FERNANDO PESSOA (1888-1935): A VIDA E A OBRA “MENSAGEM”
“(…) Deus quer, o Homem sonha, a Obra nasce (…)”
in Fernando Pessoa, Mensagem, Editora Império, 1934, p. 51.
Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935) nasceu em Lisboa, no fim do século XIX, no seio de uma família da pequena aristocracia. Desde cedo, manifestou uma imensa propensão humanista que se traduziu numa prolífera criação cultural, em múltiplos domínios da literatura e do pensamento. Revelou, precocemente, o seu imenso talento literário e uma grande capacidade criativa ao escrever o seu primeiro poema aos sete anos.
O amadurecimento dos seus dons literários aconteceu quando emigrou para a África do Sul, com os seus familiares, uma vez que o seu padrasto era cônsul de Portugal em Durban, destacando-se no seu percurso escolar pelos seus talentos de investigação e expressão ensaística.
No início do século XX, já em plena adolescência, tirou um curso numa Escola Profissional em Durban e, mais tarde, no exame à Universidade do Cabo ganhou o galardão literário intitulado “Prémio Rainha Vitória”, em 1903. Contudo, não concluiu os estudos universitários na África do Sul, mas aprofundou os conhecimentos literários e artísticos apercebendo-se dos seus dons para a escrita. Publicou na revista da Durban High School um ensaio sobre o intelectual inglês Thomas Macaulay em 1904. De regresso a Portugal, frequentou, fugazmente em 1906, o Curso Superior de Letras, mas cedo o abandonou.
A heteronomia de Pessoa, a par da genialidade da sua sensibilidade poética, concedeu à sua obra literária uma recetividade pública junto dos críticos e dos leitores que, postumamente, transcendeu fronteiras.
A infelicidade amorosa sentida por Fernando Pessoa parece que o terá levado a interessar-se por temas esotéricos e leituras astrológicas, que o induziram a encontrar-se com o grande ocultista Aleister Crowley, em Lisboa, em setembro de 1930. A sua exacerbada vivência introspectiva refletiu uma grande insegurança pessoal, na vida amorosa, e patenteou pouca ambição na vida social, levando-o, inclusivamente, a recusar um convite que recebera para lecionar a cadeira de Língua e Literatura Inglesa na Universidade de Coimbra.
O livro Mensagem, inicialmente pensado com o título Portugal, foi publicado em vida do poeta. Este poema que retrata as peripécias épicas dos grandes vultos do país, fazendo lembrar a consagrada obra de Luís Vaz de Camões, resulta de um patriotismo sonhador com um futuro promissor para a vida coletiva que se alicerça nestes fundamentos históricos.
No fundo, este cativante poema narra a gesta heroica da nação portuguesa desde os atos de bravura de Viriato até à sua época, nevoenta e triste (1934), em que António de Oliveira Salazar tinha assumido a direção dos destinos da nação. Pessoa assume a esperança da vinda de uma figura sebástica que viria instaurar o V Império. Esta confiança utópica num salvador, que depusesse o poder desse odiado ditador, faz-nos compreender melhor a sátira que está explícita no seu poema “Liberdade”. É com este sentido crítico que termina o seu celebérrimo poema dizendo-nos:
“(…) Este fulgor baço da terra
que é Portugal a entristecer -
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem (…)
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro…
É a hora! (…)”[1]
Este poema que publicou em 1934 deu-lhe visibilidade literária na sociedade portuguesa, tendo sido escrito para apresentá-lo a um concurso de poesia, por sugestão de António Ferro, organizado pelo Secretariado de Propaganda Nacional com que venceu o “Prémio Antero de Quental”. Este primeiro impulso mediático prestigiou-o literariamente, mas pouco depois acaba por morrer com uma cirrose hepática. Desta forma, a sua plena consagração literária, nacional e internacional, só a obteve postumamente.
O seu nome marcou o Modernismo literário e filosófico português e a sua primeira afirmação como expoente máximo, deste movimento, surge com os seus poemas vanguardistas publicados na efémera revista Orpheu, em 1915. Não obstante a curta duração da revista, o seu espírito contagiou várias gerações de intelectuais e de vultos da cultura portuguesa.
Assim, embora Pessoa tenha publicado um único livro em português, em vida, a sua repercussão intelectual, na sociedade portuguesa, irá ser muito significativa, em parte, devido à colaboração que prestou em várias revistas e publicações periódicas. Em 1912 iniciou a sua atividade de ensaísmo e crítica literária na revista A Águia. Com efeito, foi a sua passagem por estas duas incontornáveis revistas culturais que o introduziram nos meandros da elite intelectual e artística portuguesa.
O patriotismo também sobressai de uma forma clara e cheia de lirismo na obra intitulada Mensagem em que retrata Portugal, com um presente sombrio, em 1934, onde pontuava o “ditador das Finanças”, sem carisma, que emergiu do caos sociopolítico anterior, mas pressagiando a possibilidade de concretização de um V Império para a regeneração da nação. A crítica política de Pessoa a Afonso Costa e aos políticos republicanos do Partido Democrático assumiu uma grande importância no seu pensamento.
Na verdade, a sua sátira, publicitada no jornal A Capital ao acidente de Afonso Costa, ocorrido a 3 de julho de 1915, no carro elétrico avariado que tomou como um atentado e dele saltou em andamento, ficando ferido, prejudicou a sua popularidade e a carreira literária em afirmação como poeta da revista Orpheu.
Pouco tempo depois deste incidente, julgou que Sidónio Pais poderia ser essa figura messiânica. Assim, o poeta pensou que este poderia ser a personalidade pública, com a capacidade carismática de libertar a pátria do caos político-social que a República instalara. Os seus projetos materiais e afetivos fracassaram, daí o persistente refúgio nas bebidas alcoólicas que lhe causou uma morte prematura aos 47 anos.
A revista Nova Águia, no número 14, evoca com diferentes perpectivas os 80 anos da Mensagem e, no próximo número, dedicará o tema central aos 100 anos da revista Orpheu.
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[1] Fernando Pessoa, Mensagem, Lisboa, Guimarães Editores, 2009, p. 96.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
Adaptado e extraído do artigo:
Nuno Sotto Mayor Ferrão, “Fernando Pessoa: o sentimento lusófono na sua obra”, in Nova Águia, nº 7 – 1º semestro de 2011, Sintra, Editora Zéfiro, 2011, pp. 34-38.