Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Aquilino Ribeiro, nascido em 1885 no concelho de Sernancelhe, foi um dos maiores escritores portugueses do século XX. Foi um escritor que se revelou plurifacetado nos vários domínios da escrita a que se dedicou (à ficção, ao ensaio, ao memorialismo, à biografia, etc). Como expoentes máximos da sua obra literária contam-se os romances: “O Malhadinhas” (1949), “A Casa Grande de Romarigães”(1957) e “Quando os Lobos Uivam”(1958). Casou em 1929 com Jerónima Dantas Machado, filha de Bernardino Machado.
Quando veio para Lisboa ingressou no jornalismo, aderiu à causa Republicana e ingressou na Maçonaria pela mão de Luz Soriano na Loja Montanha do Grande Oriente Lusitano. Colaborou com os revolucionários da Carbonária, guardando no seu quarto dinamite que acabou, por involuntariamente, causar uma explosão que o levará ao encarceramento. O seu ativismo político e cívico a favor da liberdade dos cidadãos irá colocá-lo na vanguarda da luta contra o regime monárquico, a ditadura militar e o regime do Estado Novo. A sua percepção da liberdade irá fazer-lhe escrever alguns livros de crítica ao “statu quo” político, em particular a seguir à 2ª Guerra Mundial com a obra “Príncipes de Portugal – suas grandezas e misérias” (1952) e “Quando os Lobos Uivam”(1958).
A reacção do regime Salazarista não se faria esperar e os Serviços de Censura desaconselham ao Editor uma reedição do primeiro livro, mencionado, por aviltar a memória heróica de algumas das grandes figuras da História de Portugal, contrariando o registo nacionalista típico da historiografia ligada ao regime. Em 1958, em pleno turbilhão em volta da candidatura do general “sem medo” (Humberto Delgado), a publicação do segundo livro, mencionado, vai levá-lo a ser acusado de difamação das autoridades públicas pelo regime que lhe moveu um processo criminal apontando-lhe o vício de descredibilizar as instituições do Estado Salazarista.
Na verdade, o livro de Aquilino Ribeiro “Príncipes de Portugal” desmistifica a visão nacionalista dos heróis da Pátria e como o nome indica satiriza alguns dos vícios das figuras de proa da História de Portugal. É um livro que recomendo e de fácil leitura. Outro grande romance deste autor é “A Casa Grande de Romarigães” que descreve com uma rica linguagem a história de várias gerações, nessa mansão Minhota, por onde o próprio autor passou como marido da filha de Bernardino Machado. Sobressai nesse seu livro um tom anticlerical e uma visão antinobiliárquica de crítica do Antigo Regime.
Em 1960 Francisco Vieira de Almeida irá propô-lo para o Prémio Nobel da Literatura na Academia Sueca, proposta que foi subscrita por variadíssimos nomes das letras portuguesas ligados à cultura democrática como José Cardoso Pires, David Mourão-Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues, José Gomes Ferreira, Vitorino Nemésio, Mário Soares, Alves Redol, Virgílio Ferreira, etc.
O argumento fulcral que julgo esteve subjacente a esta proposta foi a crítica aberta ao regime Salazarista no afã de uma defesa incondicional das liberdades cívicas abafadas pelas instituições repressivas do Estado Novo e, por outro lado, a sua ímpar originalidade literária patente num estilo muito pessoal que soube cultivar à margem das tendências estéticas vigentes num respeito salutar pelos valores tradicionais da Literatura Portuguesa. O valor supremo da sua escrita reside numa riqueza lexicológica infindável, nos castiços regionalismos da Beira que nos remetem para as suas origens e no tom mordaz que imprime a alguns dos seus diálogos e a algumas das suas notáveis descrições.
O regime do Estado Novo, tal como os regimes autoritários seus contemporâneos, limitou os direitos e as liberdades individuais amesquinhando as virtualidades criativas dos fenómenos culturais. Houve, assim, um empobrecimento das actividades culturais que eram alvo da censura prévia: na imprensa, no teatro, no cinema, na rádio e na televisão. Neste contexto repressivo, o Secretariado de Propaganda Nacional/ Secretariado Nacional de Informação, inicialmente dirigido por António Ferro até 1949, procurou criar padrões culturais adaptados à ideologia Salazarista na designada “Política do Espírito”.
Como exemplo da tentativa de refrear os ímpetos de insinuações simbólicas na Literatura podemos evocar o livro do escritor Aquilino Ribeiro “Príncipes de Portugal suas grandezas e misérias”[1] publicado em 1952 e impedido pela Direcção dos Serviços de Censura de ser reeditado no ano seguinte.
Com a Revolução do 25 de Abril de 1974, que comemoramos este ano o trigésimo sexto aniversário, instaurou-se um regime de liberdade política e cultural que permitiu que as criações culturais se espraiassem pelo país. Apareceram as obras de marcada índole interventiva ( nas canções, na poesia e na “arte mural” ) que ajudaram à desestruturação das mentalidades da sociedade portuguesa. A cultura portuguesa foi, pois, bafejada por uma lufada de ar fresco que lhe permitiu renovar-se.
A revista “Nova Águia”[2], surgida em 2008, sendo inspirada na revista “A Águia” pretende recriar o vigor cultural e espiritual dos criativos agentes intelectuais do início do século XX. No “Manifesto” da “Nova Águia” evidencia-se a crise cultural em que o país vive, pretendendo-se com o concurso de várias sinergias sociais e institucionais incutir um novo vigor cultural a Portugal.
A “Nova Águia” colhe, pois, a inspiração da ínclita geração dos intelectuais portugueses do início do século XX que verteram a sua criatividade, inteligência e sensibilidade na revista “A Águia”, mas deseja responder aos prementes desafios de padronização cultural implicados pelo processo da Globalização. Deste modo, esta revista, semi-revivalista, acredita nas potencialidades do legado do património cultural português que nos define como uma identidade nacional, cujo valor é relevante para enfrentar estes imensos desafios. Daí o paradigma cultural da “Nova Águia” assentar na concepção de um universalismo lusófono, defendido por Jaime Cortesão, que permita a Portugal ajudar a edificar uma alterglobalização[3].
Assim, tal como a “Águia”, se constituiu como órgão de informação da “Renascença Portuguesa”, a “Nova Águia” é o veículo informativo/formativo de comunicação do Movimento Internacional Lusófono que pretende pela acção cívica e cultural dentro do espaço geográfico da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa consolidar um sentimento de pertença e de entreajuda entre os povos irmãos em afinidades afectivas e experiências históricas.
O tema do número cinco da revista “Nova Águia” resulta do entrelaçamento entre a comemoração do nascimento da revista “A Águia” de 1 de Dezembro de 1910, dado que esta foi um projecto que teve frutos espirituais muito importantes[4], e da ponderação dos diversos colaboradores relativamente ao diagnóstico da situação cultural portuguesa dos nossos dias. Se nos diversos textos de qualidade e rigor, que nos são apresentados, aparecem diversas perspectivas, todas nos traduzem um labor de pesquisa, de reflexão e de inspiração em torno da articulação destas duas problemáticas. Em particular, destaco, pelo vigor conceptual, os textos dos Professores Adriano Moreira, Paulo Borges e Pinharanda Gomes.
Como vos disse a cultura portuguesa no quadro da Globalização em curso está cada vez mais estereotipada e manietada pelos constrangimentos desta conjuntura internacional. Na verdade, a cultura surge como um bem crescentemente subalternizado, em detrimento de uma Civilização intelectual e eticamente responsável, pois a educação crescentemente tem sido submersa pela exacerbada valorização dos paradigmas tecnicistas tão ao gosto dos políticos tecnocráticos de serviço. A constatação desta realidade socioeducativa do nosso mundo, que vive numa sociedade da informação, desperta-nos para o paradoxo subsistente no facto de uma grande parte da população, apesar de alfabetizada, permanecer num estado de iliteracia que dificulta a intervenção cívica.
Não espanta que os tecnocratas “esfreguem as mãos” de contentamento ao manietarem as capacidades de intervenção cívica das populações com este tipo de paradigma educativo e com a crescente complexidade da teia legislativa. Edmund Burke[5], teorizador do conservadorismo no século XVIII, ficaria radiante com esta estratégia dos modernos tecnocratas que tem conduzido à prevalência das “democracias musculadas” de que os politólogos nos têm falado.
A cultura segundo a acepção dos sociólogos[6] tem uma dimensão mais lata por abranger valores, princípios, normas e costumes e, por isso, quanto mais claustrofóbica for uma cultura menos possibilidades criativas lhe são oferecidas. Reside, portanto, aqui o verdadeiro dilema das sociedades contemporâneas que se querem excessivamente competitivas e organizadas, que ao reduzirem os tempos de lazer, levam ao fechamento cultural, ao empobrecimento qualitativo da vida dos cidadãos e à pouca estimulação das capacidades criativas em benefício da domesticação tecnocrática das democracias e dos cidadãos.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Aquilino Ribeiro, Príncipes de Portugal suas grandezas e misérias, Lisboa, Portugália Editora, 2008.
[3] Vide para uma percepção actualista o livro no prelo de Renato Epifânio, A via lusófona – um novo horizonte para Portugal, Sintra, Edições Zéfiro, 2010 é fundamental ou, para uma sistémica percepção cultural, o livro de Paulo Borges, Uma visão armilar do mundo, Lisboa, Edição Verbo, 2010.
[4] Nuno Sotto Mayor Ferrão, “Leonardo Coimbra, a revista “A Águia” e o panorama cultural contemporâneo”, in Nova Águia, nº 5, Sintra, Editora Zéfiro, 2010, pp. 34-36.
[5] António de Sousa Lara, “Edmund Burke (1729-1797), in Da História das ideias políticas à teoria das ideologias, Rio de Mouro, Editor Pedro Ferreira, 1995, pp. 192-196.
[6] Antonhy Giddens, Sociologia, Lisboa, Edição Fundação Calouste Gulbenkian, 2009, pp. 46-47.