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Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão

Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.

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FERNANDO PESSOA (1888-1935): A VIDA E A OBRA “MENSAGEM”

“(…) Deus quer, o Homem sonha, a Obra nasce (…)”

in Fernando Pessoa, Mensagem, Editora Império, 1934, p. 51.

 

Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935) nasceu em Lisboa, no fim do século XIX, no seio de uma família da pequena aristocracia. Desde cedo, manifestou uma imensa propensão humanista que se traduziu numa prolífera criação cultural, em múltiplos domínios da literatura e do pensamento. Revelou, precocemente, o seu imenso talento literário e uma grande capacidade criativa ao escrever o seu primeiro poema aos sete anos.

 

O amadurecimento dos seus dons literários aconteceu quando emigrou para a África do Sul, com os seus familiares, uma vez que o seu padrasto era cônsul de Portugal em Durban, destacando-se no seu percurso escolar pelos seus talentos de investigação e expressão ensaística.

 

No início do século XX, já em plena adolescência, tirou um curso numa Escola Profissional em Durban e, mais tarde, no exame à Universidade do Cabo ganhou o galardão literário intitulado “Prémio Rainha Vitória”, em 1903. Contudo, não concluiu os estudos universitários na África do Sul, mas aprofundou os conhecimentos literários e artísticos apercebendo-se dos seus dons para a escrita. Publicou na revista da Durban High School um ensaio sobre o intelectual inglês Thomas Macaulay em 1904. De regresso a Portugal, frequentou, fugazmente em 1906, o Curso Superior de Letras, mas cedo o abandonou.

 

A heteronomia de Pessoa, a par da genialidade da sua sensibilidade poética, concedeu à sua obra literária uma recetividade pública junto dos críticos e dos leitores que, postumamente, transcendeu fronteiras.

 

A infelicidade amorosa sentida por Fernando Pessoa parece que o terá levado a interessar-se por temas esotéricos e leituras astrológicas, que o induziram a encontrar-se com o grande ocultista Aleister Crowley, em Lisboa, em setembro de 1930. A sua exacerbada vivência introspectiva refletiu uma grande insegurança pessoal, na vida amorosa, e patenteou pouca ambição na vida social, levando-o, inclusivamente, a recusar um convite que recebera para lecionar a cadeira de Língua e Literatura Inglesa na Universidade de Coimbra.

 

O livro Mensagem, inicialmente pensado com o título Portugal, foi publicado em vida do poeta. Este poema que retrata as peripécias épicas dos grandes vultos do país, fazendo lembrar a consagrada obra de Luís Vaz de Camões, resulta de um patriotismo sonhador com um futuro promissor para a vida coletiva que se alicerça nestes fundamentos históricos.

 

No fundo, este cativante poema narra a gesta heroica da nação portuguesa desde os atos de bravura de Viriato até à sua época, nevoenta e triste (1934), em que António de Oliveira Salazar tinha assumido a direção dos destinos da nação. Pessoa assume a esperança da vinda de uma figura sebástica que viria instaurar o V Império. Esta confiança utópica num salvador, que depusesse o poder desse odiado ditador, faz-nos compreender melhor a sátira que está explícita no seu poema “Liberdade”. É com este sentido crítico que termina o seu celebérrimo poema dizendo-nos:

 

“(…) Este fulgor baço da terra

que é Portugal a entristecer -

Ninguém sabe que coisa quer.

Ninguém conhece que alma tem,

Nem o que é mal nem o que é bem (…)

Tudo é disperso, nada é inteiro.

Ó Portugal, hoje és nevoeiro…

É a hora! (…)”[1]

 

Este poema que publicou em 1934 deu-lhe visibilidade literária na sociedade portuguesa, tendo sido escrito para apresentá-lo a um concurso de poesia, por sugestão de António Ferro, organizado pelo Secretariado de Propaganda Nacional com que venceu o “Prémio Antero de Quental”. Este primeiro impulso mediático prestigiou-o literariamente, mas pouco depois acaba por morrer com uma cirrose hepática. Desta forma, a sua plena consagração literária, nacional e internacional, só a obteve postumamente.

 

O seu nome marcou o Modernismo literário e filosófico português e a sua primeira afirmação como expoente máximo, deste movimento, surge com os seus poemas vanguardistas publicados na efémera revista Orpheu, em 1915. Não obstante a curta duração da revista, o seu espírito contagiou várias gerações de intelectuais e de vultos da cultura portuguesa.

 

Assim, embora Pessoa tenha publicado um único livro em português, em vida, a sua repercussão intelectual, na sociedade portuguesa, irá ser muito significativa, em parte, devido à colaboração que prestou em várias revistas e publicações periódicas. Em 1912 iniciou a sua atividade de ensaísmo e crítica literária na revista A Águia. Com efeito, foi a sua passagem por estas duas incontornáveis revistas culturais que o introduziram nos meandros da elite intelectual e artística portuguesa.

 

O patriotismo também sobressai de uma forma clara e cheia de lirismo na obra intitulada Mensagem em que retrata Portugal, com um presente sombrio, em 1934, onde pontuava o “ditador das Finanças”, sem carisma, que emergiu do caos sociopolítico anterior, mas pressagiando a possibilidade de concretização de um V Império para a regeneração da nação. A crítica política de Pessoa a Afonso Costa e aos políticos republicanos do Partido Democrático assumiu uma grande importância no seu pensamento.

 

Na verdade, a sua sátira, publicitada no jornal A Capital ao acidente de Afonso Costa, ocorrido a 3 de julho de 1915, no carro elétrico avariado que tomou como um atentado e dele saltou em andamento, ficando ferido, prejudicou a sua popularidade e a carreira literária em afirmação como poeta da revista Orpheu.

 

Pouco tempo depois deste incidente, julgou que Sidónio Pais poderia ser essa figura messiânica. Assim, o poeta pensou que este poderia ser a personalidade pública, com a capacidade carismática de libertar a pátria do caos político-social que a República instalara. Os seus projetos materiais e afetivos fracassaram, daí o persistente refúgio nas bebidas alcoólicas que lhe causou uma morte prematura aos 47 anos.

 

A revista Nova Águia, no número 14, evoca com diferentes perpectivas os 80 anos da Mensagem e, no próximo número, dedicará o tema central aos 100 anos da revista Orpheu.

____________

[1] Fernando Pessoa, Mensagem, Lisboa, Guimarães Editores, 2009, p. 96.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

Adaptado e extraído do artigo:

Nuno Sotto Mayor Ferrão, “Fernando Pessoa: o sentimento lusófono na sua obra”, in Nova Águia, nº 7 – 1º semestro de 2011, Sintra, Editora Zéfiro, 2011, pp. 34-38.

 

 

A I GUERRA MUNDIAL NA IMPRENSA PORTUGUESA - CENTENÁRIO DA GRANDE GUERRA

 

Os jornais diários, como é seu timbre, fizeram um acompanhamento constante desta magna guerra conhecida como Grande Guerra e depois baptizada pelos historiadores como I Guerra Mundial. Na ausência de outros meios de comunicação social, que cobrissem estes acontecimentos cruciais, a imprensa revelava, então, um papel fundamental na influência da opinião pública.

 

A intervenção de Portugal na Grande Guerra foi alvo de uma acesa polémica política, pois já em julho de 1914 começaram os primeiros conflitos militares entre as tropas portuguesas e alemãs a norte de Moçambique, o que se reflectiu naturalmente na imprensa do país.

 

Espelho das divergências relativas à intervenção portuguesa no conflito mundial foi o fosso que se abriu entre os apoiantes, da posição favorável à entrada na guerra, que se encontravam sobretudo no Partido Democrático e no Partido Evolucionista e que contava com o apoio político de figuras proeminentes como Afonso Costa, João Chagas, José Norton de Matos e Bernardim Machado e do outro lado estavam outras forças partidárias e figuras prestigiadas favoráveis à posição de neutralidade como o general e ministro Alfredo Freire de Andrade, Sidónio Pais e Manuel de Brito Camacho. Na verdade, após alguma polémica, a 23 de novembro de 1914, o Congresso da República autoriza Portugal a intervir ao lado dos Aliados.

 

Algumas correntes, políticas, antagonistas das decisões republicanas ou do Partido Democrático como o Partido Unionista, os socialistas, os monárquicos e os católicos sustentaram uma posição de neutralidade.

 

No momento da entrada de Portugal na Guerra constituiu-se um movimento de apoio à beligerância portuguesa que ficou conhecido como União Sagrada que reunia o Partido Democrático, o Evolucionista, o Unionista e o Socialista. No entanto, com os desaires militares no decorrer de 1917 e até ao verão de 1918 os Unionistas e os Monárquicos sustiveram uma posição de abandono de Portugal da Guerra como o fez a Rússia.

 

As posições da imprensa portuguesa foram maioritariamente favoráveis à participação de Portugal na “conflagração internacional”, como na altura os periódicos lhe chamavam. A imprensa republicana, de forte implantação urbana, defendeu na sua maioria a tese intervencionista, enquanto a imprensa monárquica com redutos sobretudo nas províncias susteve a tese de neutralidade. No entanto, não nos esqueçamos que a censura de guerra impediu uma completa liberdade de imprensa, sobretudo nos momentos difíceis da participação portuguesa nos palcos de guerra, entre 1917 e 1918.

 

A linha editorial da revista Ilustração Portuguesa era claramente a favor da entrada de Portugal na Guerra ao lado dos Aliados, tanto mais que a Alemanha já tinha invadido partes fronteiriças das colónias portuguesas de Angola e de Moçambique.

 

A 6 de agosto de 1914 O Século dando conta da entrada da Inglaterra na guerra afirmou que Portugal, dada a sua aliança diplomática multissecular, não se poderia manter neutral e deveria auxiliar esta potência, uma vez que a Inglaterra tinha um potencial geoestratégico muito importante para a salvaguarda dos interesses coloniais portugueses. A tese intervencionista é, também, sustentada na defesa do ideal da liberdade dos povos protagonizada pelos Aliados, numa posição assumida pelo Congresso da República.

 

Em 1917 foi publicada em Paris, durante vários meses, uma revista intitulada Portugal na Guerra, que foi dirigida por Augusto Pina. Esta publicação, quinzenal ilustrada, é uma fonte inesgotável para compreender algumas dificuldades atravessadas pelas tropas portuguesas na Flandres, pois mostra os momentos mais importantes do conflito, bem como o envolvimento dos contingentes portugueses nas operações militares dos Aliados.

 

O jornal republicano A Capital afirmou, no início da Guerra, o dever de Portugal intervir ao lado dos Aliados e, em particular, da Inglaterra devido aos compromissos diplomáticos e à necessidade de pugnar pela causa da liberdade. Faz-se, concomitantemente, uma crítica aberta das posições favoráveis à neutralidade que são sustentadas por alguns setores da sociedade portuguesa.

 

Os monárquicos sustentaram a neutralidade na Guerra, talvez por essa ser uma decisão essencialmente republicana que geraria muitos sofrimentos e inegáveis dispêndios financeiros. O jornal “A Monarchia” é boa testemunha deste posicionamento. O jornal “A Lucta” dirigido por Manuel Brito Camacho, órgão do partido Unionista, defendeu também a posição de neutralidade.

 

De seguida, apresento algumas gravações, designadamente de uma tertúlia em que tive o prazer de participar intitulada Portugal na Grande Guerra realizada na Biblioteca Municipal de Sesimbra no dia 21 de junho de 2014.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

EVOCAÇÃO DO CENTENÁRIO DA I GUERRA MUNDIAL (1914-1918 / 2014-2018)

 

A 8 de abril de 2014 foi assinado um protocolo de colaboração entre o Ministério da Defesa Nacional e o Ministério da Educação e Ciência para potenciar uma programação alargada de evocações do Centenário da 1ª Guerra Mundial no quadriénio de 2014-2018, no sentido de mobilizar parcerias entre as entidades militares e as escolas portuguesas.

 

Ao Centenário evocativo deste magno acontecimento da História Universal terei o prazer de me juntar com a participação numa tertúlia, subordinada a este tema, que se realizará a 21 de junho de 2014, sábado às 15 horas, na Biblioteca Municipal de Sesimbra. Procurarei levantar algumas pistas compreensivas sobre o impacto na mentalidade que este acontecimento teve em Portugal na época, mas sem querer desvendar muito mais lanço-vos, desde já, o desafio para participarem neste encontro de reflexão histórica.

 

 

A I Guerra Mundial teve como motivos principais as políticas expansionistas das grandes potências geopolíticas, a constituição de duas alianças político-militares antagonistas (a Tripla Aliança e a Tríplice Entente), a rivalidade naval e imperial entre a Inglaterra e a Alemanha e, finalmente, como fator imediato o assassinato do herdeiro do Império Austro-húngaro, Francisco Fernando, perpetrado em Sarajevo por um nacionalista sérvio, preparado pela Sociedade Secreta Mão Negra, a 28 de junho de 1914. 

 

Este conflito bélico (1914-1918) viu as Potências Centrais baquearem perante as forças Aliadas, porque a Itália e a Roménia desertaram, respectivamente em 1915 e em 1916, sendo que os EUA entraram na Guerra, ao lado das potências Aliadas, em 1917. Num breve balanço, militar, verifica-se que as Potências Centrais se revelaram numericamente inferiores em tropas, mas superiores em programas de armamento. Contudo, as forças geoestratégicas penderam para as potências Aliadas pelos motivos elencados[1].

 

A intervenção de Portugal na Grande Guerra foi alvo de uma acesa polémica política, pois já em julho de 1914 começaram os primeiros conflitos militares entre as tropas portuguesas e alemãs a norte de Moçambique.

 

Espelho das divergências relativas à intervenção portuguesa no conflito mundial foi o fosso que se abriu entre os apoiantes, da posição favorável à entrada na guerra, que se encontravam sobretudo no Partido Democrático e que contava com o apoio político de figuras proeminentes como Afonso Costa, João Chagas, José Norton de Matos e Bernardim Machado e do outro lado estavam outras forças partidárias e figuras prestigiadas favoráveis à posição de neutralidade como o general e ministro Alfredo Freire de Andrade e Sidónio Pais. Na verdade, após alguma polémica, meses mais tarde, a 23 de novembro deste ano, o Congresso da República autoriza Portugal a intervir ao lado dos Aliados.

 

Todavia, só no início de 1916 Portugal entra na guerra devido à continuação dos combates com as forças alemãs em Angola e em Moçambique, ao receio da partilha das colónias portuguesas entre as potências imperialistas em caso de neutralidade, à necessidade de credibilizar o novo regime político no plano internacional, à aliança luso-britânica que levou a Inglaterra a solicitar a apreensão de navios alemães fundeados no rio Tejo para serem postos ao serviço dos Aliados.

 

A satisfação deste pedido desencadeou a declaração de guerra da Alemanha a Portugal a 9 de março, o que conduziu à formação de um Governo chamado de União Sagrada destinado a preparar os contingentes militares portugueses para a entrada na Grande Guerra.

 

Entretanto, o Ministro da Guerra José Norton de Matos e o general Tamagnini de Abreu procederam à organização de uma força de combate de trinta mil homens que ficou conhecida como Corpo Expedicionário Português, não obstante a sociedade portuguesa tenha permanecido dividida entre os intervencionistas e os refractários ao recrutamento militar.

 

Jaime Cortesão, deputado do Partido Democrático, alistou-se com entusiasmo e denodado sentido patriótico, sendo que na Tertúlia da Biblioteca Municipal de Sesimbra ouviremos o escritor Pedro Martins a falar-nos da experiência militar desta carismática figura do século XX português[2].

 

A guerra teve como momentos mais dramáticos os combates nas trincheiras, vivenciados em condições médico-sanitárias deploráveis, designadamente na Batalha de Verdun, em 1916, em que perderam a vida mais de meio milhão de soldados franceses e alemães. Também os contingentes militares portugueses sofreram pesadas baixas com milhares de mortos e feridos na batalha de La Lys a 9 de março de 1918.

 

Este ciclópico e catastrófico conflito militar teve como desfecho a derrota da Alemanha com a assinatura do Armistício a 11 de novembro de 1918. Assim, este facto gerou o desmembramento territorial das Potências Centrais e as duras imposições do Tratado de Versalhes à Alemanha de desarmamento, de separação de comunidades alemãs da sua antiga pátria e de pesadas sanções pecuniárias e territoriais, que estiveram na origem da revolta nacionalista alemã impeditiva de uma paz duradoura ansiada por Woodrow Wilson e meditada por Immanuel Kant.

 

Em suma, esperamos que estas evocações históricas e pedagógicas do Centenário da Grande Guerra que vão decorrer, em Portugal e um pouco por toda a Europa nestes próximos tempos, sensibilizem as populações e os seus líderes dos riscos dos antagonismos nacionalistas que ainda estão enraizados em algumas potências regionais neste momento de ponderosa crise europeia, na segunda década do século XXI.  

 


[1] “Guerras mundiais e ideologias – A Europa e os EUA entre 1914 e 1945”, in História Universal, vol. 2, Revisão técnica Jorge Borges de Macedo, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 368-372.

[2] Fernando Pereira Marques, “Intervenção portuguesa na grande guerra”, in  Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, pp. 346-347.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

O DEBATE POLÍTICO PORTUGUÊS DOS MEIOS COLONIZADORES NA 1ª REPÚBLICA, APÓS A 1ª GUERRA MUNDIAL

 

 

O professor universitário João Carneiro de Moura considerou em 1921 à revelia das teses oficiais que para colonizar as terras ultramarinas era necessário o esforço social dos portugueses e designadamente que se recorresse a pessoas capazes e “úteis”. Não se devia recorrer unicamente à tradicional política dos degredados em que apenas se enviavam para as colónias os elementos "decadentes" da sociedade metropolitana[1]. E, por outro lado, achava que o Estado devia impulsionar as missões religiosas nacionais, dado que se revelou nesta época publicamente o insucesso das missões laicas de civilização das populações nativas apadrinhadas pelo regime Republicano.

 

Deste modo, no momento em que pairavam cobiças estrangeiras à posse das colónias portuguesas devido à nossa incapacidade administrativa, muito criticada na imprensa internacional, apareceram as teses que proclamavam que renovando os meios de colonização se conseguiria efectivar a ocupação das colónias.

 

Este professor divulgou esta sua tese numa Conferência que realizou a 8 de Março de 1921 na Sociedade de Geografia de Lisboa. Começou por diagnosticar a existência duma crise nacional motivada por dois problemas: por um lado, tornava-se evidente a fragilidade da ocupação das colónias portuguesas que se limitava aos critérios administrativo e político, faltando realizar a ocupação social; e, por outro lado, fazia-se sentir uma complicada crise económica e financeira no Erário Público que se denotava nos défices orçamentais e na dívida externa do Estado português.

 

Heterodoxamente afirmava que as colónias não podiam ser apenas reservatórios de indívíduos sociailmente desviados (doentes, analfabetos, deficientes, criminosos, etc), encaradas tradicionalmente como terras de degredados e de exilados, e em segundo lugar,  que o Estado devia autorizar e favorecer as missões religiosas nacionais[2] como forma de civilizar os autóctones e de impedir o predomínio das missões religiosas estrangeiras no ultramar português[3]. Com efeito, proferiu uma crítica veemente à doutrina colonial adoptada pelos governantes da 1ª República, alertando para o risco da cobiça estrangeira implicado pela estratégia oficialmente adoptada.

 

A 25 de Abril de 1923, José Ferreira Dinis em conferência proferida, na sala das sessões da Câmara Municipal da Figueira da Foz, perante o contexto da falência operacional das missões laicas de civilização dos indígenas africanos nas colónias portuguesas propôs que fossem revitalizadas as missões religiosas. Sustentou, designadamente, duas teses heterodoxas de colonização dos territórios ultramarinos portugueses[4]

 

Na primeira tese defendeu que o autóctone africano não podia ser civilizado de acordo com os padrões culturais europeus, não obstante pudesse ser instruído tecnicamente com um ensino profissionalizante, excluindo-o do estatuto de cidadania e inferiorizando-o ao colono, o que proporcionaria as condições sócio-laborais para a sua manipulação como mão-de-obra do patrão colonizador. De facto, a política executada pelos Altos Comissários, neste período, acreditava na elevação civilizacional dos autóctones ao nível dos europeus[5]. Na segunda tese considerava, de forma heterodoxa, que o Estado português devia subsidiar a função civilizadora das missões religiosas porque tinham tido êxito e extinguir as missões laicas pelo seu provado insucesso no regime Republicano. 

 

Assim, Ferreira Dinis discordou dos métodos civilizadores que o Estado português seguiu para educar as populações nativas das colónias africanas. Censurou a convicção política oficial de que os indivíduos de raça negra pudessem ser europeizados pela instrução, sem ter em conta o seu contexto cultural. Afirmou que a alternativa passava apenas por oferecer às populações negras das colónias um ensino profissionalizante e os rudimentos da língua portuguesa como meio de comunicação. Parece-nos, claro, que esta tese pressupondo um segregacionismo rácico em relação aos povos negros tinha como objectivo assegurar que estes ocupassem posições socialmente inferiores[6]. É interessante o modo como justifica esta sua tese, pois diz que era prejudicial civilizar mesmo uma minoria de indígenas à luz dos padrões culturais dos colonos, porque estes podiam formar uma élite subversiva do desejável servilismo dos povos colonizados nativos.

 

Por outro lado, em relação à sua segunda tese considerou que o Estado deveria subsidiar as missões religiosas que formassem missionários “in loco” e que empregassem missionários portugueses. Salientou a evolução histórica da utilização missionária. O regime Republicano em 1913, na sequência da Lei da Separação do Estado das Igrejas, de Afonso Costa, criou as missões laicas para substituir as missões religiosas, mas em 1923 os políticos constatando a ineficácia das missões laicas promulgaram um decreto reabilitando e protegendo as missões religiosas como educadoras das populações autóctones africanas. Contudo, na sua perspectiva heterodoxa, o Estado português deveria ter a coragem política de pôr fim às missões laicas, porque a coexistência de missões com metodologias antagónicas implicava uma incoerente acção civilizadora.

 

Como forma de reagir à acusação internacional de que Portugal praticava em Angola e em Moçambique nos anos 20 a escravatura ( o trabalho forçado ) Ferreira Dinis procurou sugerir que se criasse um regime jurídico que distinguisse cidadãos e indígenas com base numa avaliação cultural[7], o que seria a seu ver um critério que legitimaria esta útil discriminação para efeitos laborais.

 

Ao invés da política que Norton de Matos executou, na defesa dos direitos dos povos “indígenas” e na tendência para criar igual dignidade para colonizadores e colonizados, Ferreira Dinis propôs que os “indígenas africanos” fossem juridicamente discriminados como um grupo excluído da categoria de cidadania[8]. Achava conveniente que, deste modo, se consagrasse um estatuto civil e político para os indígenas, no sentido de se estabelecer uma clivagem jurídica de base cultural em relação aos colonizadores que permitisse desmentir junto da opinião pública internacional o fenómeno da escravização dos “indígenas”, mas que concomitantemente permitisse mascarar o abuso laboral sobre os nativos africanos com este artifício ideológico-jurídico.



[1] João Carneiro de Moura, “A colonização portuguesa e as missões perante o problema nacional”, in Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, nº 3-4, 39ª série, Março-Abril de 1921, pp. 148-156.

[2] Na verdade, esta ideia de Carneiro de Moura só se transformou de heterodoxa em ortodoxa, com a mudança de regime da 1ª República para a ditadura militar. Assim, só com o ministro João Belo ao decretar o Estatuto das Missões Católicas a 23 de Outubro de 1926 se procurou legitimar novamente as missões religiosas com o objectivo de fomentar a evangelização das populações indígenas africanas.

[3] Nas seguintes citações se atesta a veracidade destas análises: “(...) E assim não se deve consentir que emigrem os indivíduos indeclinavelmente necessários na metrópole, como não se deve consentir que emigrem os incapazes de realizar a colonização em terras distantes: os doentes, os analfabetos, os débeis e os anormais, não podem emigrar. Pelo que, nas regiões onde o poder público é regular e vigilante, não se pode admitir a emigração dos incapazes de trabalhar e dos inúteis. (...) A Conferência de Berlim de 1885, abriu caminho às missões religiosas pela liberdade concedida à expansão de todas as confissões e se queremos contrapôr à acção das missões religiosas estrangeiras a conveniente acção portuguesa, carecemos de crear as missões religiosas nacionais. O espírito dos indígenas, pelo seu estado mental, é facilmente conduzido por emoções religiosas; a história do espírito humano assim o atesta. (...)” Ibidem, pp. 150-151.

[4] José Ferreira Dinis, Missão Civilizadora do Estado nas colónias africanas, Lisboa, Tipografia Colonial, 1924, pp. 6,7,8 e 20.

[5] O argumento implícito ao discurso de Ferreira Dinis é o de que se o preto fôr mantido no seu nível civilizacional poderia ser usado como mão-de-obra do colono, o que é antagónico com a tese aplicada por Norton de Matos em Angola.

[6] As seguintes passagens evidenciam a validade destas interpretações: “(...) Em lugar de adaptar-se a instrução ao meio, pelo contrário, entendeu-se que o meio é que tinha de desaparecer perante a instrução, acreditando-se no efeito mágico dos programas escolares da Europa na obra de colonização. Transplantaram-se para África os métodos de ensino metropolitano, como sendo os mais apropriados, para realizar a transformação do negro. (...) Enfim a escola deve ser mais uma oficina do que uma escola, onde se ensine juntamente com a língua portuguesa, com a leitura e escrita, um ofício, uma profissão e trabalho manual, criando operários e agricultores. (...) o internato pondo em contacto permanente ou quase permanente o missionário com o indígena, provoca não a evolução natural e progressiva da raça, mas sim uma evolução intelectual antecipada de alguns indivíduos que veem a constituir o semi-civilizado, tipo esporádico que a missão criou e que constitue um dos piores elementos da população nativa (...)”, Ibidem, pp. 6,7 e 8.

[7] Esta sugestão discriminatória dos negros iria ser implementada já na ditadura militar a 23 de Outubro de 1926 com o Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas de Angola e de Moçambique pelo ministro das colónias João Belo.

[8] As seguintes citações corroboram a verdade destas análises: “(...) A atitude do Estado não é só incoerente e incompreensível, é condenável. Por outra forma não pode ser classificada a atitude do Estado, mantendo duas instituições [ missões laicas e religiosas ], que visando o mesmo fim, o civilizar raças indígenas, na sua acção se servem de meios antagónicos que podem produzir graves perturbações entre as populações sobre que vai recair a sua acção e até lançá-las em lutas sangrentas. Não pode nem deve ser. (...) Quanto às missões laicas, em face da atitude que o Estado deve tomar perante as missões religiosas e em virtude do que se obrigou nas Convenções internacionais, não têm elas razão de ser. (...) Urge promulgar o estatuto civil e político, por que se devem reger os nossos súbditos, estabelecendo a definição jurídica do indígena, o que afinal não é mais que dar cumprimento ao estabelecido nas leis orgânicas da administração civil das colónias, de agosto de 1914. (...) Os nativos das colónias são cidadãos da República ou seus súbditos; cidadãos, quando não pratiquem os usos e costumes característicos das raças africanas e satisfaçam à condição essencial para serem considerados como portugueses, falar o português; súbditos os que não falando o português, pratiquem os usos e costumes daquelas raças e se regem pelas suas instituições. (...)” José Ferreira Dinis, op. cit., pp. 19,20 e 27.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

13 DE MAIO DE 1917 - 13 DE MAIO DE 2011 - NOSSA SENHORA DE FÁTIMA, HISTÓRIA E RELIGIÃO

 

 

A Primeira República em Portugal (1910-1926) foi marcada por um contexto marcadamente anticlerical que teve como máximo expoente a Lei de Separação do Estado da Igreja, de 1911, da autoria do Ministro da Justiça, Afonso Costa. Este ambiente persecutório, que adivinha já das ideias do movimento Republicano no tempo da Monarquia, constrangeu a capacidade de acção da Igreja Católica no país.

 

Numa época em que o país e o mundo estavam a passar por um turbilhão de crises, na segunda década do século XX, as aparições de Nossa Senhora de Fátima aos 3 pastorinhos (Lúcia, Francisco e Jacinta) em 13 de Maio de 1917, e com repetição nos cinco meses seguintes, culminando a 13 de Outubro do mesmo ano com um público de milhares de pessoas manifestou um fenómeno de estranha luminosidade no Sol na Cova da Iria, em Fátima, que surgiram a muitas pessoas como sinais de esperança num mundo melhor moldado por uma Ética de caridade e uma Fé que transcendesse a Racionalidade pura.

 

A conjuntura deprimente que tornou possível este fenómeno religioso de Fé colectiva, apesar da descrença de António Sérgio que a ele assistiu incrédulo, nesta data, caracterizou-se pelo materialismo exacerbado e pela ganância nacionalista que desembocaram na violência da Primeira Guerra Mundial com as tropas expedicionárias portuguesas a combaterem em França, pela instabilidade política e social da Primeira República sobressaltada com as constantes mudanças governativas e a agitação grevista e pela expansão das ideias bolcheviques (comunistas) na Rússia que inquietaram muitos espíritos europeus.  

 

Será o curto “consulado” de Sidónio Pais que, de Dezembro de 1917 a Dezembro de 1918, permitirá o sopro de esperança espiritual que fará florescer a devoção a Nossa Senhora de Fátima, restabelecendo as relações diplomáticas entre a República Portuguesa e a Santa Sé e permitindo a criação do Centro Católico Português. É, assim, que a 28 de Abril de 1919 se dará início à construção da Capelinha das Aparições, centro nevrálgico de todo o Santuário de Nossa Senhora de Fátima.

 

Não obstante, todas as dúvidas lançadas pelos filósofos François Voltaire e Friedrich Nietzsche, e muitos outros, que conduziram a uma imanente mentalidade ateísta que moldou o espírito de muitas sociedades contemporâneas da Civilização Ocidental, os fenómenos religiosos mostraram-se imperturbáveis. Deste modo, é indesmentível que a Fé num espírito cósmico, sobrenatural, é um traço estrutural da História Universal desde o Homem do Paleolítico.

 

As peregrinações que, por estes dias se deslocam a Fátima em devoção de Nossa Senhora, culminam com as celebrações litúrgicas de 13 de Maio evocativas da primeira aparição aos pastorinhos. Este ano a cerimónia eucarística, principal, é presidida pelo Cardeal Sean O’ Malley, arcebispo de Boston, como acção de graças pela beatificação de João Paulo II, que tinha uma especial devoção por Nossa Senhora de Fátima, tendo estado três vezes no santuário, onde teve oportunidade de agradecer a recuperação do atentado a que foi sujeito em 1981 e de beatificar os pastorinhos, Francisco e Jacinta, a 13 de Maio de 2000. Em 2011, como em 1917, nestas conjunturas internacionais e nacionais de crise a mensagem de Fé, de Esperança e de Caridade de Nossa Senhora de Fátima aparece a muitas pessoas como a chave para a Paz e a Concórdia rumo a um mundo melhor.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

  

 

 

 

 

REVOLUÇÃO REPUBLICANA DE 5 DE OUTUBRO DE 1910: OS ANTECEDENTES IMEDIATOS, O ACONTECIMENTO E ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS

 

Rua da Ericeira[1]

 

           Neste ano do Centenário da implantação da República Portuguesa (1910-2010) não podia deixar de evocar este magno e genésico acontecimento da História Contemporânea Nacional. Irei descrever um pouco sinteticamente, com base num relato minucioso de um jornalista da época[2], os antecedentes imediatos[3], o acontecimento revolucionário e algumas das consequências mais importantes ao nível das rupturas do novo regime político.

 

           A ditadura de João Franco (1906-1908), propulsora de medidas repressivas, levou a alastrar na sociedade portuguesa, a par do movimento de propaganda Republicana, uma dinâmica de insubmissão popular. A opressão exercida pelo Governo de João Franco suscitou de tal forma a animosidade dos revolucionários que marcaram a revolta Republicana para o dia 28 de Janeiro de 1908, que acabaria por afastá-lo da Presidência do Conselho de Ministros. De facto, a prepotência ditatorial de João Franco levou-o a reprimir a liberdade de imprensa e a aprisionar dirigentes e populares Republicanos, suspeitos de organizarem uma revolta política. Foi, com efeito, a ausência de plena liberdade durante este Governo que permitiu a associação de monárquicos dissidentes e de republicanos que encaravam a necessidade de uma Revolução, mesmo se perfilhassem ideais contrários, como solução de libertação dos opressivos grilhões da Ditadura de João Franco.

 

           Assim, o descontentamento dos monárquicos dissidentes foi um factor que não se pode menosprezar como elemento potenciador da revolta face ao regime político desacreditado, isto é, a monarquia constitucional. Compreende-se, assim, que o movimento de conspiração e revolta contra a monarquia se tenha feito através da associação de elementos monárquicos dissidentes e de republicanos e da junção de armamento para o acto revolucionário.

 

           Esta conjugação de factores deu azo à primeira grande tentativa de revolta Republicana, em Portugal no século XX, a 28 de Janeiro de 1908. O Almirante Cândido dos Reis e o Escritor João Chagas foram alguns dos dirigentes revolucionários que tiveram um papel decisivo neste acontecimento e na revolução do 4-5 de Outubro de 1910. Na realidade, o insucesso daquela revolta ficou a dever-se à incapacidade de prender o Ditador João Franco e à prevenção das forças militares fiéis ao regime monárquico.

 

           Foi o fracasso da revolta do 28 de Janeiro que induziu o aumento da repressão policial Franquista suscitando, por sua vez, o recrudescimento do ódio à Monarquia. Esta crescente animosidade desembocou no regicídio do rei D. Carlos e do príncipe herdeiro D. Luís Filipe a 1 de Fevereiro desse ano. Este homicídio do rei e do seu filho primogénito adveio do ambiente de hostilidade decorrente do Decreto Ministerial que autorizava a condenação à morte dos cidadãos politicamente insubordinados[4].  

 

           Nesta dinâmica de destruição do regime monárquico, a Carbonária, como organização secreta revolucionária, nascida no país no fim do século XIX, a par do papel da Maçonaria na formação da elite dirigente, contribuíram de forma fundamental para armar as classes populares que apoiaram com êxito o movimento insurreccional de 4-5 de Outubro de 1910. Artur Luz de Almeida, António Maria Machado Santos[5] e António Maria da Silva organizaram a acção revolucionária desta instituição secreta. Com efeito, a Carbonária proporcionou a expansão da doutrina Republicana, através da propaganda, e a minuciosa organização da sublevação popular e militar. Por último, cumpre referir que a acção desta organização estimulou os mecanismos repressivos policiais da Ditadura de João Franco.

 

           Deste modo, a Carbonária preparou a acção revolucionária com o fabrico de bombas e o seu detonamento em diversas ocasiões na cidade de Lisboa. Neste contexto de agitação social, importa investigar uma questão que parece não ter sido formulada pela historiografia portuguesa, de forma clara: em que medida o ambiente de violência desta Associação Secreta, antes da Revolução de 1910, e o facto de muitos populares estarem armados, não favoreceu a instabilidade civil da 1ª República? 

 

           Houve, posteriormente, um particular cuidado em garantir o êxito de uma nova tentativa revolucionária, após várias tentativas goradas desde o fim do século XIX e início do século XX. Neste sentido, a Carbonária interligou-se com os grandes dirigentes do Partido Republicano e João Chagas, Afonso Costa e António José de Almeida ficaram a liderar a organização revolucionária das operações de insurreição do 4-5 de Outubro. Devido a este factor, e a outro que iremos referir de seguida, surgiu uma dinâmica nova nos preparativos revolucionários. Durante o Governo liderado por António Teixeira de Sousa, de 26 de Junho a 4 de Outubro de 1910, menos opressivo nos processos de controlo aos Republicanos, a propaganda revolucionária teve oportunidade de se intensificar.

 

           Vários momentos foram estabelecidos para o desencadear das operações revolucionárias, designadamente a 28 de Janeiro de 1908, como já referimos, e a 15 de Julho de 1910 que acabou por ser adiada. Foi, então, a 4-5 de Outubro de 1910 que se despoletou a Revolução que implantou em Portugal o regime político Republicano. Um leque de factores conjugou-se para que esta singrasse. Em particular, devemos referir o papel conjunto da Maçonaria, da Carbonária e do Directório Republicano e de muitos militares que tomaram parte na minuciosa preparação da sublevação contra o regime monárquico. No entanto, não podemos esquecer que o peso da adesão popular ao “movimento de libertação” do jugo à Casa Real foi decisivo no resultado do processo revolucionário.

 

           Esta Revolução foi aprazada dois dias antes do seu início. Assim, numa reunião de militares Republicanos a 2 de Outubro no consultório do Dr. Eusébio Leão estabeleceu-se o começo da insurreição, bem como o respectivo plano de sublevação, para o dia 4. Entretanto, o médico e dirigente Republicano, Miguel Bombarda foi assassinado por um doente, do ramo militar, a 3 de Outubro, a quem tinha dado “alta psiquiátrica” após um internamento. Esta vítima, do clima de tensão, ainda teve oportunidade de eliminar, antes de falecer, alguns documentos da Revolução aprazada para que não existissem pistas para as autoridades do movimento insurreccional que se preparava. Contudo, este homicídio suscitou a fúria revolucionária dos populares convencidos da eventual motivação política deste sangrento acontecimento.     

 

           A 4 de Outubro sucedeu alguma desorientação nas operações revolucionárias que geraram o desânimo nas hostes Republicanas. Por conseguinte, os primeiros momentos da Revolução foram de algum desalento e de alguma insegurança nos contingentes revoltosos devido ao facto do plano traçado não se ter cumprido na íntegra. Nessa madrugada, já as operações decorriam, apoderou-se dos dirigentes Republicanos uma enorme descrença por causa da falta de comunicação entre os grupos estratégicos das diferentes ofensivas revolucionárias, no entanto as camadas populares revoltosas entusiasmaram-se em Lisboa com o espírito revolucionário.  

 

           Dentro deste espírito de vitória acantonaram-se na Rotunda, em Lisboa - epicentro do fenómeno revolucionário, as forças insurrectas, tendo-se reunido militares e civis sob o comando do comissário naval Machado Santos. No momento em que muitos dirigentes da revolução recearam o insucesso do movimento insurreccional, este líder manteve um ânimo inabalável, a que se juntou a força moral dos elementos civis que garantiram o local como reduto de defesa do ideal Republicano. Este factor de resistência anímica foi decisivo, porque após a decepção de muitos dirigentes, perante o incumprimento do plano revolucionário traçado, alguns militares de mais altas patentes abandonaram a Rotunda, mas os militares subalternos pediram nessa ocasião a sua liderança das hostes revolucionárias aí estacionadas. 

 

           Na capital, os Republicanos tomaram pontos militares estratégicos e iniciaram escaramuças sangrentas entre os seus contingentes e as tropas fiéis à Monarquia, designadamente a Guarda Municipal. Desta maneira, a Revolução durou desde a madrugada de 4 de Outubro, altura em que começaram as movimentações dos contingentes de insurreição, até ao início da manhã de 5 de Outubro em que foi proclamada a implantação da República.

 

           No momento em que a descrença atinge a alma dos Revolucionários, o Almirante Cândido dos Reis suicida-se e as forças de defesa da Rotunda resistem dando continuidade ao combate pelo ideal de um novo regime. Acontece que este marinheiro ficou convencido que a Revolução tinha fracassado, porque as etapas do plano de insurreição agendadas falharam e acabou por sobrevalorizar informações avulsas que o fizeram temer o insucesso das operações militares.  

 

           Na realidade, do Plano Revolucionário delineado fazia parte o controlo da Rotunda, o posicionamento ofensivo de navios militares no rio Tejo e o assalto ao Palácio das Necessidades onde se encontrava o rei D. Manuel II. Convém sublinhar que foi a falta de comunicação dos dirigentes da sublevação e o incumprimento deste Plano, por acção imprevista das hostes defensoras da monarquia, que suscitaram a descrença dos elementos revolucionários.

 

          Entretanto, os navios tomados pelos revolucionários no rio Tejo bombardearam o Palácio Real das Necessidades, obrigando o monarca D. Manuel II a fugir para o Palácio Real de Mafra. De seguida, a restante família real refugiou-se, também, em Mafra, mas tendo recebido notícias do êxito revolucionário, na manhã de 5 de Outubro, embarcou no porto piscatório da Ericeira para fugir do país.

 

           Ao nível das operações militares, o indefectível monárquico Henrique Paiva Couceiro dirigiu o ataque à guarnição revolucionária da Rotunda, sem sucesso, e posteriormente por instrução superior recebida colocou-se com os seus soldados na Baixa Pombalina para garantir a defesa de um eventual desembarque de marinheiros revoltados que quisessem apoderar-se dos edifícios-sede do poder político. Todavia, o desenlace militar da Revolução pendeu a favor dos contingentes insubmissos, porque as tropas monárquicas estacionadas no Rossio acabam por ser comprimidas entre as forças Republicanas da Rotunda e as forças navais do rio Tejo. É, contudo, de referir que os elementos civis postados ao lado dos revoltosos contribuíram decisivamente para a vitória Republicana. No decorrer dos confrontos armados que duraram várias horas foram concedidas tréguas, a pedido do Embaixador Alemão, para a saída de alguns estrangeiros assustados com o ambiente de instabilidade civil que se vivia.

 

           Por fim, na manhã de 5 de Outubro as forças Revolucionárias tomaram diversos pontos militares estratégicos da capital do país e José Relvas proclama da varanda da Câmara Municipal de Lisboa a instauração do regime Republicano e a formação imediata de um Governo Provisório liderado por Joaquim Teófilo Braga[6].

 

          Esta Revolução teve importantes consequências institucionais decorrentes da estruturação do regime Republicano e sociais procedentes das conflitualidades latentes que se arrastaram durante a 1ª República (1910-1926). Com efeito, com o novo regime Republicano surgiram novos símbolos (o Hino “A Portuguesa”, a moeda denominada “Escudo” e a actual bandeira nacional) que pretenderam corporizar o ideal de uma vida nova da Pátria Portuguesa através da reestruturação dos poderes soberanos do Estado.

 

            Nos primeiros meses do novo regime esta transformação foi sendo tecida pela nova classe política, constitucionalmente, alcandorando-se a máximo representante do Estado o Presidente da República, mas fazendo-o depender do Parlamento bicamarário. Por sua vez, o Estado tornou-se Laico, em 1911 com a Lei da Separação do Estado e da Igreja, que levou a um recrudescimento do ódio anticlerical que podemos imaginar como semelhante àquele que o prodigioso escritor Graham Greene retratou com brilhantismo, no romance histórico “O Poder e a Glória”[7], a propósito da perseguição dum padre Católico por parte da República no México nos anos 20 do século passado. 

 

           Em termos de balanço sucinto da 1ª República (1910-1926), pois uma análise mais aprofundada deste período exigirá a indispensável consulta da Historiografia[8] que está a receber novas actualizações[9] a propósito da Comemoração deste magno acontecimento pátrio, diremos que esta realidade histórica se afigura complexa pelos progressos gerados que se conjugaram com alguns constrangimentos sociais. Cumpre, no entanto, destacar algumas linhas de força que moldaram o semblante reformista deste período.

 

           Em primeiro lugar, teve uma crucial importância a profundidade da política educativa que instituiu o Ensino Primário obrigatório para combater o analfabetismo que grassava na sociedade portuguesa, ao mesmo tempo que se expandiu a estrutura do Ensino Superior no país. Em segundo lugar, como é sabido, a instauração do regime Parlamentarista desencadeou uma instabilidade política que foi dominante neste período. Em terceiro lugar, foram também decisivas as medidas sociais tomadas a favor dos Trabalhadores, designadamente do Direito à Greve que deu origem a um uso excessivo por falta de consciência cívica da população[10], mas o espírito Civilizacional que lhe esteve subjacente moldou este regime e devia ser factor de inspiração do actual que está a ser despojado da sua identidade autenticamente democrática. Esperemos que este momento comemorativo da implantação da República sirva para que o passado, recordado e celebrado, nos ilumine este presente incerto modelado por uma Globalização desregrada rumo a um futuro melhor e mais justo.   

  

 

Revolucionários Republicanos

 

 

José Relvas proclama da varanda da

Câmara Municipal de Lisboa

a instauração do regime Republicano



[1] Em muitas localidades de Portugal a toponímia de ruas e de praças é marcada pelas figuras Republicanas, pela Revolução de 5 de Outubro de 1910 e pela referência a este regime político. Na Ericeira há exemplos deste fenómeno como este que apresentamos, mas na cidade de Beja a densidade de ruas com nomes de figuras ligadas à República é uma realidade particularmente interessante.

[2] Jorge Abreu, 0 5 de Outubro – A Revolução Portuguesa, Lisboa, Edição Alfarrábio, 2010. Esta obra foi escrita por este jornalista Republicano do Primeiro de Janeiro que publicou esta análise, jornalística depurada, em 1912.

[3] Este “post” não pretende fazer uma descrição exaustiva de todas as causas da Revolução Republicana, mas apenas dos motivos mais directos, deste acontecimento da História de Portugal, do segundo quinquénio do século XX.

[4] Idem, Ibidem, p. 60.

[5] João Medina, “Machado Santos”, in História de Portugal, dir. João Medina, vol. X, Lisboa, Edição Ediclube, 1993, pp.  54-63.

[6] “Joaquim Teófilo Fernandes Braga”, in Parlamentares e Ministros da 1ª República (1910-1926), coordenação de A. H. Oliveira Marques, Edições Assembleia da República – Ed. Afrontamento, 2000, pp. 124-125; Mário Soares, As ideias políticas e sociais de Teófilo de Braga, Lisboa, Centro Bibliográfico, 1950 (prefácio de Vitorino Magalhães Godinho).

[7] Graham Greene, O Poder e a Glória, Alfragide, Oficina do Livro, - Casa Editorial, 2010. Este aliciante livro tem um prefácio, bem interessante, da autoria do escritor John Updike. 

[8] João Medina, “A I República – o que foi ?”, in História de Portugal, dirigida por João Medina, vol. XI, Alfragide, Edições Ediclube, 1993, pp, 245-252.

[9] Cito algumas dessas actualizações Historiográficas sem querer ser exaustivo: Joaquim Romero Magalhães, Vem aí a República! 1906-1910, Coimbra, Almedina Editores, 2010; Filipe Ribeiro Meneses, Afonso Costa, Lisboa, Texto Editora, 2010; AAVV, Viva a República 1906-1910, Lisboa, Inprensa Nacional-Casa da Moeda, 2010.

[10] António Sérgio, Educação Cívica, Lisboa, Editora Livraria Sá da Costa, 1984. A 1ª edição data de 1915 e esta última teve um elucidativo prefácio de Vitorino Magalhães Godinho.

 

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

 

BRITO CAMACHO (1862-1934), BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DE UM POLÍTICO E INTELECTUAL REPUBLICANO

  

Manuel de Brito Camacho (1862-1934) foi um homem de múltiplas e invulgares facetas sociais como médico-militar, jornalista, político, publicista e escritor. Começou a sua formação superior em Medicina, mas cedo percebeu a importância da sensibilidade cívica para garantir maiores padrões de justiça social, daí decorreu a sua preocupação em formar uma opinião pública sólida que o levou ao exercício do poder político como deputado e ministro Republicano, tendo contribuído para a implantação da República em 5 de Outubro de 1910. No fim da sua vida dando liberdade à sua sensibilidade humanista escreveu e publicou ensaios e contos.

 

Nasceu em Aljustrel a 12 de Fevereiro de 1862 no seio de uma família de camponeses remediados. Fez os primeiros estudos nesta povoação Alentejana e seguiu com estudos secundários no Liceu de Beja. Em Lisboa seguiu os estudos superiores de Medicina ingressando na Escola Médico-Cirúrgica em 1885. Em 1902-1903 esteve a estudar Medicina na Universidade de Paris para se candidatar a Professor da Escola Médica, mas abandona este seu projecto por motivações políticas que o levam a entusiasmar-se com a crítica jornalística ao regime Monárquico. 

 

Em 1891 ingressa na carreira de médico-militar como tenente que o levará ao posto de coronel em 1919. Exerceu clínica no Alentejo, na Estremadura e nos Açores e desenvolveu intensa actividade como jornalista e como professor do ensino básico. Toda esta actividade multifacetada de Brito Camacho levou-o a ser convidado a ingressar na Maçonaria, no Grande Oriente Lusitano em 1893[1], em Torres Novas onde estava a exercer clínica.  

 

A sua afirmação como líder político ocorreu em 1888 ao tornar-se Presidente da Associação Académica de Lisboa. Assim, desde cedo revelou as suas convicções Republicanas, tendo-se tornado membro e dirigente do Partido Republicano Português nos anos finais do século XIX. Colaborou em vários jornais Republicanos, dirigindo designadamente o periódico “O intransigente” (1894-1895), que o catapultou para a carreira política tornando-se deputado desta causa, atacando os erros e vícios do regime monárquico (os aditamentos à Casa Real, a greve académica de 1907 de contestação ao Governo de João Franco, a questão religiosa, etc.), nos anos finais do século XIX e início do século XX.

 

A sua divergência ideológica com Afonso Costa e a hegemonia e radicalismo deste no Partido Republicano Português estimulou-o, já no novo regime Republicano, à fundação do Partido Unionista, também designado por União Republicana, em 1912, de que foi o principal mentor e dirigente. Deste modo, pretendeu com esta organização partidária opor-se à hegemonia da facção de Afonso Costa que se transmutou em Partido Democrático. Nesta qualidade ajudou à constituição de diversos Governos de coligação nos anos de 1912 e 1913 e sustentou uma polémica oposição à entrada de Portugal na 1ª Guerra Mundial (1916)[2], nos termos defendidos por Afonso Costa, defendendo apenas uma política minimalista de defesa militar das colónias.

 

Distinguiu-se na vida social portuguesa ao fundar e dirigir desde 1906 em Lisboa o importante jornal Republicano “A Lucta” que muito contribuiu para o desgaste da política monárquica. Neste papel de oposicionista ao antigo regime político foi um dos principais conspiradores e participantes na Revolução de 5 de Outubro de 1910 que instaurou em Portugal o regime Republicano, do qual comemoramos este ano o centenário. Neste novo regime irá exercer importantes funções políticas como ministro do Fomento, em 1910-1911, no Governo Provisório, onde subscreveu a lei de separação do Estado e da Igreja e como deputado por Beja nos anos de 1911, 1915,1919,1921 e 1922.

 

Brito Camacho como Ministro do Fomento revelou uma especial preocupação com o estímulo do ensino técnico por considerá-lo como fundamental para o progresso económico do país. A sua acção ministerial concedeu, também, um grande relevo à promoção do crédito agrícola e dos meios de transporte. Em 1911 reformou o Instituto de Agronomia e Veterinária subdividindo-o em Instituto Superior de Agronomia e Escola Superior de Medicina Veterinária e, concomitantemente, instituiu os  títulos de engenheiro agrónomo e engenheiro silvicultor[3]. A 23 de Maio deste ano desmembrou o existente Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, de nível secundário, e transformou-o simultaneamente em duas instituições de ensino superior que ganharam a designação de Instituto Superior Técnico e de Instituto Superior de Comércio. Para a instalação do Instituto Superior Técnico convidou o Professor Doutor Alfredo Bensaúde que foi responsável pela organização dos primeiros cursos de especialização em Engenharia[4].

 

Em 1987 o Presidente da República, Mário Soares, numa pequena homenagem, colocou uma lápide comemorativa na casa de Aljustrel onde Brito Camacho viveu algumas temporadas. A alma rural Alentejana paira na sua obra literária, quer nos seus livros africanistas onde as comparações implícitas entre o Alentejo e a África são frequentes, quer nos seus livros de narrativas de quadros rurais desta região portuguesa. A importância desta característica regionalista na sua obra literária foi bem evidenciada no estudo que sobre ele fez Aquilino Ribeiro intitulado “Brito Camacho nas Letras e no Seu Monte”.

 

Publicou no fim da vida inúmeros livros de contos e de ensaios, tendo-se tornado escritor em progressiva substituição da sua vida como jornalista e político, e destacam-se, talvez, das suas obras literárias e políticas: Contos e sátiras (Guimarães & C.ª, 1920), A caminho d e África (Guimarães & C.ª, 1923), Quadros alentejanos (Guimarães & C.ª, 1925), Moçambique, Problemas Coloniais (1926), D. Carlos, intimo (Guimarães & C.ª, 1927), Cenas da Vida (1929), De bom humor (Guimarães, 1930), Por cerros e vales (Guimarães & C.ª, 1931) e ainda algumas publicações póstumas como sejam Política Colonial (1936), Rescaldo da guerra (Guimarães, 1936), Questões nacionais (Guimarães, 1937).

 

Brito Camacho foi Alto-Comissário de Moçambique de 1921 a 1923[5], com poderes políticos acrescidos em relação aos Governadores, e sustentou a perspectiva colonialista de que a riqueza das colónias africanas dependia da rentabilização do trabalho das populações nativas e não tanto do povoamento das populações da metrópole que achava não se adaptariam às difíceis condições climáticas africanas.

 

Atribuía uma dignidade humana às populações autóctones das colónias africanas pouco vulgar à mentalidade da maioria dos colonialistas, talvez pela acuidade da sua sensibilidade humanista. Considerava as populações nativas não como inferiores do ponto de vista genético, como era preconceito fazê-lo na altura, mas procedentes de um quadro Civilizacional que se encontrava num patamar inferior. Por conseguinte, considerava que o espírito civilizador estava mal orientado ao impor aos nativos africanos o modelo Civilizacional Ocidental, sustentando, ao invés, haver necessidade de estudar antropologicamente estas populações para que os funcionários da administração colonial tivessem conhecimento dos seus costumes e das suas línguas[6]. Esta visão colonialista de Brito Camacho era, na época, profundamente progressista.

 

Brito Camacho regressado de Moçambique em 1924, após o exercício da sua função de Alto-comissário da República com plenos poderes, fez um balanço da sua percepção colonialista numa Conferência feita em Lisboa que foi postumamente publicada. Afirma, de forma invulgar no panorama político português da época, que as relações entre a Metrópole e as colónias deviam prever e preparar a emancipação destes territórios, defendendo que o princípio descentralizador da administração colonial era contrário à exploração colonial, o que, aliás, em termos laborais lhe causou muito dissabores em Moçambique.

 

Portanto, a seu ver era necessário desenvolver os territórios ultramarinos e as suas populações para se garantir uma futura e madura emancipação das colónias africanas, à revelia da mentalidade da maioria dos colonialistas que acreditavam na indissolubilidade da ligação política entre Portugal e as suas terras além-mar.Esta perspectiva colonialista progressista evidencia-se quando nos diz:“(…) A principal obrigação da Metrópole em relação às colónias é preparar a sua emancipação. Uma colónia que não tende para a sua emancipação é uma terra escrava e seria absurdo que tendo-se abolido a escravidão dos indivíduos se mantivesse a escravidão dos povos. O termo natural da evolução de uma colónia, mais rápida ou mais demoradamente, conforme as suas circunstâncias é a sua emancipação. (…)”[7].   

 


[1] António Henrique de Oliveira Marques (coordenador), “Manuel de Brito Camacho”, in Parlamentares e Ministros da 1ª República, Edições Afrontamento – Assembleia da República, s.d., p. 139.

[2] António Reis, “Manuel de Brito Camacho”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol. I, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, p. 93

[3] Maria Fernanda Rollo, "Os engenheiros e a Ordem I: os antecedentes", in Ingenium, revista Janeiro/Fevereiro de 2006, p. 106.

[4] Agradeço a pertinente sugestão do Professor Doutor Adriano Moreira de evidenciar, neste texto, o papel inovador que Brito Camacho teve como Ministro do Fomento. 

[5]Estas descobertas historiográficas, e outras ainda inéditas, surgiram no âmbito de um projecto de investigação que desenvolvi sob a criteriosa orientação do Professor Doutor José Medeiros Ferreira.

[6] João Fernandes, Brito Camacho – Algumas reflexões acerca da sua obra colonial, Lisboa, Edição Seara Nova, 1944, pp 47-49.

[7] Manuel de Brito Camacho, Política colonial, Lisboa, Editorial Cosmos, 1936, p. 11.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

( versão actualizada a 13 de Julho de 2009 )

 

 

 

 Revolucionários Republicanos, populares e militares, na Rotunda em Lisboa a de 5 de Outubro de 1910 

 

 

Gravura simbólica da proclamação da República junto à Câmara Municipal de Lisboa

LIGA DE PARIS

 

(Texto de) Francisco Seixas da Costa in Blog – Duas ou três coisas – Notas pouco diárias do Embaixador Português em França, publicado no dia 14 de Fevereiro de 2010

 

Perseguidos pela ditadura militar, alguns dirigentes republicanos portugueses exilaram-se em Paris, no final dos anos 20 do século passado. Aqui formaram a Liga de Defesa da República, vulgarmente conhecida como a Liga de Paris, de que uma das principais figuras foi Afonso Costa (na imagem).

 

Neste ano em que se comemora o centenário da República, convidei o professor Fernando Rosas, catedrático da Universidade Nova de Lisboa e diretor do seu Instituto de História Contemporânea, a organizar, na Embaixada em Paris, um colóquio sobre a Liga de Paris. Nomes como os professores Luís Farinha, Cristina Clímaco e Yves Leonard apresentarão também comunicações.

 

O colóquio terá lugar no dia 14 de Maio. Porque os lugares são limitados, os pedidos de acesso devem ser dirigidos à Embaixada de Portugal em Paris, pelo e-mail  diffusion.ambportparis@gmail.com ou através do espaço de comentários deste post. (no blogue “Duas ou três coisas: Notas pouco diárias do Embaixador Português em França” de Francisco Seixas da Costa” acessível em www.duas-ou-tres.blogspot.com )

 

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