A ARTE TAUROMÁQUICA NA HISTÓRIA DE PORTUGAL E A SUA POLÉMICA ATUAL
Desde a Idade Média que o combate com o touro, em Portugal, se veio a transformar numa manifestação artística. Rezam as crónicas que os reis portugueses feriam com lanças os touros. São conhecidos os casos régios de D. Sancho I e de D. Sebastião como toureiros.
É já, em pleno século XV, que as touradas assumem uma forma organizada. D. Duarte, no seu tratado Ensinança de bem Cavalgar toda a sela de 1438, já abordava o combate com o touro. No entanto, será mais tarde o rei D. Sebastião a popularizar a arte tauromáquica, ao ordenar a construção de uma praça de touros em Xabregas, em Lisboa, e ao tourear na arena de Almada.
Data do século XVII a técnica dos forcados com lança, designados ‘peões lança’, e o primeiro tratado do toureio, cujo autor se chamava António Galvão de Andrade. Contudo, é no reinado de D. João V que se encontram as raízes da corrida à portuguesa com espectáculos faustosos, vestuários e adereços requintados. No século XVIII, começaram a difundir-se as praças de touros no país, sendo edificada a primeira praça taurina redonda, uma vez que, até à altura, tinha uma forma retangular.
No século XIX, deram-se transformações importantes com a abolição da morte do touro, por proibição formalizada em decreto real, nas praças taurinas e com a substituição da vara pela farpa. Um dos momentos altos, nesta centúria, foi a realização da grandiosa tourada de gala na Praça do Campo Pequeno, em 1898, para celebrar o 4º Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia. Nesta corrida, além do toureiro a cavalo surgiram os forcados com o vestuário atual. Já no século XX, o cavaleiro João Branco Núncio iniciou uma renovação artística do toureio a cavalo[1].
A proibição concretizada da morte dos toiros, em plena arena, foi decretada durante a Ditadura Militar, em 1928, não obstante terem-se morto, posteriormente, em diversas ocasiões toiros no país.
Na atualidade, o debate em torno da arte tauromáquica tem-se reacendido nesta segunda década do século XXI. Devem as corridas de toiros acabar em Portugal? No leque partidário português, unicamente o BE e o PAN contestam a legitimidade das touradas.
O constitucionalista Vital Moreira recusa a realização das corridas de touros, afirmando que a tortura dos animais para gáudio do público configura um sadismo próximo das barbaridades, que entusiasmavam os romanos no Coliseu no tempo do império. Na sua argumentação, o constitucionalista frisa que este espectáculo significa uma degradação da dignidade humana.
O BE defende a erradicação paulatina deste espectáculo com a proibição da transmissão de corridas de toiros em televisões de canal aberto e o fim das subvenções públicas a estes eventos. O PAN, de forma mais radical, sustenta a necessidade do poder político ter a coragem de erradicar este espectáculo.
Gabriela Canavilhas, ex-ministra da Cultura, afirmou com pertinência que o espectáculo taurino é uma expressão cultural significativa, em que a maioria da população portuguesa se revê, pelo que não há razão de força maior para acabar com as touradas, dado que é uma tradição inegável do património cultural português, apesar das crescentes manifestações antitaurinas realizadas pelos defensores dos animais. O PSD, o CDS e o PCP contestam a proibição legal das touradas porque, sublinham, se trata de uma manifestação da cultura popular portuguesa, que reunem muitos aficcionados e espectadores.
Nos anos de 2013 e de 2014 houve, em cada um destes períodos, mais de 400 mil assistentes aos espectáculos tauromáquinos portugueses, em número superior a 200 anualmente, em conformidade com os dados da Inspeção-Geral das Atividades Económicas[2].
Em suma, a liberdade de escolha dos cidadãos e o valor das tradições culturais portugueses fundamentam que não se decrete a proibição das touradas, pois se estas terminarem deve ser de forma espontânea.
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[1] Jorge Mathias, “Tourada em Portugal”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol. 2, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, pp. 291-292.
[2] Disponível em: jornal i, “Touradas, a polémica está de volta”, 24 de agosto de 2015 in <https://ionline.sapo.pt/408352> Acesso em: 8 de setembro de 2018.
Nuno Sotto Mayor Ferrão