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Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão

Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.

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CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DO HISTORIADOR JORGE BORGES DE MACEDO (1921-2021)

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A 3 de março de 2021 assinala-se e inicia-se a celebração do centenário do nascimento do historiador Jorge Borges de Macedo (1921-2021). Esta efeméride irá decorrer até ao primeiro trimestre de 2022, com referências na comunicação social, designadamente com artigos que já saíram no Diário de Notícias de Ana Leal de Faria, de Álvaro Costa de Matos (também no Público), de Luís Aguiar Santos, de Raul Rasga, de Paulo Miguel Rodrigues, de Maria João Martins e com uma sessão solene na Academia Portuguesa da História em que participará Álvaro Costa de Matos, transmitida através da plataforma Zoom no dia 17 de março entre as 15 e as 17 horas[1], dado o contexto geral de confinamento a que o país está sujeito. Está, ainda, previsto um conjunto de artigos que serão publicados num dos próximos números da revista cultural Nova Águia.

 

A 3 de março de 1921, em pleno contexto da 1ª República, nasce Jorge Borges de Macedo, filho de José Pinto de Macedo, político republicano radical e administrador colonial, e de Maria de Conceição Borges. Fez os estudos do ensino secundário no Liceu Passos Manuel, em Lisboa.

 

Na década de 1940 e na seguinte, no período em que militou nos setores da esquerda radical e se deixou influenciar pelo ideário marxista[2], licenciou-se na Faculdade de Letras de Lisboa em Ciências Histórico-Filosóficas, no ano de 1944 e no período da 2ª guerra mundial, com a tese A Situação Económica no Tempo de Pombal - Alguns Aspectos[3], que se tornou uma referência nos estudos historiográficos. Nesta década, colaborou na imprensa periódica, designadamente em O Diabo, na Seara Nova e em Vértice. No decorrer da vida, o seu pensamento foi evoluindo, passando ideologicamente de um quadrante de esquerda radical para um posicionamento de direita conservadora.

 

Nos anos 40, contraiu matrimónio com Branca Rosa de Mendonça Braga, tendo como filhos Jorge Avelino Braga de Macedo, Branca Maria Braga de Macedo e Ana Irene Braga de Macedo, tendo-se nestes anos dedicado bastante à família. Esteve ligado também, neste período, aos sectores oposicionistas ao regime do Estado Novo, tendo militado no Movimento de Unidade Democrática e apoiado a candidatura presidencial do general Norton de Matos, o que o conduziu à prisão[4].

 

Entre 1946 e 1949 dedicou-se ao ensino técnico na Escola Machado de Castro e na Escola Fonseca Benevides e, pouco depois, no fim dos anos 40 e princípio dos anos 50 foi professor de História e de Filosofia no Colégio Moderno, em Lisboa. Em 1953 entra para os quadros dos CTT, onde permanece até 1957.

 

Em 1957, por volta dos 36 anos, tornou-se professor assistente da Faculdade de Letras de Lisboa dos professores Vírginia Rau e Manuel Heleno, nas cadeiras de Teoria da História e de História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa. Nos anos 50 e 60 leccionará as cadeiras de História Moderna e Contemporânea, de História da Cultura Portuguesa, de História da Cultura Moderna, de História de Portugal I e II. Entre 1957 e 1973 foi secretário do Centro de História da Universidade de Lisboa desta Faculdade.

 

No ano de 1958, no tempo da candidatura presidencial de Humberto Delgado, tornou-se bolseiro do Centro de Estudos Históricos do Instituto de Alta Cultura[5] iniciou estudos sobre a História Económica, abordando os problemas das indústrias em Portugal no século XVIII, o que lhe permitiu elaborar a sua tese de Doutoramento e defendê-la, em junho de 1964, na mesma instituição académica com a classificação de 19 valores[6]. Em 1967, tornou-se professor agregado de História e dois anos depois, com cerca de 48 anos, atingiu o lugar de professor Catedrático.

 

Na sequência da revolução de 25 de abril de 1974, em função do seu posicionamento ideológico conservador, foi saneado da faculdade. Porém, após os exaltados anos pós-revolucionários, em 1977, é que pôde ser admitido no ensino universitário como professor de História Económica e de História Diplomática na Universidade Católica de Lisboa e, em 1980, reintegrado na Faculdade de Letras de Lisboa como lente de História Contemporânea de Portugal, tendo-se jubilado em 1991.

 

Neste ano, proferiu a sua última aula, a 10 de dezembro, subordinada ao tema “A sociedade portuguesa no tempo de Camões”, num dos auditórios da Faculdade de Letras de Lisboa e foi agraciado, pelo Presidente da República Mário Soares, com o grau honorífico de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant’iago da Espada. Foi também distinguido com os Prémios Abílio Lopes do Rego e Alexandre Herculano. Pela sua ligação à comunidade científica internacional, foi tradutor e supervisor de inúmeras obras historiográficas estrangeiras, designadamente de autores como T. S. Ashton, Lucien Febvre e Carl Grimberg.

 

Jorge Borges de Macedo foi orientador da tese de Doutoramento do professor José Manuel Tengarrinha, apesar das diferenças ideológicas que os separavam. Devido ao grau de exigência que imprimia aos investigadores sob a sua alçada garantiu a qualidade científica da dissertação deste historiador de renome da imprensa portuguesa.

 

Em 1990, foi convidado pelo Secretário de Estado da Cultura, Dr. Pedro Santana Lopes, para o cargo de Diretor dos Institutos dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, tendo inaugurado as novas instalações do imponente e antissísmico edíficio da Cidade Universitária de Lisboa, ao mesmo tempo em que impôs restrições apertadas para a consulta documental aos investigadores. Ocupou este cargo até ao seu desaparecimento, a 18 de março de 1996, perfazem-se agora 25 anos. Em ato testamentário doou a sua vasta biblioteca à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

 

Na sua obra historiográfica, Jorge Borges de Macedo procurou romper com as investigações históricas muito monográficas, sem se deixar incorrer nos processos explicativos exclusivamente abstractos. De acordo com o recente e pertinente artigo de Luís Aguiar Santos[7], o mergulho de Borges de Macedo na história económica derivou do seu interesse em afastar a investigação do passado coletivo das perniciosas tendências ideológicas dominantes no período de formação do historiador.

 

Uma das suas obras de referência, no âmbito da história diplomática e das relações internacionais, é o livro intitulado História Diplomática Portuguesa: Constantes e Linhas de Força. Estudo de Geopolítica. Nesta obra, abordam-se as orientações estratégicas e as perplexidades imanentes às estruturas históricas da vida diplomática portuguesa.

 

Segundo Luís Aguiar Santos, a opção de Borges de Macedo pelos temas de história económica foi uma forma de se desvincular das tendências ideológicas, marxistas ou nacionalistas, que dominavam a historiografia de meados do século XX, em Portugal. Neste sentido, o pombalismo foi assumido como um mecanismo de centralização do poder régio com reforço dos instrumentos administrativo-militares e não como resultado de um “plano iluminista”. Desta forma, procurou atingir um procedimento metodológico que alicerçasse as explicações históricas em dados concretos, numa apreensão quase positivista de captação da realidade passada.

 

Na sua tese de doutoramento, ao abordar os problemas da indústria portuguesa no século XVIII, destaca-nos Aguiar Santos que Borges de Macedo investigou inovadoramente os registos do “imposto da décima” e analisou os custos de transportes no território português. Salienta-nos, ainda, este investigador que o historiador defendeu a tese de que os arremedos de políticas mercantilistas e proteccionistas se deveram mais a necessidades fiscais do que a autênticas vontades de industrialização do país, defendida por algumas correntes historiográficas. Também na obra ensaística A problemática tecnológica no processo da continuidade república - ditadura militar - Estado Novo, de 1979, Borges de Macedo procurou explicações concretas para tentar fugir às leituras ideológicas.

 

Esta interessante interpretação de Aguiar Santos olvida que o objecto de estudo da História pertence à área das Ciências Sociais e Humanas e, como tal, o historiador não estará nunca imune a tendências ideológicas, por mais implícitas que estas possam ser. Lembremos, aliás, que a psicologia sofreu do mesmo drama, ao longo do século XX, isto é, da tendência mais behaviorista ou mais espiritualista dos estudos da psique.

 

Em suma, o seu método historiográfico parece ser devedor da Escola dos Annales, ao pretender situar os acontecimentos económicos em estruturas de continuidade histórica e em conjunturas, para a inteira racionalidade dos fluxos evolutivos e involutivos da realidade passada do país, procurando desfazer ideias feitas, por várias correntes historiográficas, à luz das suas investigações e de um forte espírito crítico.

_________________________________________________________________

[1] https://zoom.us/j/91611214480pwd=ZTlLZlFzT0Z1aHdqakxEaWI0YTR4Zz09;  ID da reunião: 916 1121 4480; Senha de acesso: 136099 (https://academiaportuguesadahistoria.gov.pt/eventos/2021-03-17/).

[2] Como o testemunhou Mário Soares no livro memorialístico Portugal Amordaçado.

[3] Jorge Borges de Macedo, A Situação Económica no Tempo de Pombal - Alguns Aspectos, Porto, Portugália Editora, 1951, 307 p..

[4] Reportagem da RTP sobre o falecimento de Jorge Borges de Macedo.

[5] Álvaro Costa de Matos in http://hemerotecadigital.cmlisboa.pt/EFEMERIDES/JBMacedo/Biografia.htm

[6] Jorge Borges de Macedo, Problemas de História da Indústria Portuguesa no século XVIII (tese de doutoramento em História na Universidade de Lisboa), Lisboa, Edição de autor, 1964, 394 p..

[7] Luís Aguiar Santos in https://www.dn.pt/opiniao/a-historia-economica-na-obra-de-jorge-borges-de-macedo-13389190.html

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

VÍDEOS HISTÓRICOS SOBRE SOBRE JORGE BORGES DE MACEDO:

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/entrevista-a-borges-de-macedo-2/

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/entrevista-a-borges-de-macedo/

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/ultima-aula-de-borges-de-macedo/

JOSÉ HERMANO SARAIVA, HISTORIADOR E DIVULGADOR DA CULTURA PORTUGUESA

 

José Hermano Saraiva nasceu em Leiria, no ano de 1919, onde viveu os primeiros anos e frequentou o Liceu Nacional. Foi irmão de um ilustre investigador da Cultura Portuguesa, António José Saraiva. A sua formação universitária assentou em duas licenciaturas, que concluiu com êxito, em Ciências Histórico-Filosóficas e em Ciências Jurídicas, no decorrer da 2ª Guerra Mundial. Deste modo, começou a vida profissional como professor liceal e, ao mesmo tempo, como advogado em Lisboa. Neste período, publicou o primeiro livro, de âmbito literário, intitulado “Vento vindo dos montes: contos” (Porto, Editora Latina, 1944).


Pela sua veemente convicção nacionalista, durante o Estado Novo, foi deputado à Assembleia Nacional, procurador da Câmara Corporativa e ministro da Educação entre 1968 e 1970, tendo enfrentado a oposição estudantil à Ditadura em 1969. Teve passagens fugazes por diversas instituições do Ensino Superior, nos anos 60, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, de Lisboa e, já no regime democrático, no Instituto Superior de Ciências Policiais e de Segurança Interna e na Universidade Autónoma de Lisboa.


Nos anos 50 revelava já uma preocupação com a divulgação de uma Cultura Histórica e Nacional através da participação na dinamização de um evento comemorativo na sua terra natal e do envolvimento num programa de formação de adultos. Assim, em 1954 impulsionou a comemoração do VII Centenário das Cortes de Leiria (1254-1954), no espírito das comemorações nacionalistas do anterior regime, e em 1958 dirigiu uma Campanha Nacional de Educação de Adultos[1] com o objectivo de combater as elevadas taxas de iliteracia que grassavam no país. Possivelmente, terá sido pelo êxito destas iniciativas que António de Oliveira Salazar o convidou a abraçar a Pasta da Educação Nacional.


O prestígio intelectual auferido tem sido reconhecido pelo mundo Luso-Brasileiro por ter desempenhado o cargo de Embaixador de Portugal no Brasil entre 1971 a 1974, tendo sido agraciado com condecorações honoríficas e recebido vários Doutoramentos “honoris causa” de Universidades Brasileiras[2]. Com efeito, embora não tenha nunca obtido nenhum grau académico superior à licenciatura adquiriu, pela sua carreira de dedicação à divulgação histórica, inúmeros lugares em instituições culturalmente reputadas (membro da Academia das Ciências de Lisboa, da Academia Portuguesa de História, da Academia de Marinha e do Instituto Histórico-Geográfico de São Paulo) e distinções honoríficas nacionais e estrangeiras do mundo lusófono.


Com a instauração do regime democrático deixou de se envolver directamente na política e concedeu prioridade ao estudo e à divulgação da Cultura e da História Portuguesa. Neste período, ficou conhecido como um carismático divulgador da História do país, como escritor e comunicador televisivo, porque as suas sínteses pedagógicas serviram milhares de estudantes e a sua arte retórica, possivelmente inspirada no político António Cândido Ribeiro da Costa[3], expressa nos seus gestos de efusiva teatralidade Barroca, na clareza didáctica da suas explicações e na magia do seu poder imaginativo, têm cativado a população portuguesa e transformado os seus programas em êxitos continuados de audiências. São características emblemáticas da sua linguagem: quer a expressividade Barroca das suas mãos, que ficou gravada na retina de milhões de portugueses, quer a sua carismática frase, que em muitos programas repetiu à exaustão, “foi aqui, exactamente aqui…” que fascinou muitos telespectadores.


A obra intelectual de José Hermano Saraiva consta de dezenas de livros publicados, de múltiplos artigos ou discursos editados, que se repartem por trabalhos de investigação histórica, de prelecção pedagógica, de conteúdo jurídico e, fundamentalmente, pelos livros de divulgação da memória colectiva como coordenador de obras colectivas que reuniu uma plêiade de historiadores e de investigadores, pelos livros de síntese histórica e pelos programas televisivos de grande habilidade na oratória que prenderam a atenção mediática de muitos telespectadores. Dos seus livros mais relevantes destacamos: História Concisa de Portugal[4], que foi já traduzida em várias línguas, História de Portugal em vários volumes que dirigiu alguns prestigiados historiadores e investigadores[5] (José Mattoso, Humberto Baquero Moreno, Joaquim Veríssimo Serrão, António Reis, Armando de Castro, Óscar Lopes, etc) e a Breve História de Portugal[6].


Em suma, José Hermano Saraiva alcandorou-se em autêntico diplomata da Cultura Portuguesa no mundo pela projecção internacional que tem alcançado junto da opinião pública nacional, das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo e de muitos lusófilos estrangeiros.


Nuno Sotto Mayor Ferrão



[1] António Pedro Vicente, “José Hermano Saraiva”, in Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas e J.M. Brandão de Brito, vol. 2, Lisboa, Editora Bertrand, 1996, pp. 887-888.

[2] Ibidem, p. 888.

[3] Na verdade, José Hermano Saraiva antes de iniciar as suas séries documentais de grande sucesso televisivo proferiu uma palestra sobre o brilhante orador António Cândido (1852-1922) na Academia das Ciências de Lisboa, que esta instituição editou em 1988.

[4] José Hermano Saraiva, História Concisa de Portugal, Mem Martins, Publicações Europa-América, 1978.

[5] História de Portugal, Direcção de José Hermano Saraiva, Lisboa, Publicações Alfa, 1986.

[6] José Hermano Saraiva, Breve História de Portugal: ilustrada, Amadora, Editora Bertrand, 1981.

 

 

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