Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
De 27 a 29 de abril de 2012 decorre no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, o festival dirigido por Miguel Coelho, conhecido por “Dias da Música em Belém” dedicado este ano à voz humana através da História, que conta com cerca de 60 concertos, 100 compositores (J.S.Bach, L.Beethoven, Gilberto Gil, G. Malher, H. Purcell, R. Strauss, Paul Simon, A. Vivaldi, J. Vianna da Motta, etc.) e 1200 músicos.
O programa variado, desenhado por Francisco Sassetti, interpela os ouvintes a interrogarem-se sobre a utilização simbólica do canto ao longo da História da Música, desde a Idade Média à Época Contemporânea. Como apareceu o canto? Independentemente da resposta a esta problemática questão, que historiadores e antropólogos têm procurado encontrar, o certo é que a voz humana se transformou num instrumento musical que se alçou em alguns géneros musicais no cerne estético de certas composições sonoras.
Na verdade, a voz humana além de facultar uma sonoridade única possibilita a transmissão de letras que articula o género musical com a própria literatura, lembremos as cantigas de amigo da Idade Média, a ópera ou a letra do fado. Se o canto surgiu primeiramente ligado ao culto divino, que teve no canto gregoriano uma expressão feliz, tornou-se desde a época Romântica num instrumento fundamental para a transmissão de sentimentos.
A programação dos “Dias da Música” está estruturada no sentido de fornecer uma perspectiva do canto através dos tempos. Aqui irei evocar algumas das vozes imortais que marcaram a História da Música Ocidental, ao passo que no festival, por razões óbvias, se destacam as composições em que a voz se torna o grande protagonista instrumental. Vários itinerários são propostos para agradar aos diferentes gostos e a públicos diversos, mas é dado um destaque especial à música Barroca pelo pouco destaque que este género tem recebido nas últimas edições. Assim, apresento-vos aqui excertos selecionados de música gregoriana e das vozes inconfundíveis de Louis Armstrong, de Luciano Pavarotti, de Amália Rodrigues e de Cecília Bartoli.
“Os Dias da Música” do CCB são já um evento com alguma tradição que começou com a Festa da Música com um reportório e um elenco bastante maior de músicos, mas a crise financeira dos Estados Ocidentais que se agravou no fim da primeira década do século XXI e no início da segunda década obrigou a cortes orçamentais significativos. Não deixa de ser, no entanto, um evento que procura fazer chegar a música erudita a novos públicos, aliás já frisei, em texto anterior, este objectivo didáctico. Dos vários patrocínios deste festival de música destaco a RDP (Radiodifusão Portuguesa) Antena 2 que transmite muitos dos principais concertos em direto como foi o caso do Concerto de Abertura, a ópera Barroca, “Dido e Eneias” de H. Purcell.
O fado foi classificado pela Unesco como Património Imaterial da Humanidade num trabalho de fôlego, de qualidade e de rigor liderado pelo musicólogo Rui Vieira Nery. Depois de uma evolução histórica notável do fado que culminou na consagração internacional de Amália Rodrigues na segunda metade do século XX, o certo é que este género musical tem novos interpretes que projetam o fado a nível internacional. A ligação lusófona de Portugal aos quatro cantos do mundo aparece simbolizada por esta ambivalente canção de melancolia que encerra um fundo de esperança.
O Projeto “Fado Mimado” dirigido ao público infantil e juvenil pretende de uma forma lúdica despertar as novas gerações para este género musical. Este Projeto reúne um CD intitulado “Fado Sonhado” cantado por Maria Azóia e dois livros de Gilda Nunes Barata intitulados “Um Xaile com Notas a Chorar” e “Saudade, Meu Amor?” com ilustrações respetivamente de Danuta Wojciechowska e de Ana Bossa. Os dois livros são bilingues (português e inglês), desde os seus respetivos títulos, denunciando a dimensão internacional que o fado tem assumido. Este Projeto foi lançado no Museu do Fado.
Somos introduzidos no livro “Um xaile com Notas a Chorar” com um belo “epitáfio” de Sophia de Mello Breyner Andresen e uma breve definição do Fado de Rui Vieira Nery. Diz-nos o musicólogo que este género musical transporta uma pulsação rítmica ambivalente que vai da lamentação ao entusiasmo mais enérgico. Esta narrativa, cheia de imaginação, de tom poético parece inspirar-se numa entrevista que Amália Rodrigues concedeu ao jornalista Armando Baptista Bastos em 1999.
O“personagem”, desta alegoria, é um xaile, inseparável companheiro da imortal fadista portuguesa, que vai meditando ao longo da história sobre o valor do fado. Tal como Gilda Nunes Barata, especialista na corrente saudosista de Teixeira de Pascoaes, o xaile interroga-se sobre a saudade como um sentimento muito português. Nas suas meditações, o xaile vai-nos lembrando que para os portugueses como um povo de marinheiros, que criaram um dos impérios europeus no mundo, e como um povo de emigrantes este sentimento da saudade está sempre muito presente.
Neste livro de homenagem ao fado há uma simbiose perfeita entre o texto e as feéricas ilustrações de Danuta Wojciechowska. No decorrer das suas aprendizagens, o nosso protagonista, o xaile, dialoga com as forças da Natureza e com os músicos, seus fiéis companheiros, que nas suas almas procuram dar voz ao encontro com outras paragens e com outros povos. Deste modo, este pequeno conto está entretecido de uma linguagem fortemente poética que perscruta os sentidos metafísicos do fado como uma existência cultural singular que bem merece esta classificação da Unesco de Património Imaterial da Humanidade. Nesta fábula, o xaile canta Lisboa como um local de partidas e de chegadas que faz transbordar nos seus habitantes um sonho comovido que desperta sentimentos contrários.
Este xaile, na sua meditação, fala-nos do fado como uma canção, que enaltece as canseiras e as emoções contraditórias que os portugueses vão passando, que lhe permite um grande amadurecimento na convivência com a mítica fadista de alma universal. É, assim, que ele acaba por adormecer sonhando com o mar que sempre permitiu a Lisboa abrir-se a aventuras inesgotáveis de contactos com outros povos. Gilda Nunes Barata, a autora da fábula, tem uma cuidada formação eclética que perpassa na sua escrita que se reparte entre a literatura infantojuvenil e a literatura poética. Danuta Wojciechowska tem já um invejável currículo internacional como criadora de ilustrações com Prémios já recebidos. É, sem dúvida, um livro de que recomendo uma leitura atenta.
No outro livro de Gilda Nunes Barata intitulado “Saudade, meu Amor?” dirigido, sobretudo, ao público mais infantil as ilustrações, bem conseguidas, pertencem a Ana Bossa. O enredo desta pequena história é bem expressivo das emoções que pairam no fado (a saudade e a procura da felicidade). Assim, nesta história de uma pequena gaivota que perde a fralda aparece um sentimento de saudade e de busca que é ultrapassado com a alegria de a encontrar a servir de cobertor a um corvo que sorri no seio da sua tristeza. Fica, pois, como uma sugestão para uma eventual prenda de Natal este conjunto de dois livros e um CD que dão pelo nome de “Fado Mimado.
Nota:
Podemos escutar aqui a entrevista de Paulo Alves Guerra a Gilda Nunes Barata, que passou na Rádio Antena 2 a 28 de Novembro de 2011, relativa ao seu livro "Um Xaile com Notas a Chorar".
Neste ano o Fado vai ser apreciado na UNESCO como candidato a ser classificado como Património Imaterial da Humanidade. Rui Vieira Néry, ilustre musicólogo, liderou este ambicioso projecto. Em Setembro saberemos o resultado destas meritórias diligências científicas e diplomáticas em prol da Cultura Portuguesa. No tempo do Estado Novo houve duas figuras que muito prestigiaram Portugal no exterior: Amália Rodrigues e Eusébio da Silva Ferreira. Nos nossos dias com a Globalização já muitos portugueses se destacam no estrangeiro pelos seus relevantes contributos em várias áreas da Cultura, da Ciência, da Política, do Desporto, etc.
O grupo “Deolinda” tem sido um sopro de vitalidade acústica, que homenageando o fado lisboeta e a cultura portuguesa, tem sabido comover o público português e estrangeiro, bem como grande parte da crítica internacional em particular o periódico “Sunday Times” que lhe tem dado um destaque extraordinário. Este grupo, que se formou em 2006, tem um reportório ecléctico de músicas que receberam a influência de vários estilos musicais e, ao mesmo tempo, veicula letras de intervenção social na esteira de José Afonso e de Sérgio Godinho nesta época de grande preocupação colectiva. A canção “Parva que sou” estreada no início deste ano, nos Coliseus de Lisboa e do Porto, tem-se tornado um hino da geração dos “jovens trabalhadores precários”.
A imensa criatividade artística associada aos conteúdos de sátira social e a linhas melódicas inspiradas no fado, na rembetika grega, na música ranchera mexicana, no samba, na música havaiana e no jazz tem dado a este grupo e aos seus protagonistas (Ana Bacalhau, Pedro da Silva Martins, Zé Pedro Leitão e Luís José Martins uma projecção internacional com algumas digressões que já fizeram pelo país e pela Europa. Esperamos que este sopro de vitalidade musical portuguesa possa despertar a comunidade internacional para a relevância patrimonial do fado português, de forma a recebermos boas notícias da UNESCO em Setembro deste ano.