Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Em 7 de setembro de 2022 irá ser comemorado o bicentenário da independência do Brasil. Evocaremos, neste pequeno texto, as circunstâncias históricas que desembocaram no nascimento da nação brasileira, sem deixar de perceber que os laços sócioeconómicos e culturais entre Portugal e o Brasil não se quebraram ao longo destes 200 anos de separação política entre Portugal e o Brasil e que estes países se encontram unidos na esperança de que a comunidade lusófona, no plano dos afectos e das instituições como a CPLP[1], se possa consolidar cada vez mais, com base neste frutuoso exemplo.
No primeiro quartel do século XIX, havia um contexto externo favorável ao ambiente separatista com os movimentos emancipalistas da América Espanhola. Relativamente ao Brasil, existiram dois fatores que estiveram por detrás da independência brasileira. Verificou-se um antecedente, efémero, com uma curta instalação de uma República independentista em Pernambuco, em março de 1817. Contudo, o fator, profundo, que despoletou a revolta brasileira foram as desmesuradas exigências das Cortes de Lisboa de subordinação política à metrópole, que fizeram levantar um coro de apelos à independência brasileira no decorrer dos primeiros meses de 1822[2].
Designadamente, as Cortes portuguesas, a 15 de fevereiro de 1822, determinaram que as relações comerciais entre o Brasil e Portugal regressassem ao regime do exclusivo colonial devido ao peso económico do Brasil nas contas públicas lusas. A revolta separatista do Brasil resultou do forte descontentamento com as decisões das Cortes de Lisboa, que motivaram uma forte reação adversativa na imprensa local, nas associações e nas reuniões de colonos liberais nas cidades do Rio de Janeiro e de São Salvador da Baía.
A posição arrogante das Cortes de Lisboa de obrigar o domínio brasileiro a recuar ao estatuto de colónia, ao princípio de subordinação política, e o facto dos governantes metropolitanos, nomeadamente de Manuel Fernandes Tomás, se terem convencido de que o Brasil não conseguiria sobreviver sem Portugal foram os rastilhos da revolta política das elites de Vera Cruz. De facto, as Cortes de Lisboa pretenderam submeter o território brasileiro, para que este domínio não fosse predominante no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (estatuto adquirido em 1815, com a presença do rei D. João VI no Brasil).
A resistência brasileira às ordens das autoridades metropolitanas foi protagonizada pelo príncipe real D. Pedro, que ficou no Rio de Janeiro como regente português. A 7 de setembro de 1822, perfazem-se agora 200 anos (1822-2022), em São Paulo, o príncipe D. Pedro à beira do rio Ipiranga tomou o partido da independência brasileira e foi aclamado imperador. As Cortes de Lisboa mandaram as tropas portuguesas sediadas no território reagir militarmente, mas era demasiado tarde face ao desequílibrio de forças sociais e militares em presença, não obstante o apoio das províncias do Norte à continuação da vinculação política a Portugal.
A 7 de setembro de 1922 o Diário de Lisboa[3] (número 437, pág. 1) evocava o centenário da independência do Brasil, afirmando que este país-irmão, na Língua Portuguesa e no legado cultural, era uma potência económica em gradual ascensão à escala global, sendo as suas potencialidades agrícolas, industriais e comerciais incalculáveis e motivo de fortes fluxos migratórios, provenientes de Portugal. Sublinha que, ao contrário dos outros países da América Latina, no Brasil ao lado da procura da prosperidade material não se abandonou a preocupação com o progresso espiritual.
No dia seguinte[4], o mesmo jornal polemiza a data da independência do Brasil. Afirma que o monarca D. João VI terá dito, no dia da partida do Brasil para a metrópole, a seu filho D. Pedro, príncipe regente, que o território estaria perdido para Portugal, mas que em face dos ventos da mudança colocasse ele a coroa ao invés de algum “aventureiro”. Os colonos do Brasil convenceram-se da necessidade de independência política, mas divergiram no regime político a adoptar: liberal, monárquico absoluto ou republicano. Sublinhe-se que D. Pedro, junto ao “ribeirão Ypiranga”, terá recebido correspondência do governo de Lisboa com ordens expressas de obediência e que terá reagido com veemente irritação, proclamando: “Pois bem! Independência ou Morte!”[5].
Assinala-se que D. Pedro terá alinhado na propaganda da revolta do Brasil contra Portugal, mas que até dia 17 de setembro os atos governativos da regência terão sido praticados em nome do rei de Portugal e que, nessa medida, não estaria consumada ainda a independência do Brasil “de jure”. Salienta este artigo jornalístico: “(...) Até essa data, 17, os atos governativos da regência do Brasil foram praticados em nome do rei de Portugal. (...)”[6]. Terá sido a 17 de setembro que D. Pedro publicou os decretos de emancipação política do Brasil como Estado: com a amnistia para os presos políticos; com o convite aos portugueses para aderirem à nacionalidade brasileira ou de saírem do país num curto prazo de 4 meses; com a criação do escudo de armas e da bandeira nacional. Foi também, nessa data, que D. Pedro foi aclamado pela população do Rio de Janeiro como imperador.
Portugal junta-se ao Brasil nas comemorações do bicentenário desta efeméride e numa amabilidade diplomática, do Presidente da Câmara Municipal do Porto, o coração de D. Pedro IV de Portugal/ D. Pedro I do Brasil será trasladado, a título de empréstimo, para o Brasil, na qualidade de figura fundadora da nação brasileira, dado que até aos nossos dias este órgão fisiológico tem sido guardado e preservado na Igreja da Lapa no Porto, com o autarca portuense como guardião supremo das 5 chaves que protegem o acesso ao simbólico coração de D. Pedro.
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[1] O Movimento Internacional Lusófono e a revista Nova Águia associam-se a esta efeméride, conscientes de que só mediante o estreitamento dos laços afectivos, culturais, sociais, políticos, diplomáticos e económicos entre os diferentes espaços da comunidade lusófona será possível concretizar os nobres objetivos da CPLP.
[2] Nuno Gonçalo Monteiro, “Ruptura Constitucional e Guerra Civil (1820-1834)”, in História de Portugal, Coord. Rui Ramos, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2010, pp. 470-472.
[3] 1922), "Diário de Lisboa", nº 437, Ano 2, Quinta, 7 de Setembro de 1922, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_32306 (2022-7-19).
[4] (1922), "Diário de Lisboa", nº 438, Ano 2, Sexta, 8 de Setembro de 1922, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_32310 (2022-7-19).
[5] “(...) No fixar do “7 de setembro” (...) a preferência desta data, marcando a independência política do Brasil cujo centenário justificado e brilhantemente se celebra nesta ocasião, é que se nos afigura demasiadamente arbitrário do ponto de vista histórico, porquanto não assinala acto algum da independência. Aquela data corresponde apenas a uma decisão individual, exteriorizada dessa vez, de modo incisivo, com uma maior vivacidade que a exaltação do momento explica.” in “O ‘7 de setembro’ é data convencional“, Diário de Lisboa, nº 437, Ano 2, quinta-feira, 7 de Setembro de 1922, p. 2.
[6] “A independência da República Brasileira – O ‘7 de setembro’ é data convencional“, Diário de Lisboa, nº 437, Ano 2, quinta-feira, 7 de Setembro de 1922, p. 2.
Matilde Rosa Lopes de Araújo nasceu, em Lisboa, a 20 de junho de 1921, ao tempo da 1ª República numa quinta dos avós, em Benfica e, por isso, neste ano de 2021, celebramos o primeiro Centenário do seu nascimento. Estudou no tempo da Ditadura Militar e do Estado Novo, tendo beneficiado de preceptores em casa. Teve uma formação musical, frequentando o Curso Superior do Conservatório em Lisboa, daí, talvez, a sua propensão para a criação poética como musicalidade. Matilde tinha dois irmãos e nunca se casou, nem teve filhos.
Em 1946, terminou o seu curso na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, tendo-se licenciado em Filologia Românica com uma tese sobre o jornalismo[1]. Como estudante, foi aluna de Jacinto de Prado Coelho e de Vitorino Nemésio e colega e grande amiga de Sebastião Salgado, poeta de renome, tendo com ele trocado, com muita frequência, correspondência desde 1944. Travou, também, amizade com outros estudantes da Faculdade de Letras de Lisboa como David-Mourão Ferreira, Helena Cidade Moura, Maria de Jesus Barroso e Urbano Tavares Rodrigues[2].
Começou a sua atividade literária aos 22 anos com o livro de ficção A Garrana, cujo enredo versava sobre o tema da eutanásia. Enquanto estudante universitária publicou este livro, assim como alguns artigos com que colaborou na revista Mundo Literário.
Foi professora da disciplina de Português e de Literatura Portuguesa na Escola Industrial Fonseca Benevides, em Lisboa e, também, em escolas no Barreiro, no Porto, em Portalegre, em Elvas, além de ter sido formadora de professores na Escola do Magistério Primário de Lisboa.
Em 1965, a autora, como membro da Direção da Sociedade Portuguesa de Escritores, viu as instalações deste grémio literário serem invadidas por agentes da PIDE, que demitiu a direção em bloco, porquanto esta tinha premiado o trabalho literário do angolano José Luandino Vieira, em pleno contexto da guerra colonial, que se encontrava preso no campo de concentração do Tarrafal.
No âmbito da sua intervenção cívica, dedicou-se à defesa dos Direitos das Crianças através de alguns dos seus livros e mediante a intervenção em organismos como a UNICEF-Portugal e o Instituto de Apoio à Criança. Esta preocupação cívica e literária, na sua poesia, com as crianças que sofrem aproximam-na das correntes neorrealistas. Nos seus poemas aparecem muitas vezes abordagens centradas na intimidade do eu, mas com uma preocupação com as fragilidades e dificuldades do Outro, em especial, pelos que são vítimas de marginalização social[3].
Afirmou-se como escritora de dezenas de livros de contos e de poesias, tanto para adultos como para crianças, entre 1943 e 2008, com publicações nacionais e estrangeiras. Os seus livros trataram os temas da infância dourada, da infância agredida e da infância projeto. Reflectiu sobre a importância da literatura infanto-juvenil e a educação do sentimento poético na criança. O seu primeiro livro infantil intitulado O Livro da Tila, de 1957, foi alvo de transposição musical, através das composições de Fernando Lopes-Graça, tornando-se uma das suas obras-primas.
Recorre, nos seus livros infantis, a uma sensibilidade especial, relativamente ao mundo das crianças que esteve patente nas inúmeras referências ao brinquedo, ao jogo simbólico, às histórias tradicionais, às canções infantis, às lengalengas, às rimas popularizadas entre as crianças e ao encantador mundo de animais humanizados, fundamentais na literatura infantil desde As Fábulas de Jean de la Fontaine, datadas do século XVII, que terá certamente influenciado a autora, como o reconhece José António Gomes.
Subjacente à sua poesia infanto-juvenil encontra-se a noção de que as crianças garantem, pela sua simplicidade e autenticidade, uma alavanca para um futuro ridente, votado ao progresso social de uma sociedade mais livre, igualitária e respeitadora das diferenças. No entanto, a estética poética, presente na sua obra, está marcada por um cunho tradicionalista e classicizante, que carrega a leveza de um lirismo encantatório[4]. A sua poesia transporta uma sensibilidade atenta ao cosmos, em perfeita comunhão com a natureza, com os seres vivos numa dialética franciscana com Deus.
O seu labor intenso na escrita e o seu prestígio foram reconhecidos, em 1980, com o Grande Prémio de Literatura para Crianças da Fundação Calouste Gulbenkian; em 1991, no Brasil, com o prémio para o melhor livro estrangeiro atribuído ao livro O Palhaço Verde pela Associação Paulista de Críticos de Arte e, em 2003, com o grau honorífico de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique atribuído pelo Presidente da República, Jorge Sampaio. Por fim, em 2004, recebeu o Prémio Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores.
Foi, também, uma colaboradora de jornais nacionais, regionais e de revistas, de que realço os seguintes periódicos A Capital, República, Diário de Lisboa, Diário de Notícias, Comércio do Funchal, Jornal do Fundão, Seara Nova e Colóquio/Letras, entre outros.
Das dezenas de obras publicadas, ao longo de uma longa carreira de 65 anos, de 1943 a 2008, destaco as mais conhecidas: O livro de Tila, de 1957; O Palhoço Verde, de 1960; O Sol e os meninos dos pés frios, de 1972; Fadas Verdes, de 1994; O Chão e a Estrela, de 1997. Nas suas obras perpassam realidades e sentimentos como a alegria, o amor, a amizade, a infância, a velhice, a paz, o perdão e a morte.
A 6 de julho de 2010, Matilde Rosa Araújo faleceu com 89 anos em Lisboa. O seu corpo esteve em câmara ardente na Sociedade Portuguesa de Autores, tendo seguido para o talhão dos artistas no Cemitério dos Prazeres.
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[1] Matilde Rosa Araújo, A reportagem como género: génese do jornalismo através da constante histórico-literária (tese de licenciatura em Filologia Românica), Lisboa, Ed. M. Araújo,1946.
[4] Fernando J. B. Martinho, «A Poesia Portuguesa dos Anos 50», in AA.VV., A Phala – Edição Especial – Um Século de Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 1988, p. 118-25.
Num mundo crescentemente marcado por conflitos e violências, neste momento de vivência e de convívio com a pandemia do COVID-19, muito temos a aprender com a experiência de aculturação e de interculturalidade com os portugueses dos séculos XV a XVII.
Neste mundo de aversão ou de desconfiança perante os estrangeiros que circulam neste mundo globalizado dos nossos dias, com as escolas a acolherem e a incluírem alunos estrangeiros de múltiplas nacionalidades é importante saber dialogar com outras culturas e tradições, pois apenas dessa forma se conseguirá a integração plena nas sociedades europeias de invíduos da Europa de Leste, do Oriente e, sobretudo, da América Latina.
O caso de violento racismo exercido sobre George Floyd nos EUA, no fim do mês de maio de 2020, que originou muitas revoltas e inúmeros tumultos urbanos nas cidades norte americanas, veio evidenciar a falta de diálogo intercultural em muitas das sociedades contemporâneas.
A morte de G. Floyd às mãos preconceituosas de 4 polícias mostra o racismo e a prepotência de algumas autoridades das forças de segurança internas deste país, que tem atravessado a história contemporânea dos EUA, apesar da luta sem tréguas de Martin Luther King. Pelo que, muitos países, terão bastante a aprender com as lições históricas dos portugueses no contacto mutuamente enriquecedor com outros povos durante a expansão dos europeus dos séculos XV a XVII. Dado que os portugueses conseguiram um diálogo muito enriquecedor com outros povos, como veremos, de seguida, em duas peças artísticas do Museu Nacional de Arte Antiga, demonstrativas do contacto dos portugueses com as populações naturais do Japão e do Brasil.
OS BIOMBOS NAMBAN
Através da observação atenta dos Biombos Namban (Figura A), verificamos as trocas interculturais entre os portugueses e os povos do mundo com que contactámos, entre os séculos XVI e XVII. A impressão que esta peça nos causa é um gosto requintado de uma peça de mobiliário, muito rica, com muita tendência para a representação figurativa dos pormenores. Esta peça de mobiliário foi produzida no Japão entre 1593 e 1601 por um autor chamado Kano Domi e representa a forma como os japoneses viam os portugueses que tinham chegado ao Japão para estabelecer relações comerciais e evangelizar a população através dos missionários jesuítas.
O suporte, que sustenta a pintura, é constituído por uma leve estrutura de madeira recoberta de várias camadas de papel de amoreira, sendo revestidas a folhas de ouro e pintadas com a técnica da têmpera. Os biombos formam um par. Cada deles tem 1 metro e quase 73 centímetros de altura, 2 centímetros de espessura e quase 3 metros e 31 centímetros de comprimento.
Na excelente apresentação descritiva do programa televisivo da “Visita Guiada”, que teremos oportunidade de visualizar no vídeo em baixo, em relação aos Biombos, referidos, vemos representados alguns elementos: o arcabuz transmitido pelos portugueses aos japoneses; os elefantes desconhecidos pelos japoneses; os óculos dos portugueses que causaram intensa estranheza aos nipónicos; as cadeiras chinesas utilizadas pelos portugueses em terras nipónicas; as igrejas cristãs de estilo japonês, fruto da evangelização dos missionários jesuítas; a admiração dos japoneses pela habilidade “trapezista” dos marinheiros lusos; os animais “exóticos” como os cães perdigueiros que os nipónicos desconheciam, etc.
Por outras palavras, fruto da globalização, encetada pela expansão marítima portuguesa, assistimos ao diálogo de culturas com: o capitão-mor português a transportar à cintura duas espadas de samurai, o transporte no cortejo de mercadorias pelos portugueses de objetos com influências formais de múltiplas regiões do mundo ou, ainda, o esforço de adaptação dos jesuítas portugueses aos costumes japoneses, conseguindo a conversão de muitos habitantes locais, como surge representado numa figura de um nipónico vestido de jesuíta.
A PINTURA “O INFERNO”
Esta pintura portuguesa do início do século XVI representa o tema do inferno. Deve ter sido pintada entre 1505 e 1530. É uma pintura a óleo, típica da arte Renascentista, que tem um suporte retangular de madeira de carvalho, com 1 metro e 19 centímetros de altura e 2 metros e quase 18 centímetros de largura.
Representa um lugar subterrâneo com uma abertura no canto superior direito, de onde caem as almas das pessoas condenadas ao inferno. Muito original é a representação do chefe dos demónios, que aparece sentado numa cadeira como um índio brasileiro, com penas na cabeça e uma trompa na mão, quando o território brasileiro tinha sido “achado” uns anos antes pela armada de Pedro Álvares Cabral. Alguns dos condenados surgem como indivíduos sofredores dentro de um caldeirão com água a ferver. Os condenados estão associados a diversos pecados. Os historiadores não têm a certeza da sua autoria, por falta de documentos históricos conclusivos.
A pintura terá sido exposta num antigo convento, onde lembraria aos seus moradores o risco de terem comportamentos moralmente condenáveis. Trata-se de uma imagem satírica da crença católica no inferno, que alguns autores comparam ao poder expressivo da obra literária de Gil Vicente intitulada Auto da Barca do Inferno.
Paradoxalmente, o mestre de cerimónias, vestido de índio, é o único completamente vestido, em claro contraste com os restantes demónios e os indivíduos condenados que se encontram nus ou seminus. O aspeto risível da pintura sobressai das figuras estranhamente cómicas dos demónios, que se encarregam dos condenados. Confrontemos este imaginário do pintor com a descrição de Pero Vaz de Caminha quando avista índios no Brasil: “(...) Avistámos homens que andavam pela praia (...) nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. (...)”.(in Arquivo Nacional da Torre do Tombo)
Questionário de análise das obras de arte:
Identifica o tipo de arte (pintura, escultura, mobiliário, etc) de cada uma das figuras - A e B.
Regista dois aspetos de cada uma das peças artísticas observadas (figuras A e B).
Expressa as emoções que sentes na observação de cada uma das obras de arte (figuras A e B).
Menciona o tema representado nas obras de arte das figuras - A e B.
Refere a data e o local de produção das obras de arte das figuras - A e B.
Indica as dimensões (altura, largura e comprimento) das obras de arte das figuras - A e B.
Enuncia os suportes em que foram produzidas as obras de arte das figuras - A e B.
Descreve os elementos representados nas obras de arte das figuras - A e B.
Enuncia o(s) período(s) histórico(s) em que se produziram as obras de arte das figuras - A e B.
Indica as caraterísticas mais importantes das obras de arte apresentadas nas figuras - A e B.
Comenta a seguinte frase: “A aversão aos estrangeiros que se verifica nos nossos dias é contrária à defesa dos Direitos Humanos e ao diálogo intercultural”.
Num mundo crescentemente marcado por conflitos e violências, neste momento de vivência e de convívio com a pandemia do COVID-19, muito temos a aprender com a experiência de aculturação e de interculturalidade com os portugueses dos séculos XV a XVIII. Não será por acaso que a ONU, nesta presente conjuntura do início do século XXI, está a ser liderada por António Guterres, um profundo conhecedor da estratégia do diálogo intercultural.
Na aprendizagem intercultural do pintor Nuno Gonçalves, nos Painéis de São Vicente, são manifestos os seus conhecimentos empíricos das novidades e das técnicas das pinturas flamengas e italianas Quinhentistas. Apesar do grande desconhecimento sobre esta obra emblemática do MNAA, recentemente a iniciar o seu o restauro, devido a ausência de documentação histórica que nos forneça provas para muitas das questões e das teorias que rodeiam esta obra-prima da pintura portuguesa do Renascimento, muito temos a aprender.
Através da observação atenta desta pintura emblemática, verificamos a vivacidade das cores, a utilização da técnica a óleo e o rigor no realismo empregue na representação das vestes e da construção de figuras em vários planos, dando-nos a noção de um espaço tridimensional e de um forte realismo nos drapejamentos. Constatamos, assim, a aprendizagem do pintor com os autores flamengos e italianos. Terá estado na Flandres? Terá conhecido Van Eyck em Portugal?
O objetivo do pintor Nuno Gonçalves foi o de representar a nação portuguesa nos seus vários estratos sociais em volta de um Santo. É, ainda hoje, um símbolo da identidade nacional portuguesa do tempo da gesta dos Descobrimentos Marítimos. Será que a expressividade tensa das fisionomias das figuras desta obra significará a unidade nacional perante o desafio das descobertas marítimas em curso em meados do século XV ?
Verificamos as trocas interculturais entre os portugueses e os povos do mundo com que contactámos, entre os séculos XVI e XVIII, através dos Biombos Namban e mediante a apresentação de diversas outras peças artísticas do Museu Nacional de Arte Antiga.
Na apresentação descritiva da Visita Guiada em relação aos Biombos, que apresentamos no "link" em cima, vemos representados: o arcabuz transmitido pelos portugueses aos japoneses; os elefantes desconhecidos pelos japoneses; os óculos dos portugueses que causaram intensa estranheza aos nipónicos; as cadeiras chinesas utilizadas pelos portugueses em terras nipónicas; as igrejas cristãs de estilo japonês, fruto da evangelização dos missionários jesuítas; a admiração dos japoneses pela habilidade “trapezista” dos marinheiros lusos; os animais “exóticos” como os cães perdigueiros que os nipónicos desconheciam, etc.
Por outras palavras, fruto da globalização, encetada pela expansão marítima portuguesa, assistimos ao diálogo de culturas com o capitão-mor português a transportar à cintura duas espadas de samurai, o transporte no cortejo de mercadorias pelos portugueses de objetos com influências formais de múltiplas regiões do mundo ou, ainda, o esforço de adaptação dos jesuítas portugueses aos costumes japoneses, conseguindo a conversão de muitos habitantes locais, como surge representado numa figura de um nipónico vestido de jesuíta.
Igualmente no Museu Nacional de Arte Antiga encontramos múltiplos exemplos artísticos de interculturalidade formal, como deu a conhecer a historiadora Maria de Lourdes Riobom. Desde o Saleiro do Benim em que surgem os portugueses vistos pelos africanos, o contador mogol onde surgem representados portugueses e asiáticos; o cofre oriental, inspirado nos baús portugueses de viagem e reproduzindo uma estampa de A. Dürer que representa figuras da Sagrada Família, compaginando anjos vestidos de acordo com os costumes nativos e pastores trajados à portuguesa ou a pintura do Inferno, de autor português Quinhentista, anónimo que apresenta o Diabo como um Índio.
Em suma, verificamos que a aculturação, a interculturalidade e a aprendizagem com o “outro”, entre os portugueses e os povos contactados, nos permitiram no início do contexto da globalização oferecer “novos mundos ao mundo”, desde o século XVI, através do diálogo intercultural que permeia múltiplas peças do rico espólio artístico do Museu Nacional de Arte Antiga.
A pandemia do surto do COVID-19 está a provocar medo em todo o mundo, tendo despolutado um número colossal de infetados e de milhares de mortos.
Em outras épocas da História, verificaram-se pandemias com consequências demográficas igualmente bastante nefastas, como é o caso da varíola que perturbou a vida da humanidade por milhares de anos, afetando personalidades das elites, desde o faraó Ramsés II ao rei D. Luís XV de França. Este vírus era transmitido de pessoa a pessoa através das vias respiratórias, tendo sido erradicada do mundo, no fim do século XX, em resultado de uma vacinação massiva.
A peste bubónica disseminou-se entre os seres humanos no contacto com pulgas e roedores, sendo considerada a doença que propagou a Peste Negra e devastou populações da Europa, da Ásia e da África no século XIV e que provocou a morte a cerca de 50 milhões de pessoas.
Este surto pandémico reduziu, substancialmente, a população mundial e europeia. O desespero pairava nas pessoas da época, levando muitas a rezarem pelo fim do surto. Alguns historiadores afirmam que este fator de crise ajudou ao desenvolvimento económico da Europa e potenciou a expansão imperialista europeia. As atividades agrícolas foram muito afetadas, uma vez que os proprietários tinham grande dificuldade em contratar mão-de-obra.
No século XVI, os espanhóis, na conquista militar dos territórios da América Central e do Sul, disseminaram doenças mortais entre as populações ameríndias, tendo levado a uma forte quebra demográfica destas populações.
Milhões de pessoas nativas morreram no decurso desta conquista do império espanhol, havendo uma perda de cerca de 60 milhões de indivíduos, sendo muitas das mortes causadas por estas doenças. Entre estas doenças mortais contam-se a varíola, o sarampo, a gripe, a peste bubónica, a malária, a difteria, o tifo e a cólera. Esta catastrófe humanitária gerou o definhamento das Civilizações Ameríndias (dos Incas, dos Maias e dos Astecas).
No século XVII, houve, na China, um surto epidémico levando à queda da dinastia Ming, que perdurava no poder desde três séculos antes com uma forte hegemonia sobre a região do leste asiático. Esta epidemia chegou ao norte da China, em 1641, provocando uma forte mortalidade.
Convém recordar que uma grande parte da muralha da China foi edificada durante a dinastia Ming. Esta mortandade terá sido originada por uma confluência da peste bubónica e da malária, trazida por povos invasores do norte, os quais derrubaram esta dinastia. Estes invasores submeteram a Manchúria e instauraram a dinastia Qing, que depôs a dinastia Ming, estabelecendo assim um novo império.
No início do século XIX, a febre amarela assolou alguns domínios coloniais. Esta febre, em conjunto com rebeliões de escravos, originou o fim do poder colonial francês, no Haiti. Assim, em 1801, o líder nativo Toussaint Louvert passou a governar o Haiti e, após várias vissicitudes, o país tornou-se independente.
Napoleão Bonaparte, descontente com o rumo dos acontecimentos na ilha, enviou milhares de soldados para submeterem a rebelião dos haitianos. Do ponto de vista militar, aparentemente, tiveram sucesso. No entanto, o efeito da febre amarela levou cerca de 50 mil soldados, oficiais, médicos e marinheiros a falecerem e somente 3 mil homens regressaram a França cabisbaixos. As forças francesas revelaram não ter imunidade à febre amarela, o que determinou o êxito da independência haitiana. Com este malogro, Napoleão Bonaparte abandonou as ambições coloniais francesas na América do Norte, tendo vendido, pouco tempo depois, o território da Louisiana ao governo dos Estados Unidos da América.
Em 1817, houve uma epidemia global de cólera, que matou muitos milhares de pessoas. A bactéria propiciadora do surto sofreu diversas mutações e causou novas vagas epidémicas em várias épocas posteriores. A sua transmissão sucede com base no consumo de água ou de alimentos contaminados, sendo frequente em territórios pouco desenvolvidos. Recentemente, o Haiti, em 2010, foi fortemente atingido pela cólera.
Originária da Ásia, designadamente da Índia e do Bangladesh, a cólera disseminou-se por outros continentes no quarto quinquénio do século XIX, tendo-se dispersado por outros continentes. Já existe uma vacina contra a cólera e que, embora não seja totalmente eficaz nesta doença, tem sido tratada à base de antibióticos.
No final do século XIX, verificou-se a peste bovina africana, concomitantemente à expansão colonial europeia, que tem sido designada pelos historiadores como “corrida a África”. Esta peste infetou grande parte do gado em África, originando uma enorme mortandade entre o gado bovino, sem ter afetado diretamente as comunidades humanas.
Este fenómeno aconteceu no contexto da intensificação da colonização europeia em África, que levou as potências europeias a explorarem o interior do continente e as suas riquezas. Entre 1888 e 1897, o vírus da peste bovina matou uma grande parte do gado africano, o que desencadeou uma devastação nas populações nativas africanas no sudeste, no sudoeste e no ocidente do continente, ao originar a fome e a migração de muitos refugiados das regiões dizimadas. Pouco tempo antes, tinha-se realizado entre 14 potências europeias a Conferência de Berlim, em 1884-1885, para estabelecer os critérios de ocupação e da divisão do continente africano entre as nações europeias, sem ter em conta as populações autóctones.
Além das regiões da pastorícia, também as áreas agrícolas foram afectadas, dado que no trabalho dos campos se utilizavam os bois para arar a terra. Este ambiente de crise nas atividades económicas das populações africanas acabou por facilitar a colonização europeia de grandes regiões deste continente, no fim do século XIX.
De facto, na década de 1870, apenas uma parte ínfima do continente africano estava sob o controlo europeu, limitada às zonas litorais mas, em finais de Oitocentos, a maior parte das regiões africanas eram dominadas pelas nações europeias. A debandada das populações africanas, gerada pelo surto de peste bovina, estimulou a apropriação de terras por parte dos colonos europeus.
A gripe pneumónica, também conhecida como gripe espanhola, foi a maior pandemia da história da humanidade, tendo provocado a morte de 50 a 100 milhões de pessoas, nos anos de 1918-1919, por todo o mundo. A sua mortalidade foi superior à verificada no período da Peste Negra, no século XIV.
A pneumómica também ficou conhecida como gripe espanhola, visto que, no decorrer da Primeira Guerra Mundial, em período de censura de guerra na imprensa europeia, os periódicos espanhóis noticiavam evidências do surto epidémico. Muitos países foram afetados, como foi ocaso do Brasil onde o próprio presidente da República, Rodrigues Alves, morreu da doença, em 1919.
Em Portugal, a gripe pneumónica chegou durante o mês de maio de 1918 e encontra-se muito bem descrita no romance histórico de Francisco Moita Flores – Mataram o Sidónio!. Neste país, algumas regiões foram dizimadas com uma perda populacional da ordem dos 10%.
O combate ao surto epidémico, em Portugal, foi dirigido pelo Diretor Geral de Saúde, Ricardo Jorge, que deu nome ao atual Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, que nestes dias tem feito uma investigação aprofundada ao coronavírus 2019.
A política de Saúde Pública do Doutor Ricardo Jorge passou, na época, por encerrar escolas e proibir feiras e romarias, tendo-se convertido muitos espaços públicos em enfermarias. No entanto, a situação revelou-se bastante caótica, como muito bem nos descreve Francisco Moita Flores, no seu referido romance histórico.
A gripe de 1918 foi causada pelo vírus influenza A do subtipo H1N1, que se revelou, com muita frequência, mortal. A origem geográfica desta pandemia é desconhecida, ao contrário da atual gripe COVID-19, que consta ter tido o seu início num mercado da cidade chinesa de Hubei. Os sintomas da gripe espanhola eram muito idênticos aos do atual COVID-19, e não existia também qualquer cura. A doença foi detectada, pela primeira vez, a 4 de março de 1918, no Kansas, nos Estados Unidos da América e, em Nova Iorque, a 11 de março.
Na Europa, as primeiras manifestações da doença verificaram-se, em abril de 1918, em tropas francesas, britânicas e americanas posicionadas em portos franceses, no decurso da Primeira Guerra Mundial. Todas as tropas beligerantes em confronto foram dizimadas por este surto infecioso.
No ínicio do século XXI, em 2009, surgiu, no México, um vírus nos porcos – H1N1 -, designada gripe suína, que se propagou no mundo e matou cerca de 16 mil pessoas. O contágio acontece, de forma similar, ao que sucede à disseminação da doença chamada COVID-19 através de gotículas respiratórias ou de superfícies contaminadas. No entanto, a pandemia do Coronavírus de 2019 está a ser bastante mais mortífera e a disseminar-se muito mais pela população mundial.
O coronavírus de 2019 (com o nome oficial COVID-19) é ainda pouco conhecido, podendo originar pneumonia. Foi identificado, pela primeira vez, na China e rapidamente expandiu-se por todo o mundo, embora atualmente tenha como epicentro os países da Civilização Ocidental. É, ainda, preciso mais tempo para estudar, cientificamente, este novo vírus, nas suas caraterísticas e na possibilidade de se alcançar um método de tratamento. O mundo já regista perto de 1 milhão e meio de infetados e milhares de mortos disseminados por muitos países do mundo, cuja expansão geográfica foi facilitada pela globalização das viagens.
Em suma, perante este passado delineado dos surtos pandémicos e este último de 2019-2020, torna-se premente a implementação de um conceito estratégico de segurança coletiva universal, no contexto desta frágil globalização sanitária, que potenciou o surto pandémico do COVID-19, apontando para a importância de uma verdadeira coordenação coletiva da ONU/OMS e do seu reforço estratégico como entidade humanitária supranacional, para que se garanta um futuro sustentável da humanidade.
Neste ano de 2020, Portugal, a cidade do Porto, a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e a Assembleia da República celebram os 200 anos da revolução liberal portuguesa de 24 de agosto de 1820, realizando no mês de outubro de 2020 um Congresso Internacional da Revolução de 1820. Fazemos, neste texto, uma breve evocação do contexto histórico e do acontecimento político, que o país e as suas instituições celebram.
1. Contexto histórico
Na transição do século XVIII para o XIX, o liberalismo começou a singrar em Portugal como doutrina, devido à excessiva importância social da nobreza, ao crescente protagonismo da colónia do Brasil e à monarquia absolutista.
Um conjunto de fatores, no início do século XIX, permitiu que o regime absolutista caísse em descrédito em Portugal, visto que a ideologia revolucionária francesa se propagou pela Europa, o Brasil começou a ganhar autonomia (1808-1822), a economia portuguesa passava por resultados ruinosos, fruto em parte das invasões francesas e o conservadorismo da estrutura social portuguesa deixava espaço ao descontentamento social das classes populares.
Assim, a revolução liberal portuguesa singrou em 1820, sobretudo no meio da burguesia urbana, num país fortemente ruralizado em termos sociais, mentais e económicos, alavancada por figuras carismáticas da burguesia como Manuel Fernandes Tomás, José da Silva Carvalho e José Ferreira Borges.
O triunfo titubeante do liberalismo, nos anos 20 do século XIX, foi possível devido ao fulgor intelectual iluminista, ao papel da Maçonaria e à relevância da burguesia de mentalidade aberta a novas ideias. Também não é de menosprezar a vontade de revolta contra o domínio inglês, que fez dizer, na segunda década do século XIX, a Alexandre Herculano que Portugal estava transformado numa colónia inglesa. Outro dos fatores, que impeliu os militares a 24 de agosto de 1820 a proclamarem a extinção do regime absolutista, na cidade do Porto, foi a necessidade de restruturação do tecido sócioeconómico português, rumo à modernidade, que levou o Padre José Agostinho de Macedo a evocar terem os liberais pretendido a regeneração da nação.
O projeto liberal defendido por Manuel Fernandes Tomás, em 1821, focava a necessidade de revitalizar o setor agrícola, em particular a exploração cerealífera, de terminar com os forais, de suprimir as ordens religiosas e de dinamizar a livre circulação comercial terrestre e fluvial no país.
A saída para este marasmo comercial passava, também, por investir no desenvolvimento das colónias africanas, o que seria feito já só no último quartel do século XIX, e por apostar na implementação de estradas e de caminhos de ferro, o que na verdade se começou a concretizar no cabralismo e no fontismo. Outro dos problemas económicos emergentes era o atraso industrial português, a que se somavam umas finanças exauridas.
Este projeto liberal consagrava já os seguintes princípios ideológicos: o direito à propriedade privada, as liberdades dos cidadãos e a nação portuguesa integrante dos territórios de aquém e de além mar. A experiência liberal portuguesa só se consubstanciou após a vitória liberal na guerra civil (1832-1834) e na legislação reformista da década de 30, que permitiu a afirmação de uma burguesia financeira interessada em títulos de nobreza. No entanto, a pequena burguesia e as classes populares cedo se desiludiram com o paradigma político liberal, tanto que muitos portugueses emigraram rumo ao Brasil.
Na realidade, no enraizamento da ideologia liberal, ao longo do século XIX, foram decisivos alguns intelectuais que, com uma mentalidade romântica em diferentes ramos literários e artísticos, difundiram os valores liberais, designadamente autores como Almeida Garrett e Alexandre Herculano, na literatura, ou António Domingues Sequeira, na pintura, ou João Domingos Bomtempo, na música[1].
2. O acontecimento – a efeméride da revolução liberal portuguesa (1820-2020)
Já em 1817 se congeminava na necessidade de promover uma revolução regeneredora da pátria portuguesa, porquanto a crise económica que afectava a agricultura, a indústria e o comércio no país, a indiferença da família real no Brasil e a dependência, quase colonial, da Inglaterra deixou os grupos ilustrados muito descontentes.
Dois magistrados, Manuel Fernandes Tomás e José da Silva Carvalho, e o advogado José Ferreira Borges protagonizaram no início dos anos 20, do século XIX, a tentativa de constitucionalizar a monarquia portuguesa. Eles tinham sido iniciados em lojas maçónicas. Pretendiam reformar o país como cidadãos ilustrados, dirigindo o Estado refundado.
Em Espanha, em janeiro de 1820, houve uma revolta militar em Cádis para restaurar a Constituição de 1812, o que veio a influenciar os liberais portugueses no pronunciamento militar do Porto. Os 3 amigos, já referidos, formaram em janeiro de 1818 o Sinédrio (sociedade secreta), procurando chefes militares para a intentona. Aderiram ao projeto insurrecional os coronéis António da Silveira Pinto da Fonseca, Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira e Bernardo Correia de Castro Sepúlveda.
A 24 de agosto de 1820 na cidade do Porto, no Campo de Santo Ovídio, os líderes do Sinédrio, os militares e o povo, depois de uma missa, exigiram cortes constituintes e os militares propuseran uma Junta Provisional do Governo do Reino. A Regência em Lisboa resistiu e mandou avançar tropas para o Porto para repôr a “autoridade legítima”, mas estes soldados, contraproducentemente, juntaram-se à Junta do Porto.
A 15 de setembro os militares no Rossio, em Lisboa, com grupos populares nomearam uma nova Junta Provisional de Governo, agregando os membros da Junta do Porto, formando-se um governo nacional, com a revolta liberal a alastrar pelo país.
A notícia da sublevação liberal chegou ao Rio de Janeiro a 17 de outubro, deixando a família real perplexa. Em janeiro e fevereiro de 1821 o Pará e a Baía mostraram-se fiéis às Cortes de Lisboa. A tropa portuguesa do Rio de Janeiro obriga o rei D. João VI a reconhecer o governo Liberal de Lisboa e a regressar a Portugal, ficando o seu filho D. Pedro no Brasil. Deste modo, foi possível instaurar em Portugal uma Monarquia Constitucional com a separação dos poderes executivo, legislativo e judicial[2].
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[1] Nuno Sotto Mayor Ferrão, A desumanização do “Outro” no periódico A Tripa Virada (1823) de José Agostinho de Macedo, Trabalho realizado na Ação de Formação intitulada “Humor e política na transição do Antigo Regime para o Liberalismo”, Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, setembro de 2019, 6 p.
[2] Rui Ramos, Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro, “Invasões francesas, tutela inglesa e monarquia brasileira (1807-1820) – A revolução”, in História de Portugal, Lisboa, Esfera dos Livros, 2010, pp. 453-456.
A revista Nova Águia de publicação semestral e dedicada à cultura portuguesa e lusófona é composta por artigos de ensaio e por poemas, de autores com diferentes proveniências como Portugal, Cabo Verde, Brasil, Galiza, Itália, entre outros. Neste novo número, o 22, referente ao 2º semestre de 2018, colaboram 61 autores. A revista é apresentada, geralmente, a meio de cada semestre em março/abril e em outubro.
Neste último número, destacam-se 3 grandes temas: as comunicações ao V Congresso da Cidadania Lusófona; artigos sobre a humanista Dalila Pereira da Costa no Centenário do seu nascimento; e comunicações referentes ao V Centenário do nascimento do humanista Francisco de Holanda.
Da sua composição também fazem parte textos sobre várias outras figuras de relevo da cultura portuguesa como o pedagogo Manuel Ferreira Deusdado, o padre Manuel Antunes, o poeta Adolfo Casais Monteiro, o escritor António Quadros, o pensador Agostinho da Silva, entre outros. São, ainda, publicados dois textos inéditos de Agostinho da Silva e de António Telmo.
Na Nova Águia colaboram dezenas de ensaístas, entre os quais saliento como grandes autores de referência e sem qualquer menosprezo pelos demais, Adriano Moreira, António Braz Teixeira, José Eduardo Franco, Miguel Real, Pinharanda Gomes, Samuel Dimas e Renato Epifânio, que constituem as figuras tutelares da revista, pelos seus brilhantes percursos vivenciais ou académicos, na definição de uma filosofia portuguesa. No final do volume, apresenta-se um conjunto de recensões críticas e de poemas de grande interesse.
Esta revista, sendo ligada ao Movimento Internacional Lusófono, é uma homenagem a uma revista de cultura que surgiu na 1ª República, da necessidade de reerguer o valor da pátria portuguesa, intitulada A Águia, na qual colaboraram figuras eminentes ligadas ao movimento cultural e cívico intitulado Renascença Portuguesa, como Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão, António Sérgio, Teixeira de Pascoaes, Raul Proença, Fernando Pessoa, entre outros escritores e pensadores.
Nesta presente revista existe uma recensão de livros da coleção Nova Águia da Editora Zéfiro, pois tal como a Renascença Portuguesa, que na segunda década do século XX criou uma série de publicações, também a Nova Águia dá nome a uma coleção desta editora com mais de 50 livros de autores individuais.
A estratégia editorial da Nova Águia consubstancia-se na difusão da cultura lusófona, espraiando-se por vários espaços ligados à língua e à cultura portuguesa e inspirando-se na sua predecessora já supramencionada. Esta procurou burilar durante mais de vinte anos (1910-1932) uma cultura patriótica em torno da identidade portuguesa, tão abalada com a crise da monarquia lusa desde a última década do século XIX, em tempos em que o analfabetismo grassava na população portuguesa.
Salienta-se que esta revista se carateriza pela evidente escassez de publicidade comercial, sendo a existente apenas ligada às atividades editoriais, ao contrário da maioria das outras revistas culturais portuguesas e do espaço lusófono. A tiragem da revista é, geralmente, de 1000 exemplares por número.
Em suma, a revista Nova Águia, numa sólida solução de compromisso, reflete sobre a identidade portuguesa na sua cultura, na sua língua e no seu pensamento, sem se esquivar ao contexto atual da globalização com a promoção de uma cultura lusófona, mediante os autores tratados, a proveniência diversa dos colaboradores da revista e os diferentes espaços da lusofonia, onde esta é apresentada.
Na senda de um humanismo espiritual, a Nova Águia trilha o seu caminho desde 2008, o que para um projeto cultural independente no seio deste deserto tecnocrático em que vivemos é já de assinalar vivamente. À qualidade dos seus conteúdos junta-se o enriquecimento com referências bibliográficas e, agora, com imagens e fotografias ilustrativas de alguns dos artigos publicados.
A idealização do blogue surgiu em fins de 2008, com o nome de Crónicas do Professor Ferrão associado a análises políticas, mesmo antes deste emergir de facto na blogosfera, mas apenas a 23 de julho de 2009 é que foi criado com um post sobre a figura de São Paulo de Tarso.
Muitas pessoas nos apoiaram neste projeto cultural, designadamente o meu amigo José Medeiros Ferreira - que infelizmente já não se encontra entre nós - pela valorização dos conteúdos dos meus textos e as estimadas colegas Elsa Nogueira e Paula Magalhães, respetivamente pela valorização estilística e pelas sugestões técnicas fornecidas. Devo, ainda, referir as pistas pertinentes lançadas pelo Professor Adriano Moreira, relativamente a um dos muitos posts de investigação histórica.
Celebramos, por isso, convosco e com grande alegria, caríssimos leitores portugueses, lusófonos e estrangeiros, o 8º aniversário deste blogue em 2017, resultado do interesse de muitos internautas que o continuam a seguir com curiosidade e, também, do apoio incondicional dos amigos e dos familiares mais próximos, que tornaram possível erguer este eloquente projeto cultural, que tanto gosto me tem dado construir, com a ajuda de todos vós.
O nosso blogue versa temáticas ligadas à atualidade cívica, à história, à literatura, à religião, à música, à arte, à política, à economia e à ética. Por este facto, assume-se como um blogue de natureza cultural, com interpretações e fundamentos humanistas deste autor, mas sempre baseado em investigações, mais ou menos aprofundadas, na bibliografia, na imprensa e/ou na documentação histórica.
Mais recentemente, e para associar o blogue ao meu nome de investigador e de ensaísta à denominação de Crónicas do Professor Ferrão sucedeu a de Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão.
O blogue, na atualidade, já ultrapassou as 208.000 visualizações, na sua maioria de países lusófonos, segundo os dados mais recentes, contabilizados por três contadores. Na verdade, os visitantes são, na sua maior parte, originários de países como Brasil, Portugal, Angola e Moçambique, abrangendo cerca de 88% das visitas, no entanto este tem uma abrangência internacional compaginável com o atual contexto da globalização, com visitas oriundas de mais de 100 países.
Já superámos os 260 posts, que normalmente andam ilustrados com imagens ou, mesmo, vídeos elucidativos. O acolhimento foi, aliás, bem visível inicialmente nos comentários que surgiram, mas com o desenvolvimento do Facebook muitas destas interações começaram a aparecer mais nesta rede social.
Last but not least, este blogue serviu de catapulta para escrever artigos de fundo, com mais exigência de investigação, que têm sido publicados nas revistas culturais, Nova Águia (orgão do Movimento Internacional Lusófono) e Brotéria (revista dos Jesuítas portugueses desde 1902).
Importa ainda mencionar o honroso convite que recebi para fazer uma fotobiografia de um político da 1ª República, surgido de um “post” histórico, que não pude aproveitar por indisponibilidade logística e laboral na altura. Também se têm manifestado repercussões deste nosso espaço, quer na blogosfera, com hiperlinks de ligação de outros blogues, quer na bibliografia histórica com citações de posts do nosso blogue, o que muito me apraz.
Quero, finalmente, saudar-vos cordialmente neste momento celebrativo, que devido à vossa paciência e interesse este se possa prolongar por uns bons anos mais. Bem hajam, caríssimos leitores, pela vossa atenção e tempo dispensado.
O palácio-convento de Mafra constitui um conjunto arquitetónico de estilo barroco, que reúne o palácio real, a basílica e o convento dos monges franciscanos arrábidos. Foi construído em função de um desejo do monarca D. João V, que prometeu erguer o edifício quando nascesse um herdeiro ao trono. A primeira pedra da construção foi lançada em 1717, embora a sua sagração só tenha ocorrido em 1730. Evocação máxima deste monumento é a obra-prima literária de José Saramago - Prémio Nobel da Literatura em 1998 - intitulada Memorial do Convento.
Esta imponente obra joanina foi rapidamente erguida, e apesar das suas colossais dimensões, devido à vontade régia, à disponibilidade financeira permitida pela abundância do ouro brasileiro e pelo infindável número de trabalhadores envolvidos.
O magnificente conjunto arquitetónico é constituído pela basílica e pelo palácio, que forma uma imponente fachada encenando o poder absoluto régio e que está ladeada por dois torreões, e na parte traseira situa-se o complexo conventual. A basílica centraliza a frontaria do conjunto arquitetónico, assumindo, nas suas caraterísticas de simplicidade, claras reminiscências do estilo barroco romano.
O monumento tem uma evidente imponência que se vê do exterior e se sente no interior, para o que basta dizer que os corredores do edifício, na sua totalidade, têm vários quilómetros e conta com mais de 150 escadarias.
O arquiteto encarregue dos planos de construção foi João Frederico Luduvice, mas trabalharam aqui também outros artistas de grande quilate como o arquiteto Custódio Vieira, os pintores como Trevisani, Wolkmar Machado e Domingos Sequeira e, ainda, o afamado escultor Machado de Castro. No interior do monumento, em particular na igreja, utiliza-se muito o mármore rosa, imprimindo uma dignidade especial ao espaço sagrado.
A Biblioteca é considerada uma das mais belas do mundo e dispõe de um rico acervo bibliográfico do século XVIII. Também faz parte do conjunto monumental a Tapada Real/Nacional com cerca de 800 hectares, que integra uma notável floresta onde pululam mais de 500 animais, demonstrando uma rica biodiversidade. De especial relevo são, igualmente, os 2 carrilhões, os 119 sinos e os 6 orgãos históricos da basílica.
Embora o tricentenário do monumento (1717-2017) se perfaça no dia 17 de novembro deste ano, já está a decorrer um programa comemorativo desde o fim de 2016, mobilizando cidadãos portugueses, lusófonos e europeus. Os trabalhos de beneficiação do conjunto patrimonial, nesta fase comemorativa, encontram-se em fase de conclusão, designadamente os restauros dos carrilhões e a pintura mural da sala do trono, e estando a ser melhorada a acessibilidade física e o processo de comunicação para os turistas.
Em janeiro deste ano, foi entregue o projeto de candidatura do monumento em conjunto com a Tapada de Mafra, para ser classificado pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade. Se o monumento receber esta ansiada classificação, as entidades organizadoras da comemoração do tricentenário pretendem fazer coincidir o anúncio público com o dia 17 de novembro de 2017, data exata dos 300 anos do lançamento da primeira pedra. Assim, pretende-se com esta candidatura fomentar o fluxo turístico e dinamizar economicamente o concelho de Mafra.
Os três elementos mais distintivos do conjunto arquitetónico e do espaço florestal, que agora se candidata a Património Mundial da Humanidade pela UNESCO, são os carrilhões e o conjunto sineiro, que nos oferecem sonoridades excecionais para peças musicais de grande pompa, a sala do capítulo de planta elíptica e a magnífica biblioteca, construída um pouco mais tarde.
Em suma, este monumento merece esta classificação internacional pela grandiosidade e pela monumentalidade do refinado conjunto histórico-artístico, que demorou vários anos a ser edificado, tendo-se tornado uma autêntica escola de arquitetos e de escultores barrocos da época.
O Padre António Vieira (1608-1697) foi, talvez, o mais remoto fundador do espírito lusófono[1]. Nos seus Sermões, do Maranhão, condenou a escravização dos índios do Brasil, desde 1653, o que contribuiu para potenciar o intercâmbio cultural e social lusófono. Esta denúncia pública, que teve eco nas suas obras publicadas, das discriminações sociais abriu caminho na mentalidade portuguesa para a paulatina aceitação do fenómeno da miscigenação.
Convém reter alguns dados biográficos que nos ajudam a compreender o seu espírito lusófono. Nascendo em Lisboa no seio de uma família humilde, teve entre os seus antecedentes uma avó materna mulata e cedo se dirigiu ao Brasil com os seus pais. Na região da Baía formou-se no Colégio dos Jesuítas, sendo ordenado sacerdote em 1635 e passando a exercer o cargo de professor de teologia desde 1638.
O momento decisivo da sua vida foi, contudo, a integração na Comitiva oficial que recebeu D. João IV, em 1641, no Brasil. Desde cedo se tornou valido do rei, tendo sido nomeado pregador e confessor régio, ministro sem pasta e diplomata, o que lhe permitiu alcançar a partir desses anos a fama.
Quando sucede a mudança de reinado de D. João IV para o seu filho, Afonso VI, após o período de regência de D. Luísa de Gusmão, a sua situação altera-se profundamente. Desta forma, a partir desta altura torna-se perseguido pelo Tribunal do Santo Ofício por proteger os cristãos-novos e os índios das atitudes desprezivas dos católicos e dos colonos[2].
Em vida alcança as luzes da ribalta ao publicar os seus Sermões em Portugal e em Roma, tornando-se um expoente da prosa barroca ao estimular a autoestima nacional, bastante rarefeita com o domínio filipino, mediante a energia e o misticismo profético da sua verve galvanizadora. Deste modo, procurou, também, nos seus textos levantar a moral nacional, precisamente no momento em que a incerteza da salvaguarda da independência nacional ainda se mantinha.
O Padre António Vieira valendo-se da sua acuidade crítica, além de denunciar os maus tratos que os colonos davam aos índios, soube também fazer eco junto das autoridades das ameaças externas, a que o Brasil esteve sujeito no seu tempo, designadamente do expansionismo holandês que neste século foi capaz de estender as malhas tentaculares do seu império colonial à América do Sul.
Neste contexto de ameaças externas, a que esteve especialmente atento com a sua sensibilidade diplomática, Vieira fundou um pensamento utópico colonial, sendo nesta medida um precursor da utopia lusófona.
De facto, pretendeu defender uma vivência colonial que se estribasse na dignidade da pessoa humana, decorrente da sua percepção de uma antropologia cristã, que deveria respeitar os direitos dos índios. De modo que esta percepção evidencia um sentido de alteridade social, que aponta para a faceta universalista do português.
Este autor concebe um V Império que será deixado pelos portugueses à Humanidade num futuro moldado pelos parâmetros da cultura portuguesa, pela capacidade lusa de assumir um desígnio universalista e pelo anseio cristão de um mundo onde seja possível compaginar a felicidade pessoal e a harmonia social.
Na verdade, esta espiritualidade de Vieira aberta a um universalismo da relação com o outro ser humano de diversos padrões culturais antecipa o sentimento lusófono que se consubstancia nos nossos dias.
Contudo, após o falecimento do rei D. João IV, o Tribunal do Santo Ofício condenou-o ao silêncio devido à aparente heresia das suas visões proféticas carregadas de um sebastianismo, de um futuro V Império e de uma ética refundadora das relações laborais entre colonos e ameríndios brasileiros.
Com efeito, o Padre António Vieira transmitiu nos seus textos, como político e pregador, aos seus contemporâneos a vivência brasileira numa refinada prosa de sabor barroco, nomeadamente censurando, como ardente missionário, a forma cruel como os índios eram tratados pelos colonos. Assim, chama a atenção para dois milhões de índios que estavam em péssimas condições laborais, tendo difundido os seus textos impressos em Portugal, que mais tarde chegarão também ao Brasil.
[1] Miguel Real retrata a figura do Padre António Vieira num romance fascinante (Miguel Real, O sal da terra, Matosinhos, QuidNovi, 2008, 331 p.).
[2] António Dias Miguel, “Padre António Vieira”, Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, Lisboa, Edições Alfa, 1990, p. 329.
“(...) Levaria muito tempo e seria excessivamente triste enumerar todos os atentados de que têm sido e continuam a ser objecto, perante a mais desastrosa indiferença dos poderes constituídos, os monumentos arquitectónicos da nação, os quais assinalam e comemoram os mais grandes feitos da nossa raça, sendo assim por duplo título, já como documento histórico, já como documento artístico, quanto há, sobre a terra em que nascemos, mais delicado e precioso para a honra, para a dignidade, para a glória da nossa pátria. (...)”
José Duarte Ramalho Ortigão, “O culto da arte em Portugal”, in Arte Portuguesa, tomo I,
Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1943, p. 25.
José Duarte Ramalho Ortigão (1836-1915) foi professor, funcionário da secretaria da Academia das Ciências de Lisboa, jornalista e escritor português de grande prestígio, tendo-se destacado meritoriamente pela qualidade da sua elaborada prosa satírica de cunho social.
Pertenceu ao grupo de intelectuais da Geração de 70 de Oitocentos, no qual assumiu uma intervenção moderada e de bom senso na Questão Coimbrã, pois reagindo à crítica despudorada de Antero de Quental à poesia convencional de António Feliciano de Castilho soube condenar o excesso de agravos do primeiro, embora, ao mesmo tempo, tenha defendido a necessidade da mudança de mentalidade estética dos artistas.
A sua póstuma notoriedade anda associada ao facto de ter colaborado com o prodigioso escritor Eça de Queirós, seu antigo aluno, em obras como o folhetim O Mistério da Estrada de Sintra e nas crónicas verrinosas apropriadamente intituladas As Farpas. No entanto, devido à nomeação diplomática do seu amigo continuará sozinho, por bons anos, com este projecto, tendo nesta obra revelado o seu imenso talento de crítica social[i].
A sensibilidade humanista foi bastante relevante num dos seus últimos livros intitulado O culto da arte em Portugal (1896) ao manifestar um repúdio público pelo abandono ou a destruição a que estava votada a maioria do conjunto patrimonial histórico-artístico português, sendo esta obra percursora da sensibilidade política de preservação do património histórico-artístico nacional e dos estudos de História da Arte pelas pertinentes pistas de interpretação que semeou.
Ele, instigado por um forte sentimento patriótico, procurou chamar a atenção, neste livro, para a escola portuguesa de pintura dos séculos XV e XVI e para a originalidade do estilo arquitectónico Manuelino. Aliás, muitos historiadores da arte, dos nossos dias, receberam ricos ensinamentos das preciosas informações que divulgou, designadamente de autores estrangeiros que cita como James Murphy, Atanásio Raczynski e Karl Albrecht Haupt, atentos estudiosos da arte portuguesa.
Ramalho Ortigão salienta que as operações de restauro artístico surgiram como critério revivalista, no século XIX, associadas à reparação ou à reconstrução purista das grandes catedrais góticas da Europa, sendo que o contexto histórico do Romantismo incitou a encontrar as raízes históricas das identidades nacionais e a assegurar a proteção dos grandes monumentos pátrios.
No seu arguto espírito crítico, realça-nos escandalizado alguns desses atentados perpetrados pelas autoridades portuguesas ao nosso património histórico-artístico, como no exemplo da seguinte passagem:
“(...) Na Madre de Deus, onde aliás o primitivo portal da rainha Leonor foi discretamente reconstituído na moderna fachada do edifício, temos o infortúnio de ir encontrar no consecutivo restauro de uma fábrica do tempo de D. João III novos capitéis de colunas, nos quais em vez da ornamentação vegetal do nosso século XVI se vê reinar nos entablamentos a figuração, absolutamente imprevista e inopinada, de uma locomotiva de caminho de ferro, arrastando fumegante o respectivo comboio, tudo lavrado mui laboriosamente em pedra, e demandando um túnel. Este assombroso fenómeno de patologia arqueológica estou convencido de que dispensa ainda mais do que o caso dos Jerónimos a investigação da autópsia. (...)”.[ii]
Deste modo, este autor além de criticar o abandono de alguns monumentos nacionais também censurou alguns restauros anacrónicos, que alguns sofreram. Como foi o caso da Igreja da Madre de Deus em Lisboa, no sobrecitado capitel, ou o caso da Igreja do Mosteiro de Santa Maria da Vitória (Batalha) em que um restauro absolutamente inepto prejudicou a harmonia estética da escala original da Idade Média.
Em exemplo de desleixo, que o nosso acutilante escritor denuncia, aparece precisamente neste último monumento, quando nos diz:
“(...) As capelas imperfeitas, incomparável jóia de arquitectura portuguesa mais caracteristicamente regional, acham-se no mesmo abandono em que ficaram em 1843, depois que ele as desinfestou dos parasitas arbustivos e das herbáceas, cujas radículas se tinham por tal modo multiplicado nos interstícios das cantarias que em muitos pontos houve que desmontar as lájeas para extirpar as ervas e refazer os massames substituídos pelo íntimo vegetal, que inchando por todas as juntas da pedra, ameaçava desarticular e destruir tudo por uma derrocada geral. (...)”[iii].
Em conclusão, Ramalho Ortigão considerou que a maioria dos restauros, do património histórico-artístico português, realizados se efectuaram sem planeamento técnico, sem escrutínio crítico e sem orientação política, o que impulsionou a manifestação de atitudes aberrantes por parte das autoridades públicas ou de particulares.
Nomeadamente, regista com elevado senso jocoso, mas entristecido, as muitas destruições de monumentos históricos por mera obediência a simples caprichos de poderosos ou dos detentores do poder. Vejamos um exemplo do critério aleatório de restauro que denuncia:
“(...) Em Ponte-do-Lima havia uma ponte, que dava o nome à vila. Esta ponte, em parte romana, em parte gótica, era revestida de ameias e entestada por dois castelos ogivais. A vereação, com o motivo de desafogar a vista sobre as duas margens do rio, manda demolir os castelos e serrar as ameias da aludida ponte. (...)”[iv].
[i] Ana Maria Martins, “José Duarte Ramalho Ortigão”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol. 2, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, pp. 138-139.
[ii] José Duarte Ramalho Ortigão, “O culto da arte em Portugal”, in Arte Portuguesa, tomo I, Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1943, pp. 28-29.
Luísa Rosa Aguiar Todi foi uma grande cantora lírica portuguesa de projecção internacional do fim do século XVIII, que tem estado bastante olvidada da memória colectiva, não fosse a sua terra natal, Setúbal. Tem sido considerada, pelos musicólogos, na ópera meio-soprano, tendo alcançado uma invulgar expressão lírica em libretos em francês, em inglês e em italiano. Desde cedo revelou as suas prodigiosas qualidades vocais, estreando-se aos 14 anos no teatro declamado numa peça de Molière em Lisboa.
Aos 16 anos casa-se com o violinista italiano Francesco Saverio Todi, que lhe permite aperfeiçoar os seus dotes vocais com aulas que recebeu do compositor David Perez, que se encontrava ao serviço da Corte Portuguesa. De 1777 a 1799 tem uma carreira fulgurante, brilhando em inúmeras cidades estrangeiras cosmopolitas (Londres, Paris, Turim, Potsdam, Viena, Bona, Veneza, Pádua, Bergamo, Sampetersburgo, etc.). Num dos seus itinerários artísticos terá sido ouvida em Bona por Ludwig Van Beethoven que se apercebeu do seu imenso virtuosismo.
A imperatriz, Catarina da Rússia, chama-a para a ouvir e depois de lhe reconhecer as raras qualidades líricas nomeia-a professora de música das suas filhas. Ao enviuvar, em 1801, perde o ente amado e seu programador artístico e, na verdade, as suas atuações públicas quase que desaparecem.
Nesta altura, já regressada a Portugal, depois de ter sido estrangeirada por longos anos, fixou residência na cidade do Porto. Anos mais tarde, aquando das invasões francesas, em 1809 ao tentar a travessia do rio Douro, em Ponte das Barcas, cai no leito do rio, salvando-se a custo, e perde muito dos seus bens no momento em que procura salvaguardar o seu valioso património pessoal, inclusivamente algumas jóias que lhe tinham sido oferecidas pela Catarina da Rússia, do saque e do roubo a que as tropas francesas estavam a levar a cabo por todo o país.
No fim da vida acabará por ficar cega e passará por dificuldades financeiras na cidade de Lisboa, onde passou a viver, o que desmente o provérbio popular de que “a sorte protege os audazes”. É legítimo reconhecer o seu indesmentível papel na História da Música, uma vez que levou e elevou o nome de Portugal a decibéis de harmoniosa sonoridade.
Provavelmente, a ausência da Corte Portuguesa no Brasil devido à ameaçante perda de independência nacional terá feito com que os seus dons tenham sido desperdiçados a par do facto do marido ter perecido prematuramente. Em conclusão, é, por isso, legítimo reconhecer o seu inestimável valor artístico na cultura musical europeia e custa perceber o aviltante esquecimento a que tem sido votada.
Heitor Villa-Lobos foi um prestigado maestro e compositor brasileiro, natural do Rio de Janeiro, que se destacou no século XX. Foi o introdutor nas suas composições de uma linguagem musical que soube compaginar a estética Modernista, das composições musicais, com a influência cultural dos diferentes regionalismos brasileiros inspirando-se, para isso, em canções populares e indígenas.
A paixão pela música foi-lhe infundida pelo pai, músico amador, que lhe deu as primeiras lições de música e o instigou a estudar violoncelo. Com a prematura morte do pai passou a tocar em locais públicos e, nessa altura, interessa-se pela música popular do Rio de Janeiro.
Irá, também, fazer incursões pelo interior do Brasil onde tomará contacto com a riqueza natural e musical dos sertões. No ano de 1913 casou-se com a pianista Lucília Guimarães, de quem, possivelmente, tomará o gosto pelos padrões Culturais Modernistas.
Nos anos 20 Villa-Lobos alcança grande notoriedade nacional ao participar em São Paulo na Semana de Arte Moderna e realiza, em seguida, viagens pela Europa para apresentação de obras sinfónicas já reconhecidas, designadamente a sinfonia nº 3 “A guerra” de 1919, em que recria o bélico ambiente tenebroso que a Europa tinha vivido.
A projeção internacional do seu trabalho de composição teve grandes ecos no mundo, em particular em França e nos EUA, nos meados do século XX. Após o seu desaparecimento, o Estado Brasileiro criou um Museu em sua honra no Rio de Janeiro.
Congratulo-me com os 100.000 acessos contabilizados pelo contador Sitemeter, desde 12 de fevereiro de 2010, deste blogue cultural e de cidadania, que pretende disponibilizar conteúdos de investigação e de reflexão com um espírito de liberdade e de intensa curiosidade cultural, imbuído de um humanismo construtivo, que o apoio continuado de amigos e cidadãos tem permitido alimentar de uma inspiração criadora.
Contam-se, também, já 200 post’s editados desde 23 de julho de 2009 com diversos temas abordados: História, Literatura, Música, Arte, Globalização, Crise de Valores, Crise Europeia, Cidadania, Política, Religião, Educação, Personalidades, etc. Deste modo, este blogue não seria possível sem o apoio permanente de muitos familiares e amigos que me têm encorajado nesta ciclópica missão de consciencialização dos leitores para problemáticas inéditas ou de candente atualidade.
Desde essa data que se contabilizam 2270 entradas mensais, embora tenham aumentado nos últimos tempos, pois contam-se atualmente cerca de 3400 acessos mensais no decurso deste ano de 2012/2013, embora se mantenham, naturalmente, variações sazonais. Tem mais de 300 comentários, evidenciando, assim, saudável interactividade. A média diária neste último mês (setembro/outubro) oscilou entre os 61 acessos e os 170, de acordo com as atualizações e com as habituais variações periódicas.
É bastante interessante notar que os acessos provêem de diferentes países que, por ordem de frequência, registamos: Portugal, Brasil, Estados Unidos da América, Moçambique, França, Espanha, Angola, Cabo Verde, Kuwait, etc., o que traduz uma certa internacionalização do blogue e manifestamente da cultura portuguesa e lusófona abordada em diversos conteúdos.
Espero que estes textos de reflexão e/ou de investigação, as imagens e os vídeos ilustrativos continuem a merecer a vossa melhor atenção e apreço pelos conteúdos tratados e pela criatividade, aqui, imprimida. Tenho procurado, sempre, cuidar da apresentação estética do blogue com um profundo gosto clássico, herdado de uma matriz helénica.
Pensei mudar a configuração visual do blogue, mas como não encontrei um padrão estético que galvanize o meu interesse prefiro, por enquanto, deixá-lo como está, porque como diz o provérbio popular, de grande sabedoria “pior a emenda do que o soneto”, mais vale deixar estar alguma coisa do que mudá-la para pior.
Deixo, aqui, alguns dos últimos “post’s”, deste último ano, mais significativos para que possam ter uma noção da amplitude temática abordada:
João Villaret (1913-1961) foi um ator e um declamador português, que revelou grande talento nas aparições públicas, nos anos 50, na Radiotelevisão Portuguesa ao divulgar grandes escritores portugueses à opinião pública através das suas enfáticas declamações.
Foi um comediante que se destacou, sobretudo, no teatro, embora a sua participação em alguns filmes portugueses de António Lopes Ribeiro e de Leitão de Barros em personagens secundários lhe tenham dado ricas experiências de aprendizagem com atores famosos como Vasco Santana ou Francisco Ribeirinho, tendo previamente frequentado o Conservatório Nacional de Teatro. Aos 18 anos fazia já parte do elenco do Teatro Nacional D. Maria II. A sua polivalência interpretativa deu-lhe um lugar de grande relevo no teatro de revista, onde se notabilizou com a sua produção “Fado Falado”.
A carreira de Villaret foi exercida em Portugal e no Brasil. Nunca escondeu a sua antipatia pelo regime Salazarista, que está implícita, aliás, em alguns dos textos que declamou com grande virtuosismo. Neste ano, de 2013, em que se comemora o Centenário do seu nascimento (1913-2013) é justo salientar a sua importância para a divulgação de grandes poetas da Literatura Portuguesa, como Luís Vaz de Camões, Fernando Pessoa, José Régio, etc, através das suas declamações televisivas.
O seu estilo, inimitável, de dicção marcado por uma apurada sensibilidade dramática associada a um oportuno sentido de humor granjeou-lhe um invulgar sucesso mediático na rádio e, mais tarde, na televisão. Os seus programas televisivos fizeram furor e permitiram sensibilizar a população portuguesa para o rico Património Poético da Pátria.
O seu mérito foi reconhecido, no país, pelo Estado Português que, em 1960, lhe atribuiu a Ordem Honorífica da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada. Este seu talento de declamador influenciou uma geração mais nova de declamadores portugueses (Mário Viegas, José Ary dos Santos, José Fanha, etc). É, pois, preciso fazer “reviver” estas figuras que promoveram a Cultura Portuguesa no país e no estrangeiro.
Afirmou-nos Maurícia Teles da Silva ter sido bolseiro da Rainha D. Amélia no Conservatório de Leipzig e de Francoforte, Alemanha, onde estudou piano e composição com Clara Shumann, mulher do compositor Robert Shumann, tendo absorvido a estética musical do Romantismo. Nas palavras da conferencista, Óscar da Silva, em estreita proximidade com o movimento da Renascença Portuguesa/Lusitana, liderado por Teixeira de Pascoais, irá dar corpo ao Saudosismo na música. Esta corrente filosófica desenvolvida por Pascoais é, na opinião destes autores, um verdadeiro retrato da alma portuguesa. Óscar da Silva, como ficará conhecido, plasmou esta corrente em obras como “Sonata Saudade” e “Saudades”.
Este músico foi reconhecido pelo virtuosismo das suas interpretações de piano, tendo percorrido vários países da Europa, da América e de África. As suas interpretações ao piano de Frédéric Chopin e de Robert Schumann foram aclamadas internacionalmente, tendo a sua professora alemã afirmado que ninguém havia interpretado tão bem as peças do seu marido. Precocemente acabou por revelar o seu talento para a música, pois compôs a sua primeira obra musical com onze anos. O grande escritor Fialho de Almeida disse, no início da sua promissora carreira musical, que do seu semblante emanava um carisma especial. O seu talento foi aprovado pelos seus pares por toda a Europa e foi graças à sua recomendação junto do prestigiado violoncelista Julius Klengel que a jovem música Guilhermina Suggia se tornou sua aluna.
De 1930 a 1950 passou grandes temporadas no Brasil, tendo adquirido um sentimento de profunda afeição por este país irmão. Nos anos trinta, em pleno regime do Estado Novo, a sua pátria publica as composições criadas e condecora-o com a Ordem de Santiago e Espada. Eventualmente, este reconhecimento dos seus méritos musicais pelo regime autoritário poderá ter levado ao seu esquecimento público por um injustificável preconceito ideológico.
No entanto, as suas composições musicais patenteiam a centralidade que concedeu ao piano, sendo reveladoras de timbres líricos ligados à corrente Romântica e pontualmente algumas das suas obras denotam influências da corrente Impressionista. Contam-se como suas obras principais: Dolorosas, Páginas Portuguesas, Sonata Saudade, Saudades, Nostalgias, Queixumes, Imagens, suites sinfónicas, uma Marcha Triunfal para o Centenário da Índia (1898) e uma ópera Dona Mécia (1901) baseado num argumento do escritor Júlio Dantas.
Em sua memória existe uma Escola de Música em Matosinhos com o seu nome e uma Rua do Porto. Contudo, como se reconheceu nesta primeira sessão do II Ciclo de Estudos em homenagem a António Telmo as obras musicais de Óscar da Silva merecem ser resgatadas do esquecimento público. Aqui ficam alguns pequenos trechos musicais com este singelo propósito.
O Movimento Internacional Lusófono é um movimento cultural e cívico com mais de 10.000 aderentes de todo o espaço linguístico português. Constituiu-se, juridicamente, como organização oficial no dia 15 de Outubro de 2010, embora já existisse, anteriormente, como um espaço de liberdade das sociedades civis da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. O Movimento é composto, estatutariamente, por uma Direção, uma Assembleia Geral, um Conselho Fiscal e um Conselho Consultivo, que reúne no seu conjunto cerca de cem membros. Existem quase duas dezenas de membros honorários que sendo figuras prestigiadas subscrevem os objetivos do MIL.
O MIL tem promovido sessões culturais, como as que vão acontecer durante este ano na Biblioteca Municipal de Sesimbra, e tem subscrito diversas moções, promovido inúmeros debates públicos, recolhido livros e distinguido Personalidades Lusófonas (o Bispo D. Ximenes Belo e o Diplomata Lauro Moreira) com um Prémio simbólico no intuito de estreitar as relações afetivas, sociais, culturais, institucionais, políticas e económicas entre os países falantes da Língua Portuguesa. Neste ano, o MIL vai distinguir o Professor Doutor Adriano Moreira com o Prémio Personalidade Lusófona do ano de 2011 numa cerimónia pública que se realizará na Sociedade de Geografia de Lisboa.
Os fundamentos desta agremiação estão nas raízes históricas lusófonas que temos procurado investigar em vários autores[1] e no pensamento generoso e visionário de Agostinho da Silva que sustentava, no século XX, a necessidade de se constituir uma União Lusófona. Estes alicerces culturais vieram a tornar possível a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa em 1996, que no ano passado comemorou os seus 15 anos de vida. O Presidente do MIL, Renato Epifânio, escreveu um livro “A Via Lusófona – um Novo Horizonte para Portugal”[2] em que nos apresenta com muita clareza e lucidez esta estratégia que a Pátria deve seguir, que sublinhei na breve recensão crítica aqui no blogue: “A VIA LUSÓFONA: UM NOVO HORIZONTE PARA PORTUGAL” - RECENSÃO CRÍTICA DO LIVRO DE RENATO EPIFÂNIO.
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa como instituição intergovernamental, o Prémio Camões como reconhecimento literário a autores que têm enriquecido a Língua Portuguesa, a revista “Nova Águia” como publicação que tem abraçado o espírito lusófono nos seus conteúdos e nos locais em que se tem apresentado, a Associação Médica Internacional que tem valorizado a assistência humanitária aos países irmãos, a Universidade da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira e a Ciber Rádio Internacional Lusófona têm constituído parceiros insubstituíveis para se consolidarem os laços culturais e afetivos de povos que a História tem vindo a aprofundar. Não quero deixar de mencionar a Academia Galega de Língua Portuguesa que foi reconhecida como Observador Consultivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, apesar da injusta reserva das autoridades portuguesas.
Contam-se como membros honorários do MIL figuras prestigiadas da Comunidade Lusófona como sejam: Fernando Nobre como seu presidente honorário e Abel de Lacerda Botelho, Adriano Moreira, Amadeu Carvalho Homem, António Braz Teixeira, António Carlos Carvalho, António Gentil Martins, Dalila Pereira da Costa, Elsa Rodrigues dos Santos, Fernando dos Santos Neves, João Ferreira, José Manuel Anes, Lauro Moreira, Manuel Ferreira Patrício, Pinharanda Gomes e Ximenes Belo como sócios honorários que muito prestigiam, pelos seus relevantes serviços públicos, esta nossa Agremiação.
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa constituída por oito países (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste) formou-se para estimular a cooperação a diversos níveis e a defesa da Língua e da Cultura Portuguesa que tem sido enriquecida com a criativa genialidade dos autores e dos povos do espaço lusófono que transcende a contingência formal dos Estados, como nos ensinou o brilhante filólogo Luís Lindley Cintra.
O MIL conta hoje em dia com um site oficial, um blogue e um canal de vídeos que recolhe o testemunho de personalidades relevantes e de debates públicos que tem promovido. A sede do MIL localiza-se em Lisboa, mas como membro deste Movimento muito me congratulo com abertura de um novo núcleo no Porto.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Nuno Sotto Mayor Ferrão, “A dinâmica histórica do conceito de lusofonia (1653-2011), in Nova Águia, nº 8, 2º semestre de 2011, Sintra, Editora Zéfiro, 2011, pp. 204-208.
[2] Renato Epifânio, A Via Lusófona – Um Novo Horizonte para Portugal, Sintra, Edições Zéfiro, 2010.
Nesta Era da Globalização, que vivemos, existe uma crescente uniformização de hábitos e tradições culturais em todo o mundo. Os cidadãos sentem a obrigação de salvaguardarem as suas culturas, locais, regionais e nacionais, face à importação de novos hábitos. Estou a lembrar-me da celebração do dia das bruxas, “halloween”, no dia 31 de Outubro, que era uma tradição basicamente anglo-saxónica, que no entanto tem entrado em Portugal e no Brasil com muito sucesso. Se formos compulsar um periódico do Estado Novo, dos anos 50, não encontramos qualquer referência a esta festa “pagã”.
Por outro lado, manifesta-se uma rarefacção da cultura patriótica, que tem sido uma constante dos nossos dias, por exemplo o dia de todos os santos, 1 de Novembro, tem estado muito esquecido junto das novas gerações. Felizmente, que no mundo de língua portuguesa tem sido encontrado um padrão lusófono que cada vez mais aproxima os países de língua portuguesa.
Neste tempo novo em que predomina uma cultura tecnocrática tem-se relegado a cultura Humanista e o grupo dos intelectuais para um segundo plano e talvez, por isso, a crise de valores e de lideranças tem sido tão devastadora na Europa Ocidental como o reconheceu, por estes dias, Jean Claude-Trichet, presidente do Banco Central Europeu.
A Globalização tem criado inúmeras situações contraditórias. Se esta rede de ligações mundiais permitiu a democratização da cultura, também possibilitou a sua degenerescência qualitativa. Hoje em dia, os cidadãos mais instruídos têm, também, menos cultura geral, apesar de estarem rodeados de inúmeras fontes de informação. Na verdade, o excesso de informação que circula a rodos, em resultado dos múltiplos recursos disponíveis, tem diminuído o espírito crítico dos cidadãos e dos dirigentes, não obstante haja os novos canais da blogosfera que parecem querer colmatar esta carência.
Esta realidade conjuntural tem-se traduzido numa diminuição da cultura geral dos indivíduos das classes médias que ficam mais expostos às prepotências das elites “esclarecidas” da tecnocracia, fazendo lembrar os modelos dos “despotismos esclarecidos” do século XVIII. Com efeito, a cultura materialista de consumo, desenfreado, tem afastado os cidadãos da cultura dos Valores Humanistas e da efectiva Defesa dos Direitos Humanos, não obstante estes temas estejam na ordem do dia dos debates públicos. Deste modo, só esta “cultura do ter” pode explicar a omnipresente evocação, todos os dias, nos meios de comunicação social da crise financeira dos países ricos quando no “corno” de África morrem milhões de pessoas à fome.
As novas tecnologias têm feito diminuir os tempos de leitura das gerações mais jovens. Por esta razão, em Portugal em boa hora foi criado o Plano Nacional de Leitura para suprir esta dificuldade. Contudo, a Globalização tem, concomitantemente, possibilitado a transformação dos consumidores passivos em ativos produtores de conteúdos, tornando os cidadãos mais interventivos através das redes sociais e da blogosfera.
Em suma, faz falta a esta Globalização a superação do paradigma da cultura hiper-especializada por outro modelo que volte a confiar no paradigma da cultura Humanista: a única capaz de incrementar uma Cultura Global que forneça aos cidadãos os instrumentos indispensáveis para uma atuação cívica compaginável com os ingentes desafios desta nossa “aldeia global”.
A 10 de Junho celebra-se o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. O poema “Perdigão perdeu a pena”, aqui citado, representa de forma satírica o pessimismo enraizado na índole portuguesa. Este dia foi escolhido para prestar preito a Portugal por vários motivos: é o dia em que se assinala a morte do poeta, é o poeta épico que exalta as glórias da época áurea dos Descobrimentos Marítimos Portugueses, é o poeta que consta terá dito ao ver a Pátria desfalecer perante a crise dinástica que abriu as portas à União Ibérica: “Morro com a Pátria”.
O poeta Luís Vaz de Camões (1524-1580) é um escritor de dimensão universal, porque canta os grandes temas da condição humana (o amor, a mudança, o envelhecimento, etc) e se fez ouvir além fronteiras desde a sua morte. A sua obra-prima “Os Lusíadas” evoca a epopeia das Descobertas Marítimas que “abriram novos mundos ao mundo”, sendo nesta medida o cantor da Globalização iniciada pelos povos ibéricos. A universalidade do escritor mede-se, ainda, no ritmo cadente e melodioso dos seus poemas que encantam vários cantos da Humanidade, onde chega pela via das traduções.
O Dia de Portugal começou a ser celebrado durante o Estado Novo, mas já antes no fim do regime Monárquico e durante a 1ª República, o dia da morte de Camões, e a sua efeméride, passou a conter um eivado e exaltante sentimento patriótico. Foi, aliás, a comemoração do tricentenário da sua morte, em 1880, em Portugal promovida por figuras cimeiras da História do país, como Luciano Cordeiro ou Teófilo Braga, que permitiu a intensificação da propaganda dos ideais Republicanos por associá-los à ideia da sua inevitabilidade política para o ressurgimento da pátria, porquanto a ideia da decadência de Portugal tinha transcorrido grande parte do século XIX.
O Brasil também se associou ao tricentenário da morte de Camões com a inauguração de uma Exposição na Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, presidida pelo Imperador D. Pedro II, com o início da construção do Gabinete Português de Leitura, com a realização de um espectáculo de música, teatro e recitação em homenagem do poeta no Teatro D. Pedro II e com uma regata na baía de Botafogo em que os vencedores receberam exemplares d’ “Os Lusíadas”. O espírito lusófono que portugueses e brasileiros sentiram nesta obra-prima, que exalta o encontro de povos e culturas, deu o mote para se irmanarem num ambiente de uma mútua aculturação, apesar da separação política.
No dia de Portugal, a 10 de Junho de 2011, o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, vai agraciar com as ordens honoríficas várias dezenas de personalidades que se destacaram na sociedade portuguesa em várias áreas. Maria Fernanda Rollo, historiadora, professora universitária e vice-presidente do Instituto de História Contemporânea vai receber a Comenda do Infante Dom Henrique pelos relevantes serviços culturais prestados como investigadora e divulgadora da História de Portugal Contemporâneo. Foi coordenadora, conjuntamente com o historiador Fernando Rosas, da obra colectiva “História da Primeira República Portuguesa”e fez parte da Comissão Nacional para a Comemoração do Centenário da República. Tem estado ligada aos estudos de História económica e da engenharia nacional e à compreensão das dinâmicas nacionais nas relações internacionais do pós-guerra.
O Fórum Económico Mundial que se realiza em Davos, na Suíça, de 26 a 30 de Janeiro tem revelado a confiança dos participantes no crescimento económico dos países emergentes. Não obstante, debatem-se, também, os múltiplos constrangimentos mundiais, desta nova configuração geoeconómica internacional, em particular: o abrandamento do progresso económico Europeu e a crise da dívida soberana da zona Euro, a tendência perigosa do aumento dos preços dos bens alimentares geradores de crispações sociais como tem sido visível na Grécia e em alguns países do Norte de África.
Esta nova estrutura económica mundial procedente da Globalização e das políticas de desregulamentação dos mercados financeiros originaram a grande crise financeira de 2008 e tem gerado um fenómeno paradoxal: uma diminuição das disparidades económicas entre países de grande dimensão territorial, por acção da revolução tecnológica e da capacidade demográfica, e um aumento das desigualdades sociais internas com o crescente fosso entre ricos e pobres e a gritante diminuição do grupo dos “remediados” na maioria dos países desenvolvidos.
Em 1970 iniciou-se o primeiro Fórum Económico Mundial criado pelo Professor Klaus Schwab. O novo panorama mundial em termos de geoestratégia económica é dominado pela transferência dos poderes económicos mundiais do Hemisfério Ocidental para o Oriental (China, Índia, Paquistão, Tailândia, etc) e do Hemisfério Norte para o Sul (Brasil, México, Chile, etc). As diversas sessões deste Fórum que reúne 2500 pessoas (gestores, políticos, empresários, banqueiros, etc) abordam temas quentes da nova Era Internacional e assistimos aos discursos dos mais importantes líderes Europeus (David Cameron, Nicolas Sarkozy, Ângela Merkel, Jean Claude-Trichet, etc) e de muitos líderes dos países emergentes. Para inculcar, na opinião pública mundial, a ideia do universalismo deste Fórum estarão presentes líderes religiosos, culturais e membros de Organizações Não Governamentais.
Na verdade, o declínio Civilizacional Europeu resultou dos nacionalismos exacerbados que se traduziram nas duas Guerras Mundiais do século XX e do actual insucesso de uma Europa coesa, incapaz de recompor os sistemas de Segurança Social e que investiu numa estratégia precipitada de desmesurado alargamento geográfico dos confins do espaço da União Europeia. O Fórum Económico Mundial está a reflectir sobre a necessidade de estabelecer novas regras perante um espaço económico internacional mais vasto e mais inseguro pela sua crescente complexidade e pela retumbante crise financeira de 2008.
Esta nova dinâmica económica, de esteios éticos titubeantes, tem potenciado crescentes desigualdades sociais, dentro dos países desenvolvidos entre ricos e “remediados” (classe média) e entre países ricos e países pobres como tem sido denunciado pelos relatórios das Nações Unidas, constituindo um paradoxo iniludível da presente Globalização. Não espanta que esta dicotomia mundial entre o aparente progresso económico e o significativo retrocesso social tenha reforçado o movimento de Alter-Globalização e a crescente importância do Fórum Social Mundial que tem sido especialmente apreciado pelas populações das potências emergentes como o Brasil ou a Índia.
José Hermano Saraiva nasceu em Leiria, no ano de 1919, onde viveu os primeiros anos e frequentou o Liceu Nacional. Foi irmão de um ilustre investigador da Cultura Portuguesa, António José Saraiva. A sua formação universitária assentou em duas licenciaturas, que concluiu com êxito, em Ciências Histórico-Filosóficas e em Ciências Jurídicas, no decorrer da 2ª Guerra Mundial. Deste modo, começou a vida profissional como professor liceal e, ao mesmo tempo, como advogado em Lisboa. Neste período, publicou o primeiro livro, de âmbito literário, intitulado “Vento vindo dos montes: contos” (Porto, Editora Latina, 1944).
Pela sua veemente convicção nacionalista, durante o Estado Novo, foi deputado à Assembleia Nacional, procurador da Câmara Corporativa e ministro da Educação entre 1968 e 1970, tendo enfrentado a oposição estudantil à Ditadura em 1969. Teve passagens fugazes por diversas instituições do Ensino Superior, nos anos 60, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, de Lisboa e, já no regime democrático, no Instituto Superior de Ciências Policiais e de Segurança Interna e na Universidade Autónoma de Lisboa.
Nos anos 50 revelava já uma preocupação com a divulgação de uma Cultura Histórica e Nacional através da participação na dinamização de um evento comemorativo na sua terra natal e do envolvimento num programa de formação de adultos. Assim, em 1954 impulsionou a comemoração do VII Centenário das Cortes de Leiria (1254-1954), no espírito das comemorações nacionalistas do anterior regime, e em 1958 dirigiu uma Campanha Nacional de Educação de Adultos[1] com o objectivo de combater as elevadas taxas de iliteracia que grassavam no país. Possivelmente, terá sido pelo êxito destas iniciativas que António de Oliveira Salazar o convidou a abraçar a Pasta da Educação Nacional.
O prestígio intelectual auferido tem sido reconhecido pelo mundo Luso-Brasileiro por ter desempenhado o cargo de Embaixador de Portugal no Brasil entre 1971 a 1974, tendo sido agraciado com condecorações honoríficas e recebido vários Doutoramentos “honoris causa” de Universidades Brasileiras[2]. Com efeito, embora não tenha nunca obtido nenhum grau académico superior à licenciatura adquiriu, pela sua carreira de dedicação à divulgação histórica, inúmeros lugares em instituições culturalmente reputadas (membro da Academia das Ciências de Lisboa, da Academia Portuguesa de História, da Academia de Marinha e do Instituto Histórico-Geográfico de São Paulo) e distinções honoríficas nacionais e estrangeiras do mundo lusófono.
Com a instauração do regime democrático deixou de se envolver directamente na política e concedeu prioridade ao estudo e à divulgação da Cultura e da História Portuguesa. Neste período, ficou conhecido como um carismático divulgador da História do país, como escritor e comunicador televisivo, porque as suas sínteses pedagógicas serviram milhares de estudantes e a sua arte retórica, possivelmente inspirada no político António Cândido Ribeiro da Costa[3], expressa nos seus gestos de efusiva teatralidade Barroca, na clareza didáctica da suas explicações e na magia do seu poder imaginativo, têm cativado a população portuguesa e transformado os seus programas em êxitos continuados de audiências. São características emblemáticas da sua linguagem: quer a expressividade Barroca das suas mãos, que ficou gravada na retina de milhões de portugueses, quer a sua carismática frase, que em muitos programas repetiu à exaustão, “foi aqui, exactamente aqui…” que fascinou muitos telespectadores.
A obra intelectual de José Hermano Saraiva consta de dezenas de livros publicados, de múltiplos artigos ou discursos editados, que se repartem por trabalhos de investigação histórica, de prelecção pedagógica, de conteúdo jurídico e, fundamentalmente, pelos livros de divulgação da memória colectiva como coordenador de obras colectivas que reuniu uma plêiade de historiadores e de investigadores, pelos livros de síntese histórica e pelos programas televisivos de grande habilidade na oratória que prenderam a atenção mediática de muitos telespectadores. Dos seus livros mais relevantes destacamos: História Concisa de Portugal[4], que foi já traduzida em várias línguas, História de Portugal em vários volumes que dirigiu alguns prestigiados historiadores e investigadores[5] (José Mattoso, Humberto Baquero Moreno, Joaquim Veríssimo Serrão, António Reis, Armando de Castro, Óscar Lopes, etc) e a Breve História de Portugal[6].
Em suma, José Hermano Saraiva alcandorou-se em autêntico diplomata da Cultura Portuguesa no mundo pela projecção internacional que tem alcançado junto da opinião pública nacional, das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo e de muitos lusófilos estrangeiros.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] António Pedro Vicente, “José Hermano Saraiva”, in Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas e J.M. Brandão de Brito, vol. 2, Lisboa, Editora Bertrand, 1996, pp. 887-888.
[3] Na verdade, José Hermano Saraiva antes de iniciar as suas séries documentais de grande sucesso televisivo proferiu uma palestra sobre o brilhante orador António Cândido (1852-1922) na Academia das Ciências de Lisboa, que esta instituição editou em 1988.
[4] José Hermano Saraiva, História Concisa de Portugal, Mem Martins, Publicações Europa-América, 1978.
[5]História de Portugal, Direcção de José Hermano Saraiva, Lisboa, Publicações Alfa, 1986.
[6] José Hermano Saraiva, Breve História de Portugal: ilustrada, Amadora, Editora Bertrand, 1981.
Miguel Reale marcou a Cultura Luso-Brasileira pela sua fibra intelectual como Jurista, Filósofo, Ensaísta, Historiador das Ideias e Escritor. Realiza-se, em Lisboa, de 8 a 11 de Novembro de 2010, no âmbito do Centenário do seu nascimento, o Colóquio intitulado “Miguel Real e o Pensamento Luso-Brasileiro”, com comunicações de numerosos e prestigiados especialistas, numa parceria entre o Instituto Luso-Brasileiro de Cultura e o Centro de História da Cultura da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Durante este Colóquio será lançada a revista “Nova Águia”, nº 6, às dezassete horas do dia 10 por Renato Epifânio, pois nela se destaca um artigo do Professor Doutor António Braz Teixeira[1], um dos esteios do Instituto Luso-Brasileiro de Cultura, em que nos revela a faceta, menos conhecida, de Miguel Reale como Historiador das Ideias Filosóficas Brasileiras.
Este pensador afirmou-se internacionalmente com a sua Teoria Tridimensional do Direito, que o catapultou para um reconhecimento Académico, além fronteiras, como Filósofo Jurídico. Na realidade, a pluralidade dos seus saberes e das suas curiosidades intelectuais imprimiram-lhe o perfil de Humanista que escreveu obras em diversas áreas: Filosofia do Direito, Filosofia Brasileira, História da Cultura, Ciência Política, Literatura, deste modo teve vários livros traduzidos em diversas línguas. No Brasil, o seu prestígio público emanou da sua grande autoridade intelectual que o levou a ingressar na Academia Brasileira de Letras, a partir dos anos 70, e a colaborar na Comissão que reviu, em 1967, a Constituição Brasileira. Já nos últimos de vida concedeu o seu contributo de especialista no trabalho de supervisão do actual Código Civil Brasileiro.
É, pois, absolutamente justa esta Homenagem, inerente a este Colóquio e ao artigo que o novo número da “Nova Águia” nos apresenta, para que, as sociedades lusófonas, conheçam melhor o pensamento deste insigne Homem de Letras Brasileiro.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] António Braz Teixeira, “Miguel Reale, Historiador das Ideias”, in Nova Águia, nº 6, 2º semestre de 2010, Sintra, Editora Zéfiro, pp. 140-142.
Portugal teve grandes expoentes na composição musical dos séculos XVIII e XIX. Carlos Seixas e Marcos Portugal foram dois bons exemplos, como se poderá aferir pelos excertos que a seguir vos apresento.
José António Carlos de Seixas (1704-1742) foi um grande compositor, organista e cravista português do século XVIII. Iniciou a sua carreira como organista da Sé de Coimbra, mas pelo seu mérito foi colocado ao serviço da Corte Portuguesa, tendo sido designado organista da Sé Patriarcal e da Capela Real, onde teve oportunidade de conviver com Domenico Scarlatti, compositor italiano e Mestre régio. Acabou por falecer, precocemente, já como Mestre da Capela Real. Na sua curta vida tocou em diversas Igrejas, obras religiosas para órgão, e em saraus aristocráticos muitas peças para cravo de tons mais festivos. Deixou vários discípulos, como professor de cravo e criador de obras artísticas de inestimável valor.
Marcos António da Fonseca Portugal (1762-1830) teve uma vida bem mais longa e ligada a alguns acontecimentos marcantes da História de Portugal. Adquiriu como compositor e organista um grande prestígio internacional. Aos 21 anos tornou-se compositor e organista da Sé Patriarcal de Lisboa. A Corte Portuguesa encomendou-lhe algumas obras religiosas para serem exibidas no Palácio Real de Queluz e na Basílica de Mafra. Pela fama alcançada na Corte Portuguesa conseguiu uma bolsa de estudo para Itália. Assim, durante oito anos, foi estrangeirado nesse país, tendo criado várias óperas que foram exibidas em teatros célebres de Florença, Veneza e Milão.
Quando Marcos Portugal regressou a Lisboa em 1800 foi nomeado Mestre do Seminário da Patriarcal e Maestro do Teatro de São Carlos, onde alguns anos mais tarde colaborou com os invasores franceses, aceitando algumas encomendas. Acabou, mais tarde, por se deslocar para o Brasil continuando a trabalhar com a família Real Portuguesa, ao compor várias óperas apresentadas no Teatro Real de São João, no Rio de Janeiro, e foi professor de música do futuro D. Pedro IV de Portugal e imperador do Brasil. Faleceu no Rio de Janeiro em 1830. Afigura-se-me que a sua relevância tem sido um pouco esquecida no reportório de orquestras de câmara que se dedicam à Música Antiga.
George Agostinho Baptista da Silva, nasceu no Porto no início do século XX no regime da Monarquia Constitucional, tendo-se destacado como professor, filósofo e poeta. Contudo, a sua humildade e o seu sentido cívico aproximaram-no dos cidadãos, que muitas vezes tendem a olhar de soslaio para os filósofos, na medida em que procurou fazer da filosofia o móbil de legitimação da intervenção na sociedade e, por isso, mostrou a importância da “praxis” na vida dos filósofos. Deste modo, evidenciou-se como um Humanista no seu original pensamento da Liberdade e da Lusofonia que edificou com os seus escritos e com a sua vida.
Formou-se em 1928 em Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade do Porto com 20 valores. Desde então passou a colaborar na revista “Seara Nova”[1], durante 10 anos, onde teve oportunidade de conhecer grande parte do escol intelectual português. Com apenas 23 anos sustentou a sua Dissertação de Doutoramento, enveredando por uma perspectiva de Filosofia da História com o seu trabalho académico “O Sentido Histórico das Civilizações Clássicas”. De 1931 a 1933, já no contexto do autoritarismo português, foi estudar para Paris como Bolseiro na Sorbonne e no Collège de France.
No regresso a Portugal em 1935, já em pleno Estado Novo, começa a leccionar no ensino público secundário, mas tendo-se recusado a assinar um documento, que obrigava todos os funcionários públicos a declararem que não participavam em organizações secretas, é exonerado do cargo. Passa então para o ensino privado, onde foi professor de Mário Soares e de Lagoa Henriques. Nesta fase da sua vida dedicou-se com empenho às questões pedagógicas, levando-o à criação da Escola Nova de São Domingos de Benfica e do Núcleo Pedagógico Antero de Quental.
No início dos anos 40 quando se torna mais incómodo, pelos seus escritos, para o regime Salazarista, posicionando-se como um denodado oposicionista, a PVDE ( antiga designação da PIDE ) prende-o em 1943 e a Igreja Católica critica-o pelas suas ideias religiosas pouco ortodoxas. Estes factos adversos, indicativos de plena assumpção da sua liberdade, irão levá-lo ao exílio na América do Sul, tendo estado no Brasil, no Uruguai e na Argentina.
De 1947 a 1969 viveu no Brasil onde estudou e ensinou em diversas Universidades. Foi, com efeito, um intelectual empreendedor ao participar na criação da Universidade de Santa Catarina e na Universidade de Brasília e ao criar Centros de Estudos[2] que o fizeram aprofundar a compreensão da importância da Lusofonia. A proximidade intelectual que manteve com Jaime Cortesão, na investigação que desenvolveram sobre a figura de Alexandre de Gusmão e na Exposição do Quarto Centenário da cidade de São Paulo, terá sido decisiva para aprofundar a sua convicção lusófona, pois este eminente Historiador dos Descobrimentos Portugueses sempre sustentou a tese do Humanismo Universalista dos Portugueses.
Agostinho da Silva regressou a Portugal durante o período do Marcelismo, em 1969, e dedicou-se nessa altura, fundamentalmente, à escrita. Só após a Revolução do 25 de Abril de 1974 passou a leccionar regularmente em Universidades Portuguesas, designadamente na Universidade Técnica de Lisboa onde dirigiu o Centro de Estudos Latino-Americanos e foi designado consultor do Instituto da Cultura e Língua Portuguesa. Veio a transformar-se num dos mentores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) pelas suas concepções e vivências lusófonas de fraternidade e união cultural dos países de língua portuguesa[3], sonhando mesmo com uma futura União Lusófona. Faleceu em Lisboa em 1994 sem conhecer esta nova instituição supranacional.
No princípio dos anos 90 a RTP1, imbuída de uma meritória missão de Serviço Público, emitiu uma série de notáveis entrevistas com o Professor Agostinho da Silva que o popularizou na sociedade portuguesa. Irei mostrar, de seguida, dois destes documentos televisivos intitulados “Conversas Vadias”. Além desta homenagem em vida, a este promotor da Cultura Lusófona, já postumamente constituiu-se a Associação Agostinho da Silva, em 1995, realizou-se a Comemoração do Centenário do seu nascimento, em 2006 e publicou-se o terceiro número da revista Nova Águia intitulado “O legado de Agostinho da Silva – quinze anos após a sua morte”[4] em 2009.
O original pensamento filosófico, expresso muitas vezes numa linguagem poética de maior acessibilidade, de Agostinho da Silva, que nos foi legado pelos seus escritos e depoimentos orais, só aparentemente é libertário pelo tom provocador, crítico, que imprimiu em algumas das suas mediáticas entrevistas, mas, na verdade, este pensador foi um construtor de uma “praxis” comprometida com uma elevada consciência cívica e social actuante, como a sua vida nos demonstra sobejamente.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Fernando Farelo Lopes, “Seara Nova”, in Dicionário Encclopédico da História de Portugal, vol. II, Alfragide, Selecções do Reader’s Digest, p. 216.
[2] Agostinho da Silva criou o Centro de Estudos Afro-Orientais na Universidade de Santa Catarina e o Centro Brasileiro de Estudos Portugueses na Universidade de Brasília.
[3] Renato Epifânio, “Agostinho da Silva: um legado”, in A Via Lusófona – Um novo horizonte para Portugal, Sintra, Edições Zéfiro, 2010, pp. 86-89.
[4]Nova Águia, nº 3 – 1º Semestre de 2009, Sintra, Zéfiro Editores, 203 p.
Entrevista do Professor Agostinho da Silva conduzida pelo jornalista Adelino Gomes
Entrevista do Professor Agostinho da Silva conduzida pelo jornalista e escritor Armando Baptista-Bastos