristã.

 

Exprime a sua fé inabalável no complicado contexto da guerra das trincheiras, de modo que os seus escritos de guerra vão ser a base concreta do seu pensamento místico com os ensaios Meio místico, de 1917, e Meio divino de 1926-1927. É espantoso que no cenário de guerra tenha delineado uma mística cristã, que o terá ajudado a manter o equilíbrio psíquico e humano. Esta sua capacidade invulgar irá fazê-lo revelar-se um grande intelectual e escritor cristão[1].

 

Nestes testemunhos vivenciais, vemo-lo valorizar as competências contemplativas perante a arte e a natureza. Na realidade, o seu sentido místico procurou perante o caos exterior pontos internos de estabilidade, de paz e de Absoluto. Tal como a espiritualidade de Santo Inácio de Loyola, também a de Chardin faz sobrevir a presença de Deus no coração humano, nos momentos de sucesso e de fracasso na vida.

 

Segundo o seu entendimento, a verdadeira prova de fé emerge nos momentos de crise, dando ao Homem vitalidade nesses momentos difíceis. Só em Deus o Homem encontra o sentido da sua existência terrena, daí o vácuo niilista e o aspeto pernicioso do secularismo no mundo contemporâneo. E, na verdade, um projeto de vida cristã enforma exigências éticas. O ser místico no seu pensamento vive a presença divina em todas as suas circunstâncias existenciais, reinventando uma vivência mística, não como fuga ao real, mas como imersão do divino no concreto da existência.

 

Na sua conceção, a instauração do “Reino de Deus” só é possível com uma ação mística na concretude da realidade do mundo. Apenas o espírito divino encaminha, de forma transformadora, as atitividades humanas. O místico para Teilhard de Chardin deve unir-se a Deus, mas empenhar-se na vida quotidiana para que  consiga uma dinâmica edificadora do “Reino de Deus”.

 

Por outras palavras, no seu pensamento sustenta uma mística da ação, que não relega para o plano secundário a contemplação pois a mesma parte do encontro com Deus. Este misticismo opera sob o espírito de Deus para se converter numa ação humana, o que antecipa o rumo orientador do Concílio Vaticano II. Ele tornou-se num místico pela experiência vivida, como luz divina, no terrível turbilhão da 1ª Guerra Mundial. Este sentido da sua espiritualidade depreende-se da seguinte passagem do estudo de Michel Renaud:

 

“(...) Aqui estamos no coração da mensagem cristã e no momento culminante da experiência mística de Teilhard. Com efeito, uma nova inversão de atitude surge para o ser humano – Teilhard diria: para a alma – que procura com toda a sua ação unir-se ao Princípio divino mediante a transformação do mundo. (...)”.[2]

 

Após a Grande Guerra, continuou os estudos, tendo-se doutorado, a 22 de março de 1922, na Universidade da Sorbonne com a tese Os mamíferos do oceano inferior francês e seus sítios. Nos anos 20 tornou-se professor de Geologia no Instituto Católico de Paris.

 

Como teólogo aceitou a teoria evolucionista darwinista e procurou fazer uma síntese entre a ciência e a fé cristã. Em 1922, escreveu umas observações sobre o pecado original, que causaram intenso escândalo na Santa Sé, tendo sido acusado por esta de dissidente doutrinário, obrigando-o a abandonar a docência universitária em Paris e a refugiar-se na China. Em Pequim, realizou diversas expedições paleontológicas e colaborou na descoberta de um hominídeo fossilizado, chamado homem de Pequim. Neste país, escreveu nos anos seguintes as suas principais obras teológicas O meio divino e O fenómeno divino.

 

Devido ao seu grande prestígio intelectual internacional, em 1948 foi convidado a lecionar no Collège de France, apesar da pressão dissuasora do Vaticano que o terá proibido de lá lecionar. Acabou por leccionar na Universidade da Sorbonne, dando estímulo à elaboração da obra O grupo zoológico humano. Em 1950, foi eleito membro da Academia de Ciências de Paris, mas o Papa Pio XII criticou o teor das suas ideias teológicas.

 

Nos anos 50 mudou a sua residência para Nova Yorque, onde acabou por falecer em 10 de abril de 1955. Deixou um vasto legado científico em livros e artigos de revistas especializadas. De 1955 a 1976 as Éditions du Seuil editaram as obras completas de Teilhard de Chardin, que foram ainda traduzidas para diversas línguas.

 

Em 12 de maio de 1981 e durante a comemoração do centenário do seu nascimento, a Igreja Católica reconheceu o valor da sua obra teológica, que a partir de então incorporou as suas ideias no seu corpo discursivo. Existe uma evidente correlação entre a sua visão de paleontólogo e a sua perceção filosófica, teológica e mística, respeitante à evolução do Universo do início até ao despertar da consciência humana, devendo esta dialéctica desembocar no “Cosmo como hóstia viva”, como relembrava Bento XVI.

 

Em suma, Teilhard de Chardin concebia um panenteísmo cósmico em que Deus e o Universo se interrelacionam, favorecendo assim a evolução global. Entre as suas principais obras teológicas contam-se Ciência e Cristo, O fenómeno humano e O meio divino.

______________

[1] Michel Renaud, “Teilhard Chardin em 1917: das trincheiras à génese de um Pensamento Místico”, in Brotéria – Cristianismo e Cultura, volume 185, dezembro de 2017, pp.1037-1064.

[2] Idem, Ibidem, p. 1059.

Nuno Sotto Mayor Ferrão

O BOM SENSO NA COMUNIDADE INTERNACIONAL E OS PROCESSOS DE PAZ E DE JUSTIÇA NO MUNDO

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O bom senso é um conceito ligado à percepção intuitiva de razoabilidade, que faz as pessoas prever as consequências das suas ações, instigando-as a bons julgamentos e a boas escolhas.

 

Segundo o filósofo grego Aristóteles, o bom senso era a condição indispensável para uma conduta ética e esta passaria por achar o meio termo entre hipóteses eventualmente antagónicas. Deste modo, o bom senso é a capacidade humana espontânea de fazer o que é mais correto, mas dentro de certos procedimentos considerados normais pela maioria das pessoas. Será que Donald Trump, Kim Jong-un, Pedro Pablo Kuczynski, Mariano Rajoy e Jimmy Morales estão a revelar atitudes sensatas, patenteando bom senso?

 

O Presidente Donald Trump decidiu, sem qualquer bom senso, transferir a embaixada dos EUA para Jerusálem e reconhecer, unilateralmente e à revelia da comunidade internacional e das Nações Unidas, esta cidade como capital de Israel para grande júbilo de Benjamin Netanyahu. Para Israel, Jerusalém tem sido a capital do Estado judaico, mas sem que tenha havido um reconhecimento internacional desta situação. Os EUA e a Guatemala transformaram-se, até ao momento, nos únicos países do mundo a fazer este reconhecimento.

 

O conflito israelo-palestiniano parece entroncar na fundação de Israel, em 1948, arrastando-se in illo tempore, pelo que lançar mais achas para a fogueira não parece ser de bom senso... Isto porque Israel considera Jerusalém, cidade santa, a sua capital, mas também os palestinianos, que aspiram à criação do seu próprio Estado, sustentam que Jerusalém-leste deverá ser a capital deste eventual futuro Estado Palestiniano. A falta de razoabilidade desta decisão de Donald Trump está no facto do estatuto de Jerusalém dever ser definido em negociações entre os israelitas e os palestinianos, como o consagram diferentes resoluções da ONU.

 

No absurdo discurso do início de dezembro de 2017, Donald Trump defendeu o direito de Israel e da Palestina de coexistirem, futuramente, como dois Estados soberanos e que tudo fará para ajudar a implementar uma solução pacífica. No entanto, as consequências previsíveis dum agravamento da tensão entre israelitas e palestinianos fizeram-se sentir, de forma bem visível, na comunicação social, logo após o insensato anúncio do Presidente dos EUA.

 

Porém, após a sua declaração formal é que apelou à calma e enviou o seu vice-presidente em viagem ao Médio Oriente. Este parece ser um exemplo significativo do que é a falta de bom senso nas relações internacionais.

 

Historicamente, a comunidade internacional nunca reconheceu Jerusalém como capital de Israel, porque Jerusalém oriental foi ocupada militarmente em 1967 pelo Estado Judaico, mas continua a ser reclamada pela Autoridade Nacional Palestiniana e mantém-se, por isso, como motivo de controvérsia o seu estatuto e constitui um dos principais impedimentos ao processo de paz no Médio Oriente.

 

Em 2017, também o mundo acordou assustado com a capacidade de hostilidade nuclear da Coreia do Norte, que criou uma poderosa bomba de hidrogénio, cuja experiência provocou abalos sísmicos nas zonas limítrofes. Kim Jong-un vem ameaçando que esta bomba nuclear pode ser colocada num míssil balístico intercontinental, podendo atingir grandes distâncias. Com as recentes experiências, no verão deste ano, a Coreia do Norte tem assustado os seus vizinhos e a comunidade internacional.

 

A tensão entre os EUA e a Coreia do Norte tem sido protagonizada pelos seus exuberantes e erráticos líderes, com atitudes provocatórias muito perigosas, as quais revelam a falta de sensatez destes dois protagonistas políticos da História da Humanidade.

 

Na Catalunha, o referendo de 1 de outubro de 2017, relativo a uma eventual independência do território, mostrou uma vontade inequívoca dos cidadãos catalães, que se deslocaram às urnas, de se emanciparem de Espanha. Mariano Rajoy reagiu com mecanismos opressivos, decidindo ilegalizar o referendo e depois destituir o Governo da Catalunha, no sentido de impedir a fragmentação do Estado Espanhol, uma vez que sabemos que a Espanha é formada por um conglomerado de nações.

 

No entanto, a tensão entre a Catalunha e Madrid revelou uma clara falta de lucidez, de bom senso se quiserem, uma vez que em democracia as questões políticas devem ser resolvidas pela via do diálogo e da auscultação das populações. Com as eleições de 21 de dezembro de 2017, este problema, amplificado pela insensatez de Mariano Rajoy, encontra-se longe de estar resolvido.

 

O Presidente do Peru, Pedro Kuczynski, evidenciou, também, grande falta de bom senso na sua atuação recente, porque indultou o antigo presidente Alberto Fujimori, sob o pretexto de uma saúde debilitada, quando pelo meio se suspeita que tenha havido negociações políticas para a manutenção do atual Presidente. Fujimori foi condenado a 25 anos de prisão por violação dos Direitos Humanos e por corrupção financeira como Presidente do Peru. Este indulto desencadeou manifestações públicas de milhares de pessoas e mesmo confrontos físicos dos contestatários com a polícia.

 

Em suma, verificamos que sem o bom senso dos protagonistas políticos e económicos internacionais a paz e a justiça no mundo continuarão a ser miragens, apenas acessíveis aos discursos da ONU, das igrejas e dos filósofos. O Papa Francisco colocou, no centro da sua mensagem Natalícia neste dezembro de 2017, o sofrimento dos povos que estão sujeitos a crises, a guerras e a conflitos, e as crianças e os inocentes que arrastados por estes problemas se tornam, infelizmente, suas vítimas.

 

Contudo, o bom senso tem de emanar dos cidadãos para que possa chegar a contaminar positivamente a consciência errática dos líderes mundiais. E um exemplo disso foi o caso flagrante de mau senso, que colocou em causa a justiça social na cidade de Lisboa com uma loja da Padaria Portuguesa, da freguesia da Graça, a deitar no lixo um conjunto de bolos-reis, que podiam ser dados a pessoas mais carenciadas, o que justamente indignou a consciência de muitos concidadãos nas redes sociais.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

DO CENTENÁRIO DA REVOLUÇÃO RUSSA DE OUTUBRO DE 1917 À REVOLTA DA CATALUNHA DE 2017 (1917-2017)

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No século XXI ainda estamos em tempo de revoluções ou apenas são aceitáveis reformas políticas compagináveis com uma mentalidade de pragmatismo tecnocrático? A legitimidade constitucional espanhola autoriza a abafar a intrínseca vontade das populações catalãs? No centenário da Revolução Bolchevique (outubro de 1917- 2017), convém refletir no dinâmico processo emancipalista da nação Catalã.

 

Em 23 de outubro de 1917, houve uma revolução bolchevique com a polícia militar desta facção comandada por Trotsky a ocupar pontos estratégicos da cidade de Petrogrado (São Petersburgo), e a tomar de assalto o Palácio de Inverno, onde se reunia o governo provisório. No dia 26 de outubro, o poder governativo foi entregue ao Conselho dos Comissários do Povo, liderado por Lenine. A Rússia transformou-se numa República Soviética, com o poder entregue aos Sovietes.

 

O novo governo bolchevique, que substituiu o governo provisório, tomou como decisões importantes: a paz imediata com a Alemanha no contexto da 1ª guerra mundial; a abolição de todas as propriedades privadas sem quaisquer indemnizações e a requisição das colheitas agrícolas pelo Estado. Estas medidas inspiraram-se nas ideias marxistas, surgindo, deste modo, a doutrina do marxismo-leninismo com o objetivo de instaurar uma ditadura do proletariado.

 

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Lenine (Vladimir Ilitch Ulianov) partiu do exílio na Suiça para rumar de comboio, com a cumplicidade alemã, para a Rússia, no sentido de comandar a insurreição contra as autoridades do demoliberalismo. Este acontecimento fulcral da história universal do século XX foi imortalizado no filme Outubro de Sergei Eisenstein, e no livro do jornalista norte-americano John Reed intitulado Dez dias que abalaram o mundo.

 

A 23 de outubro, na Rússia e em congresso, os sovietes atribuíam o poder a um Conselho de Comissários do Povo comandado por Lenine. Sem dúvida que, sem a agitação do conspirador Lenine, a Revolução Russa teria sido diferente, pois foi dele que saíram as traves-mestras do regime soviético. Durante o século XX foi aceso e apaixonado o debate sobre o regime soviético, tendo a URSS partilhado com os EUA, no contexto da guerra fria, o estatuto de superpotência mundial.

 

Embora o autocrata regime soviético tenha sido caraterizado por uma polícia política e por uma censura impiedosa condicionadora da mentalidade dos cidadaos soviéticos, que levou a perseguições, a prisões arbitrárias, a impediosos aniquilamentos individuais e coletivos, manteve no mundo por longos anos a esperança na justiça social, a defesa do anticolonialismo e de um modelo sociopolítico alternativo – anticapitalista.

 

Para recordar esta revolução, que agora faz 100 anos (1917-2017), e apesar da destruição de muitos símbolos comunistas após 1991, encontra-se o corpo embalsamado de Lenine, desde 1930, num imponente mausoléu junto da muralha do Kremlin, na Praça Vermelha de Moscovo.

 

Face à presente ameaça da independência da Catalunha, o Governo de Madrid equacionou a possibilidade de suspender constitucionalmente o regime autonómico deste território. A integração histórica da Catalunha na Espanha resultou de um casamento entre Fernando de Aragão e Isabel de Castela, no século XVI, e não de uma autêntica vontade das populações da Catalunha. Daí que se tenha mantido até aos dias de hoje como uma das nações dentro do Estado Espanhol.

 

Várias vezes, ao longo da História, houve tentativas de separação da Catalunha do Estado Espanhol: em 1640, o que facilitou a restauração da independência portuguesa do domínio Filipino; em 1701-1711, durante a guerra da sucessão; em 1870, no período da primeira república espanhola e no decorrer da guerra civil, entre 1936 e 1939, que levou o regime franquista a degolar estas intenções emancipalistas da Catalunha.

 

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Não houve, para já, uma declaração unilateral de independência, por parte do governo autonómico catalão. As pressões para quebrar a eventual independência da Catalunha vieram de Madrid e do sistema financeiro, com vários bancos a deslocarem as suas sedes da Catalunha para o restante território espanhol. No contexto internacional da pretendida independência catalã encontram-se a desvinculação da Grã-Bretanha da União Europeia, designada Brexit, e a vontade da Escócia de se emancipar do Reino Unido.

 

A intenção da Catalunha, de se constituir em República, esbarra com as pressões de Espanha, com a neutralidade internacional e nas ambiguidades de querer manter o Euro como moeda e de não se saber quais irão ser as forças de segurança, de polícia e do exército, em situação de rutura institucional absoluta com o Estado Espanhol. Daí que o Governo Autonómico peça neste momento tempo para dialogar com Madrid.

 

Patenteiam-se duas questões, que nos parecem incontornáveis, ao estabelecermos alguma analogia entre a Revolução Russa e a revolta catalã: as revoluções ainda são possíveis num mundo pragmático e esquecido de utopias? Ou, pelo contrário, neste mundo pós-moderno, só são aceitáveis as reformas políticas dentro de uma lógica tecnocrática?

 

Embora a Constituição Espanhola de 1978 não preveja o direito das comunidades autonómicas à independência, no caso em análise, estamos perante nações histórica e linguisticamente assumidas. Será legítimo e democrático um Estado de direito fazer estas afirmações constitucionais, conhecendo estas premissas identitárias? Ou esta premissa constitucional evidenciará apenas a primazia dada ao imperialismo castelhano? Haverá, na verdade, uma nação espanhola? Claro que não. E, para entendermos isto, basta recorrrer à noção de nação e, dessa forma, esse pressuposto constitucional é claramente um falso argumento.

 

O referendo de 1 de outubro de 2017 mostrou uma vontade inequívoca dos cidadãos catalãos, que se deslocaram às urnas, de se emanciparem de Espanha. Madrid decidiu ilegalizar o referendo, no sentido de impedir a fragmentação do Estado Espanhol, uma vez que sabemos que a Espanha é formada por um conglomerado de nações.

 

Manifestou-se, em setembro e outubro de 2017, uma evidente tensão entre as autoridades catalãs e as autoridades do governo central, bem como entre populações pró e contra a independência da Catalunha, que se quer tornar uma república. O governo central ameaça, se houver declaração de independência, suspender a autonomia do governo catalão e, por consequência, ilegalizar o governo autonómico e as suas decisões.

 

A tensão permanece e irá, possivelmente, perdurar por várias semanas, meses ou anos entre os independentistas e o governo central de Madrid. Enquanto o governo autonómico pretende declarar a independência da Catalunha, Mariano Rajoy, chefe do Executivo Espanhol, ameaça suspender o regime autonómico da região.

 

Em suma, a independência da Catalunha configura um problema político, jurídico interno e externo, no âmbito da União Europeia. Veremos como se desenvolve este processo, que tem raízes históricas seculares. Todavia, a História Universal não terminou, como suspeitou Francis Fukuyama no fim do século XX, embora as revoluções sejam mais improváveis, mas não impossíveis, no quadro de Estados de direito democráticos em países desenvolvidos.

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

BIBLIOGRAFIA DE NUNO SOTTO MAYOR FERRÃO (ATUALIZAÇÃO) E CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS

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*Nuno Sotto Mayor Ferrão, "A Nova Águia e cultura lusófona, das suas raízes identitárias a um futuro coletivo de esperança", in Nova Águia, nº 20, 2º semestre de 2017, pp. 235-240 (no prelo).

 

*Idem, "O Padre António Viera, um precursor do espírito e da convivência lusófona no Século XVII” in Nova Águia, nº 19, 1º semestre de 2017, pp. 103-111.

 

*Idem, “O Padre António Viera, um precursor do espírito da convivência lusófona no Século XVII”, in Brotéria, vol. 183, nº 5/6 – novembro/dezembro de 2016, pp 367-383.

 

* Idem, "A arte no pensamento de Vergílio Ferreira" in Nova Águia, nº 18, 2º semestre de 2016, pp. 61-66.

 

* Idem, "Ramalho Ortigão e a salvaguarda do património histórico-artístico - Nos 120 anos da obra 'O Culto da Arte em Portugal' (1896-2016)" in Nova Águia, nº 17, 1º semestre de 2016, pp. 115-120.

 

*Idem, “Ramalho Ortigão e a salvaguarda do património histórico-artístico – Nos 120 anos da obra ‘O Culto da Arte em Portugal’ (1896-2016)”, in Brotéria, vol. 182, fevereiro de 2016, pp. 133-144.

 

*Idem”, “O cosmopolitismo modernista e lusófono na Revista Orpheu – Evocação no seu centenário”, in Brotéria, vol. 181, julho de 2015, pp. 41-50.  

 

*Idem, “O cosmopolitismo modernista e lusófono na revista Orpheu”,  in Nova Águia, nº 15, 1º semestre de 2015, pp. 18-24.

 

*Idem, “A I Guerra Mundial na imprensa portuguesa – no centenário da Grande Guerra”, in Brotéria, vol. 180, nº 1 – janeiro de 2015, pp 33-44.

 

*Idem, “A I Guerra Mundial na imprensa portuguesa e na revista A Águia”, in Nova Águia, nº 14, 2º semestre de 2014, pp. 231-238. 

 

*Idem, “A atualidade internacional da Doutrina Social da Igreja no contexto da globalização”, in Brotéria, vol. 178, nº 7/8 – julho/agosto de 2014, pp 33-44.

 

*Idem, “Balanço diacrónico (1974-2014) da Revolução de 25 de Abril”, in Nova Águia, nº 13, 1º semestre de 2014, pp. 57-63.

 

*Idem, “Nos 80 anos do historiador José Mattoso: a sua viva lição de sabedoria”, in Nova Águia, nº 12, 2º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 162-163.

 

*Idem, “António José Saraiva como cidadão e historiador: nos 20 anos da sua morte”, in Nova Águia, nº 12, 2º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 153-159.

 

*Idem, “A poesia portuguesa: o mar e a lusofonia”, in Nova Águia, nº 11, 1º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 23-24.

 

*Idem, “As linhas de força do pensamento historiográfico de Jaime Cortesão”, in Nova Águia, nº 11, 1º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 130-135.

 

*Idem, “A Renascença Portuguesa e o percurso político e historiográfico de Jaime Cortesão”, in Nova Águia, nº 9, 1º semestre de 2012, Sintra, Zéfiro Editora, 2012, pp. 138-144.

 

*Idem, “Relativismo Ético na História Contemporânea (1914-2010)”, in Brotéria, nº1, volume 174, Janeiro de 2012, pp. 47-51.

 

*Idem, “A dinâmica histórica do conceito de Lusofonia (1653-2011)” in Nova Águia, nº 8, 2º semestre de 2011Sintra, Zéfiro Editora, 2011, pp. 204-208.

 

*Idem, "Fernando Pessoa: o sentimento lusófono na sua obra", in Nova Águia, nº7, 1º semestre de 2011, Sintra, Zéfiro Editora, 2011, pp. 34-38.

 

*Idem, "Alexandre Herculano, aspectos da vida e obra e sua ascendência ideológica sobre o Republicanismo", in Sintra, Zéfiro Editora, Nova Águia, nº 6 - 2º semestre de 2010, pp. 130-135.

 

*Idem, "Leonardo Coimbra, a revista 'A Águia' e o panorama cultural contemporâneo", in Nova Águia, nº 5 - 1º semestre de 2010, Sintra, Editora Zéfiro, pp. 34-36.

 

*Idem, Aspectos da vida e obra do Almirante Sarmento Rodrigues (1899-1979), Mirandela, Edição Câmara Municipal de Freixo de Espada-à-Cinta, 1999, 293 p.

 

*Idem, O pensamento colonial de Sarmento Rodrigues enquanto Ministro do Ultramar (1950-1955), Dissertação de Mestrado em História Contemporânea, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1997, 233 p.

 

Citações bibliográficas do autor:

 

» Clio: revista do Centro de História da Universidade de Lisboa, “Resumo das Teses de Mestrado em Letras (História)”, Lisboa, 1996, p. 168.

 

» Joaquim Veríssimo Serrão, “Do berço humilde em Freixo à imortalidade da História”, Almirante Sarmento Rodrigues, 1899-1979: testemunhos e inéditos no centenário do seu nascimento, Academia de Marinha e Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta, Lisboa, 1999, p. 163.

 

» Cadernos de Estudos Africanos – Memórias Coloniais, Lisboa, Centro de Estudos Africanos do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, 2006, p. 150.

 

» Cultura - Revista de História e Teoria das Ideias, vol. 25, 2008, Lisboa, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, pp. 33 e 44. 

 

» António E. Duarte Silva, “Sarmento Rodrigues, a Guiné e o lusotropicalismo”, in Cultura: Revista de História e da Teoria das Ideias Lisboa, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, vol. 25, 2008, p. 44. (António E. Duarte Silva, « Sarmento Rodrigues, a Guiné e o luso-tropicalismo », Cultura [Online], Vol. 25 | 2008, consultado a 29 julho 2014. URL :http://cultura.revues.org/586.

 

» Ana Reis e João Garrinhas, “2 anos sob tutela autárquica”, inProfforma (Revista do Centro de Formação de Professores do Nordeste Alentejano), nº 2, março de 2011, pp. 1-7.

 

» Victor Andrade de Melo, “O esporte na política colonial portuguesa: as iniciativas de Sarmento Rodrigues na Guiné (1945-1949)”, in Revista Brasileira de  História, vol.34, no. 68, São Paulo, July/Dec. 2014, pp. 179,180 e 189.

 

» Rui Jorge Martins, “Rui Chafes, René Girard, Ramalho Ortigão e José Luís Peixoto na Brotéria“, Secretariado Nacional da Pastoral da Cultural (portal da internet).

Disponível em:

http://www.snpcultura.org/rui_chafes_rene_girard_ramalho_ortigao_jose_luis_peixoto_na_broteria.html

Acesso em 09.05.2016.

 

» Sérgio Neto, Do Minho ao Mandovi – Um estudo sobre o pensamento colonial de Norton de Matos, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, p. 317.

 

» Álvaro Henriques do Vale, Do Mapa Cor de Rosa à Europa do Estado Novo, Lisboa, Chiado Editora, 2015, nota 145.

 

» Isabel Maria Freitas Valente (Coord.), Europa, Mobilidades, crises, dinâmicas culturais, Pensar com Maria Manuela Tavares Ribeiro, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017, p. 404.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

ARISTIDES DE SOUSA MENDES (1885-1954) – UM HÉROI ÉTICO DA HUMANIDADE

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Com Aristides de Sousa Mendes esteve uma teia de colaboradores próximos e cúmplices na sua consciência ética, que permitiu a fuga de França e de Espanha de milhares de refugiados do Holocausto nazi. Os méritos humanitários de Aristides foram amplamente reconhecidos no contexto internacional, a título póstumo, pela imprensa norte-americana e pelas demonstrações de gratidão de grandes personalidades, que foram salvas do Holocausto, pelo nosso protagonista, pela passagem de muitos vistos.

 

Todavia, o reconhecimento dos seus méritos humanitários foi moroso, mas contou com a tenacidade dos seus familiares que lutaram arduamente pela sua reabilitação ética. Apenas na década de 1980, a partir dos EUA, é que se começaram a multiplicar as homenagens da comunidade judaica e portuguesa a este nosso herói.

 

O Estado português resistiu, até aos anos 80, a reconhecer os méritos humanitários de Sousa Mendes, altura em que foi condecorado com a Ordem da Liberdade pelo Presidente da República, Mário Soares, em 1986. Assim, só final dos anos 80 e depois de uma moção de Jaime Gama, os partidos políticos portugueses, após uma visita de uma comitiva norte-americana, concordaram em uníssono em reabilitar a memória deste português ilustre, mas tão votado ao esquecimento ao longo de décadas.

 

Consta terem sido cerca de 30.000 os refugiados que foram salvos do Holocausto por Aristides de Sousa Mendes, em resultado dos vistos que passou, não obstante a desobediência administrativa em que incorreu perante o regime Salazarista e que lhe causou pesadas e amargas consequências individuais e sociais.

 

No contexto da 2ª guerra mundial, em 1940, Portugal acolheu entre 50 e 100 mil refugiados, que fugiam do terror nazi e muitos destes deveram a sua salvação a Sousa Mendes, mas acabou por ser o Estado Novo a vangloriar-se destes méritos de acolhimento aos refugiados.

 

Na verdade, o responsável pelo acolhimento foi o país e não o regime vigente, dado que as instruções diplomáticas emitidas impediam a concessão de vistos a judeus, mas o regime Salazarista fez questão em recolher os louros e penalizou Sousa Mendes com um injusto processo disciplinar e com uma reforma compulsiva, que o conduziu à ruína financeira.

 

Aristides foi um herói da Humanidade por ter salvo do Holocausto milhares de vidas, numa atitude abnegada que lhe iria sair cara, mas que foi fruto do seu juízo moral e de uma ação concreta em prol dos direitos humanos ultrajados pelos nazis.

 

Em 1945 Sousa Mendes, sentindo as consequências nefastas da sua ação benemérita para a sua carreira diplomática e a sua vida pessoal, dirigiu uma reclamação à Assembleia Nacional. Esta reclamação foi, naturalmente, desprezada pelos seguidores do Salazarismo. Nesta pedia que se anulasse o processo disciplinar e que lhe fossem pagos os prejuízos morais e materiais do seu afastamento da carreira diplomática, uma vez que tinha atuado ao abrigo da ordem constitucional, fundamentando assim a sua desobediência institucional às normas emanadas do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O documento histórico, referido, testemunha-nos este fundamento nas seguintes palavras:

 

“(...) Tratando-se de milhares de pessoas de religião judaica, de todos os países invadidos, já perseguidas na Alemanha e noutros países seus forçados aderentes, entendeu o reclamante que não devia obedecer àquela proibição por a considerar anticonstitucional em virtude do art, 8º, nº 3 da Constituição, que garante liberdade e inviolabilidade de crenças, não permitindo que ninguém seja perseguido por causa delas nem obrigado a responder acerca da religião que professa, medida que aliás se lhe tornava necessária para saber a religião dos impetrantes, e assim negar ou conceder o visto. (...)”[i].

 

Em abril de 2017, culminando o processo de reconhecimento da sua memória, o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa condecorou-o com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, ao mesmo tempo em que o Estado Português classificou a sua casa de Cabanas de Viriato, denominada Passal, monumento nacional.

[i] Aristides de Sousa Mendes, “Reclamação apresentada à Assembleia da República em 1945”, in Rui Afonso, Um Homem Bom, Alfragide, Texto Editores, 2009, pp. 375-376.

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

ARISTIDES DE SOUSA MENDES (1885-1954) – UM HÉROI ÉTICO DA HUMANIDADE

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Com Aristides de Sousa Mendes esteve uma teia de colaboradores próximos e cúmplices na sua consciência ética, que permitiu a fuga de França e de Espanha de milhares de refugiados do Holocausto nazi. Os méritos humanitários de Aristides foram amplamente reconhecidos no contexto internacional, a título póstumo, pela imprensa norte-americana e pelas demonstrações de gratidão de grandes personalidades, que foram salvas do Holocausto, pelo nosso protagonista, pela passagem de muitos vistos.

 

Todavia, o reconhecimento dos seus méritos humanitários foi moroso, mas contou com a tenacidade dos seus familiares que lutaram arduamente pela sua reabilitação ética. Apenas na década de 1980, a partir dos EUA, é que se começaram a multiplicar as homenagens da comunidade judaica e portuguesa a este nosso herói.

 

O Estado português resistiu, até aos anos 80, a reconhecer os méritos humanitários de Sousa Mendes, altura em que foi condecorado com a Ordem da Liberdade pelo Presidente da República, Mário Soares, em 1986. Assim, só final dos anos 80 e depois de uma moção de Jaime Gama, os partidos políticos portugueses, após uma visita de uma comitiva norte-americana, concordaram em uníssono em reabilitar a memória deste português ilustre, mas tão votado ao esquecimento ao longo de décadas.

 

Consta terem sido cerca de 30.000 os refugiados que foram salvos do Holocausto por Aristides de Sousa Mendes, em resultado dos vistos que passou, não obstante a desobediência administrativa em que incorreu perante o regime Salazarista e que lhe causou pesadas e amargas consequências individuais e sociais.

 

No contexto da 2ª guerra mundial, em 1940, Portugal acolheu entre 50 e 100 mil refugiados, que fugiam do terror nazi e muitos destes deveram a sua salvação a Sousa Mendes, mas acabou por ser o Estado Novo a vangloriar-se destes méritos de acolhimento aos refugiados.

 

Na verdade, o responsável pelo acolhimento foi o país e não o regime vigente, dado que as instruções diplomáticas emitidas impediam a concessão de vistos a judeus, mas o regime Salazarista fez questão em recolher os louros e penalizou Sousa Mendes com um injusto processo disciplinar e com uma reforma compulsiva, que o conduziu à ruína financeira.

 

Aristides foi um herói da Humanidade por ter salvo do Holocausto milhares de vidas, numa atitude abnegada que lhe iria sair cara, mas que foi fruto do seu juízo moral e de uma ação concreta em prol dos direitos humanos ultrajados pelos nazis.

 

Em 1945 Sousa Mendes, sentindo as consequências nefastas da sua ação benemérita para a sua carreira diplomática e a sua vida pessoal, dirigiu uma reclamação à Assembleia Nacional. Esta reclamação foi, naturalmente, desprezada pelos seguidores do Salazarismo. Nesta pedia que se anulasse o processo disciplinar e que lhe fossem pagos os prejuízos morais e materiais do seu afastamento da carreira diplomática, uma vez que tinha atuado ao abrigo da ordem constitucional, fundamentando assim a sua desobediência institucional às normas emanadas do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O documento histórico, referido, testemunha-nos este fundamento nas seguintes palavras:

 

“(...) Tratando-se de milhares de pessoas de religião judaica, de todos os países invadidos, já perseguidas na Alemanha e noutros países seus forçados aderentes, entendeu o reclamante que não devia obedecer àquela proibição por a considerar anticonstitucional em virtude do art, 8º, nº 3 da Constituição, que garante liberdade e inviolabilidade de crenças, não permitindo que ninguém seja perseguido por causa delas nem obrigado a responder acerca da religião que professa, medida que aliás se lhe tornava necessária para saber a religião dos impetrantes, e assim negar ou conceder o visto. (...)”[i].

 

Em abril de 2017, culminando o processo de reconhecimento da sua memória, o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa condecorou-o com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, ao mesmo tempo em que o Estado Português classificou a sua casa de Cabanas de Viriato, denominada Passal, monumento nacional.

[i] Aristides de Sousa Mendes, “Reclamação apresentada à Assembleia da República em 1945”, in Rui Afonso, Um Homem Bom, Alfragide, Texto Editores, 2009, pp. 375-376.

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

8º ANIVERSÁRIO DO BLOGUE “CRÓNICAS DO PROFESSOR FERRÃO” (2009-2017)

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A idealização do blogue surgiu em fins de 2008, com o nome de Crónicas do Professor Ferrão associado a análises políticas, mesmo antes deste emergir de facto na blogosfera, mas apenas a 23 de julho de 2009 é que foi criado com um post sobre a figura de São Paulo de Tarso.

 

Muitas pessoas nos apoiaram neste projeto cultural, designadamente o meu amigo José Medeiros Ferreira - que infelizmente já não se encontra entre nós - pela valorização dos conteúdos dos meus textos e as estimadas colegas Elsa Nogueira e Paula Magalhães, respetivamente pela valorização estilística e pelas sugestões técnicas fornecidas. Devo, ainda, referir as pistas pertinentes lançadas pelo Professor Adriano Moreira, relativamente a um dos muitos posts de investigação histórica.

 

Celebramos, por isso, convosco e com grande alegria, caríssimos leitores portugueses, lusófonos e estrangeiros, o 8º aniversário deste blogue em 2017, resultado do interesse de muitos internautas que o continuam a seguir com curiosidade e, também, do apoio incondicional dos amigos e dos familiares mais próximos, que tornaram possível erguer este eloquente projeto cultural, que tanto gosto me tem dado construir, com a ajuda de todos vós.

 

O nosso blogue versa temáticas ligadas à atualidade cívica, à história, à literatura, à religião, à música, à arte, à política, à economia e à ética. Por este facto, assume-se como um blogue de natureza cultural, com interpretações e fundamentos humanistas deste autor, mas sempre baseado em investigações, mais ou menos aprofundadas, na bibliografia, na imprensa e/ou na documentação histórica.

 

Mais recentemente, e para associar o blogue ao meu nome de investigador e de ensaísta à denominação de Crónicas do Professor Ferrão sucedeu a de Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão.

 

O blogue, na atualidade, já ultrapassou as 208.000 visualizações, na sua maioria de países lusófonos, segundo os dados mais recentes, contabilizados por três contadores. Na verdade, os visitantes são, na sua maior parte, originários de países como Brasil, Portugal, Angola e Moçambique, abrangendo cerca de 88% das visitas, no entanto este tem uma abrangência internacional compaginável com o atual contexto da globalização, com visitas oriundas de mais de 100 países.

 

Já superámos os 260 posts, que normalmente andam ilustrados com imagens ou, mesmo, vídeos elucidativos. O acolhimento foi, aliás, bem visível inicialmente nos comentários que surgiram, mas com o desenvolvimento do Facebook muitas destas interações começaram a aparecer mais nesta rede social.

 

Last but not least, este blogue serviu de catapulta para escrever artigos de fundo, com mais exigência de investigação, que têm sido publicados nas revistas culturais, Nova Águia (orgão do Movimento Internacional Lusófono) e Brotéria (revista dos Jesuítas portugueses desde 1902).

 

Importa ainda mencionar o honroso convite que recebi para fazer uma fotobiografia de um político da 1ª República, surgido de um “post” histórico, que não pude aproveitar por indisponibilidade logística e laboral na altura. Também se têm manifestado repercussões deste nosso espaço, quer na blogosfera, com hiperlinks de ligação de outros blogues, quer na bibliografia histórica com citações de posts do nosso blogue, o que muito me apraz.

 

Quero, finalmente, saudar-vos cordialmente neste momento celebrativo, que devido à vossa paciência e interesse este se possa prolongar por uns bons anos mais. Bem hajam, caríssimos leitores, pela vossa atenção e tempo dispensado.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

NUNO SOTTO MAYOR FERRÃO – INVESTIGADOR, PROFESSOR, ENSAÍSTA E BLOGGER

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Docente do Ensino Básico do 3º Ciclo e Secundário em Lisboa. Biógrafo do Almirante Sarmento Rodrigues. Criador do blogue cultural Crónicas do Professor Ferrão e colaborador do blogue Milhafre. Membro do Conselho Consultivo do Movimento Internacional Lusófono. Colaborador das revistas culturais Nova Águia e Brotéria. Tem desenvolvido com paixão e crença humanista as funções de investigador, de professor, de blogger e de ensaísta. 

 

Nascido na Guiné-Bissau em 1968. Depois da revolução de 25 de abril de 1974, durante a infância e a adolescência, frequentou a Escola Beiral e a Escola Preparatória Pedro de Santarém, em Lisboa. Posteriormente, estudou no Colégio Valsassina até aos 19 anos, tendo concluído o 12º ano de escolaridade com a média de 16 valores.

 

Entrou na Faculdade de Letras de Lisboa no ano de 1988, terminando a Licenciatura em História, variante História da Arte no ano de 1992 com a média de bom. Nesta Universidade fez nos anos de 1992 a 1998 a Pós-Graduação em Ciências Pedagógicas com a média de 15 valores e ainda o Mestrado em História Contemporânea com média de Muito Bom, apresentando a dissertação intitulado O pensamento colonial de Sarmento Rodrigues enquanto Ministro do Ultramar (1950-1955), com a orientação científica do Professor João Medina.

 

Sondado para ser leitor de língua e cultura portuguesa numa universidade estrangeira, declinou este desafio lançado por este professor. Entretanto, foi convidado pela Comissão de Honra do Centenário do Nascimento do Almirante Sarmento Rodrigues a escrever a sua biografia, editada pela Câmara Municipal de Freixo de Espada-à-Cinta em 1999.

 

De seguida, ingressou no curso de Doutoramento de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa, no ano 2000, com a orientação científica do Professor José Medeiros Ferreira e uma dissertação intitulada A heterodoxia colonial no debate político em Portugal (1919-1945), embora por razões pessoais tenha desistido.

 

Estagiou na Escola Secundária Passos Manuel no ano de 1995-1996, recebendo a classificação de 16 valores no desempenho profissional. De 1996 a 2015 tem exercido a docência em Escolas do Ensino Básico e Secundário no Alentejo e em Lisboa às disciplinas de História, Ciências Sociais, Comunicação e Animação Social, Cidadania e Mundo Atual e História e Geografia de Portugal, respetivamente na Escola Secundária D. Manuel I (Beja), na Escola Secundária António Inácio da Cruz (Grândola), Escola Básica Integrada de Vila Nova de São Bento (Serpa), Escola Básica Fialho de Almeida (Cuba), Escola Básica e Secundária de Mora, Escola Básica Integrada Diogo Lopes de Sequeira (Alandroal), Escola Secundária Severim de Faria (Évora), Escola Básica Integrada da Portagem (Marvão), Escola Secundária de Carcavelos, Escola Básica Matilde Rosa Araújo (São Domingos de Rana), Escola Secundária Padre Alberto Neto (Queluz), Escola Secundária Rainha Santa Isabel (Estremoz), Escola Básica 2, 3 Damião de Góis (Lisboa), Escola Secundária Braancamp Freire (Odivelas) e Agrupamento de Escolas do Restelo.

 

Proferiu as conferências públicas, a convite do escritor Pedro Martins, intituladas “A Renascença Portuguesa e o percurso político e historiográfico de Jaime Cortesão” na Biblioteca Municipal de Sesimbra a 30 de junho de 2012 e "A I Guerra Mundial na Imprensa Portuguesa", no âmbito do Centenário da Grande Guerra, na mesma Biblioteca a 21 de junho de 2014. Apresentou com a colaboração inexcedível do Professor Renato Epifânio vários números da revista Nova Águia em estabelecimentos do ensino público: na Escola Básica 2, 3 Damião de Góis, no Agrupamento de Escolas de Carcavelos, na Escola Secundária Bramcamp Freire e no Agrupamento de Escolas do Restelo.

 

É um autor de bibliografia na área da História Cultural e das Mentalidades: "O Padre António Viera, um precursor do espírito e da convivência lusófona no Século XVII” in Nova Águia, nº 19, 1º semestre de 2017, pp. 103-111; “O Padre António Viera, um precursor do espírito da convivência lusófona no Século XVII”, in Brotéria, vol. 183, nº 5/6 – novembro/dezembro de 2016, pp 367-383; "A arte no pensamento de Vergílio Ferreira" in Nova Águia, nº 18, 2º semestre de 2016, pp. 61-66; "Ramalho Ortigão e a salvaguarda do património histórico-artístico - Nos 120 anos da obra 'O Culto da Arte em Portugal' (1896-2016)" in Nova Águia, nº 17, 1º semestre de 2016, pp. 115-120; “Ramalho Ortigão e a salvaguarda do património histórico-artístico – Nos 120 anos da obra ‘O Culto da Arte em Portugal’ (1896-2016)”, in Brotéria, vol. 182, fevereiro de 2016, pp. 133-144; “O cosmopolitismo modernista e lusófono na Revista Orpheu – Evocação no seu centenário”, in Brotéria, vol. 181, julho de 2015, pp. 41-50; “O cosmopolitismo modernista e lusófono na revista Orpheu”,  in Nova Águia, nº 15, 1º semestre de 2015, pp. 18-24; “A I Guerra Mundial na imprensa portuguesa – no centenário da Grande Guerra”, in Brotéria, vol. 180, nº 1 – janeiro de 2015, pp 33-44; “A I Guerra Mundial na imprensa portuguesa e na revista A Águia”, in Nova Águia, nº 14, 2º semestre de 2014, pp. 231-238; “A atualidade internacional da Doutrina Social da Igreja no contexto da globalização”, in Brotéria, vol. 178, nº 7/8 – julho/agosto de 2014, pp 33-44; “Balanço diacrónico (1974-2014) da Revolução de 25 de Abril”, in Nova Águia, nº 13, 1º semestre de 2014, pp. 57-63; “Nos 80 anos do historiador José Mattoso: a sua viva lição de sabedoria”, in Nova Águia, nº 12, 2º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 162-163; “António José Saraiva como cidadão e historiador: nos 20 anos da sua morte”, in Nova Águia, nº 12, 2º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 153-159; “A poesia portuguesa: o mar e a lusofonia”, in Nova Águia, nº 11, 1º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 23-24; “As linhas de força do pensamento historiográfico de Jaime Cortesão”, in Nova Águia, nº 11, 1º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 130-135; “A Renascença Portuguesa e o percurso político e historiográfico de Jaime Cortesão”, in Nova Águia, nº 9, 1º semestre de 2012, Sintra, Zéfiro Editora, 2012, pp. 138-144; “Relativismo Ético na História Contemporânea (1914-2010)”, in Brotéria, nº1, volume 174, Janeiro de 2012, pp. 47-51; “A dinâmica histórica do conceito de Lusofonia (1653-2011)” in Nova Águia, nº 8, 2º semestre de 2011, Sintra, Zéfiro Editora, 2011, pp. 204-208; "Fernando Pessoa: o sentimento lusófono na sua obra", in Nova Águia, nº7, 1º semestre de 2011, Sintra, Zéfiro Editora, 2011, pp. 34-38; "Alexandre Herculano, aspectos da vida e obra e sua ascendência ideológica sobre o Republicanismo", in Sintra, Zéfiro Editora, Nova Águia, nº 6 - 2º semestre de 2010, pp. 130-135; "Leonardo Coimbra, a revista 'A Águia' e o panorama cultural contemporâneo", in Nova Águia, nº 5 - 1º semestre de 2010, Sintra, Editora Zéfiro, pp. 34-36; Aspectos da vida e obra do Almirante Sarmento Rodrigues (1899-1979), Mirandela, Edição Câmara Municipal de Freixo de Espada-à-Cinta, 1999, 293 p; O pensamento colonial de Sarmento Rodrigues enquanto Ministro do Ultramar (1950-1955), Dissertação de Mestrado em História Contemporânea, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1997, 233 p..

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

A IMPORTÂNCIA HISTÓRICA DE PEDRO HISPANO – PAPA JOÃO XXI (?-1277) – NOS 740 ANOS DO SEU FALECIMENTO (1277-2017)

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Pedro Julião Rebolo foi um sacerdote, médico, filósofo, teólogo, professor e matemático português do século XIII, que se alcandorou à chefia da Santa Sé, perfazendo 740 anos, a 20 de maio de 2017, sobre o seu desaparecimento. Nasceu em Lisboa, em data incerta segundo a historiografia mas na segunda década da centúria, e era filho do médico Julião Pais Rebolo e de Mor Mendes.

 

A sua formação começou na escola episcopal da Sé de Lisboa e continuou os estudos numa universidade francesa, na faculdade de artes, onde foi colega de figuras carismáticas do Cristianismo como São Tomás de Aquino ou São Boaventura. Na universidade, estudou medicina, teologia, filosofia e física. Nos anos de 1246 a 1252, assumiu-se na universidade de Siena como um académico notável, ensinando e escrevendo algumas obras eruditas, e tendo-se destacado com o Tratado Summulae Logicales, que perdurou como sebenta de lógica aristotélica nas universidades europeias.

 

Marca da sua enorme cultura científica foram os tratados, que escreveu sobre oftalmologia e o outro sobre doenças comuns e suas terapêuticas, intitulados De oculo e Thesaurus Pauperum, que tiveram ampla difusão por toda a Europa.

 

Antes de 1261, Pedro Hispano ingressa no sacerdócio. Teve uma carreira eclesiástica fulgurante como deão de Lisboa, arcediago de Braga, prior da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira em Guimarães e arcebispo de Braga. Após ser nomeado para este cargo pelo Papa Gregório X em 1273, acaba por ser transformado em cardeal da diocese de Frascati no ano seguinte e por escolhê-lo como médico, em 1275.

 

Em 1276, foi eleito em Viterbo Sumo Pontífice com o nome de João XXI, por erro de cálculo da Cúria Romana. O conclave que o elegeu como papa era muito reduzido, mas tornou-se no único português até ao momento que exerceu esta dignidade eclesiástica. Não nos olvidemos que o poder de um papa na Idade Média era grandioso, uma vez que reunia poderes espirituais e temporais sobre toda a Cristandade Ocidental. Esta preponderância dos poderes papais advém de um programa centralizador (teocracia papal), desenvolvido pelo papado no decurso da Alta Idade Média.

 

Teve um pontificado curto de cerca de 8 meses, seguindo as orientações do décimo quarto Concílio Ecuménico de Lyon, e assumindo como preocupações apostólicas a união da igreja grega à igreja do ocidente, a libertação da Terra Santa dos Turcos e o combate às heresias. Com o objetivo de reconciliar as igrejas de Roma e Grega, enviou delegados a Bizâncio, com resultados muito positivos, uma vez que, no Concílio de Constantinopla em 1277, foi reconhecida a supremacia da Igreja Romana.

 

No seu pontificado, torna-se mecenas de artistas e de estudantes pelo prestígio que atingiu como filósofo, médico, papa e investigador, além de ter suscitado a fama de mago. Neste cargo máximo da Igreja, dado o seu papel intelectual, entregou as tarefas administrativas ao cardeal Orsini, que aliás lhe irá suceder como papa.

 

Em 20 de maio de 1277 - perfazem-se agora 740 anos - morre com o desmoronamento da abóbada do seu aposento, no palácio apostólico de Viterbo, pelo que será sepultado na catedral desta cidade. Esta estranha morte esteve envolvida em mistério, pois, na época, o espírito viperino deu-a como castigo divino, devido às suas atividades como mago. Na realidade, desconhecemos se o incidente foi fortuito ou se resultou de algum conluio dos seus inimigos.   

 

Escolheu como pontífice o nome apostólico de João XXI, um distintivo brasão papal e como divisa do pontificado “Guia-me, Senhor, pelos caminhos da tua Justiça”. No brasão de armas apresenta as chaves cruzadas, numa alusão ao símbolo magno de S. Pedro, que significam o acesso ao Reino dos Céus.

 

No sentido de continuar o programa de centralização da Igreja Latina, João XXI empenhou-se numa intensa atividade executiva e legislativa com a promulgação de múltiplos diplomas, tendo superado a centena de bulas e de cartas apostólicas. Na sua ação, procurou interferir nas questões temporais, esforçando-se por conciliar os reis de França e de Castela-Leão, por resolver a questão do título de imperador romano, por pacificar a turbulência política na Península Itálica, por repor a autoridade da Igreja Latina perante os reis refratários.

 

O seu prestígio medieval deveu-se, mormente, às obras filosóficas, designadamente ao Tratado Summulae Logicales, que muito influenciou o pensamento escolástico. Assim, a reputação que fruiu durante a Idade Média decorre da sua dimensão intelectual, porquanto produziu uma vasta bibliografia em diferentes temáticas, não obstante existam dúvidas que estas tenham emanado de uma única figura histórica. Na realidade, este prestígio intelectual inegável conduziu Dante Alighieri a nomeá-lo na sua obra-prima Divina Comédia, colocando-o no Paraíso. Também foi considerado mago pelas suas experiências ao nível da química, indissociável na época das ciências ocultas.

 

Pedro Hispano, antes de assumir o pontificado, teve um conflito com o rei D. Afonso III devido a intromissões régias na Igreja Portuguesa, o que motivou a interdição do reino português e a excomunhão do rei. A amizade que anteriormente mantinham foi destruída pela sua ambição eclesiástica que esbarrou com a vontade de D. Afonso III, pois este nomeou outro clérigo para o cargo de bispo de Lisboa.

 

Em resumo, nos 760 anos do seu falecimento importava evocá-lo pelo protagonismo histórico inestimável no panorama intelectual medieval. De mais significativo, e como homenagem, temos o Hospital Pedro Hispano em Matosinhos, a Avenida João XXI em Lisboa e o Centro de Estudos Pedro Hispano na Faculdade de Letras de Lisboa.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

CENTENÁRIO DAS APARIÇÕES DE FÁTIMA (1917-2017) E A VISITA DO PAPA FRANCISCO A PORTUGAL

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De 13 maio a 13 outubro de 1917, as crianças pastoras Lúcia de Jesus dos Santos, Francisco Marto e Jacinta Marto contemplaram seis Aparições de Nossa Senhora, na Cova da Iria, perto de Fátima. As crianças videntes receberam os anúncios de irem para o céu, de deverem rezar a Nossa Senhora do Rosário para abrandar a ferocidade da 1ª guerra mundial (1914-1918), de ser importante angariar esmolas para a construção de uma capelinha a Nossa Senhora do Rosário e da guerra estar prestes a terminar.

 

A 13 de maio, na Aparição inicial, estavam presentes apenas os três pastorinhos, mas nos dias 13 dos meses seguintes reuniram-se de forma crescente mais pessoas, de modo que, a 13 de outubro, as fontes da imprensa noticiam que se reuniram para assistir ao fenómeno cerca de 30 a 50 mil pessoas. Nas décadas de 1920 e de 1930, Fátima transformou-se num importante santuário católico nacional.

 

Francisco e Jacinta foram beatificados pelo papa João Paulo II, no ano 2000, e serão canonizados, isto é tornados santos, a 13 de maio de 2017, pelo papa Francisco no Santuário de Nossa Senhora de Fátima.

 

No dia 13 de outubro de 1917, muitas testemunhas oculares observaram - segundo expressão jornalística da época - o “Sol a bailar”. O processo de reconhecimento dos acontecimentos de Fátima decorreu a nível diocesano, entre 1922 e 1930, quando o país demonstrava necessitar de amarras emocionais para uma espiritualidade coletiva no contexto conturbado do fim da 1ª República e início da Ditadura Militar.

 

Um dos segredos de Fátima foi revelado, na segunda metade dos anos 30, quando o regime sovético estalinista se tornou mais repressivo, tendo sido anunciado que a URSS se iria consagrar ao Sagrado Coração de Maria, de modo que, aquando do desabamento da União Soviética no início dos anos 90, a Igreja Católica reconhece a correspondência deste segredo com este acontecimento histórico genésico da História da Humanidade, nas palavras de Edgar Morin.

 

Se o fenómeno sócio-religioso de Fátima se expandiu durante o Estado Novo, verificou-se, também, uma feroz crítica deste processo religioso por parte de setores anticlericais, de um ateísmo fervoroso e mesmo de alguns elementos da Igreja Católica, tendo aparecido muitos livros de timbres excessivamente racionalistas, que colocavam dúvidas aos acontecimentos da Cova da Iria. Apareceram, assim, duas visões antagónicas de Fátima, em que se confrontaram a ótica da fé católica com a perceção racionalista laica.

 

As Aparições de Fátima constituem um acontecimento incontornável da Igreja Católica, a nível nacional e internacional, pela amplitude que alcançou. O fascínio espiritual de Fátima é uma clara manifestação de fé dos crentes, marcada pelas peregrinações populares, pelos dias 13 de concentração social e pela vinda de diversos papas ao Santuário.

 

Este ano de 2017 celebra-se o Centenário das Aparições, evocando-se esta efeméride histórica e a manifestação pública da fé com a canonização dos pastorinhos Jacinta e Francisco na presença do papa Francisco, reforçando assim a fé e a espiritualidade do povo português, ao ponto do atual governo de esquerda ter decretado, com evidente sensatez, tolerância de ponto para os funcionários públicos no dia 12 de maio de 2017.

 

A celebração deste Centenário (1917-2017) é uma ocasião pastoral muito especial para o aprofundamento espiritual da fé católica da população portuguesa, lusófona e mundial ( Cf. O post anterior deste blogue intitulado 13 DE MAIO DE 1917 - 13 DE MAIO DE 2011 - NOSSA SENHORA DE FÁTIMA, HISTÓRIA E RELIGIÃO). Pretende-se, com esta comemoração histórico-religiosa, evidenciar a importância das Aparições para a Igreja Católica e para o mundo, difundindo a sua mensagem a nível nacional e internacional.

 

Ao mesmo tempo, com a canonização dos pastorinhos Jacinta e Francisco a 13 de maio de 2017, intentam-se formas específicas de vivenciar a espiritualidade de Fátima, dando a conhecer a fé dos seus videntes. Os Pastorinhos de Fátima convertem-se, assim, em modelos de vida cristã, pela religiosidade que irradiaram, irradiam e irradiarão em seu redor no passado, no presente e no futuro.

 

Um momento alto desta celebração festiva é a Missa presidida pelo papa Francisco, a 13 de maio de 2017, às 10 horas, que inclui, no seu início, a canonização dos dois pastorinhos. Convém reter que o conceito de Aparições utilizado é o conceito teológico (P. Gonçalo Portocarrero de Almada, “Fátima(1): Aparições ou visões”, in Observador, 29/04/2017).

 

Este conceito ultrapassa a mera experiência física, tão do agrado da perceção ateia, que pretende a desmistificação de um fenómeno espiritual com os instrumentos de uma análise meramente positivista, visto que essas visões por intermédio das suas almas tocadas por um objeto sobrenatural não resultaram de qualquer processo fantasista.

 

É expectável que esteja presente um 1 milhão de crentes no Santuário de Fátima, nos dias 12 e 13 de maio, a assistir às diferentes cerimónias litúrgicas e celebrações evocaticas deste Centenário, o que conduzirá a uma elevada taxa de ocupação hoteleira nesta região durante este período.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

BIBLIOGRAFIA DE NUNO SOTTO MAYOR FERRÃO (ATUALIZAÇÃO) E CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS

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*Nuno Sotto Mayor Ferrão, "O Padre António Viera, um precursor do espírito e da convivência lusófona no Século XVII” in Nova Águia, nº 19, 1º semestre de 2017, pp. 103-111.

 

*Idem, “O Padre António Viera, um precursor do espírito da convivência lusófona no Século XVII”, in Brotéria, vol. 183, nº 5/6 – novembro/dezembro de 2016, pp 367-383.

 

* Idem, "A arte no pensamento de Vergílio Ferreira" in Nova Águia, nº 18, 2º semestre de 2016, pp. 61-66.

 

* Idem, "Ramalho Ortigão e a salvaguarda do património histórico-artístico - Nos 120 anos da obra 'O Culto da Arte em Portugal' (1896-2016)" in Nova Águia, nº 17, 1º semestre de 2016, pp. 115-120.

 

*Idem, “Ramalho Ortigão e a salvaguarda do património histórico-artístico – Nos 120 anos da obra ‘O Culto da Arte em Portugal’ (1896-2016)”, in Brotéria, vol. 182, fevereiro de 2016, pp. 133-144.

 

*Idem”, “O cosmopolitismo modernista e lusófono na Revista Orpheu – Evocação no seu centenário”, in Brotéria, vol. 181, julho de 2015, pp. 41-50.  

 

*Idem, “O cosmopolitismo modernista e lusófono na revista Orpheu”,  in Nova Águia, nº 15, 1º semestre de 2015, pp. 18-24.

 

*Idem, “A I Guerra Mundial na imprensa portuguesa – no centenário da Grande Guerra”, in Brotéria, vol. 180, nº 1 – janeiro de 2015, pp 33-44.

 

*Idem, “A I Guerra Mundial na imprensa portuguesa e na revista A Águia”, in Nova Águia, nº 14, 2º semestre de 2014, pp. 231-238. 

 

*Idem, “A atualidade internacional da Doutrina Social da Igreja no contexto da globalização”, in Brotéria, vol. 178, nº 7/8 – julho/agosto de 2014, pp 33-44.

 

*Idem, “Balanço diacrónico (1974-2014) da Revolução de 25 de Abril”, in Nova Águia, nº 13, 1º semestre de 2014, pp. 57-63.

 

*Idem, “Nos 80 anos do historiador José Mattoso: a sua viva lição de sabedoria”, in Nova Águia, nº 12, 2º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 162-163.

 

*Idem, “António José Saraiva como cidadão e historiador: nos 20 anos da sua morte”, in Nova Águia, nº 12, 2º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 153-159.

 

*Idem, “A poesia portuguesa: o mar e a lusofonia”, in Nova Águia, nº 11, 1º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 23-24.

 

*Idem, “As linhas de força do pensamento historiográfico de Jaime Cortesão”, in Nova Águia, nº 11, 1º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 130-135.

 

*Idem, “A Renascença Portuguesa e o percurso político e historiográfico de Jaime Cortesão”, in Nova Águia, nº 9, 1º semestre de 2012, Sintra, Zéfiro Editora, 2012, pp. 138-144.

 

*Idem, “Relativismo Ético na História Contemporânea (1914-2010)”, in Brotéria, nº1, volume 174, Janeiro de 2012, pp. 47-51.

 

*Idem, “A dinâmica histórica do conceito de Lusofonia (1653-2011)” in Nova Águia, nº 8, 2º semestre de 2011Sintra, Zéfiro Editora, 2011, pp. 204-208.

 

*Idem, "Fernando Pessoa: o sentimento lusófono na sua obra", in Nova Águia, nº7, 1º semestre de 2011, Sintra, Zéfiro Editora, 2011, pp. 34-38.

 

*Idem, "Alexandre Herculano, aspectos da vida e obra e sua ascendência ideológica sobre o Republicanismo", in Sintra, Zéfiro Editora, Nova Águia, nº 6 - 2º semestre de 2010, pp. 130-135.

 

*Idem, "Leonardo Coimbra, a revista 'A Águia' e o panorama cultural contemporâneo", in Nova Águia, nº 5 - 1º semestre de 2010, Sintra, Editora Zéfiro, pp. 34-36.

 

*Idem, Aspectos da vida e obra do Almirante Sarmento Rodrigues (1899-1979), Mirandela, Edição Câmara Municipal de Freixo de Espada-à-Cinta, 1999, 293 p.

 

*Idem, O pensamento colonial de Sarmento Rodrigues enquanto Ministro do Ultramar (1950-1955), Dissertação de Mestrado em História Contemporânea, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1997, 233 p.

 

Citações bibliográficas do autor:

 

» Clio: revista do Centro de História da Universidade de Lisboa, “Resumo das Teses de Mestrado em Letras (História)”, Lisboa, 1996, p. 168.

 

» Joaquim Veríssimo Serrão, “Do berço humilde em Freixo à imortalidade da História”, Almirante Sarmento Rodrigues, 1899-1979: testemunhos e inéditos no centenário do seu nascimento, Academia de Marinha e Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta, Lisboa, 1999, p. 163.

 

» Cadernos de Estudos Africanos – Memórias Coloniais, Lisboa, Centro de Estudos Africanos do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, 2006, p. 150.

 

» Cultura - Revista de História e Teoria das Ideias, vol. 25, 2008, Lisboa, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, pp. 33 e 44. 

 

» António E. Duarte Silva, “Sarmento Rodrigues, a Guiné e o lusotropicalismo”, in Cultura: Revista de História e da Teoria das Ideias Lisboa, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, vol. 25, 2008, p. 44. (António E. Duarte Silva, « Sarmento Rodrigues, a Guiné e o luso-tropicalismo », Cultura [Online], Vol. 25 | 2008, consultado a 29 julho 2014. URL :http://cultura.revues.org/586.

 

» Ana Reis e João Garrinhas, “2 anos sob tutela autárquica”, inProfforma (Revista do Centro de Formação de Professores do Nordeste Alentejano), nº 2, março de 2011, pp. 1-7.

 

» Victor Andrade de Melo, “O esporte na política colonial portuguesa: as iniciativas de Sarmento Rodrigues na Guiné (1945-1949)”, in Revista Brasileira de  História, vol.34, no. 68, São Paulo, July/Dec. 2014, pp. 179,180 e 189.

 

» Rui Jorge Martins, “Rui Chafes, René Girard, Ramalho Ortigão e José Luís Peixoto na Brotéria“, Secretariado Nacional da Pastoral da Cultural (portal da internet).

Disponível em:

http://www.snpcultura.org/rui_chafes_rene_girard_ramalho_ortigao_jose_luis_peixoto_na_broteria.html

Acesso em 09.05.2016.

 

» Sérgio Neto, Do Minho ao Mandovi – Um estudo sobre o pensamento colonial de Norton de Matos, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, p. 317.

 

» Álvaro Henriques do Vale, Do Mapa Cor de Rosa à Europa do Estado Novo, Lisboa, Chiado Editora, 2015, nota 145.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

A DESCOLONIZAÇÃO PORTUGUESA FOI UM MOVIMENTO EXEMPLAR, POSSÍVEL OU EXECRÁVEL? UMA CONTROVÉRSIA SOCIAL À LUZ DA HISTORIOGRAFIA

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Passados mais de 40 anos é possível fazer um breve balanço, já historiográfico e menos apaixonado, da descolonização portuguesa, porque a visão do historiador exige uma observação da realidade global, nas causas e nos efeitos dos fenómenos históricos. Esta análise pretende lançar alguma luz sobre a controvérsia social que rodeou o processo da descolonização de Portugal. Importa equacionar algumas questões que nos ajudem a refletir com base nos dados históricos: a descolonização portuguesa foi um movimento exemplar, possível ou execrável? Era exequível, no processo revolucionário encetado a 25 de abril de 1974, desencadear uma descolonização com referendos locais quando nos principais territórios existiam movimentos de libertação com forças armadas? Era viavél uma descolonização exemplar no contexto internacional da guerra fria?

 

A descolonização portuguesa deixou profundas marcas traumáticas no tecido social português com mais de meio milhão de retornados e muitos bens patrimoniais portugueses, públicos e privados, perdidos, mas esta tendência histórica constituía uma inevitabilidade global. Com efeito, em contraciclo o regime Salazarista fomentou a emigração para as colónias, o que se intensificou após 1945 e, em particular, na década de 1960, ou seja, quando o ultramar português estava mais ameaçado pelo ambiente externo. Neste contexto anticolonialista internacional, as elites autóctones lutaram pela difusão da ideia do direito dos povos à descolonização. O general António de Spínola apercebeu-se do impasse na guerra colonial na Guiné-Bissau e escreveu o livro Portugal e o Futuro, editado em fevereiro de 1974.

 

A rutura com a tradição colonial portuguesa sucedeu com a revolução de 25 de abril de 1974, que iniciou o processo de descolonização nos territórios portugueses do ultramar. Contudo, a descolonização partiu de uma definição ambígua do Manifesto do MFA, o que deu azo a duas correntes antagónicas na sociedade portuguesa face à descolonização iniciada: uma defendia referendos nos territórios a libertar para garantirem a autodeterminação dos povos locais, sem eventual emancipação direta, enquanto outra sustentava a legitimidade da transferência de poderes da metrópole para os movimentos de libertação como representantes dos povos coloniais. Acabou por vencer esta segunda corrente, da descolonização mais imediata, que foi considerada pelos seus autores como exemplar e pelos seus detratores como nefasta e enfeudada aos interesses soviéticos.

 

Mário Soares, ministro dos negócios estrangeiros, após várias reuniões com o PAIGC viu-se compelido perante a intransigência dos negociadores guineenses, as declarações do general António de Spínola de reconhecimento do direito à independência e a inevitável entrada da Guiné-Bissau na ONU a aceitar a transferência de poderes no Acordo que firmou a 26 de agosto de 1974. Em Angola as organizações de libertação de Angola (a UNITA, a FNLA e o MPLA) entenderam-se para a formação de uma frente comum de negociação com os portugueses e a 15 de janeiro de 1975 foi fixado o Acordo do Alvor liderado, da parte do poder metropolitano, por Ernesto de Melo Antunes, tendo sido celebrado um governo de transição até à independência. Em Moçambique a 7 de setembro de 1974 em Dar-Es-Salam foi acordada a transferência de soberania para a FRELIMO.  

 

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Em São Tomé e Príncipe assinou-se um Acordo com o calendário de acesso à independência e em Cabo Verde aceitou-se um regime transitório para a eleição de uma Assembleia Nacional Popular, que tendo sido formada por membros do PAIGC declarou a independência. Por outras palavras, os vários calendários de descolonização portuguesa foram cumpridos na íntegra, com exceção do caso de Angola. Assim, neste  território a desavença entre os 3 movimentos de libertação impediu a implementação do governo de transição e lançou a região numa guerra civil fraticida, com ingerências externas, e em que as autoridades portuguesas foram incapazes de resolver a situação, tendo optado por manter a data da independência sem entregar o poder a nenhuma das facções conflituantes.

 

Timor-Leste e Macau foram situações excecionais, por uma ingerência externa no primeiro caso e por desinteresse no segundo caso, na altura, da República Popular da China.    De facto, Timor-Leste, após uma guerra civil entre a FRETILIN e a UDT, assiste a uma declaração unilateral de independência do primeiro movimento, o que leva a Indonésia a invadir o território sob vários pretextos e, só na transição do século XX para o XXI, a seguir a uma intensa pressão da comunidade internacional, Timor-Leste alcança a independência em 2002.

 

Por conseguinte, a descolonização portuguesa não foi exemplar como se propalou na propaganda da época no país, mas foi o processo possível dada à complexidade das circunstâncias internas e externas da conjuntura histórica. Reconhecemos que a situação descolonizadora foi, sobretudo, bastante grave em Angola, porque não foram salvaguardadas as vidas e os interesses materiais dos colonos, mas a luta entre as correntes angolanas, a recusa das forças militares portuguesas em contexto revolucionário de se envolver no conflito bélico, a desordem social em Angola, a instabilidade política portuguesa e as ingerências externas do contexto da guerra fria não permitiu senão uma descolonização possível.

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Portugal entre 1974 e 2002 libertou totalmente as colónias, ao contrário do que fizeram a França e a Inglaterra. Convém não esquecer que o ambiente de hostilidade, em particular em Angola, entre os colonos e os colonizados, em que os primeiros retiravam empregos não qualificados aos segundos, propiciou a descolonização rápida. O principal erro da descolonização de Angola foi devido à precipitação do processo decisório que abriu caminho a uma guerra civil fraticida, sem que se evitasse um vazio de poder. A OCDE, em 1976, concluíra que esta descolonização beneficiara Portugal. A descolonização no contexto revolucionário provocou o regresso de mais de 500 mil portugueses, com perdas patrimoniais elevadas, mas com uma operação gigantesca de evacação aérea, muito significativa historicamente, com a colaboração de vários países. Por outro lado, no sentido de travar a vinda abrupta de colonizados criou-se a Lei de 24 de junho de 1975 e para compensar esta deslocação forçada de milhares de colonos foi concedido um apoio particular aos “retornados” da descolonização, facultando alojamentos temporários, subsídios, assistência médica e créditos especiais para possibilitar o acesso a habitações e a montagem de negócios.   

         

Muitos detratores da descolonização portuguesa foram colonos prejudicados com o processo concreto ou agentes descolonizadores que discordaram das orientações emanadas das autoridades nacionais, como foi o caso do general Silva Cardoso, que foi Alto-Comissário para Angola até agosto de 1975. Partindo dos argumentos deste protagonista, revelamos o outro lado da descolonização para procedermos ao balanço histórico, agora que passam mais de 40 anos sobre a independência dos territórios africanos e das suas ilhas. O general Silva Cardoso, que passo a designar SC, afirmou que os guerrilheiros não tinham apoios nas populações autóctones que, por isso, teria sido legítimo a realização de referendos às populações colonizadas.

 

A situação da guerra colonial tinha levado a um impasse que se arrastava por longo tempo, pelo que havia muito desgaste nos contigentes militares e não estava próxima a vitória no conflito bélico, como afirmou SC. Este autor queixa-se que os militares de feição progessista, ou seja os “capitães” do MFA, disseminaram a vontade revolucionária nas forças armadas colonizadas, em particular na Guiné-Bissau. Historicamente, o processo teve início com a declaração pública de António de Spínola de 27 de julho de 1974 que reconheceu o direito das colónias à emancipação e Mário Soares, como ministro dos negócios estrangeiros do I Governo Provisório, ficou com liberdade para assinar Acordos com os movimentos de libertação dos diversos territórios, pois o processo revolucionário português exigia celeridade na resolução da problemática.

 

A 26 de agosto de 1974, Mário Soares chegou a acordo em Argel da entrega da Guiné-Bissau ao PAIGC, tendo ficado estabelecido o desarmamento dos comandos guineenses que estiveram ao lado das hostes portuguesas, mas infelizmente estes contingentes foram vingativamente fuzilados pelas forças do PAIGC. Na altura, em que foram celebrados os diversos Acordos, Mário Soares considerou a descolonização um êxito, contudo os acontecimentos acabaram por superar as intenções expressas.

 

A tese de SC é a de que houve uma descolonização precipitada resultado da vontade revolucionária dos contingentes militares metropolitanos, influenciados por membros do MFA. Este autor não compreendeu o processo revolucionário em curso, pelo que culpou a propaganda do MFA, de consciencializar as tropas portuguesas para a injustiça da guerra, quando foi esse um dos motivos da revolução dos cravos.

 

No testemunho comprometido deste autor, afirma que a intervenção do MFA na guerra colonial em Moçambique foi um “vírus” que dissuadiu as tropas metropolitanas de combater. Em junho de 1974 foi feita a primeira reunião entre a delegação portuguesa dirigida por Mário Soares e a FRELIMO para estabelecer o cessar-fogo e os trâmites da descolonização. Com a Lei nº 7/74 assegura-se a independência de Moçambique, que precedeu o Acordo de Lusaka de 7 de setembro de 1974 com a FRELIMO e que estabelece a independência de Moçambique para 25 de junho de 1975, sem que outros setores da sociedade moçambicana tenham sido ouvidos.

 

A questão do critério descolonizador radica no processo que colocou frente a frente os ventos da História, isto é, a tendência descolonizadora e a força das convicções revolucionárias. Na verdade, esteve em aberto no processo descolonizador a consulta às populações para conhecer a vontade das populações em relação ao regime político ou transferir os poderes para os movimentos de libertação das colónias.  SC afirma, de forma parcial, que a força militar da FRELIMO era insignificante para o exército português, mas que o impulso revolucionário do MFA e a vontade de Mário Soares prevaleceram, não obstante o forte poder militar português estivesse em condições de ganhar a guerra neste território.

 

SC, neste testemunho parcelar, chama, emocionalmente, traidores a António Almeida Santos e a Mário Soares por não terem optado por uma descolonização com consulta das populações, sem entender que as pressões das conjunturas externas, da guerra fria, e interna, do PREC não permitiram a concretização do ideal e exigiram um pragmatismo na ação. Este autor fez um juízo de valor inadmíssivel para um retrato histórico, pelo que as suas reflexões se devem situar no género do testemunho parcial, de alguém emocionalmente envolvido na situação, ao ponto de designar as medidas tomadas como criminosas. Trata-se, pois, de um género memorialístico e não historiográfico. Se parece certo que SC faz observações acertadas, por exemplo, ao asseverar que a passagem da colónia de Angola ao estatuto de independência num momento de vazio de poder impulsionou a trágica guerra civil. Com efeito, com a luta fraticida entre os movimentos de libertação de Angola espalhou-se o medo entre a comunidade branca. Este general, nestas suas memórias, afirma a tese de que o MFA em Angola esteve durante o período de transição de poderes ao serviço do MPLA e dos interesses soviéticos. 

 

 

No Acordo de Alvor, a 15 de janeiro de 1975, estabeleceram-se as condições teóricas da descolonização de Angola: os 3 movimentos de libertação foram considerados representantes do povo angolano, o governo de transição iria interagir com as 4 parteindependc3aancia_-angola.jpgs envolvidas, seriam  realizadas  eleições antes da independência, a transferência de poderes seria feita para o movimento que ganhasse as eleições, a retirada do exército português seria efectuada até à independência e um Alto-Comissário garantia o período de transição. Contudo, os acontecimentos ultrapassaram este compromisso, porque durante o governo de transição assegurado pelo Alto-Comissário Silva Cardoso os 3 movimentos de libertação de Angola desentenderam-se, sob o impulso, na perspetiva deste protagonista da história, do MFA em articulação com o MPLA.

 

Num ápice opinativo, SC considerou traidores os autores da descolonização que quiseram acabar rapidamente com a guerra colonial e levar a cabo com celeridade a emancipação dos povos coloniais. Esquece o autor a influência que o movimento da Negritude teve neste fenómeno internacional. Este autor revelou uma inimizade clara por Mário Soares ao considerar que se não ouviu os povos coloniais e que foi condicionado pela influência soviética e pelo ódio ao Salazarismo. Não obstante, foram cometidos erros diversos na descolonização portuguesa.

 

 

No seu testemunho SC acusa os responsáveis da descolonização de Timor-Leste de terem abandonado o território e deixado grassar uma guerra civil. De facto, devido à guerra civil entre os movimentos internos em 1975 a FRETILIN toma o poder, mas a Indonésia no contexto da guerra fria invade o território e Portugal acaba por abandonar militarmente a colónia. Este autor tem uma posição inequivocamente anticomunista, assacando as responsabilidades dos erros da descolonização à influência revolucionária comunista. SC, um protagonista, da descolonização Angolana apresentou a tese de que a revolução de 25 de abril de Retornados 6.jpg1974 foi dominada pelos comunistas e pela vaidade de Mário Soares, o que foi nefasto para a descolonização portuguesa. Embora Mário Soares tenha classificado, em 1976, a descolonização portuguesa como um incontestável sucesso, na realidade as dinâmicas dos fatores condicionantes da evolução histórica revelaram-na como sendo um processo descolonizador possível no contexto da guerra fria e do quadro revolucionário que então se vivia no país.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

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Pereira, José Costa, “Descolonização”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol. 2, Lisboa, Edições Seleções do Reader’s Digest, 1990, pp. 186-187.

 

Ramos, Rui (coordenador), “A descolonização”, in História de Portugal, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2010, pp. 718-720.

 

Silva Cardoso, António, “A descolonização”, in 25 de abril de 1974 – A Revolução da Perfídia, Lisboa, Editora Prefácio, 2008, pp. 111-143.

                           

MÁRIO SOARES, UM PROTAGONISTA DA HISTÓRIA PORTUGUESA E EUROPEIA DOS SÉCULOS XX E XXI

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Mário Alberto Nobre Lopes Soares (1924-2017) foi um distinto político humanista do Estado Português. Nasceu de uma família republicana-liberal, e seu pai João Lopes Soares, que foi um antigo ministro das Colónias da 1ª República, manifestou vontade que seu filho fosse escritor. Licenciou-se, primeiro, em Ciências Histórico-Filosóficas e, depois, em Direito, tendo-se distinguido na resistência ao regime do Estado Novo, pelo que foi remetido para a prisão doze vezes pela polícia política, num período que demorou na totalidade mais de 3 anos de encarceramento. Foi também deportado em 1968 para São Tomé e esteve exilado em Paris de 1970 a 1974, durante o consulado Marcelista.

 

Assumiu a defesa judicial do general Humberto Delgado, aquando do seu assassinato pela PIDE, e também de Álvaro Cunhal, seu antigo professor, acusado de crimes políticos como líder clandestino do Partido Comunista Português. Chegou a ser professor de História no Colégio Moderno, por influência de Álvaro Cunhal. Foi, também, aluno de Agostinho da Silva, de quem recebeu explicações particulares.

 

Foi membro do Movimento de Unidade Nacional Antifascista, em 1943, membro do Movimento de Unidade Democrática, em 1946, que defendeu no pós-guerra a mudança do regime político no país, tendo fundado o Movimento de Unidade Democrática Juvenil com Manuel Mendes. Foi secretário da Comissão Central da candidatura do general José Norton de Matos à Presidência da República, em 1949, e membro da comissão da candidatura do general Humberto Delgado, em 1958. Foi na prisão que, a 22 de fevereiro de 1949, casou por procuração com Maria Barroso.

 

Ingressou na Maçonaria em Paris, em 1972, esperando auxílio para a sua luta política com o Estado Novo. Após ter fundado, com Tito de Morais e Ramos Costa, a Ação Socialista no exterior, que deu origem ao Partido Socialista, em 1973, regressou a Portugal com a revolução de 25 de abril de 1974, de que foi um dos principais protagonistas como ministro dos Negócios Estrangeiros de 1974 a março de 1975 no processo de descolonização e como primeiro-ministro dos I, II e IX Governos Constitucionais. Foi duas vezes Presidente da República de 1986 a 1991, numa inesperada vitória sobre Diogo Freitas do Amaral, e de 1991 a 1996, tendo assumido uma reforçada imagem carismática com as suas presidências abertas.

 

Ganhou um largo prestígio internacional como dirigente da Internacional Socialista, e como signatário do documento de integração de Portugal na CEE, no ano de 1985, no Mosteiro dos Jerónimos, desenvolvida sob os auspícios do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, José Medeiros Ferreira. Foi autor de várias obras de intervenção política e de uma tese de licenciatura sobre Teófilo Braga, saindo, talvez, daqui a famosa trilogia ideológica que o marcou, indelevelmente, ao longo do seu percurso político “laico, republicano e socialista”. Teve sempre um instinto de um verdadeiro “animal político”.

 

Foi, também, o criador da benemérita Fundação Mário Soares, instituição cultural de grande relevo para a História Contemporânea de Portugal, ao guardar o espólio de muitos importantes protagonistas da História Portuguesa do século XX e ao atribuir prémios de investigação histórica por estudos inéditos, em parceria com o Instituto de História Contemporânea da Faculdade Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

 

Venceu, durante o processo revolucinário em curso (PREC), a tendência totalitária dos setores de extrema-esquerda no Verão Quente de 1975, tendo feito soçobrar a vontade hegemónica de Álvaro Cunhal, secundado pelo apoio internacional da URSS ao tempo da guerra fria, de implantar no país um regime comunista. Ficou muito famoso o seu debate televisivo com Álvaro Cunhal, que patenteou esta visível divergência ideológica com o modelo de democracia popular, que tanto contestou como legítimo para as necessidades e anseios da pátria lusa.

 

Afirmou-se como um dos grandes vultos europeus do Socialismo Democrático, a par de Olof Palme e de Willy Brandt, afastando-se do Socialismo de Terceira Via, de Anthony Giddens, que ganhou expressão no contexto da globalização neoliberal nos anos 90. Foi eurodeputado pelo Partido Socialista, em 1999, e candidato derrotado à Presidência do Parlamento Europeu.

 

O pintor Júlio Pomar deixou-nos dele um retrato impressivo das suas presidências abertas, na galeria dos retratos presidenciais do Museu da Presidência da República. No início do século XXI, foi uma das vozes mais críticas da globalização selvagem e do ataque da coligação internacional, não fundamentado ou, no mínimo, justificado com o insuficiente conceito de guerra preventiva e das enganosas armas de destruição maciça pelo caricato e belicista Presidente G. W Bush, ao Iraque em 2003, enfileirando num discurso harmonioso com Diogo Freitas do Amaral.

 

No ano de 2006, candidatou-se à Presidência da República e, com o pretexto de que estaria já demasiado idoso, foi preterido eleitoralmente a favor de Aníbal Cavaco Silva. Viu-se confrontado duas vezes como primeiro-ministro com a gestão de difíceis condições financeiras, que o levaram a pedir a colaboração do Fundo Monetário Internacional. Testemunhou com graça que, numa situação de emergência financeira, lhe ligou uma vez, à noite, o Presidente do Banco de Portugal a dar conta da situação crítica, ao que este terá respondido “deixe-me dormir homem para que amanhã acorde fresco para resolver o problema”, pelo que se tornou num dos sócios da Associação Portuguesa Amigos da Sesta.

 

Em 2007, foi nomeado presidente da Comissão da Liberdade Religiosa. No ano de 2010, recebeu o Doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Lisboa, no âmbito do Centenário do Regime Republicano. Faleceu a 7 de janeiro de 2017 com 92 anos, tendo recebido honras de Estado no seu funeral, com um simbólico velório no Mosteiro dos Jerónimos, e com uma expressiva manifestação de pesar coletivo da população portuguesa na dolorosa hora da sua partida, ao mesmo tempo que o Governo Português decretou luto nacional de 3 dias e que foi efectuada uma sentida homenagem pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

 

Podemos concluir que Mário Soares foi um incansável lutador pelas liberdades políticas, ao longo da sua vida pública contra o autoritarismo do regime de Oliveira Salazar e do sistema do pensamento único imposto pelas premissas neoliberais e, ainda, pela dignidade humana oprimida pelos tentáculos da tecnocracia vigente, aproximando-se, no fim da vida, das clarividentes posições internacionais do Papa Francisco e mesmo de uma angústia agnóstica nas sábias palavras do Padre Vítor Feytor Pinto.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

BIBLIOGRAFIA DE NUNO SOTTO MAYOR FERRÃO (ATUALIZAÇÃO) E CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS

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* Nuno Sotto Mayor Ferrão, "A arte no pensamento de Vergílio Ferreira" in Nova Águia, nº 18, 2º semestre de 2016, pp. 61-66.

 

* Idem, "Ramalho Ortigão e a salvaguarda do património histórico-artístico - Nos 120 anos da obra 'O Culto da Arte em Portugal' (1896-2016)" in Nova Águia, nº 17, 1º semestre de 2016, pp. 115-120.

 

*Idem, “Ramalho Ortigão e a salvaguarda do património histórico-artístico – Nos 120 anos da obra ‘O Culto da Arte em Portugal’ (1896-2016)”, in Brotéria, vol. 182, fevereiro de 2016, pp. 133-144.

 

*Idem”, “O cosmopolitismo modernista e lusófono na Revista Orpheu – Evocação no seu centenário”, in Brotéria, vol. 181, julho de 2015, pp. 41-50.  

 

*Idem, “O cosmopolitismo modernista e lusófono na revista Orpheu”,  in Nova Águia, nº 15, 1º semestre de 2015, pp. 18-24.

 

*Idem, “A I Guerra Mundial na imprensa portuguesa – no centenário da Grande Guerra”, in Brotéria, vol. 180, nº 1 – janeiro de 2015, pp 33-44.

 

*Idem, “A I Guerra Mundial na imprensa portuguesa e na revista A Águia”, in Nova Águia, nº 14, 2º semestre de 2014, pp. 231-238. 

 

*Idem, “A atualidade internacional da Doutrina Social da Igreja no contexto da globalização”, in Brotéria, vol. 178, nº 7/8 – julho/agosto de 2014, pp 33-44.

 

*Idem, “Balanço diacrónico (1974-2014) da Revolução de 25 de Abril”, in Nova Águia, nº 13, 1º semestre de 2014, pp. 57-63.

 

*Idem, “Nos 80 anos do historiador José Mattoso: a sua viva lição de sabedoria”, in Nova Águia, nº 12, 2º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 162-163.

 

*Idem, “António José Saraiva como cidadão e historiador: nos 20 anos da sua morte”, in Nova Águia, nº 12, 2º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 153-159.

 

*Idem, “A poesia portuguesa: o mar e a lusofonia”, in Nova Águia, nº 11, 1º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 23-24.

 

*Idem, “As linhas de força do pensamento historiográfico de Jaime Cortesão”, in Nova Águia, nº 11, 1º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 130-135.

 

*Idem, “A Renascença Portuguesa e o percurso político e historiográfico de Jaime Cortesão”, in Nova Águia, nº 9, 1º semestre de 2012, Sintra, Zéfiro Editora, 2012, pp. 138-144.

 

*Idem, “Relativismo Ético na História Contemporânea (1914-2010)”, in Brotéria, nº1, volume 174, Janeiro de 2012, pp. 47-51.

 

*Idem, “A dinâmica histórica do conceito de Lusofonia (1653-2011)” in Nova Águia, nº 8, 2º semestre de 2011Sintra, Zéfiro Editora, 2011, pp. 204-208.

 

*Idem, "Fernando Pessoa: o sentimento lusófono na sua obra", inNova Águia, nº7, 1º semestre de 2011, Sintra, Zéfiro Editora, 2011, pp. 34-38.

 

*Idem, "Alexandre Herculano, aspectos da vida e obra e sua ascendência ideológica sobre o Republicanismo", in Sintra, Zéfiro Editora, Nova Águia, nº 6 - 2º semestre de 2010, pp. 130-135.

 

*Idem, "Leonardo Coimbra, a revista 'A Águia' e o panorama cultural contemporâneo", in Nova Águia, nº 5 - 1º semestre de 2010, Sintra, Editora Zéfiro, pp. 34-36.

 

*Idem, Aspectos da vida e obra do Almirante Sarmento Rodrigues (1899-1979), Mirandela, Edição Câmara Municipal de Freixo de Espada-à-Cinta, 1999, 293 p.

 

*Idem, O pensamento colonial de Sarmento Rodrigues enquanto Ministro do Ultramar (1950-1955), Dissertação de Mestrado em História Contemporânea, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1997, 233 p.

 

Citações bibliográficas do autor:

 

» Clio: revista do Centro de História da Universidade de Lisboa, “Resumo das Teses de Mestrado em Letras (História)”, Lisboa, 1996, p. 168.

 

» Joaquim Veríssimo Serrão, “Do berço humilde em Freixo à imortalidade da História”, Almirante Sarmento Rodrigues, 1899-1979: testemunhos e inéditos no centenário do seu nascimento, Academia de Marinha e Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta, Lisboa, 1999, p. 163.

 

» Cadernos de Estudos Africanos – Memórias Coloniais, Lisboa, Centro de Estudos Africanos do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, 2006, p. 150.

 

» Cultura - Revista de História e Teoria das Ideias, vol. 25, 2008, Lisboa, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, pp. 33 e 44. 

 

» António E. Duarte Silva, “Sarmento Rodrigues, a Guiné e o lusotropicalismo”, in Cultura: Revista de História e da Teoria das Ideias Lisboa, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, vol. 25, 2008, p. 44. (António E. Duarte Silva, « Sarmento Rodrigues, a Guiné e o luso-tropicalismo », Cultura [Online], Vol. 25 | 2008, consultado a 29 julho 2014. URL :http://cultura.revues.org/586.

 

» Ana Reis e João Garrinhas, “2 anos sob tutela autárquica”, inProfforma (Revista do Centro de Formação de Professores do Nordeste Alentejano), nº 2, março de 2011, pp. 1-7.

 

» Victor Andrade de Melo, “O esporte na política colonial portuguesa: as iniciativas de Sarmento Rodrigues na Guiné (1945-1949)”, in Revista Brasileira de  História, vol.34, no. 68, São Paulo, July/Dec. 2014, pp. 179,180 e 189.

 

» Rui Jorge Martins, “Rui Chafes, René Girard, Ramalho Ortigão e José Luís Peixoto na Brotéria“, Secretariado Nacional da Pastoral da Cultural (portal da internet).

Disponível em:

http://www.snpcultura.org/rui_chafes_rene_girard_ramalho_ortigao_jose_luis_peixoto_na_broteria.html

Acesso em 09.05.2016.

 

» Sérgio Neto, Do Minho ao Mandovi – Um estudo sobre o pensamento colonial de Norton de Matos, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, p. 317.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

DONALD TRUMP, UMA VITÓRIA DEMOCRÁTICA INESPERADA NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DOS E.U.A.

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Parece-me que o populismo é um conceito grato à linguagem do politicamente correto, mas urge reformar profundamente o sistema internacional dominado pela globalização, sem partirmos de uma vontade radical de rebentarmos com o sistema. A moeda Euro no sistema financeiro internacional atual não funciona de forma escorreita, mas acabar com este sistema monetário poderá ser excessivamente revolucionário.

 

Convém pensar numa transição para um sistema misto de vários Euros ou, eventualmente, num regresso paulatino às soberanias monetárias, todavia isto exige muita ponderação e discussão na opinião pública nacional e internacional.

 

Por outro lado, da única superpotência sobrante assusta pensar que foi eleito um Presidente, Donald Trump, que promete ser tão parecido com G. W. Bush na sua impetuosidade arrogante. Depois dos anos da esperança do "Yes we can" de B. Obama, ressurge a promessa de um EUA interessado no seu umbigo, o que nos deixa grandes incertezas depois da afirmação mundial de protagonistas promissores como o Papa Francisco ou António Guterres como futuro Secretário-Geral das Nações Unidas que nos abriram, ao mundo, uma janela de esperança.

 

Certamente virão, de novo, tempos difíceis porque a estratégia de fechamento ao exterior, como foi o caso recente do Reino Unido com o "Brexit", não trás nenhum bom augúrio.

Esperamos que as forças moderadas dos EUA e dos seus aliados externos possam limar o Presidente Trump nas suas arestas mais cortantes do seu radicalismo... Importa impedi-lo de um dia carregar no botão das bombas atómicas, porque o mundo não comportaria uma guerra nuclear, ou seja, uma terceira guerra mundial, pois as bombas nucleares que hoje existem são bem diferentes das de 1945 e a sua dispersão geográfica implicaria uma catástrofe para a toda Humanidade e para todo o nosso planeta ou “casa comum”, como nos recorda o Papa Francisco na sua linguagem ecológica e teológica.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

O VERTIGINOSO RITMO CONTEMPORÂNEO – CAUSAS, PROCESSOS E CONSEQUÊNCIAS (SÉCULOS XIX-XXI)

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Relembro, com saudade, uma excelente lição que recebi do Professor Jorge Borges de Macedo, em que frisou que um dos traços da contemporaneidade é a velocidade estonteante das sociedades contemporâneas. Esta velocidade frenética obriga os historiadores a recolher muito mais informação, para se conhecer uma realidade histórica mais recente.

 

Perguntamos se, eticamente, é benéfica esta velocidade frenética em que se desenrolam as nossas vidas. Procuraremos responder a esta questão e, concomitantemente, perceber as causas, as manifestações e as consequências deste fenómeno das sociedades contemporâneas.

 

É uma evidência que a evolução histórica da Humanidade tem conduzido a um ritmo, acelerado, das sociedades dos nossos dias e como causas, manifestas desta tendência, contam-se o crescente desenvolvimento técnico/tecnológico, a industrialização das sociedades ocidentais nos séculos XIX e XX e o crescimento urbano desmesurado das últimas décadas.

 

O predomínio da tecnologia na vida quotidiana, com a evolução dos transportes e das comunicações, com o surgimento da robótica e da informática, com a evolução das telecomunicações, entre outros factores, tem levado a uma inesperada velocidade na vida das pessoas e ao crescente sentimento de 'stress' no dia-a-dia dos cidadãos. Mas decerto, nos primórdios desta aceleração, esteve a invenção dos relógios públicos, cujo mais conhecido é o Big Ben.

 

Por outro lado, a mentalidade das indústrias e dos serviços, orientada pela lógica produtivista, tem alimentado a competitividade, dando origem à necessidade de “fazer depressa”. Contudo, é legítimo perguntar se é viável a todos os indivíduos fazer depressa e bem (no ditado popular português diz-se com sabedoria: “depressa e bem não há quem”) e, ao mesmo tempo em que se geram constantes mudanças políticas, sociais e económicas, aparecem novos meios de comunicação social que difundem as notícias em catadupa.

 

Esta dinâmica acelerada manifesta-se na velocidade dos transportes (dos comboios, dos barcos, dos automóveis e dos aviões) que, desde o século XVIII, tem aumentado exponencialmente, na velocidade com que circula a informação, que tanto cresceu com os novos meios de comunicação social, na primeira metade do século XX, mas que ganhou uma veemência inusitada com a proliferação da internet.

 

Estes fatores têm facilitado transações comerciais e financeiras à escala mundial, dando à economia globalizada, do início do século XXI, uma aceleração que impede aos economistas de fazerem previsões de longo prazo, tornando a realidade dos países, das sociedades e das pessoas muito instável. Ao que já alguém chamou de “Era da Incerteza” imitando a expressão assertiva de Eric Hobsbawm de “Era dos Extremos” para o século XX.

 

Os resultados, sendo aparentemente benéficos, são amplamente prejudiciais pelas suas múltiplas consequências sociais negativas, o que nos permite concluir que este mediático progresso, na verdade marca um retrocesso na qualidade de vida dos cidadãos do mundo globalizado. Esta dinâmica tem desembocado numa clara desumanização das sociedades contemporâneas, o que tem distanciado os cidadãos dos políticos, uma vez que estes se revelam incapazes de reestruturar os vícios das sociedades desenvolvidas dos séculos XX e XXI.

 

Verifica-se, assim, que, com o evoluir das sociedades industriais e pós-industriais, os valores éticos têm sido substituídos pelos valores de mercado, esvaziando a dignidade dos valores imateriais (espirituais), daí que a reconhecida crise de valores perpasse as sociedades contemporâneas desde o início do século XX, como já o sublinhei em artigo publicado[1].

 

O desenvolvimento industrial das sociedades ocidentais dos séculos XIX e XX provocou uma violenta crise ambiental, com o esgotamento de recursos naturais, que deram origem às preocupações ecológicas, desde os anos 70 do século passado, com o emergir de uma consciência ambientalista, que culminou com a atual encíclica Laudato Si do Papa Francisco.

 

Em suma, o vertiginoso ritmo contemporâneo, que se tem acelerado do século XX aos nossos dias, tem conduzido a uma alienação dos homens, fazendo-os perder a sua dignidade e desencadeando novas doenças mentais, que se tornam cada vez mais frequentes, tais como a depressão, a ansiedade, os traumas do 'stress' de guerra e potenciado a emergência de neuroses e de psicoses coletivas e o surgir do nefasto cidadão “workaholic”.

 

[1] “Relativismo Ético na História Contemporânea (1914-2010)”, in Brotéria, nº1, volume 174, Janeiro de 2012, pp. 47-51.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

A TURQUIA DO PASSADO AO PRESENTE (1919-2016), A UNIÃO EUROPEIA E A PENA DE MORTE

 

Portugal, um dos países introdutores da abolição da pena de morte em 1867, como o reconheceu com júbilo o escritor Vítor Hugo, vê nestes dias a Turquia afastar-se dos parâmetros civilizacionais europeus. Apareceu a notícia do afastamento de 15 mil funcionários do Ministério da Educação, depois de milhares de militares e de magistrados terem recebido o mesmo tratamento.

 

A independência democrática dos poderes parece ser um pressuposto inexistente no regime político em formação na Turquia, sob a liderança do Presidente Erdogan.

 

O Ocidente está confrontado com um membro da NATO, que tem um papel relevante na dramática questão dos refugiados e na difícil problemática que confina com as suas fronteiras, mas que se aproxima dos paradigmas autoritários, não obstante desconhecermos se a democracia turca aguenta as divisões internas e as pressões externas, que a caraterizam, em particular, neste contexto atual. A entrada da Turquia na UE parece ficar adiada por uns bons anos, face ao quadro geopolítico presente, embora a própria UE precise de se repensar nos seus objetivos estratégicos.

 

Relembrando um pouco a história deste país, temos de compreender que a guerra de independência turca começou com a criação, em 1919, do movimento nacional turco, após a ocupação do território pelos Aliados no espaço do antigo Império Otomano.

 

A seguir à guerra com os Arménios, com os Gregos e com as tropas Aliadas ocupantes, foi assinado o armistício em 1922 e depois assinado, na Suiça, o Tratado de Lausana que reconheceu o poder dos nacionalistas liderados por Mustafa Kemal Ataturk e de outros jovens oficiais turcos e, concomitantemente, foram reconhecidas as fronteiras da Turquia. Houve, neste período, trocas populacionais angustiantes entre cristãos da Turquia e muçulmanos da Grécia. Na década de 20, a Turquia transformou-se num regime Republicano, com a expulsão da família real otomana e a abolição do califado.

 

Kemal Ataturk tornou-se o primeiro presidente da República Turca e fez reformas laicistas conhecidas por “kemalistas”. Sucedeu no país uma clara ocidentalização pois os códigos civil e penal inspiraram-se, respetivamente, no suiço e no italiano e a educação passou para as mãos do Estado.

 

A Turquia manteve uma posição de neutralidade na 2ª guerra mundial, mas juntou-se aos Aliados, no último ano do conflito, e tornou-se logo membro da ONU. No fim da década de 40, foi notória a influência dos EUA, no início da guerra fria, com um avultado apoio militar e económico, de forma a fazer face à expansão comunista mundial. Neste âmbito, a Turquia adere à aliança militar da NATO em 1952. Em 1974 invade Chipre e proclama a República Turca de Chipre do Norte.

 

Até 1945 a República Turca manteve-se sob o controlo de um só partido, mas a passagem para uma democracia pluralista foi bastante turbulenta na 2ª metade do século XX, com a irrupção de vários golpes de estado militares (1960, 1971, 1980 e 1997) e a emergência de governos autoritários.

 

O penúltimo golpe militar da Turquia de 1997, que afastou Erdogan de Perfeito de Istambul, visou assegurar o secularismo de Estado, de acordo com a tradição fundadora do regime Republicano, uma vez que emergiam partidos maioritários com tendências islâmicas.

 

A aproximação da Turquia da Europa iniciou-se com o seu primeiro pedido de adesão à CEE, em 1959, tendo-se tornado membro associado em 1963, mas só em 2005 começaram as negociações formais para a sua integração na UE. Em 2010, através de um referendo, decidiu-se aproximar os parâmetros constitucionais turcos dos modelos constitucionais ocidentais.

 

Com a tendência antilaicista a ganhar terreno e com o Presidente Recep Erdogan, desencadeou-se um novo golpe de estado militar, a 15 de julho de 2016. Pelo apoio popular, Erdogan fez fracassar, apesar de mais de duas centenas de mortos, o golpe de estado militar e logo iniciou um contragolpe com “a purga” de militares, de juízes, de professores, com uma declaração de estado de emergência e com a possibilidade equacionada de se reinstaurar a pena de morte.

 

Um dos problemas turcos mais permanentes deriva da minoria curda, que suscita um forte sentimento nacionalista, o qual tem potenciado muitos conflitos internos no país, em particular nos momentos em que as tendências secularistas ganham importância. Falta conhecer melhor o conjunto das motivações políticas que estiveram por detrás deste último golpe de estado de 15 de julho de 2016, uma vez que, tradicionalmente, os golpes militares estiveram associados ao “kemalismo”, ou seja, ao secularismo, apesar do politólogo Nuno Rogeiro negar esta hipótese.

 

A luta armada do PKK, da minoria curda marxista, tem levado a uma confllitualidade interna na Turquia, que tem suscitado atentados terroristas e uma actuação militar repressiva atentatória dos direitos humanos.

 

A localização geográfica da Turquia tem-lhe dado um papel geoestratégico decisivo nas relações internacionais, em particular na atualidade devido ao drama da migração de refugiados. O atual contragolpe do Presidente Erdogan contra os seus opositores, com a instauração de medidas excecionais de repressão de adversários, configura um retrocesso na República Constitucional Democrática e Secular que tem mantido relações estreitas com o Ocidente através da presença no Conselho da Europa, na NATO, na OCDE, na OSCE e no G20.

 

Todavia, as tendências políticas do Presidente Erdogan e os movimentos sociais que o apoiam afastam a Turquia, cada vez mais, da sua vontade de aderir à UE, dado que os países europeus criticam os mecanismos repressivos que voltam a reemergir.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

O PATRIOTISMO NOS DIAS DE HOJE – SUA ATUALIDADE CONJUNTURAL

 

 

O patriotismo é, por definição, o sentimento de amor à pátria mediante a defesa do país, como Portugal na 1ª guerra mundial, ou o enaltecimento dos valores históricos, culturais, linguísticos e simbólicos de um povo.

 

Em Portugal, rapidamente se oscila quase de um complexo de inferioridade a um complexo de superioridade, daí que a ideia de decadência da nação tenha perpassado na mentalidade portuguesa quase todo o século XIX, ao ponto de aparecer um golpe de estado conhecido como Regeneração (1851).

 

Se nos devemos congratular com as vitórias e as conquistas desportistas (como foi o caso dos futebolistas no Euro 2016 ou os desportistas medalhados do atletismo), o importante é o que permanece no conjunto de virtudes de um povo. Portugal, historicamente e por influência da matriz católica, tem sido um país pacífico e bastante solidário com os outros povos em dificuldades.

 

Um dos motivos que mais nos deve orgulhar é a utopia da fraternidade universal sustentada pelo sapateiro Bandarra, pelo prosador Padre António Vieira e pelo poeta Fernando Pessoa, porque a construção de um império de matriz espiritual, que permita a sã convivência da multitude de povos e de civilizações, deve ser um sonho que nos deve fazer orgulhar, por sermos um povo com uma “costela” de poeta, como aliás bem se evidencia no fado que soubemos erguer a Património Comum da Humanidade.

 

O património histórico e linguístico português, consubstanciado no espaço lusófono, é o caminho para a concretização desta utopia, que tanta falta faz nos dias que correm.

 

Sem dúvida que o século XIX foi um século de grandes contradições em Portugal, com grandes actos patrióticos e desconfianças face ao valor da nação, como foram os casos de Antero de Quental, no seu texto sobre as causas da decadência dos povos peninsulares, ou o emblemático e amesquinhado Zé-Povinho de Rafael Bordalo Pinheiro. A sátira bordalista contribuiu para o reforço do complexo de inferioridade lusitano, mas o que parece certo é que desde Viriato os Lusitanos foram uns bravos valentões em resiliência perante o poderio militar romano.

 

Por todas estas razões (e mais algumas que tenhamos esquecido de elencar) há, neste momento coletivo de crise do paradigma globalizante, um retorno claro aos sentimentos patrióticos, desde que não se caia numa atitude xenófoba. As competições desportivas despertam os sentimentos patrióticos, em particular com comoções coletivas quando as populações ouvem e cantam os seus hinos nacionais ou observam a subida das suas bandeiras nas hastes dos recintos desportivos.

 

Há ainda um motivo acrescido para que, e na Europa em especial, venha à tona o sentimento patriótico, uma vez que a conjuntura histórica do início do século XXI acrescida das crises das dívidas soberanas da Grécia, da Irlanda e de Portugal e o ‘Brexit’ da Inglaterra têm criado desconfiança na moeda comum – Euro - e feito esboroar o espírito europeísta, com receios generalizados de novos referendos nacionais, por ausência de lideranças europeias carismáticas e de uma sólida estratégia comum.

 

Como a “virtude está no meio”, assim o diz o ditado popular, ressurgem “patriotismos regionalistas de espaços alargados”, de que é um excelente exemplo o espaço lusófono que une os povos falantes de língua portuguesa, que se sentem irmanados por um espírito e uma identidade históricas comuns.

 

Perante a crise do fenómeno globalizante no aspecto económico-financeiro de completa desregulação, configurando um verdadeiro caos ético mundial que afecta as outras esferas coletivas, faz todo o sentido este ressurgir dos fenómenos patrióticos com uma mentalidade aberta ao diálogo pacífico e cooperante nas Nações Unidas, numa necessária reformulação desta instituição supranacional, que tenha em conta as recomendações do Papa Francisco para a preservação desta nossa casa comum, que é a terra. Se estes patriotismos alargados fazem sentido, os patriotismos estritos como o Escocês ou o Catalão são fenómenos perigosos de desaglutinação da Humanidade.

 

Por fim, é sintomático que, neste contexto histórico, Marcelo Rebelo de Sousa, pessoa culta, sensível e humanista, tenha dado um exemplo singular de patriota, por formação e por convicção, desde o seu discurso inaugural de posse do cargo de Presidente da República Portuguesa, bastante mobilizador das forças unidas dos portugueses, até aos seus atos insólitos que muito o têm aproximado da população portuguesa.

 

O patriotismo é, pois, um sentimento que está na moda, mas que, na verdade, nunca deve estar afastado das nossas tendências, uma vez que parte da nossa genuína identidade coletiva como povo e como parcela da Humanidade.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA DE NUNO SOTTO MAYOR FERRÃO (ATUALIZAÇÃO) E CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS

 Bibliografia de Nuno Sotto Mayor Ferrão:

Nova Águia 017 - CAPA.jpgBroteria fevereiro 2016.jpg

* Nuno Sotto Mayor Ferrão "Ramalho Ortigão e a salvaguarda do património histórico-artístico - Nos 120 anos da obra 'O Culto da Arte em Portugal' (1896-2016)" in Nova Águia, nº 17, 1º semestre de 2016, pp. 115-120.

 

*Idem, “Ramalho Ortigão e a salvaguarda do património histórico-artístico – Nos 120 anos da obra ‘O Culto da Arte em Portugal’ (1896-2016)”, in Brotéria, vol. 182, fevereiro de 2016, pp. 133-144.

 

*Idem”, “O cosmopolitismo modernista e lusófono na Revista Orpheu – Evocação no seu centenário”, in Brotéria, vol. 181, julho de 2015, pp. 41-50.  

 

*Idem, “O cosmopolitismo modernista e lusófono na revista Orpheu”,  in Nova Águia, nº 15, 1º semestre de 2015, pp. 18-24.

 

*Idem, “A I Guerra Mundial na imprensa portuguesa – no centenário da Grande Guerra”, in Brotéria, vol. 180, nº 1 – janeiro de 2015, pp 33-44.

 

*Idem, “A I Guerra Mundial na imprensa portuguesa e na revista A Águia”, in Nova Águia, nº 14, 2º semestre de 2014, pp. 231-238. 

 

*Idem, “A atualidade internacional da Doutrina Social da Igreja no contexto da globalização”, in Brotéria, vol. 178, nº 7/8 – julho/agosto de 2014, pp 33-44.

 

*Idem, “Balanço diacrónico (1974-2014) da Revolução de 25 de Abril”, in Nova Águia, nº 13, 1º semestre de 2014, pp. 57-63.

 

*Idem, “Nos 80 anos do historiador José Mattoso: a sua viva lição de sabedoria”, in Nova Águia, nº 12, 2º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 162-163.

 

*Idem, “António José Saraiva como cidadão e historiador: nos 20 anos da sua morte”, in Nova Águia, nº 12, 2º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 153-159.

 

*Idem, “A poesia portuguesa: o mar e a lusofonia”, in Nova Águia, nº 11, 1º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 23-24.

 

*Idem, “As linhas de força do pensamento historiográfico de Jaime Cortesão”, in Nova Águia, nº 11, 1º semestre de 2013, Sintra, Zéfiro Editora, 2013, pp. 130-135.

 

*Idem, “A Renascença Portuguesa e o percurso político e historiográfico de Jaime Cortesão”, in Nova Águia, nº 9, 1º semestre de 2012, Sintra, Zéfiro Editora, 2012, pp. 138-144.

 

*Idem, “Relativismo Ético na História Contemporânea (1914-2010)”, in Brotéria, nº1, volume 174, Janeiro de 2012, pp. 47-51.

 

*Idem, “A dinâmica histórica do conceito de Lusofonia (1653-2011)” in Nova Águia, nº 8, 2º semestre de 2011Sintra, Zéfiro Editora, 2011, pp. 204-208.

 

*Idem, "Fernando Pessoa: o sentimento lusófono na sua obra", in Nova Águia, nº7, 1º semestre de 2011, Sintra, Zéfiro Editora, 2011, pp. 34-38.

 

*Idem, "Alexandre Herculano, aspectos da vida e obra e sua ascendência ideológica sobre o Republicanismo", in Sintra, Zéfiro Editora, Nova Águia, nº 6 - 2º semestre de 2010, pp. 130-135.

 

*Idem, "Leonardo Coimbra, a revista 'A Águia' e o panorama cultural contemporâneo", in Nova Águia, nº 5 - 1º semestre de 2010, Sintra, Editora Zéfiro, pp. 34-36.

 

*Idem, Aspectos da vida e obra do Almirante Sarmento Rodrigues (1899-1979), Mirandela, Edição Câmara Municipal de Freixo de Espada-à-Cinta, 1999, 293 p.

 

*Idem, O pensamento colonial de Sarmento Rodrigues enquanto Ministro do Ultramar (1950-1955), Dissertação de Mestrado em História Contemporânea, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1997, 233 p.

 

Citações bibliográficas do autor:

 

» Clio: revista do Centro de História da Universidade de Lisboa, “Resumo das Teses de Mestrado em Letras (História)”, Lisboa, 1996, p. 168.

 

» Joaquim Veríssimo Serrão, “Do berço humilde em Freixo à imortalidade da História”, Almirante Sarmento Rodrigues, 1899-1979: testemunhos e inéditos no centenário do seu nascimento, Academia de Marinha e Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta, Lisboa, 1999, p. 163.

 

» Cadernos de Estudos Africanos – Memórias Coloniais, Lisboa, Centro de Estudos Africanos do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, 2006, p. 150.

 

» Cultura - Revista de História e Teoria das Ideias, vol. 25, 2008, Lisboa, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, pp. 33 e 44. 

 

» António E. Duarte Silva, “Sarmento Rodrigues, a Guiné e o lusotropicalismo”, in Cultura: Revista de História e da Teoria das Ideias Lisboa, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, vol. 25, 2008, p. 44. (António E. Duarte Silva, « Sarmento Rodrigues, a Guiné e o luso-tropicalismo », Cultura [Online], Vol. 25 | 2008, consultado a 29 julho 2014. URL :http://cultura.revues.org/586.

 

» Ana Reis e João Garrinhas, “2 anos sob tutela autárquica”, in Profforma (Revista do Centro de Formação de Professores do Nordeste Alentejano), nº 2, março de 2011, pp. 1-7.

 

» Victor Andrade de Melo, “O esporte na política colonial portuguesa: as iniciativas de Sarmento Rodrigues na Guiné (1945-1949)”, in Revista Brasileira de  História, vol.34, no. 68, São Paulo, July/Dec. 2014, pp. 179,180 e 189.

 

» Rui Jorge Martins, “Rui Chafes, René Girard, Ramalho Ortigão e José Luís Peixoto na Brotéria“, Secretariado Nacional da Pastoral da Cultural (portal da internet).

Disponível em:

http://www.snpcultura.org/rui_chafes_rene_girard_ramalho_ortigao_jose_luis_peixoto_na_broteria.html

Acesso em 09.05.2016.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

 

REVISTAS DE CULTURA PORTUGUESA – BROTÉRIA E NOVA ÁGUIA

 

As revistas Brotéria e Nova Águia ocupam atualmente um espaço significativo nas publicações periódicas de cultura portuguesa. A revista Brotéria existe como revista dirigida pelos Jesuítas portugueses desde 1902, tendo uma identidade assumidamente cristã. Nesta publicação, nos seus artigos de investigação, abordam-se temas diversificados como a arte, a educação, a espiritualidade, a história, a literatura, a política, a religião, a sociedade, entre outros.

 

De facto, ambas se assumem como revistas culturais de coleção, que pelos artigos de investigação merecem ser colocadas em estantes de bibliotecas públicas e particulares.

 

Na Brotéria colaboram, nos dias de hoje, dezenas de ensaístas, entre os quais destaco Carlos Borrego, Manuel Braga da Cruz, José Eduardo Franco, Guilherme d’ Oliveira Martins, Miguel Côrrea Monteiro, Francisco Sarsfield Cabral, Henrique Leitão e António Vaz-Pinto, S.J., que atualmente a dirige. Tem uma periodicidade mensal e conta normalmente com 6 a 10 artigos tal como um conjunto de recensões críticas, no final.

 

Esta é uma revista centenária, que passou por vários regimes políticos (monarquia liberal, 1ª república, ditadura militar, estado novo e democracia atual), tendo começado como uma revista científica ligada às Ciências Naturais.

 

Por sua vez, a revista Nova Águia nasceu em 2008, no seio da crise profunda que abalou a Europa e Portugal no fim desta primeira década do século XXI, tendo uma identidade lusófona ligada à corrente da filosofia portuguesa e à figura tutelar de Agostinho da Silva, pelo que tem uma difusão no espaço geográfico da lusofonia.

 

Esta revista centra-se, sempre, num núcleo temático central, variável consoante os números, sendo neste último número sobre a Importância das diásporas para a lusofonia (nº 17, 1º semestre de 2016), mas evocam-se também historicamente grandes figuras da cultura portuguesa e lusófona, abordam-se temas ligados à filosofia, à política, à literatura e apresentam-se textos inéditos de autores consagrados e ainda poemas muito interessantes.

 

Na Nova Águia colaboram também dezenas de ensaístas, entre os quais saliento Adriano Moreira, António Braz Teixeira, Fernando Dacosta, João Bigotte Chorão, Miguel Real, Pinharanda Gomes, Samuel Dimas e Renato Epifânio, que atualmente a dirige. Tem uma periodicidade semestral com cerca de 30 a 40 artigos e um conjunto de recensões críticas, no final.

 

A Nova Águia, sendo uma revista ligada ao Movimento Internacional Lusófono, é uma homenagem a uma revista de cultura que surgiu na 1ª república, da necessidade de reerguer o valor da pátria portuguesa, intitulada A Águia, na qual colaboraram figuras eminentes como Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão, António Sérgio, Teixeira de Pascoaes, Raul Proença, Fernando Pessoa, etc. ligadas ao movimento cultural e cívico Renascença Portuguesa.

 

Finalmente, convém referir que ambas se salientam pela evidente ausência de publicidade comercial, apenas ligada às atividades editoriais, ao contrário da maioria das outras revistas culturais portuguesas e do espaço lusófono. As tiragens das duas revistas são bastante idênticas, sendo respetivamente de 1100 exemplares na Brotéria e de 1000 exemplares na Nova Águia. A primeira tem uma capa menor, mais flexível e cerca de 100 páginas, enquanto a segunda tem uma capa maior, mais resistente e habitualmente tem cerca de 270 páginas. As duas revistas têm páginas de divulgação na internet (Brotéria e Nova Águia).

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

ANTÓNIO SÉRGIO (1883-1969) – PENSADOR DO PARADIGMA DEMOCRÁTICO NA POLÍTICA, NA ECONOMIA E NO ENSINO

 

António Sérgio de Sousa Júnior (1883-1969) foi um insigne pensador e político português, que foi considerado pelo historiador Joel Serrão como o maior ensaísta português de todos os tempos. O seu ensaísmo aborda temas diversificados que se estendem da filosofia à economia, mediante um padrão humanista com um racionalismo  de tendência materialista.

 

Arrancou com a sua prolífera atividade ensaísta no movimento cultural Renascença Portuguesa, escrevendo e polemizando na revista A Águia ao lado de figuras como Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão, Leonardo Coimbra ou Fernando Pessoa.

 

Este pensador recebeu uma formação intensamente militar no Colégio Militar e na Escola Naval, além de ter passado também pela Escola Politécnica, uma vez que no seu seio familiar pontuavam muitos militares[1]. Iniciou a atividade profissional como oficial da Marinha, mas cedo abandonou a carreira militar por ter jurado fidelidade ao rei D. Manuel II.

 

Durante os primórdios do regime republicano, concorre como assistente de filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa mas como não foi escolhido, ingressou no Instituto Jean-Jacques Rosseau, em Genebra, entre 1914 e 1916, onde estudou com a sua mulher, Luísa Epifâneo da Silva, as tendências pedagógicas da Escola Nova, impulsionadas por Éduard Claparéde, que lhe permitiu influenciar a reforma do ensino do ministro João Camoesas. 

 

Desde o início do regime republicano colabora em diversas revistas (A Águia, Pela Grei, Seara Nova e Lusitânia), com o intuito de fazer ressurgir a Nação da letargia instalada, que a contaminava já no fim do regime da monarquia liberal. Aliás, as suas funções na direção da revista Seara Nova conduziram-no a abraçar o Ministério da Instrução Pública, o que fará com grande convicção. Depois desta experiência política, e com o singrar da ditadura militar, é levado ao exílio em França de 1926 a 1933.

 

Em 1945, quando termina a 2ª Guerra Mundial, abre-se a expectativa de modificação do regime Salazarista, em virtude da derrota dos autoritarismos de extrema-direita consubstanciada na rendição das potências do Eixo, e então António Sérgio integra o Movimento de Unidade Democrática, juntamente com uma plêiade de eminentes figuras públicas como Alves Redol, Norton de Matos, Bento de Jesus Caraça, Fernando Lopes Graça, Ferreira de Castro, Miguel Torga, Vitorino Magalhães Godinho, Francisco Salgado Zenha, entre muitos outros.

 

Como afoito oposicionista, apoiou as candidaturas presidenciais de Norton de Matos e de Humberto Delgado e, logo nessas ocasiões, foi encarcerado, como em outras vezes anteriores, pelo ímpeto das suas convicções democráticas.

 

António Sérgio, no decorrer do seu valoroso labor intelectual, manteve uma veia polemista, esgrimindo argumentos com múltiplas figuras públicas. O seu escorreito pensamento, que se manifestou nos livros que escreveu e na sua acção, centrou-se na reforma das mentalidades, na compreensão do sentido da História de Portugal e na ideia de uma escola autónoma centrada numa educação cívica.

 

Nesta medida, foi o introdutor na historiografia portuguesa da perspetiva económica e social, na abordagem de acontecimentos como a Revolução de 1383-85 ou da conquista de Ceuta de 1415, o que nos manifesta o seu paradigma racionalista de pendor materialista. A proibição pela censura salazarista de publicar uma História de Portugal, incómoda para os registos narrativos oficiais, truncou a cultura portuguesa do seu potencial criativo em termos historiográficos.

 

Na sua larga obra ensaística preocupou-se com o aprofundamento de uma democracia efetiva, que devia ter por base uma opinião pública esclarecida e uma elite diversificada. Na verdade, no exílio, nos anos da ditadura militar, continuou a publicar os Ensaios e a advogar o rápido regresso de Portugal à democracia.

 

O seu aceso espírito crítico levou-o a levantar inúmeras polémicas com autores filiados noutras correntes espirituais distantes da sua mundividência (bergsonianos, neorromânticos, integralistas, católicos ou marxistas), considerando-se um livre pensador, mas estando, em abono da verdade, condicionado pelo seu paradigma ideológico.

 

Com efeito, era um adepto fervoroso dos regimes democráticos, que tinham de se reformar, como lhe ensinou a experiência da 1ª república[2] e, talvez, o malogro das democracias liberais europeias pós-Grande Guerra. Estes regimes tinham de passar pela reforma das escolas de modo a permitir, que ao longo de gerações, a evolução das mentalidades coletivas e a formação de elites patriotas, manifestassem atitudes cívicas desprendidas de intereses partidários. Deste modo, considerava que as democracias só podiam amadurecer se contrariassem os dogmas mentais ou preconceitos, daí a sua absoluta predileção pelo método polemista, e procedessem de maneira experimental.

 

O seu hercúleo trabalho em prol da cultura manifestou-se na direção das revistas Pela Grei e Seara Nova e como diretor da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. De facto, o seu papel pedagógico foi, tal como Faria de Vasconcelos, um difusor dos métodos pedagógicos da Escola Nova, designadamente o método de Maria Montessori, centrados nas aprendizagens dos alunos.

 

O seu magistério intelectual permeou e influenciou, através de uma convivência frequente, uma geração mais nova de figuras, que o tratavam como mestre, como Agostinho da Silva, Barahona Fernandes, Raul Lino, Rui Grácio ou Mário Soares.

 

A sua formação pedagógica na Suiça irá fazê-lo criticar a escola tradicional e os métodos diretivos do ensino português, que com a escola salazarista se arrastaram por longas décadas, propondo uma escola de aprendizagens centrada no educando que visasse autonomizar os indivíduos, com vista à produtividade económica, singular e coletiva.

 

Das suas ideias peregrinas destacam-se o ensino como catapulta para a regeneração nacional, em ambiente de acentuada decadência desde os anos 90 do século XIX, e para a criação de uma elite humanista empenhada numa democracia socialmente progressista. Neste registo reflexivo, insere-se o seu combate por um cooperativismo que fomentasse uma economia social, tendo sido um dos grandes inspiradores das cooperativas de habitação, entre outras[3]. Existindo, assim, ainda hoje em dia a Cooperativa António Sérgio para a Economia Social como entidade pública criada em sua homenagem.

 

Em conclusão, António Sérgio concebia que a autenticidade da educação e da cultura só era possível em regimes democráticos, valorizando plenamente as liberdades de pensamento e de ação dos indivíduos.  Desta forma, a sua linha política situa-se num socialismo proudhoniano, influenciado pelas ideias de Antero de Quental, que combateu o corporativismo salazarista e os excessos do socialismo soviético, advogando um cooperativismo saudável para uma economia de base social. Na sua profícua capacidade de síntese, encontrou, no modelo eclético de junção da democracia liberal com o socialismo cooperativista, a alternativa para os desvios desmedidos dos autoritarismos, salazarista e do socialismo soviético.

 

[1] António Campos Matos, Diálogo com António Sérgio, Lisboa, Editorial Presença, 217 p.

[2] Sérgio Campos Matos, “António Sérgio (1883-1969)”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol. 2, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, pp. 222-223.

[3] "(...) O cooperativismo é um movimento de ascensão moral, de reforma social, que se serve, como instrumento, das necessidades económicas dos homens. (...)", in António Sérgio, “Sobre o socialismo de Oliveira Martins", Ensaios, tomo VIII, p. 235.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

 

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