Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
O quadro de Francisco Goya intitulado 3 de maio de 1808 tem dimensões grandiosas, não patentes em obras de reprodução (2,68m X 3,47m), como é o caso de uma pequena exposição disponibilizada pelo Museu do Prado à embaixada de Espanha. Datado de 1814, tem como técnica a pintura a óleo sobre tela no estilo artístico romântico.
A obra reproduz o acontecimento histórico que foi precedido da revolta da população madrilena contra os invasores franceses, ou seja, as tropas napoleónicas. Neste ambiente de insurreição, Goya pintou um grupo de 400 habitantes de Madrid, que tendo sido encontrado com armas, foi fuzilado na colina Príncipe Pio, na data que confere título à obra.
Salientam-se algumas caraterísticas românticas nesta pintura de Goya, fazendo-nos lembrar da obra de Pablo Picasso intitulada Guernica, que retratou a colossal tragédia da guerra civil espanhola. De facto, esta peça pictórica de Goya influenciou outras pinturas posteriores, em particular de Édouard Manet, pintor impressionista, e de Pablo Picasso, pintor cubista.
Aparecem como traços distintivos desta pintura: o horror sanguinário do grupo de madrilenos já fuzilados, à semelhança dos seres desmembrados no quadro de Picasso; a iluminação com um laternim gigante das figuras, que estavam prestes a ser fuziladas e se encontravam desesperadas, como se observa nas suas fisionomias de terror, escondendo-se alguns atrás de outros e vários atrás das mãos, para não verem a cena terrífica dos mortos estendidos no chão e o grupo anónimo dos carrascos do exército imperial napoleónico com armas apontadas aos insurretos.
Se, por um lado, tematicamente a pintura se enquadra no romantismo de forma inequívoca, com um episódio histórico a ser retratado em todo o seu dramatismo, por outro, do ponto de vista técnico, a obra é ainda herdeira dos contrates claro/escuro das pinturas barrocas, com uma iluminação teatral das figuras, em pânico, prestes a serem fuziladas.
Esta pintura foi criada, em 1814, no momento em que a Espanha já se tinha libertado das tropas francesas invasoras, tendo sido alvo de restauro técnico e encontrando-se atualmente patente no Museu do Prado, em Madrid.
Realçam-se, na pintura, elementos simbólicos bastante relevantes, como sejam o frade tonsurado, que traduz implicitamente o apoio da Igreja Católica, em Espanha, à resistência dos madrilenos e a figura central, com uma camisa branca e os braços levantados em sinal de rendição, que muitos associam a Jesus Cristo crucificado devido à sua posição de braços abertos e aos estigmas nas palmas das mãos.
Em suma, trata-se de uma obra-prima da pintura universal do pintor espanhol Francisco Goya, que retratou, com espírito romântico, a tragédia das tropas imperiais napoleónicas a espalharem os seus ideais liberais na ponta das armas, violentando as populações ocupadas com a brutalidade de um fuzilamento, mas, na verdade, a esconder interesses geopolíticos.
O palácio-convento de Mafra constitui um conjunto arquitetónico de estilo barroco, que reúne o palácio real, a basílica e o convento dos monges franciscanos arrábidos. Foi construído em função de um desejo do monarca D. João V, que prometeu erguer o edifício quando nascesse um herdeiro ao trono. A primeira pedra da construção foi lançada em 1717, embora a sua sagração só tenha ocorrido em 1730. Evocação máxima deste monumento é a obra-prima literária de José Saramago - Prémio Nobel da Literatura em 1998 - intitulada Memorial do Convento.
Esta imponente obra joanina foi rapidamente erguida, e apesar das suas colossais dimensões, devido à vontade régia, à disponibilidade financeira permitida pela abundância do ouro brasileiro e pelo infindável número de trabalhadores envolvidos.
O magnificente conjunto arquitetónico é constituído pela basílica e pelo palácio, que forma uma imponente fachada encenando o poder absoluto régio e que está ladeada por dois torreões, e na parte traseira situa-se o complexo conventual. A basílica centraliza a frontaria do conjunto arquitetónico, assumindo, nas suas caraterísticas de simplicidade, claras reminiscências do estilo barroco romano.
O monumento tem uma evidente imponência que se vê do exterior e se sente no interior, para o que basta dizer que os corredores do edifício, na sua totalidade, têm vários quilómetros e conta com mais de 150 escadarias.
O arquiteto encarregue dos planos de construção foi João Frederico Luduvice, mas trabalharam aqui também outros artistas de grande quilate como o arquiteto Custódio Vieira, os pintores como Trevisani, Wolkmar Machado e Domingos Sequeira e, ainda, o afamado escultor Machado de Castro. No interior do monumento, em particular na igreja, utiliza-se muito o mármore rosa, imprimindo uma dignidade especial ao espaço sagrado.
A Biblioteca é considerada uma das mais belas do mundo e dispõe de um rico acervo bibliográfico do século XVIII. Também faz parte do conjunto monumental a Tapada Real/Nacional com cerca de 800 hectares, que integra uma notável floresta onde pululam mais de 500 animais, demonstrando uma rica biodiversidade. De especial relevo são, igualmente, os 2 carrilhões, os 119 sinos e os 6 orgãos históricos da basílica.
Embora o tricentenário do monumento (1717-2017) se perfaça no dia 17 de novembro deste ano, já está a decorrer um programa comemorativo desde o fim de 2016, mobilizando cidadãos portugueses, lusófonos e europeus. Os trabalhos de beneficiação do conjunto patrimonial, nesta fase comemorativa, encontram-se em fase de conclusão, designadamente os restauros dos carrilhões e a pintura mural da sala do trono, e estando a ser melhorada a acessibilidade física e o processo de comunicação para os turistas.
Em janeiro deste ano, foi entregue o projeto de candidatura do monumento em conjunto com a Tapada de Mafra, para ser classificado pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade. Se o monumento receber esta ansiada classificação, as entidades organizadoras da comemoração do tricentenário pretendem fazer coincidir o anúncio público com o dia 17 de novembro de 2017, data exata dos 300 anos do lançamento da primeira pedra. Assim, pretende-se com esta candidatura fomentar o fluxo turístico e dinamizar economicamente o concelho de Mafra.
Os três elementos mais distintivos do conjunto arquitetónico e do espaço florestal, que agora se candidata a Património Mundial da Humanidade pela UNESCO, são os carrilhões e o conjunto sineiro, que nos oferecem sonoridades excecionais para peças musicais de grande pompa, a sala do capítulo de planta elíptica e a magnífica biblioteca, construída um pouco mais tarde.
Em suma, este monumento merece esta classificação internacional pela grandiosidade e pela monumentalidade do refinado conjunto histórico-artístico, que demorou vários anos a ser edificado, tendo-se tornado uma autêntica escola de arquitetos e de escultores barrocos da época.
Domenico Scarlatti (1685-1757) foi um compositor Barroco italiano que assumiu abordagens melódicas que preanunciam o estilo musical Romântico, numa tentência criativa de charneira. A prova da veracidade desta asserção está na circunstância de muitos músicos famosos terem prestado um culto particular à sua criatividade estilística (Chopin, Brahms, Bartók, Horowitz, etc), que foi marcada por uma gramática folclórica assimilada da sua longa vivência espanhola. A colossal obra de criação musical que o entusiasmou contempla várias óperas e muitas sonatas internacionalmente reconhecidas. Infelizmente, muitas das suas composições musicais perderam-se, no amontoado de pergaminhos históricos, sem terem ficado como legado Patrimonial à posteridade.
Desde cedo revelou a sua vocação musical e aos 16 anos ocupou o lugar de compositor e organista da Capela Real de Nápoles. Alguns anos mais tarde, na cidade de Roma, entrou numa competição de virtuosismo na interpretação de peças para cravo com Georg Handel, com quem ombreou digna e meritoriamente. Este facto contribuiu, certamente, para o seu enorme prestígio e para a sua eventual nomeação como maestro da Capela de S. Pedro nos anos de 1715 a 1719.
No primeiro quartel do século XVIII, D. Scarlatti visitou a cidade de Lisboa, no faustoso e venturoso reinado de D. João V, e acabou por ser contratado pela princesa Maria Bárbara de Bragança, sua filha, como seu professor em 1721. O músico acompanhou a princesa portuguesa na sua deslocação para Madrid, uma vez que esta desposou o herdeiro da Coroa Espanhola e, dessa forma, veio servir a Corte Castelha durante 25 anos.
Foram vários os pianistas famosos que valorizaram o legado musical de Domenico Scarlatti, designadamente devemos realçar Vladimir Horowitz e Ivo Pogorelich. Também o genial escritor José Saramago, Prémio Nobel da Literatura em 1998, o homenageou no seu celebrado romance Memorial do Convento, onde o músico aparece como uma personagem secundária do enredo narrativo.
De 27 a 29 de abril de 2012 decorre no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, o festival dirigido por Miguel Coelho, conhecido por “Dias da Música em Belém” dedicado este ano à voz humana através da História, que conta com cerca de 60 concertos, 100 compositores (J.S.Bach, L.Beethoven, Gilberto Gil, G. Malher, H. Purcell, R. Strauss, Paul Simon, A. Vivaldi, J. Vianna da Motta, etc.) e 1200 músicos.
O programa variado, desenhado por Francisco Sassetti, interpela os ouvintes a interrogarem-se sobre a utilização simbólica do canto ao longo da História da Música, desde a Idade Média à Época Contemporânea. Como apareceu o canto? Independentemente da resposta a esta problemática questão, que historiadores e antropólogos têm procurado encontrar, o certo é que a voz humana se transformou num instrumento musical que se alçou em alguns géneros musicais no cerne estético de certas composições sonoras.
Na verdade, a voz humana além de facultar uma sonoridade única possibilita a transmissão de letras que articula o género musical com a própria literatura, lembremos as cantigas de amigo da Idade Média, a ópera ou a letra do fado. Se o canto surgiu primeiramente ligado ao culto divino, que teve no canto gregoriano uma expressão feliz, tornou-se desde a época Romântica num instrumento fundamental para a transmissão de sentimentos.
A programação dos “Dias da Música” está estruturada no sentido de fornecer uma perspectiva do canto através dos tempos. Aqui irei evocar algumas das vozes imortais que marcaram a História da Música Ocidental, ao passo que no festival, por razões óbvias, se destacam as composições em que a voz se torna o grande protagonista instrumental. Vários itinerários são propostos para agradar aos diferentes gostos e a públicos diversos, mas é dado um destaque especial à música Barroca pelo pouco destaque que este género tem recebido nas últimas edições. Assim, apresento-vos aqui excertos selecionados de música gregoriana e das vozes inconfundíveis de Louis Armstrong, de Luciano Pavarotti, de Amália Rodrigues e de Cecília Bartoli.
“Os Dias da Música” do CCB são já um evento com alguma tradição que começou com a Festa da Música com um reportório e um elenco bastante maior de músicos, mas a crise financeira dos Estados Ocidentais que se agravou no fim da primeira década do século XXI e no início da segunda década obrigou a cortes orçamentais significativos. Não deixa de ser, no entanto, um evento que procura fazer chegar a música erudita a novos públicos, aliás já frisei, em texto anterior, este objectivo didáctico. Dos vários patrocínios deste festival de música destaco a RDP (Radiodifusão Portuguesa) Antena 2 que transmite muitos dos principais concertos em direto como foi o caso do Concerto de Abertura, a ópera Barroca, “Dido e Eneias” de H. Purcell.
Gustav Leonhardt de origem holandesa aprendeu na Escola Vienense a via tradicionalista que veio a marcar a sua carreira musical como professor, intérprete e maestro. Esta sua caminhada identitária manifestou-se na defesa e na aplicação da tese de que as músicas datadas devem ser interpretadas com instrumentos das respectivas épocas, daí a sua grande valorização do cravo como instrumento caído em desuso. Foi esta sua faceta que o fez expurgar as interpretações modernistas das sonoridades dos compositores de música Barroca, como sejam: Bach, Couperin, Scarlatti, Frescobaldi ou Handael.
A sua carreira de “estrangeirado” com uma estadia na Suíça e depois na Áustria permitiu-lhe regressar ao seu país com uma aprendizagem credenciada, sendo convidado para professor do Conservatório de Amesterdão. Recebeu ao longo da sua longa carreira inúmeros Doutoramentos Honoris Causa pelo seu trabalho de revitalização da música antiga.
A par desta tendência tornou-se um reputado e virtuoso intérprete de Johann Sebastian Bach. Adquiriu grande fama e tornou-se um cravista de projeção internacional fazendo périplos musicais por toda a Europa e pelos Estados Unidos da América. Liderou desde os anos 50 uma orquestra de câmara Barroca e patenteou uma paixão sem par pela obra de J.S.Bach, tendo participado num filme em 1967 de homenagem a este magistral compositor, representando-o. Fez, também, alguns estudos bibliográficos sobre a sua obra. Esteve envolvido nos anos 70 num projeto para gravar toda a música sacra deste compositor.
Vale a pena ouvir estas sublimes interpretações do Mestre Gustav Leonhardt recentemente falecido, em particular a magnífica obra de JS Bach "Goldeberg Variations". É uma singela homenagem a um amigo de Portugal que muito enobreceu a música antiga, com presenças frequentes na Casa de Mateus, em Vila Real, e na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
Johann Sebastian Bach nasceu no meio de uma família recheada de “pergaminhos” musicais, na Alemanha no fim do século XVII, tendo-se revelado como um plurifacetado intérprete de vários instrumentos (órgão, cravo, violino, etc.) e como maestro, professor e compositor. Aprendeu muito com os seus familiares, com o seu espírito autodidacta e como construtor e reparador de órgãos. Na sua longa carreira assumiu-se como um reconhecido cantor da Igreja de São Tomás e como Director Musical da cidade de Leipzig.
J. S. Bach foi um cultor de vários géneros musicais destinados a espaços profanos (Cortes) e sagrados (Igrejas). A sua profunda Espiritualidade sobressaiu na execução, ou na criação, de sublimes peças religiosas que deverão ter dado especial vitalidade às comunidades eclesiais em que se inseriu. Nos excertos musicais que vos apresento, a seguir, poderão aferir este cariz que marcou as suas obras mais emblemáticas.
O seu talento de intérprete, a tocar órgão ou cravo, foi reconhecido na sua época por toda a Europa, no entanto como compositor só a posteridade o reconheceu na sua genialidade Espiritual, em particular os compositores da primeira metade do século XIX. Aliás, o seu imenso poder criativo levou o estilo musical Barroco ao seu máximo expoente. Em suma, legou-nos um inestimável Património Imaterial que é bem sugestivo, neste contexto Pascal, pois deixou-nos obras hoje muito famosas, junto dos melómanos, como sejam: os Concertos de Brandeburgo, a Tocata e Fuga em Ré Menor, várias Cantatas, as “Goldberg Variations” e a Paixão segundo São Mateus.