Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
A idealização do blogue surgiu em fins de 2008, com o nome de Crónicas do Professor Ferrão associado a análises políticas, mesmo antes deste emergir de facto na blogosfera, mas apenas a 23 de julho de 2009 é que foi criado com um post sobre a figura de São Paulo de Tarso.
Muitas pessoas nos apoiaram neste projeto cultural, designadamente o meu amigo José Medeiros Ferreira - que infelizmente já não se encontra entre nós - pela valorização dos conteúdos dos meus textos e as estimadas colegas Elsa Nogueira e Paula Magalhães, respetivamente pela valorização estilística e pelas sugestões técnicas fornecidas. Devo, ainda, referir as pistas pertinentes lançadas pelo Professor Adriano Moreira, relativamente a um dos muitos posts de investigação histórica.
Celebramos, por isso, convosco e com grande alegria, caríssimos leitores portugueses, lusófonos e estrangeiros, o 8º aniversário deste blogue em 2017, resultado do interesse de muitos internautas que o continuam a seguir com curiosidade e, também, do apoio incondicional dos amigos e dos familiares mais próximos, que tornaram possível erguer este eloquente projeto cultural, que tanto gosto me tem dado construir, com a ajuda de todos vós.
O nosso blogue versa temáticas ligadas à atualidade cívica, à história, à literatura, à religião, à música, à arte, à política, à economia e à ética. Por este facto, assume-se como um blogue de natureza cultural, com interpretações e fundamentos humanistas deste autor, mas sempre baseado em investigações, mais ou menos aprofundadas, na bibliografia, na imprensa e/ou na documentação histórica.
Mais recentemente, e para associar o blogue ao meu nome de investigador e de ensaísta à denominação de Crónicas do Professor Ferrão sucedeu a de Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão.
O blogue, na atualidade, já ultrapassou as 208.000 visualizações, na sua maioria de países lusófonos, segundo os dados mais recentes, contabilizados por três contadores. Na verdade, os visitantes são, na sua maior parte, originários de países como Brasil, Portugal, Angola e Moçambique, abrangendo cerca de 88% das visitas, no entanto este tem uma abrangência internacional compaginável com o atual contexto da globalização, com visitas oriundas de mais de 100 países.
Já superámos os 260 posts, que normalmente andam ilustrados com imagens ou, mesmo, vídeos elucidativos. O acolhimento foi, aliás, bem visível inicialmente nos comentários que surgiram, mas com o desenvolvimento do Facebook muitas destas interações começaram a aparecer mais nesta rede social.
Last but not least, este blogue serviu de catapulta para escrever artigos de fundo, com mais exigência de investigação, que têm sido publicados nas revistas culturais, Nova Águia (orgão do Movimento Internacional Lusófono) e Brotéria (revista dos Jesuítas portugueses desde 1902).
Importa ainda mencionar o honroso convite que recebi para fazer uma fotobiografia de um político da 1ª República, surgido de um “post” histórico, que não pude aproveitar por indisponibilidade logística e laboral na altura. Também se têm manifestado repercussões deste nosso espaço, quer na blogosfera, com hiperlinks de ligação de outros blogues, quer na bibliografia histórica com citações de posts do nosso blogue, o que muito me apraz.
Quero, finalmente, saudar-vos cordialmente neste momento celebrativo, que devido à vossa paciência e interesse este se possa prolongar por uns bons anos mais. Bem hajam, caríssimos leitores, pela vossa atenção e tempo dispensado.
Passados mais de 40 anos é possível fazer um breve balanço, já historiográfico e menos apaixonado, da descolonização portuguesa, porque a visão do historiador exige uma observação da realidade global, nas causas e nos efeitos dos fenómenos históricos. Esta análise pretende lançar alguma luz sobre a controvérsia social que rodeou o processo da descolonização de Portugal. Importa equacionar algumas questões que nos ajudem a refletir com base nos dados históricos: a descolonização portuguesa foi um movimento exemplar, possível ou execrável? Era exequível, no processo revolucionário encetado a 25 de abril de 1974, desencadear uma descolonização com referendos locais quando nos principais territórios existiam movimentos de libertação com forças armadas? Era viavél uma descolonização exemplar no contexto internacional da guerra fria?
A descolonização portuguesa deixou profundas marcas traumáticas no tecido social português com mais de meio milhão de retornados e muitos bens patrimoniais portugueses, públicos e privados, perdidos, mas esta tendência histórica constituía uma inevitabilidade global. Com efeito, em contraciclo o regime Salazarista fomentou a emigração para as colónias, o que se intensificou após 1945 e, em particular, na década de 1960, ou seja, quando o ultramar português estava mais ameaçado pelo ambiente externo. Neste contexto anticolonialista internacional, as elites autóctones lutaram pela difusão da ideia do direito dos povos à descolonização. O general António de Spínola apercebeu-se do impasse na guerra colonial na Guiné-Bissau e escreveu o livro Portugal e o Futuro, editado em fevereiro de 1974.
A rutura com a tradição colonial portuguesa sucedeu com a revolução de 25 de abril de 1974, que iniciou o processo de descolonização nos territórios portugueses do ultramar. Contudo, a descolonização partiu de uma definição ambígua do Manifesto do MFA, o que deu azo a duas correntes antagónicas na sociedade portuguesa face à descolonização iniciada: uma defendia referendos nos territórios a libertar para garantirem a autodeterminação dos povos locais, sem eventual emancipação direta, enquanto outra sustentava a legitimidade da transferência de poderes da metrópole para os movimentos de libertação como representantes dos povos coloniais. Acabou por vencer esta segunda corrente, da descolonização mais imediata, que foi considerada pelos seus autores como exemplar e pelos seus detratores como nefasta e enfeudada aos interesses soviéticos.
Mário Soares, ministro dos negócios estrangeiros, após várias reuniões com o PAIGC viu-se compelido perante a intransigência dos negociadores guineenses, as declarações do general António de Spínola de reconhecimento do direito à independência e a inevitável entrada da Guiné-Bissau na ONU a aceitar a transferência de poderes no Acordo que firmou a 26 de agosto de 1974. Em Angola as organizações de libertação de Angola (a UNITA, a FNLA e o MPLA) entenderam-se para a formação de uma frente comum de negociação com os portugueses e a 15 de janeiro de 1975 foi fixado o Acordo do Alvor liderado, da parte do poder metropolitano, por Ernesto de Melo Antunes, tendo sido celebrado um governo de transição até à independência. Em Moçambique a 7 de setembro de 1974 em Dar-Es-Salam foi acordada a transferência de soberania para a FRELIMO.
Em São Tomé e Príncipe assinou-se um Acordo com o calendário de acesso à independência e em Cabo Verde aceitou-se um regime transitório para a eleição de uma Assembleia Nacional Popular, que tendo sido formada por membros do PAIGC declarou a independência. Por outras palavras, os vários calendários de descolonização portuguesa foram cumpridos na íntegra, com exceção do caso de Angola. Assim, neste território a desavença entre os 3 movimentos de libertação impediu a implementação do governo de transição e lançou a região numa guerra civil fraticida, com ingerências externas, e em que as autoridades portuguesas foram incapazes de resolver a situação, tendo optado por manter a data da independência sem entregar o poder a nenhuma das facções conflituantes.
Timor-Leste e Macau foram situações excecionais, por uma ingerência externa no primeiro caso e por desinteresse no segundo caso, na altura, da República Popular da China. De facto, Timor-Leste, após uma guerra civil entre a FRETILIN e a UDT, assiste a uma declaração unilateral de independência do primeiro movimento, o que leva a Indonésia a invadir o território sob vários pretextos e, só na transição do século XX para o XXI, a seguir a uma intensa pressão da comunidade internacional, Timor-Leste alcança a independência em 2002.
Por conseguinte, a descolonização portuguesa não foi exemplar como se propalou na propaganda da época no país, mas foi o processo possível dada à complexidade das circunstâncias internas e externas da conjuntura histórica. Reconhecemos que a situação descolonizadora foi, sobretudo, bastante grave em Angola, porque não foram salvaguardadas as vidas e os interesses materiais dos colonos, mas a luta entre as correntes angolanas, a recusa das forças militares portuguesas em contexto revolucionário de se envolver no conflito bélico, a desordem social em Angola, a instabilidade política portuguesa e as ingerências externas do contexto da guerra fria não permitiu senão uma descolonização possível.
Portugal entre 1974 e 2002 libertou totalmente as colónias, ao contrário do que fizeram a França e a Inglaterra. Convém não esquecer que o ambiente de hostilidade, em particular em Angola, entre os colonos e os colonizados, em que os primeiros retiravam empregos não qualificados aos segundos, propiciou a descolonização rápida. O principal erro da descolonização de Angola foi devido à precipitação do processo decisório que abriu caminho a uma guerra civil fraticida, sem que se evitasse um vazio de poder. A OCDE, em 1976, concluíra que esta descolonização beneficiara Portugal. A descolonização no contexto revolucionário provocou o regresso de mais de 500 mil portugueses, com perdas patrimoniais elevadas, mas com uma operação gigantesca de evacação aérea, muito significativa historicamente, com a colaboração de vários países. Por outro lado, no sentido de travar a vinda abrupta de colonizados criou-se a Lei de 24 de junho de 1975 e para compensar esta deslocação forçada de milhares de colonos foi concedido um apoio particular aos “retornados” da descolonização, facultando alojamentos temporários, subsídios, assistência médica e créditos especiais para possibilitar o acesso a habitações e a montagem de negócios.
Muitos detratores da descolonização portuguesa foram colonos prejudicados com o processo concreto ou agentes descolonizadores que discordaram das orientações emanadas das autoridades nacionais, como foi o caso do general Silva Cardoso, que foi Alto-Comissário para Angola até agosto de 1975. Partindo dos argumentos deste protagonista, revelamos o outro lado da descolonização para procedermos ao balanço histórico, agora que passam mais de 40 anos sobre a independência dos territórios africanos e das suas ilhas. O general Silva Cardoso, que passo a designar SC, afirmou que os guerrilheiros não tinham apoios nas populações autóctones que, por isso, teria sido legítimo a realização de referendos às populações colonizadas.
A situação da guerra colonial tinha levado a um impasse que se arrastava por longo tempo, pelo que havia muito desgaste nos contigentes militares e não estava próxima a vitória no conflito bélico, como afirmou SC. Este autor queixa-se que os militares de feição progessista, ou seja os “capitães” do MFA, disseminaram a vontade revolucionária nas forças armadas colonizadas, em particular na Guiné-Bissau. Historicamente, o processo teve início com a declaração pública de António de Spínola de 27 de julho de 1974 que reconheceu o direito das colónias à emancipação e Mário Soares, como ministro dos negócios estrangeiros do I Governo Provisório, ficou com liberdade para assinar Acordos com os movimentos de libertação dos diversos territórios, pois o processo revolucionário português exigia celeridade na resolução da problemática.
A 26 de agosto de 1974, Mário Soares chegou a acordo em Argel da entrega da Guiné-Bissau ao PAIGC, tendo ficado estabelecido o desarmamento dos comandos guineenses que estiveram ao lado das hostes portuguesas, mas infelizmente estes contingentes foram vingativamente fuzilados pelas forças do PAIGC. Na altura, em que foram celebrados os diversos Acordos, Mário Soares considerou a descolonização um êxito, contudo os acontecimentos acabaram por superar as intenções expressas.
A tese de SC é a de que houve uma descolonização precipitada resultado da vontade revolucionária dos contingentes militares metropolitanos, influenciados por membros do MFA. Este autor não compreendeu o processo revolucionário em curso, pelo que culpou a propaganda do MFA, de consciencializar as tropas portuguesas para a injustiça da guerra, quando foi esse um dos motivos da revolução dos cravos.
No testemunho comprometido deste autor, afirma que a intervenção do MFA na guerra colonial em Moçambique foi um “vírus” que dissuadiu as tropas metropolitanas de combater. Em junho de 1974 foi feita a primeira reunião entre a delegação portuguesa dirigida por Mário Soares e a FRELIMO para estabelecer o cessar-fogo e os trâmites da descolonização. Com a Lei nº 7/74 assegura-se a independência de Moçambique, que precedeu o Acordo de Lusaka de 7 de setembro de 1974 com a FRELIMO e que estabelece a independência de Moçambique para 25 de junho de 1975, sem que outros setores da sociedade moçambicana tenham sido ouvidos.
A questão do critério descolonizador radica no processo que colocou frente a frente os ventos da História, isto é, a tendência descolonizadora e a força das convicções revolucionárias. Na verdade, esteve em aberto no processo descolonizador a consulta às populações para conhecer a vontade das populações em relação ao regime político ou transferir os poderes para os movimentos de libertação das colónias. SC afirma, de forma parcial, que a força militar da FRELIMO era insignificante para o exército português, mas que o impulso revolucionário do MFA e a vontade de Mário Soares prevaleceram, não obstante o forte poder militar português estivesse em condições de ganhar a guerra neste território.
SC, neste testemunho parcelar, chama, emocionalmente, traidores a António Almeida Santos e a Mário Soares por não terem optado por uma descolonização com consulta das populações, sem entender que as pressões das conjunturas externas, da guerra fria, e interna, do PREC não permitiram a concretização do ideal e exigiram um pragmatismo na ação. Este autor fez um juízo de valor inadmíssivel para um retrato histórico, pelo que as suas reflexões se devem situar no género do testemunho parcial, de alguém emocionalmente envolvido na situação, ao ponto de designar as medidas tomadas como criminosas. Trata-se, pois, de um género memorialístico e não historiográfico. Se parece certo que SC faz observações acertadas, por exemplo, ao asseverar que a passagem da colónia de Angola ao estatuto de independência num momento de vazio de poder impulsionou a trágica guerra civil. Com efeito, com a luta fraticida entre os movimentos de libertação de Angola espalhou-se o medo entre a comunidade branca. Este general, nestas suas memórias, afirma a tese de que o MFA em Angola esteve durante o período de transição de poderes ao serviço do MPLA e dos interesses soviéticos.
No Acordo de Alvor, a 15 de janeiro de 1975, estabeleceram-se as condições teóricas da descolonização de Angola: os 3 movimentos de libertação foram considerados representantes do povo angolano, o governo de transição iria interagir com as 4 partes envolvidas, seriam realizadas eleições antes da independência, a transferência de poderes seria feita para o movimento que ganhasse as eleições, a retirada do exército português seria efectuada até à independência e um Alto-Comissário garantia o período de transição. Contudo, os acontecimentos ultrapassaram este compromisso, porque durante o governo de transição assegurado pelo Alto-Comissário Silva Cardoso os 3 movimentos de libertação de Angola desentenderam-se, sob o impulso, na perspetiva deste protagonista da história, do MFA em articulação com o MPLA.
Num ápice opinativo, SC considerou traidores os autores da descolonização que quiseram acabar rapidamente com a guerra colonial e levar a cabo com celeridade a emancipação dos povos coloniais. Esquece o autor a influência que o movimento da Negritude teve neste fenómeno internacional. Este autor revelou uma inimizade clara por Mário Soares ao considerar que se não ouviu os povos coloniais e que foi condicionado pela influência soviética e pelo ódio ao Salazarismo. Não obstante, foram cometidos erros diversos na descolonização portuguesa.
No seu testemunho SC acusa os responsáveis da descolonização de Timor-Leste de terem abandonado o território e deixado grassar uma guerra civil. De facto, devido à guerra civil entre os movimentos internos em 1975 a FRETILIN toma o poder, mas a Indonésia no contexto da guerra fria invade o território e Portugal acaba por abandonar militarmente a colónia. Este autor tem uma posição inequivocamente anticomunista, assacando as responsabilidades dos erros da descolonização à influência revolucionária comunista. SC, um protagonista, da descolonização Angolana apresentou a tese de que a revolução de 25 de abril de 1974 foi dominada pelos comunistas e pela vaidade de Mário Soares, o que foi nefasto para a descolonização portuguesa. Embora Mário Soares tenha classificado, em 1976, a descolonização portuguesa como um incontestável sucesso, na realidade as dinâmicas dos fatores condicionantes da evolução histórica revelaram-na como sendo um processo descolonizador possível no contexto da guerra fria e do quadro revolucionário que então se vivia no país.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
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Pereira, José Costa, “Descolonização”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol. 2, Lisboa, Edições Seleções do Reader’s Digest, 1990, pp. 186-187.
Ramos, Rui (coordenador), “A descolonização”, in História de Portugal, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2010, pp. 718-720.
Silva Cardoso, António, “A descolonização”, in 25 de abril de 1974 – A Revolução da Perfídia, Lisboa, Editora Prefácio, 2008, pp. 111-143.
Os jornais diários, como é seu timbre, fizeram um acompanhamento constante desta magna guerra conhecida como Grande Guerra e depois baptizada pelos historiadores como I Guerra Mundial. Na ausência de outros meios de comunicação social, que cobrissem estes acontecimentos cruciais, a imprensa revelava, então, um papel fundamental na influência da opinião pública.
A intervenção de Portugal na Grande Guerra foi alvo de uma acesa polémica política, pois já em julho de 1914 começaram os primeiros conflitos militares entre as tropas portuguesas e alemãs a norte de Moçambique, o que se reflectiu naturalmente na imprensa do país.
Espelho das divergências relativas à intervenção portuguesa no conflito mundial foi o fosso que se abriu entre os apoiantes, da posição favorável à entrada na guerra, que se encontravam sobretudo no Partido Democrático e no Partido Evolucionista e que contava com o apoio político de figuras proeminentes como Afonso Costa, João Chagas, José Norton de Matos e Bernardim Machado e do outro lado estavam outras forças partidárias e figuras prestigiadas favoráveis à posição de neutralidade como o general e ministro Alfredo Freire de Andrade, Sidónio Pais e Manuel de Brito Camacho. Na verdade, após alguma polémica, a 23 de novembro de 1914, o Congresso da República autoriza Portugal a intervir ao lado dos Aliados.
Algumas correntes, políticas, antagonistas das decisões republicanas ou do Partido Democrático como o Partido Unionista, os socialistas, os monárquicos e os católicos sustentaram uma posição de neutralidade.
No momento da entrada de Portugal na Guerra constituiu-se um movimento de apoio à beligerância portuguesa que ficou conhecido como União Sagrada que reunia o Partido Democrático, o Evolucionista, o Unionista e o Socialista. No entanto, com os desaires militares no decorrer de 1917 e até ao verão de 1918 os Unionistas e os Monárquicos sustiveram uma posição de abandono de Portugal da Guerra como o fez a Rússia.
As posições da imprensa portuguesa foram maioritariamente favoráveis à participação de Portugal na “conflagração internacional”, como na altura os periódicos lhe chamavam. A imprensa republicana, de forte implantação urbana, defendeu na sua maioria a tese intervencionista, enquanto a imprensa monárquica com redutos sobretudo nas províncias susteve a tese de neutralidade. No entanto, não nos esqueçamos que a censura de guerra impediu uma completa liberdade de imprensa, sobretudo nos momentos difíceis da participação portuguesa nos palcos de guerra, entre 1917 e 1918.
A linha editorial da revista Ilustração Portuguesa era claramente a favor da entrada de Portugal na Guerra ao lado dos Aliados, tanto mais que a Alemanha já tinha invadido partes fronteiriças das colónias portuguesas de Angola e de Moçambique.
A 6 de agosto de 1914 O Século dando conta da entrada da Inglaterra na guerra afirmou que Portugal, dada a sua aliança diplomática multissecular, não se poderia manter neutral e deveria auxiliar esta potência, uma vez que a Inglaterra tinha um potencial geoestratégico muito importante para a salvaguarda dos interesses coloniais portugueses. A tese intervencionista é, também, sustentada na defesa do ideal da liberdade dos povos protagonizada pelos Aliados, numa posição assumida pelo Congresso da República.
Em 1917 foi publicada em Paris, durante vários meses, uma revista intitulada Portugal na Guerra, que foi dirigida por Augusto Pina. Esta publicação, quinzenal ilustrada, é uma fonte inesgotável para compreender algumas dificuldades atravessadas pelas tropas portuguesas na Flandres, pois mostra os momentos mais importantes do conflito, bem como o envolvimento dos contingentes portugueses nas operações militares dos Aliados.
O jornal republicano A Capital afirmou, no início da Guerra, o dever de Portugal intervir ao lado dos Aliados e, em particular, da Inglaterra devido aos compromissos diplomáticos e à necessidade de pugnar pela causa da liberdade. Faz-se, concomitantemente, uma crítica aberta das posições favoráveis à neutralidade que são sustentadas por alguns setores da sociedade portuguesa.
Os monárquicos sustentaram a neutralidade na Guerra, talvez por essa ser uma decisão essencialmente republicana que geraria muitos sofrimentos e inegáveis dispêndios financeiros. O jornal “A Monarchia” é boa testemunha deste posicionamento. O jornal “A Lucta” dirigido por Manuel Brito Camacho, órgão do partido Unionista, defendeu também a posição de neutralidade.
De seguida, apresento algumas gravações, designadamente de uma tertúlia em que tive o prazer de participar intitulada Portugal na Grande Guerra realizada na Biblioteca Municipal de Sesimbra no dia 21 de junho de 2014.
A 8 de abril de 2014 foi assinado um protocolo de colaboração entre o Ministério da Defesa Nacional e o Ministério da Educação e Ciência para potenciar uma programação alargada de evocações do Centenário da 1ª Guerra Mundial no quadriénio de 2014-2018, no sentido de mobilizar parcerias entre as entidades militares e as escolas portuguesas.
Ao Centenário evocativo deste magno acontecimento da História Universal terei o prazer de me juntar com a participação numa tertúlia, subordinada a este tema, que se realizará a 21 de junho de 2014, sábado às 15 horas, na Biblioteca Municipal de Sesimbra. Procurarei levantar algumas pistas compreensivas sobre o impacto na mentalidade que este acontecimento teve em Portugal na época, mas sem querer desvendar muito mais lanço-vos, desde já, o desafio para participarem neste encontro de reflexão histórica.
A I Guerra Mundial teve como motivos principais as políticas expansionistas das grandes potências geopolíticas, a constituição de duas alianças político-militares antagonistas (a Tripla Aliança e a Tríplice Entente), a rivalidade naval e imperial entre a Inglaterra e a Alemanha e, finalmente, como fator imediato o assassinato do herdeiro do Império Austro-húngaro, Francisco Fernando, perpetrado em Sarajevo por um nacionalista sérvio, preparado pela Sociedade Secreta Mão Negra, a 28 de junho de 1914.
Este conflito bélico (1914-1918) viu as Potências Centrais baquearem perante as forças Aliadas, porque a Itália e a Roménia desertaram, respectivamente em 1915 e em 1916, sendo que os EUA entraram na Guerra, ao lado das potências Aliadas, em 1917. Num breve balanço, militar, verifica-se que as Potências Centrais se revelaram numericamente inferiores em tropas, mas superiores em programas de armamento. Contudo, as forças geoestratégicas penderam para as potências Aliadas pelos motivos elencados[1].
A intervenção de Portugal na Grande Guerra foi alvo de uma acesa polémica política, pois já em julho de 1914 começaram os primeiros conflitos militares entre as tropas portuguesas e alemãs a norte de Moçambique.
Espelho das divergências relativas à intervenção portuguesa no conflito mundial foi o fosso que se abriu entre os apoiantes, da posição favorável à entrada na guerra, que se encontravam sobretudo no Partido Democrático e que contava com o apoio político de figuras proeminentes como Afonso Costa, João Chagas, José Norton de Matos e Bernardim Machado e do outro lado estavam outras forças partidárias e figuras prestigiadas favoráveis à posição de neutralidade como o general e ministro Alfredo Freire de Andrade e Sidónio Pais. Na verdade, após alguma polémica, meses mais tarde, a 23 de novembro deste ano, o Congresso da República autoriza Portugal a intervir ao lado dos Aliados.
Todavia, só no início de 1916 Portugal entra na guerra devido à continuação dos combates com as forças alemãs em Angola e em Moçambique, ao receio da partilha das colónias portuguesas entre as potências imperialistas em caso de neutralidade, à necessidade de credibilizar o novo regime político no plano internacional, à aliança luso-britânica que levou a Inglaterra a solicitar a apreensão de navios alemães fundeados no rio Tejo para serem postos ao serviço dos Aliados.
A satisfação deste pedido desencadeou a declaração de guerra da Alemanha a Portugal a 9 de março, o que conduziu à formação de um Governo chamado de União Sagrada destinado a preparar os contingentes militares portugueses para a entrada na Grande Guerra.
Entretanto, o Ministro da Guerra José Norton de Matos e o general Tamagnini de Abreu procederam à organização de uma força de combate de trinta mil homens que ficou conhecida como Corpo Expedicionário Português, não obstante a sociedade portuguesa tenha permanecido dividida entre os intervencionistas e os refractários ao recrutamento militar.
Jaime Cortesão, deputado do Partido Democrático, alistou-se com entusiasmo e denodado sentido patriótico, sendo que na Tertúlia da Biblioteca Municipal de Sesimbra ouviremos o escritor Pedro Martins a falar-nos da experiência militar desta carismática figura do século XX português[2].
A guerra teve como momentos mais dramáticos os combates nas trincheiras, vivenciados em condições médico-sanitárias deploráveis, designadamente na Batalha de Verdun, em 1916, em que perderam a vida mais de meio milhão de soldados franceses e alemães. Também os contingentes militares portugueses sofreram pesadas baixas com milhares de mortos e feridos na batalha de La Lys a 9 de março de 1918.
Este ciclópico e catastrófico conflito militar teve como desfecho a derrota da Alemanha com a assinatura do Armistício a 11 de novembro de 1918. Assim, este facto gerou o desmembramento territorial das Potências Centrais e as duras imposições do Tratado de Versalhes à Alemanha de desarmamento, de separação de comunidades alemãs da sua antiga pátria e de pesadas sanções pecuniárias e territoriais, que estiveram na origem da revolta nacionalista alemã impeditiva de uma paz duradoura ansiada por Woodrow Wilson e meditada por Immanuel Kant.
Em suma, esperamos que estas evocações históricas e pedagógicas do Centenário da Grande Guerra que vão decorrer, em Portugal e um pouco por toda a Europa nestes próximos tempos, sensibilizem as populações e os seus líderes dos riscos dos antagonismos nacionalistas que ainda estão enraizados em algumas potências regionais neste momento de ponderosa crise europeia, na segunda década do século XXI.
[1] “Guerras mundiais e ideologias – A Europa e os EUA entre 1914 e 1945”, in História Universal, vol. 2, Revisão técnica Jorge Borges de Macedo, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 368-372.
[2] Fernando Pereira Marques, “Intervenção portuguesa na grande guerra”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, pp. 346-347.
Congratulo-me com os 100.000 acessos contabilizados pelo contador Sitemeter, desde 12 de fevereiro de 2010, deste blogue cultural e de cidadania, que pretende disponibilizar conteúdos de investigação e de reflexão com um espírito de liberdade e de intensa curiosidade cultural, imbuído de um humanismo construtivo, que o apoio continuado de amigos e cidadãos tem permitido alimentar de uma inspiração criadora.
Contam-se, também, já 200 post’s editados desde 23 de julho de 2009 com diversos temas abordados: História, Literatura, Música, Arte, Globalização, Crise de Valores, Crise Europeia, Cidadania, Política, Religião, Educação, Personalidades, etc. Deste modo, este blogue não seria possível sem o apoio permanente de muitos familiares e amigos que me têm encorajado nesta ciclópica missão de consciencialização dos leitores para problemáticas inéditas ou de candente atualidade.
Desde essa data que se contabilizam 2270 entradas mensais, embora tenham aumentado nos últimos tempos, pois contam-se atualmente cerca de 3400 acessos mensais no decurso deste ano de 2012/2013, embora se mantenham, naturalmente, variações sazonais. Tem mais de 300 comentários, evidenciando, assim, saudável interactividade. A média diária neste último mês (setembro/outubro) oscilou entre os 61 acessos e os 170, de acordo com as atualizações e com as habituais variações periódicas.
É bastante interessante notar que os acessos provêem de diferentes países que, por ordem de frequência, registamos: Portugal, Brasil, Estados Unidos da América, Moçambique, França, Espanha, Angola, Cabo Verde, Kuwait, etc., o que traduz uma certa internacionalização do blogue e manifestamente da cultura portuguesa e lusófona abordada em diversos conteúdos.
Espero que estes textos de reflexão e/ou de investigação, as imagens e os vídeos ilustrativos continuem a merecer a vossa melhor atenção e apreço pelos conteúdos tratados e pela criatividade, aqui, imprimida. Tenho procurado, sempre, cuidar da apresentação estética do blogue com um profundo gosto clássico, herdado de uma matriz helénica.
Pensei mudar a configuração visual do blogue, mas como não encontrei um padrão estético que galvanize o meu interesse prefiro, por enquanto, deixá-lo como está, porque como diz o provérbio popular, de grande sabedoria “pior a emenda do que o soneto”, mais vale deixar estar alguma coisa do que mudá-la para pior.
Deixo, aqui, alguns dos últimos “post’s”, deste último ano, mais significativos para que possam ter uma noção da amplitude temática abordada:
As teses académicas clássicas são, muito bem, aceites na comunidade científica. Referirei, de seguida, cinco das principais teses clássicas da historiografia sobre a ideologia colonial portuguesa no período entre guerras (entre o fim da 1ª grande guerra e o início da guerra colonial).
A primeira tese subscrita por Fernando Rosas, Yves Léonard, João Medina, Gervase Clarence-Smith, Cláudia Castelo e Luís Farinha[1] sustenta que a propaganda imperial do Estado Novo constituíu um factor decisivo para a legitimação social do regime ditatorial, uma vez que a ideologia colonial era amplamente consensual na sociedade portuguesa.
A segunda tese assinada por historiadores como António Duarte Silva, António José Telo, Douglas Wheller, Rui Ferreira da Silva e Valentim Alexandre[2] afirma que a doutrina colonial da Ditadura Militar e do Salazarismo de pendor centralista, nacionalista e economicista correspondeu a uma reacção clara à crise colonial dos anos 20, verificada em Angola e em Moçambique.
A terceira tese, antagónica à segunda, subscrita por José Luís Garcia e José Freire Antunes[3] assevera que a política colonial das ditaduras – Ditadura Militar e Salazarismo - não representou, na realidade, uma rutura ideológica com o legado Republicano, mas sim um corte pragmático perante o contexto histórico de crise colonial, daí se entendendo melhor que o general José Maria Norton de Matos apenas tenha exercido uma moderada oposição ideológica ao colonialismo salazarista.
A quarta tese proposta por Fernando Rosas[4], que se inspira no modelo económico de interpretação imperialista corrente na historiografia internacional, vinca que as colónias portuguesas funcionaram como um mercado de consumo de produtos manufacturados e abastecedor de matérias-primas (regime de pacto colonial), não obstante Portugal não estivesse suficientemente industrializado dos anos trinta aos cinquenta.
Por último, na quinta tese, subscrita por Nuno Severiano Teixeira e José Medeiros Ferreira[5], refere-se que a diplomacia portuguesa defendeu na Conferência de Paz de Paris em 1919 (realizada na sequência da primeira guerra mundial) os interesses coloniais lusos perante as ameaças externas, porque havia a preocupação de assumir que o projecto colonial era a missão nacional por excelência e, simultaneamente, existia a necessidade de preservar a integridade do império português.
Em conclusão, as diferentes teses clássicas da historiografia da ideologia colonial portuguesa, nos três regimes políticos (1ª República, Ditadura Militar e Estado Novo), entre 1919 e 1961, foram bem acolhidas pela comunidade científica.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] A tese clássica acima referenciada aparece subscrita nas seguintes obras: Fernando Rosas, “Estado Novo, Império e ideologia colonial”, in Revista de História das Ideias, vol. 17, 1995, Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, pp. 19-32; Yves Léonard, “O Império Colonial Salazarista”, in História da Expansão Portuguesa, dir. Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri, vol. 5, Navarra, Círculo de Leitores, 1999, pp. 10-30; João Medina, “O terceiro império português. O império africano. O sonho dum ‘novo Brasil em África’”, in História de Portugal, dir. João Medina, vol. 5, Alfragide, Edição Ediclube, 1993, pp. 207-256; Gervase Clarence Smith, O III Império português (1825-1974), Lisboa, Editorial Teorema, pp. 120-170; Cláudia Castelo, “Evolução da política colonial do Estado Novo”, in O modo português de estar no mundo – O lusotropicalismo e a ideologia colonial portuguesa (1933-1961), Porto, Edições Afrontamento, 1999, pp. 45-67; e Luís Farinha, “Do império português à descolonização – Henrique Galvão e o império”, in História, nº 21, Janeiro de 2000, dir. Fernando Rosas, pp. 18-28.
[2] António Duarte Silva, “Acto Colonial”, in Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas, vol. I, Lisboa, Bertrand Editora, 1996, pp. 20-22; António José Telo, “Modelos e fases do terceiro Império Português (1890-1961)”, in Economia e Império no Portugal Contemporâneo, Lisboa, Edições Cosmos, 1994, pp. 199-275; Douglhas Wheller, “Aqui é Portugal: The Politics of Colonial Idea During the Estado Novo, 1926-1974”, in Portugal na transição do milénio, Lisboa, Fim de Século Edições,1998, pp. 375-405; Rui Ferreira da Silva, “Sob o signo do império”, in Nova História de Portugal – Portugal e o Estado Novo (1930-1960), coord. Fernando Rosas, Lisboa, Editorial Presença, 1992, pp. 355-381; e Valentim Alexandre, “Ideologia colonial”, in Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas, vol. I, Lisboa, Bertrand Editora, 1996, pp. 432-434.
[3] José Luís Lima Garcia, “A ideia de império na propaganda do Estado Novo”, in Revista de História das Ideias, vol. 14, Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1992, pp. 411-424; José Freire Antunes, O Factor Africano (1890-1990), Vendas Novas, Bertrand Editora, 1990, pp. 31-51.
[5] Nuno Severiano Teixeira,” Colónias e colonização portuguesa na cena internacional (1885-1930)”, in História da Expansão Portuguesa, dir. Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri, vol. 4, Navarra, Círculo de Leitores, 1998, pp. 494-520; José Medeiros Ferreira, Portugal na Conferência de Paz- Paris, 1919, Lisboa, Quetzal Editora, 1992, pp.1-30.
Os movimentos de libertação das colónias portuguesas afirmaram-se em meados dos anos 50, num ambiente de clandestinidade, em resultado da Conferência de Bandung de 1955 que proclamou o direito dos povos coloniais à autodeterminação e do surgimento de movimentos congéneros nas vizinhas colónias africanas que combatiam as potências colonizadoras. Na verdade, este processo histórico internacional conduziu nos finais dos anos 50 à maioria das independências africanas.
Em Portugal, alguns indivíduos negros que vieram estudar à metrópole e se conheceram através da Casa dos Estudantes do Império, como Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, Agostinho Neto, Vasco Cabral, Marcelino dos Santos, Mário Pinto de Andrade, Eduardo Mondlane foram os grandes propulsores das teses independentistas na Guiné, em Angola e em Moçambique, tendo sido perseguidos pela PIDE ou expulsos por atentarem ideologicamente contra a noção de pátria portuguesa do regime autoritário do Estado Novo, pois nas suas convicções ideológicas acreditavam que esses territórios existiam como nações "de per si" e portanto a independência seria um corolário lógico.
Estas teses tiveram expressão clandestina, nos territórios ultramarinos portugueses[1], em alguns movimentos surgidos em meados dos anos 50 como a União das Populações de Angola ( UPA ), o Partido Africano da Independência criado em Bissau em 1956 ( PAI ), mais tarde designado ( PAIGC ) e em diversos grupos desunidos que em Moçambique proclamavam o direito à independência[2]. Na realidade, estas teses foram o "fermento" ideológico que potenciou, poucos anos depois, o desencadear, nas populações arreigadas a estes territórios, da Guerra Colonial Portuguesa.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Assim designados pela revisão de 1951 da Constituição da República Portuguesa (promulgada em 1933).
[2] César Oliveira, “Guerra Colonial”, in Dicionário de História do Estado Novo, vol. 1, Lisboa, Editora Bertrand, 1996, pp. 413-415.
Em 1930 depois do golpe de Estado angolano liderado por Almeida d’ Eça contra Salazar e antes da promulgação do Acto Colonial, no início de Maio no III Congresso ColonialNacional,proclama-se a tese descentralizadora vertical, ou seja, afirma-se a necessidade da distribuição de competências administrativas coloniais chegar aos governadores de província e de distrito. Na verdade, esta tese preocupava-se com o descontentamento dos colonos que tinham aspirações autonomistas e, concomitantemente, manifestava uma crítica silenciosa ao espírito centralista deste diploma em discussão na sociedade portuguesa à época.
Por exemplo, os professores universitários Manuel Rodrigues, José Gonçalo Santa-Rita e alguns membros da Sociedade de Geografia defenderam a ideia que se devia desconcentrar poderes na administração colonial, alargando as competências aos administradores regionais ( governadores de província e de distrito ), mas não efectuar uma autêntica descentralização, porque as colónias portuguesas eram de exploração e não de povoamento.
Segundo a opinião de José Santa-Rita, expressa em 1930, o processo de descentralização administrativo estava inconcluído, porque, a seu ver, eram insuficientes os poderes delegados nos governadores subalternos, sendo assim necessário disseminar também poderes pelos pequenos administradores regionais, visto que as competências administrativas tinham sido sobretudo transferidas para os governadores-gerais ou para os Alto-Comissários.
O professor doutor Manuel Rodrigues, docente da cadeira de Administração Colonial, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no ano lectivo de 1919-1920, expressou uma posição política heterodoxa, do ponto de vista formal e não de conteúdo, ao preconizar que nas colónias portuguesas se devia desconcentrar poderes na administração colonial, atribuindo poder decisório a funcionários de vários graus hierárquicos enviados pelo governo central para as colónias, mas não descentralizá-la, já que isto implicaria delegar em assembleias locais os negócios coloniais[1]. Argumentava que como as colónias portuguesas eram de exploração e os colonos constituíam uma fatia social minoritária da população seria aconselhável a desconcentração de poderes administrativos à descentralização. O seu mérito para o debate, da altura, foi apenas o de acrescentar esta pequena “nuance” conceptual[2].
O professor da Escola Superior Colonial José Santa-Rita aconselhava em intervenção no III Congresso Colonial Nacional em 1930[3] a necessidade de reestruturar o sistema administrativo colonial fundamentando que o processo descentralizador estava inacabado. Assegurava categoricamente que as ineficácias administrativas coloniais que tinham provocado algumas crises no passado recente resultavam deste facto, pois do seu ponto de vista a delegação/desconcentração administrativa de competências não chegava aos governadores subalternos ( de província e de distrito ), dado que eram juridicamente encarados pelos governadores-gerais como burocratas e não como micro-decisores. Portanto, parecia- lhe que a transmissão de poderes da metrópole, decorrente da lógica descentralizadora, deveria implicar também a disseminação de atribuições aos pequenos administradores regionais das colónias[4].
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Na acepção do académico Manuel Rodrigues descentralizar significava, pois, conferir um alto grau de autonomia administrativa, o que nos ajuda a compreender a diversidade de significações que o conceito de descentralização da administração colonial teve neste período de estruturação do Estado Colonial consoante a posição ideológica do doutrinador fosse protagonizada por um cientista ou por um político.
[2] À semelhança de outros cientistas da época Manuel Rodrigues dividiu os sistemas coloniais em três tipos ( regime de sujeição, regime de assimilação e regime de autonomia ). Num preciosismo académico distinguiu os métodos de desconcentração e de descentralização administrativa, definindo um como o mecanismo de atribuir as decisões a funcionários enviados pelo poder central para as colónias, enquanto o outro consistia em delegar em assembleias locais os negócios coloniais. A sua doutrina sustentava que nas colónias de povoamento, em que os colonos fossem quantitativamente maioritários em relação aos indígenas, se poderia privilegiar o sistema descentralizador; mas que nas colónias de exploração em que os colonos eram minoritários, se devia desconcentrar poderes administrativos. O que significa que, para as colónias portuguesas na época, o professor Manuel Rodrigues defendia a adopção deste segundo sistema. A prova, aliás, de que esta asserção doutrinária vingou foi a promulgação do regime dos Altos Comissários de Angola e de Moçambique que vigorou de 1920 a 1930 como mecanismo de descentralização da administração colonial.
[3] José Gonçalo da Costa Santa-Rita, “Grande divisão administrativa das Colónias”, in 3º Congresso Colonial Nacional, Lisboa, Edição da Sociedade de Geografia de Lisboa, 1934, 6 p..
[4] O professor José Santa-Rita considerava que a descentralização não tinha descido toda a estrutura administrativa até à base institucional, tendo havido excessivos poderes conferidos aos governadores-gerais e aos Altos Comissários, mas não aos governadores subalternos das províncias e dos distritos. Salientou que era preciso reestruturar ao nível da divisão administrativa das colónias a compartimentação de Angola, que estava seccionada em duas grandes zonas com centros administrativos em Luanda e em Mossamedes, porque na sua óptica as diferenças geográficas e económicas entre estas regiões não seriam suficientes para justificar esta partilha. Contudo, quanto a Moçambique concordava com a sua divisão administrativa em duas grandes zonas, a norte na região de Tete e a sul na região de Lourenço Marques, porque razões de diferenciação geográficas e económicas a fundamentavam. Cf. Idem, Ibidem, 6 p..
Em janeiro de 1930Francisco Cunha Leal, como Governador do Banco de Angola, ventilou a tese descentralizadora monetarista como desejável para as colónias. Na verdade, recomendou que se criassem diversos bancos coloniais que recebessem a competência de emitir moeda própria. Esta tese técnica foi defendida dentro do espírito republicano, da necessidade da autonomia financeira das colónias, mas resultou da conjuntura deficitária das contas de Angola. Foi sustentada numa polémica pública que Cunha Leal travou com Salazar, na altura ministro das Finanças e ministro interino das Colónias.
Na opinião de Cunha Leal, o princípio de autonomia financeira devia ser respeitado, mas devia estar dependente de uma autoridade financeira e não exclusivamente dum organismo político. Esta tese descentralizadora monetarista, do seu ponto de vista, era o meio de evitar crises financeiras, como as que tinham ocorrido em meados dos anos 20 em Angola e em Moçambique, sem se recorrer ao critério da subordinação da política colonial ao crivo do ministro das finanças, como pretendia Salazar, numa lógica de equilíbrio orçamental e de centralização absoluta.
Por outras palavras, Cunha Leal defendeu a tese heterodoxa, contra a tese oficial de Salazar[1], de que deveriam ser criados outros bancos coloniais com capacidade de emitir moeda própria, sediados nas colónias[2], com o objetivo de se superar o sistema monetário unitário centrado no Banco Nacional Ultramarino, de forma a poder-se cumprir o princípio da autonomia financeira e monetária para que as autoridades locais pudessem pedir com liberdade empréstimos ao estrangeiro e lançar novas moedas.
Esta tese descentralizadora monetarista pressupunha critérios diferentes de emissão de moedas em função dos distintos sistemas monetários e, também, que as crises conjunturais de uma colónia não fossem pagas por outras, porque isto, a seu ver, seria inevitável no sistema de banco único emissor de moeda. Com efeito, este instrumento de política monetária que defendeu permitiria, do seu ponto de vista, a independência financeira ultramarina e opunha-se à lógica centralista e subjugadora das contas coloniais prevalecente no espírito do ministro das finanças. Cunha Leal acusou Salazar de o perseguir à custa desta polémica e da sua política financeira ser uma traição ao espírito republicano. Para evidenciar a veracidade, desta polémica colonial, atentemos nas seguintes passagens:
“(...) Enfrentaram-se então as duas teses da conveniência de haver um só, ou mais do que um banco emissor para as colónias portuguesas ... Entendeu-se que não convinha abranger, como até essa data, um único organismo de emissão para todo o extensissimo domínio ultramarino, colónias de tão diferentes sistemas monetários (...) Entendeu-se também que era difícil, senão impossível reunir na direção desse Banco único as capacidades diretivas suficientes para atender à intrincada complexidade de interesses tão diversos, espalhados a esmo pelas sete partidas do mundo. (...) Na existência destes saldos, que teriam de ser transferidos pelo Banco Ultramarino, na hipótese da sua liquidação, encontrou Quirino, em favor da manutenção do privilégio emissor deste, um outro argumento que logo o Dr. Oliveira Salazar repetiu com fidelidade de discípulo sem autonomia mental. (...)”[3]
Nesta linha de análise se inseriu um ensaio de intervenção cívica de Cunha Leal[4], escrito a propósito da polémica relativa às diretrizes económicas coloniais tida entre Salazar, ministro das finanças, e Filomeno da Câmara, governador geral de Angola, em fevereiro e março de 1930. O verrinoso orador Cunha Leal fustigou a política financeira colonial de Salazar ao discordar do critério da formulação de orçamentos para cada uma das colónias, dado que esta realidade tinha conduzido a diminutos investimentos no fomento económico ultramarino.
Em alternativa, pensava que a metrópole deveria subsidiar as despesas de investimento das colónias, contestando frontalmente a estratégia financeira de Salazar que preceituava o equilíbrio orçamental e a poupança ao nível das despesas como fórmulas correctas de saneamentofinanceiro nacional. Esta conceção de austeridade financeira explica que Cunha Leal tenha depreciado esta orientação governativa que passava por eliminar os défices dos orçamentos coloniais com evidente prejuízo das verbas de fomento económico. Neste sentido, tomou posição nesta polémica afirmando que Filomeno da Câmara não conseguiu cumprir o preceito de equilíbrio orçamental previsto para Angola, porque as fontes de receitas escasseavam e as necessidades de despesas de investimento eram avultadas.
Por conseguinte, considerou que só seria aceitável o critério do equilíbrio orçamental nas colónias se a metrópole injetasse subsídios destinados a despesas de investimento e se isto fosse compaginável com uma descentralização administrativa monetarista, isto é, com liberdade de política monetária colonial.
[1] A tese oficial sustentada por Salazar consistia na noção de que era preferível que existisse um único banco emissor de moeda, o Banco Nacional Ultramarino, o que prevaleceu durante o Estado Novo, porque esta seria a solução economicamente menos dispendiosa e asseguraria um melhor controlo do poder central em relação às contas coloniais.
[2] Franscico Cunha Leal, História do conflito entre um ministro das finanças e um governador do banco de Angola, Lisboa, Edição do Autor, 1930, pp. 67,91 e 94.
[3] Idem, Ibidem, pp. 67 e 91. [ Continuação da citação do texto :] “(...) pergunto à consciência dos que conhecem as colónias se é razoável, se é honesto amarrar, durante 30 anos sem recurso o futuro de quase todo o nosso ultramar às vicissitudes da vida dum Banco. Faz o dr. Oliveira Salazar, porventura uma pálida ideia do que pode ser ao fim desse período, a situação das colónias portuguesas que, de ano para ano sofrem transformações colossais ? (...)” ( Ibidem, p. 94 )
[4] Francisco Cunha Leal, Oliveira Salazar, Filomeno da Câmara e o Império Colonial Português, Lisboa, Edição do Autor, 1930, 180 p.. Cunha Leal neste livro escrito em abril-maio de 1930 satirizou a atitude política de Salazar de dar hegemonia ao critério financeiro e descreveu a sua passagem pelo Ministério das Colónias. Criticou a linha oficial colonial encetada por este governante ao impôr também às colónias a eliminiação dos seus défices orçamentais, porque pensava que essa contenção financeira poria em causa a necessidade de mais receitas para fundos de investimento no desenvolvimento das economias coloniais, em particular em Angola. Depreende-se das suas reflexões políticas, críticas do “statuo quo” ditatorial e da filosofia colonial atinente, que ansiava por um golpe popular que depusesse o ditador das Finanças e permitisse instaurar uma democracia dinâmica. Para compreender a polémica política entre Salazar e Filomeno da Câmara este documento ensaístico é essencial. Resumindo o teor da controvérsia: o autor afirma que este apresentou como Alto Comissário de Angola àquele um orçamento equilibrado, sem todavia o cumprir na prática por ter menos receitas e mais despesas que as orçamentadas. Deste modo, concluiu ser inaceitável a ideia da existência de orçamentos separados para as colónias e para a metrópole, pois reputava a responsabilidade da metrópole subvencionar as grandes colónias de Angola e de Moçambique, visto que as suas necessidades de crescimento e os seus recursos eram insuficientes para garantir os indispensáveis progressos económicos.
O Movimento Internacional Lusófono é um movimento cultural e cívico com mais de 10.000 aderentes de todo o espaço linguístico português. Constituiu-se, juridicamente, como organização oficial no dia 15 de Outubro de 2010, embora já existisse, anteriormente, como um espaço de liberdade das sociedades civis da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. O Movimento é composto, estatutariamente, por uma Direção, uma Assembleia Geral, um Conselho Fiscal e um Conselho Consultivo, que reúne no seu conjunto cerca de cem membros. Existem quase duas dezenas de membros honorários que sendo figuras prestigiadas subscrevem os objetivos do MIL.
O MIL tem promovido sessões culturais, como as que vão acontecer durante este ano na Biblioteca Municipal de Sesimbra, e tem subscrito diversas moções, promovido inúmeros debates públicos, recolhido livros e distinguido Personalidades Lusófonas (o Bispo D. Ximenes Belo e o Diplomata Lauro Moreira) com um Prémio simbólico no intuito de estreitar as relações afetivas, sociais, culturais, institucionais, políticas e económicas entre os países falantes da Língua Portuguesa. Neste ano, o MIL vai distinguir o Professor Doutor Adriano Moreira com o Prémio Personalidade Lusófona do ano de 2011 numa cerimónia pública que se realizará na Sociedade de Geografia de Lisboa.
Os fundamentos desta agremiação estão nas raízes históricas lusófonas que temos procurado investigar em vários autores[1] e no pensamento generoso e visionário de Agostinho da Silva que sustentava, no século XX, a necessidade de se constituir uma União Lusófona. Estes alicerces culturais vieram a tornar possível a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa em 1996, que no ano passado comemorou os seus 15 anos de vida. O Presidente do MIL, Renato Epifânio, escreveu um livro “A Via Lusófona – um Novo Horizonte para Portugal”[2] em que nos apresenta com muita clareza e lucidez esta estratégia que a Pátria deve seguir, que sublinhei na breve recensão crítica aqui no blogue: “A VIA LUSÓFONA: UM NOVO HORIZONTE PARA PORTUGAL” - RECENSÃO CRÍTICA DO LIVRO DE RENATO EPIFÂNIO.
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa como instituição intergovernamental, o Prémio Camões como reconhecimento literário a autores que têm enriquecido a Língua Portuguesa, a revista “Nova Águia” como publicação que tem abraçado o espírito lusófono nos seus conteúdos e nos locais em que se tem apresentado, a Associação Médica Internacional que tem valorizado a assistência humanitária aos países irmãos, a Universidade da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira e a Ciber Rádio Internacional Lusófona têm constituído parceiros insubstituíveis para se consolidarem os laços culturais e afetivos de povos que a História tem vindo a aprofundar. Não quero deixar de mencionar a Academia Galega de Língua Portuguesa que foi reconhecida como Observador Consultivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, apesar da injusta reserva das autoridades portuguesas.
Contam-se como membros honorários do MIL figuras prestigiadas da Comunidade Lusófona como sejam: Fernando Nobre como seu presidente honorário e Abel de Lacerda Botelho, Adriano Moreira, Amadeu Carvalho Homem, António Braz Teixeira, António Carlos Carvalho, António Gentil Martins, Dalila Pereira da Costa, Elsa Rodrigues dos Santos, Fernando dos Santos Neves, João Ferreira, José Manuel Anes, Lauro Moreira, Manuel Ferreira Patrício, Pinharanda Gomes e Ximenes Belo como sócios honorários que muito prestigiam, pelos seus relevantes serviços públicos, esta nossa Agremiação.
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa constituída por oito países (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste) formou-se para estimular a cooperação a diversos níveis e a defesa da Língua e da Cultura Portuguesa que tem sido enriquecida com a criativa genialidade dos autores e dos povos do espaço lusófono que transcende a contingência formal dos Estados, como nos ensinou o brilhante filólogo Luís Lindley Cintra.
O MIL conta hoje em dia com um site oficial, um blogue e um canal de vídeos que recolhe o testemunho de personalidades relevantes e de debates públicos que tem promovido. A sede do MIL localiza-se em Lisboa, mas como membro deste Movimento muito me congratulo com abertura de um novo núcleo no Porto.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Nuno Sotto Mayor Ferrão, “A dinâmica histórica do conceito de lusofonia (1653-2011), in Nova Águia, nº 8, 2º semestre de 2011, Sintra, Editora Zéfiro, 2011, pp. 204-208.
[2] Renato Epifânio, A Via Lusófona – Um Novo Horizonte para Portugal, Sintra, Edições Zéfiro, 2010.
Sociedade de Geografia de Lisboa (onde se realizou o III Congresso Colonial em 1930)
Em Moçambique nos anos 20 foi ventilada a tese da descentralização regionalista, isto é, a defesa da divisão do território em duas regiões administrativas: a norte centrada em Tete e a sul centrada em Lourenço Marques. Os principais pronentes desta solução eram proprietários e empresários da região de Tete e da cidade da Beira que consideravam a sua região mais produtiva do que a zona sul, mas em que as riquezas, ao invés, eram absorvidas pela administração sediada em Lourenço Marques.
Em plena crise económica Moçambicana, em 1925, o “Grémio dos Proprietários e Agricultores da Zambézia” defendiam a divisão administrativa desta colónia em duas regiões[1], com o objetivo de que a zona norte não se limitasse a transferir as suas riquezas provenientes da agricultura e da indústria para o ocioso sul. Pretendia este grupo que se criassem duas regiões administrativas distintas com orgãos próprios e prerrogativas específicas, de forma que esta descentralização regional representasse melhor os interesses económicos da Zambézia. No entanto, a tese oficial perfilhou a opção da unidade administrativa de Moçambique, porventura por tal escolha garantir uma maior proteção em relação ao risco do sul de Moçambique ser anexado pela União Sul-Africana como pretendia o general Jan Smuts.
Nas passagens seguintes, de uma notícia num periódico colonial, nota-se o ceticismo do jornalista em relação a esta sugestão administrativa heterodoxa:
“(...) Quanto à divisão da Província [ de Moçambique ] em duas, parece-nos que os argumentos invocados pelo Grémio dos Proprietários e Agricultores da Zambézia não tem consistência por aí além. Que o sul vive dos cambiais do Rand, não tendo uma produção agrícola ou industrial que lhe garanta a continuação do seu fastoso luxo de capital de colónia ? Mas nem mesmo que assim sucedesse, que não sucede, o norte teria o direito de defender a desagregação de Moçambique. Os distritos juntos, auxiliando-se mutuamente, como partes do mesmo todo, resistem incontestavelmente melhor a todos os embates, do que estando sujeitos a orientações diversas; com métodos administrativos diferentes. (...)”[2]
O reconhecido professor, da Escola Superior Colonial, José Gonçalo Santa-Rita pugnou também em 1930 pela divisão administrativa de Moçambique em duas regiões . Numa análise preambular afirmou que as ineficácias administrativas coloniais tinham provocado algumas crises resultantes da descentralização implementada ser imperfeita, pois a seu ver a delegação/ desconcentração administrativa de poderes não chegava aos governadores subalternos, os quais eram considerados pelos governadores gerais como burocratas e não como “micro-decisores”. Assim, a transferência de competências não tinha descido toda a estrutura administrativa colonial, tendo havido na década de 1920 excessivos poderes conferidos aos governadores-gerais e aos Altos Comissários, mas não aos governadores subalternos das províncias e dos distritos.
Assim, embora subscrevesse a divisão administrativa das colónias, com base neste argumento, discordava da fragmentação administrativa de Angola em duas grandes zonas[3], cujos centros seriam Luanda e Mossamedes, porque as diferenças geográficas e económicas entre estas regiões não seriam suficientes para as justificar. Contudo, quanto a Moçambique concordava com a sua divisão em duas grandes áreas administrativas, a norte na região de Tete e a sul na região de Lourenço Marques, por existirem razões de diferenciação económica e geográfica que as fundamentavam. Esta tese foi proclamada no III Congresso Colonial Nacional com o apoio de eminentes coloniais.
Notas:
[1] “Moçambique”, in Portugal, nº 34, 26 de dezembro de 1925, p. 1.
[2] Ibidem, p. 1. [ Continuação da citação do texto: “(...) Além disso, o desenvolvimento e o grau de civilização dos distritos ao norte do Zambeze não é também de molde a permitir uma emancipação em forma, nem essa emancipação, a dar-se abreviaria quer-nos parecer o aperfeiçoamento intelectual dos povos, desligados como ficavam do centro principal da civilização. (...)”.
[3] José Gonçalo da Costa Santa-Rita, “Grande divisão administrativa das colónias”, in 3º Congresso Colonial Nacional, Lisboa, Edição da Sociedade de Geografia de Lisboa, 1934, 6 p.
Algumas personalidades, como o agente geral das colónias Armando Cortesão, o deputado Manuel Ferreira da Rocha e o engenheiro Augusto Lisboa de Lima, consideraram em 1924, perante a crise administrativa angolana, que os cargos de Altos-Comissários de Angola e de Moçambique tinham implicado uma excessiva descentralização administrativa. Sugeriram, para o efeito, um reforço da capacidade coordenadora do poder central metropolitano sobre a estrutura administrativa colonial e uma simplificação da máquina burocrática.
Do ponto de vista de Ferreira da Rocha a descentralização tinha de ser moderada no sentido de assegurar, concomitantemente, uma fiscalização apertada do poder central sobre os orgãos locais das colónias e uma certa autonomia legislativa destas para que pudessem organizar livremente os seus serviços administrativos. Com efeito, no rescaldo da crise da administração colonial angolana, em 1924-25, alguns doutrinadores afirmaram que se devia implementar uma tendência centralizadora, pelo menos enquanto durasse a crise. Por exemplo, um jornalista da Gazeta das Colónias censurava então o governo por se preocupar apenas com a escolha do novo Alto-Comissário de Angola, ao invés de no período da crise se reajustar a administração colonial centralizando-a[1].
Armando Cortesão reputava a crise colonial portuguesa de meados dos anos 20 como resultante da deficiente organização da administração colonial[2], opinando que a descentralização tinha sido excessiva devido à perda da capacidade de coordenação da máquina administrativa por parte do poder central e pela sua desnecessária complexificação. Sugeriu, igualmente, que a carreira administrativa colonial se independentizasse em relação ao poder político, com o objectivo de se tornar imune face às instabilidades político-parlamentares da altura.
Este autor numa significativa conferência realizada na Sociedade de Geografia de Lisboa, em 25 de Janeiro de 1925, criticou de forma veemente o sistema administrativo colonial adoptado durante a 1ª República. Defendeu que deveria existir uma descentralização administrativa da estrutura colonial, semelhante à que tinha sido implementada por Luís Rebelo da Silva em 1870, que fosse progressivamente edificada e se adequasse ao nível de desenvolvimento económico-social de cada colónia. Esta descentralização significaria a distribuição pelos orgãos do poder colonial de atribuições do governo central. O orador diagnosticou dois problemas que afligiam o império colonial português no início de 1925: a crise económico-financeira angolana e o excesso de circulação fiduciária em todos os territórios ultramarinos em comparação com o capital de base do Banco Colonial. Na sua opinião, estes problemas governativos derivavam da exagerada autonomia da administração colonial e das desmedidas ingerências políticas desta máquina administrativa[3].
De facto, Cortesão discordava da autonomia administrativa colonial, inspirada no exemplo imperial britânico, em que as colónias tinham o direito de se governar pelas suas próprias leis, devido a uma certa independência da máquina administrativa de cada território. Por conseguinte, do seu ponto de vista a autonomia implementada nos anos 20 com o regime dos Altos-Comissários tinha originado duas consequências nefastas para o país. Em primeiro lugar, o Ministério das Colónias tinha perdido praticamente todas as funções de supervisão e de orientação da máquina administrativa colonial, alheando-se involuntariamente em relação ao que se passava nas colónias por desconhecimento e impossibilidade de intervir. Em segundo lugar, cada colónia tinha de possuir os seus próprios serviços técnicos e administrativos, tendo-se multiplicado os quadros e as burocracias dos serviços coloniais[4]. Deste modo, em conformidade com esta percepção o princípio autonómico tornava a máquina administrativa colonial muito mais complexa e dispendiosa.
Pensava ser impossível Portugal imitar o modelo inglês de autonomia administrativa colonial devido à contingência das circunstâncias sócio-políticas portuguesas ( escassez demográfica, minguados recursos económicos, elevada taxa de analfabetismo, dispersão geográfica das colónias e excessiva ingerência da política na administração pública). Em função de todos estes factores condicionantes parecia-lhe indispensável pôr em funcionamento um sistema administrativo colonial unificado na capacidade coordenadora do Ministério das Colónias. Este mecanismo institucional implicaria um sistema menos oneroso e mais simplificado para as circunstâncias económicas e sociais do país.
Recomendava, assim, a reorganização da administração colonial, sugerindo que esta fosse estudada por uma Comissão presidida pelo prestigiado general Alfredo Freire de Andrade. Esta reorganização teria por finalidade principal estimular o desenvolvimento colonial, o que passaria a seu ver pela consecução das seguintes iniciativas: restituir ao Ministério das Colónias a competência para coordenar serviços técnicos da estrutura administrativa colonial; aceitar investimentos de capitais e de emigrantes estrangeiros nas colónias; apoiar as missões religiosas nacionais e impulsionar as correntes migratórias para as colónias[5]. Na realidade, estas propostas doutrinárias implicavam uma mudança da orientação colonialista seguida pelos políticos da época.
Este doutrinador identificou como sendo responsável pelas crises coloniais que se viviam em 1924-1925 em Angola e Moçambique a deficiente organização da máquina administrativa ultramarina. Em conformidade com esta leitura da realidade justificou que o excedente da circulação fiduciária verificada nas colónias em comparação com o capital social do banco emissor colonial no ano de 1924, ao contrário do que sucedeu em 1919, resultou da implementação de uma incorrecta lei bancária ultramarina. Esta análise histórica pode ser corroborada através das seguintes passagens:
“(...) Os legisladores modernos teem (sic), porém, procedido de modo contrário: fizeram em separado leis para as colónias e para o orgão metropolitano, o Ministério das Colónias, independentes umas das outras, sem que todas obedecessem à mesma orientação ou a um plano definido. E daí vem, a meu ver, o principal motivo da actual desorganização. (...) Demos às colónias uma autonomia exagerada e já comprovadamente perigosa, quando nos deviamos limitar a alargar inteligentemente a “prudente descentralização” que meio século antes Rebelo da Silva já preconizava. Fomos adoptar depois de uma série de reformas, cada vez mais desorganizadoras do orgão central, o Ministério das Colónias, o critério geográfico do sistema inglês. (...) As colónias deixaram de dar conta ao respectivo Ministério do que os seus serviços iam fazendo, os relatórios que os Governadores teem obrigação de apresentar anualmente, passaram a ser coisa raríssima, e hoje, sobretudo em serviços técnicos, desconhece-se por completo no Ministério das Colónias o que nestas se passa! (...)”[6].
O professor universitário Carneiro de Moura condenou também em 1924[7], em plena crisa finaceira angolana, o excesso de descentralização administrativa e de autonomia financeira colonial, assacando-lhes as responsabilidades pelos elevados défices orçamentais de Angola e de Moçambique e pelo distanciamento comercial entre a metrópole e as colónias. No seu prisma, só uma centralização supervisionista permitiria evitar tendências despesistas e possibilitaria uma articulação harmoniosa das diversas parcelas do império colonial português.
Também perante esta conjuntura o publicista e empresário Venâncio Guimarães difundiu em vários opúsculos a ideia de que a administração colonial de José Maria Norton de Matos como Alto-Comissário de Angola foi ruinosa por ter sido deficitária, sem visíveis contrapartidas em benefícios para o progresso do território, tendo a seu ver esta orientação política avolumado o funcionalismo público e prejudicado os interesses económicos dos colonos. No seu raciocínio, a gestão colonial de Norton de Matos tinha levado à ruína financeira de Angola, porque tinha havido um acréscimo desmesurado das despesas públicas coloniais devido ao forte clientelismo de funcionários públicos e, por outro lado, à forte protecção dos direitos laborais dos indígenas que reduzia substancialmente as capacidades de lucro dos colonos[8]. Esta denúncia de má administração foi secundada pela opinião de Francisco Cunha Leal, que chegou a chamar a Norton de Matos prepotente e ditador[9]. Ora este evidente fracasso do regime descentralizador dos Altos-Comissários suscitou o ambiente ideal à propaganda das teses centralizadoras da administração colonial.
Durante a crise económico-financeira de Angola e de Moçambique em 1924, resultante dos avultados gastos administrativos de Norton de Matos e de Brito Camacho como Altos Comissários, as teses centralistas – supervisionistas ganharam eco na imprensa portuguesa[10]. Emerge, neste contexto histórico, a ideia de que a centralização administrativa colonial seria o sistema que melhor garantiria a ordem financeira do império ultramarino e que, por consequência, haveria que extinguir estes cargos, equiparados a ministros, nas colónias.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] “A política e as colónias”, in Gazeta das Colónias, nº 4, 24 de Julho de 1924, p. 3.
[3] O conferencista Armando Cortesão sugeriu a necessidade de tornar mais independente a administração ultramarina das frequentes ingerências do poder político, no sentido dela não depender tanto das mudanças governativas. Para alcançar este objectivo propôs que a estrutura administrativa imperial adoptasse três medidas institucionais: que se criasse um Sub-Secretário de Estado independente do poder político e eleito pelo Conselho Superior Colonial de forma a garantir a continuidade administrativa nos momentos de mudança política; que um Conselho Superior Colonial politicamente neutro orientasse e fiscalizasse toda a administração ultramarina; que os governadores coloniais passassem a ser cargos periódicos de uma carreira administrativa e não de nomeação política. No seu entender, só com estas medidas de independentização administrativa em relação ao poder político seria possível que em momentos de crise governativa a estrutura da administração não ficasse hesitante ou paralisada.
[4] Podemos citar como demonstração deste aspecto referido no texto as seguintes passagens: “(...) Deste modo, cada colónia tem que organizar os seus serviços técnicos e administrativos com uma latitude tal que se possa bastar a si própria, com uma muito maior necessidade de bons funcionários e de dinheiro; por outro lado, o Ministério das Colónias, sem repartições ou organismos técnicos que possam coordenar a acção de todos estes serviços, dando-lhes uma orientação de conjunto ou especial, conforme as circunstâncias, vive completamente alheado ao que nas colónias se passa. Este estado de coisas trouxe a necessidade de alargar demasiado os quadros de cada serviço das colónias e de pôr à sua frente funcionários duma competência e categoria que de certo modo se dispensaria desde que no Ministério houvesse repartições técnicas que orientassem, fiscalizassem e coordenassem esses diversos serviços. (...)” ( in Armando Zuzuarte Cortesão, O problema colonial português, Lisboa, Tipografia Empresa Diário de Notícias, 1925, p. 40 ).
[5] Armando Cortesão, não esquecendo a sua missão de Agente Geral das Colónias, dá no fim da conferência um conselho em relação à forma de superar a crise ultramarina portuguesa afirmando a necessidade de intensificar a propaganda colonial através da reformulação dos currículos das escolas portuguesas e do aumento quantitativo de publicações sobre a temática ultramarina. Estas propostas viriam a ser concretizadas já nos anos trinta com o regime salazarista.
[6] Armando Zuzuarte Cortesão, op. cit., pp. 35, 36 e 37.
[7] João Carneiro de Moura, “Mandatos coloniais”, in As sociedades modernas, Lisboa, Imprensa Nacional, 1924, pp. 137-138.
[8] Cf. Venâncio Guimarães, Angola - uma administração ruinosa – Para a história do reinado de Norton, Lisboa, Imprensa Lucas, 1923, 48 p.
[9] Na opinião pública ficou célebre a expressão com que Cunha Leal descreveu o general Norton de Matos na sua acção administrativa como Alto Comissário de Angola: o “Calígula de Angola”.
[10] “Respingando ... Altos Comissários à baila. Empréstimo e soberania”, in O Brado Africano, 28 de Junho de 1924, p. 1.
Opúsculo de Bernardino Machado publicado em França
A vitalidade das teses coloniais heterodoxas de 1919 a 1930, durante a 1ª República e o início da Ditadura Militar, ficou a dever-se, simultaneamente, à pouca solidez das teses oficiais sustentadas pelos Estadistas e às grandes ameaças, externas e internas, que pairaram sobre a soberania colonial portuguesa. Nesta época, após as campanhas de pacificação de Angola, da Guiné e de Moçambique, do fim do século XIX e início do século XX, estava a ser construído o Estado colonial português e havia necessidade de ocupar estes territórios com populações metropolitanas. Esta conjuntura histórica explica que tenham aparecido inúmeras teses coloniais heterodoxas, que procuravam identificar a melhor forma de acautelar o futuro dos territórios ultramarinos de Portugal.
Na metrópole foram propostas, sobretudo, teses descentralizadoras, centralizadoras e reformistas da administração colonial destinadas a tornar mais eficaz a máquina administrativa, de forma a libertá-la das críticas ferozes da opinião pública internacional. Em Angola e, sobretudo, em Moçambique circularam as teses anticolonialistas e descentralizadoras radicais, defendidas por grupos de colonos com aspirações autonomistas ou, mesmo, independentistas.
De facto, foi nos anos de 1922 a 1926 que, em pleno regime demoliberal, se manifestaram estas teses mais extremistas que corresponderam, nestas duas colónias, à governação, de José Maria Norton de Matos e de Manuel de Brito Camacho, repressiva dos abusos laborais sobre os indígenas e ao desequilíbrio financeiro dos respectivos orçamentos. Assim, esta conjuntura de crise política e social “abriu a porta” ao emergir destas teses coloniais heterodoxas: umas mais moderadas, defendidas pelos metropolitanos e outras mais extremistas, sustentadas pelos colonos.
É sintomático que a seguir à consagração jurídica do Acto Colonial, em 1930, no fim do regime da Ditadura Militar e depois durante o Estado Novo, o debate doutrinário tenha sido silenciado, porque passou a existir um “corpo de doutrina” durante estes regimes autoritários que impeliu à repressão das teses coloniais heterodoxas. Só os exilados, como por exemplo Bernardino Machado, puderam veicular livremente as suas ideias coloniais à revelia da ideologia dos regimes autoritários portugueses. Revela-se, pois, como muito significativo que o último momento de debate aberto na política colonial portuguesa tenha emergido do III Congresso Colonial Português realizado na Primavera de 1930 na Sociedade de Geografia de Lisboa, antes da promulgação daquele documento legal.
José Maria Mendes Ribeiro Norton de Matos (1867-1955) no exercício de Alto Comissário, da República, para a colónia de Angola de 1921 a 1924 procurou salvaguardar os direitos dos indígenas dos abusos particados pelos colonos, porque nos meios internacionais pendia a acusação de que Portugal praticava “uma escravatura laboral” com os nativos de Angola e de Moçambique.
O empresário Venâncio Guimarães verberou em 1923 a administração angolana de Norton de Matos de desequilíbrio orçamental das contas desta colónia que explicou dever-se às despesas reais ultrapassarem sempre bastante as despesas previstas. Por outro lado, criticou a regulamentação do trabalho indígena que criou como Alto Comissário por julgá-la lesiva dos interesses económicos dos colonos, asseverando ser prejudicial retirar os mecanismos de sanção dos indígenas incumpridores da obrigação moral e legal de trabalhar. Convém, aliás, lembrar que, contextualmente, esta medida defensiva dos direitos laborais dos indígenas e o facto de os pretender transformar, paulatinamente, em camponeses livres e proprietários de terras provocou uma grande controvérsia social e um enorme descontentamento dos interesses consagrados dos colonos.
Este crítico veemente da sua gestão colonial temia que esta orientação administrativa potenciasse a independência económica das populações negras que pudesse ser o prenúncio de uma futura independência política angolana liderada pelos nativos. Com efeito, afigurava-se-lhe que esta administração arruinava económica e financeiramente Angola, porque fazia gastos exagerados e não facilitava o enriquecimento agrícola e económico, dado que a obtenção de mão-de-obra nativa estava mais dificultada aos colonos[1].
Por conseguinte, parece que esta política humanista protectora dos direitos laborais dos indígenas perfilhada por Norton de Matos em Angola e por Brito Camacho em Moçambique, de 1921 a 1924, incomodou os interesses burgueses de grupos de colonos[2], o que lhes criou grandes inimizades[3] e suscitou o emergir de movimentos de aspirações independentistas liderados por colonos nos anos 20 que se convenceram que a independência dos territórios possibilitaria uma melhor exploração da mão-de-obra indígena. Esta situação de crispação entre a administração colonial e alguns empresários explica o ódio que muitos colonos nutriam por estes Estadistas. No entanto, as suas políticas visaram, também, apaziguar a acusação internacional da prática da escravatura, nestas colónias, que circulava na imprensa estrangeira.
Deste modo, Norton de Matos sustentou a tese de que os indígenas deviam ser respeitados na sua cultura e nos seus Direitos Humanos[4] de forma a fazer passar a mensagem de que Portugal não escravizava os indígenas. Concebia que era impossível civilizar unilateralmente os indígenas aceitando, assim, a ideia duma aculturação mútua entre indígenas e colonos, embora preconizasse um assimilacionismo técnico, isto é, que os indígenas assilimilassem as técnicas dos colonos de forma a torná-los mais produtivos, bem como a toda a economia colonial[5]. Na sua opinião, civilizar o indígena implicava a criação nas colónias de infra-estruturas de transporte e de comunicação, de recursos técnicos e de instituições comerciais e administrativas que os enquadrassem nas formas organizacionais europeias.
Tinha a convicção de que a instrução excessivamente intelectualizada dos indígenas poderia suscitar preconceitos dos nativos em relação ao trabalho manual, daí que, do seu ponto de vista, fosse imperioso que se investisse nas colónias num ensino, sobretudo, profissionalizante com objectivo de formar operários e agricultores.
Em suma, concebia que a educação dos indígenas devia ser informal, lenta e respeitadora das suas tradições culturais, embora baseada numa instrução profissionalizante destinada à formação de mão-de-obra agrícola e operária. Deste modo, o seu pensamento colonial defendia o assimilacionismo técnico dos indígenas, mas não um assimilacionismo cultural, de forma a garantir-se um segregacionismo de funções sociais entre colonizadores e colonizados. Portanto, Norton de Matos[6], em Angola nos anos 20, procurou salvaguardar a defesa dos direitos dos indígenas e, ao mesmo tempo, proporcionar mecanismos de protecção dos interesses dos colonos.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Venâncio Guimarães, Angola – uma administração ruinosa – Para a história do reinado de Norton, Lisboa, Imprensa Lucas, 1923, 48 p.
[2] José Norton, Norton de Matos – biografia, Lisboa, Editora Bertrand, 2002, pp. 275-305.
[3] Um dos seus mais intransigentes inimigos foi o grande orador e tribuno Francisco Cunha Leal que lhe colocou em 1924 a maliciosa alcunha de “o Calígula de Angola”.
[4] As ideias de Norton de Matos inspiraram bastante o pensamento do Almirante Sarmento Rodrigues como político e administrador colonial como já o referi anteriormente: vide “O seu perfil de ‘maçon’-liberal e as amizades que cultivou”, in Nuno de Sotto Mayor Quaresma Mendes Ferrão, Aspectos da vida e obra do Almirante Sarmento Rodrigues (1899-1979), Mirandela, Edição da Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta, 1999, pp. 39-64.
[5] José Maria Norton de Matos, “A Província de Angola”, in Antologia Colonial Portuguesa, vol. I, Lisboa, Edição da Agência Geral das Colónias,1946.
[6] Daniel de Melo, “José Maria Mendes Ribeiro Norton de Matos”, in Dicionário de História do Estado Novo, vol. II, dir. Fernando Rosas e J.M. Brandão de Vrito, Lisboa, Editora Bertrand, 1996, pp. 553-555.