Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Portugal é um país com imensas potencialidades turísticas, pela variadade das suas regiões continentais e insulares, pelo clima temperado, pelas suas populações hospitaleiras, pela grande riqueza gastronómica, pelo largo conjunto monumental, histórico e natural, classificado como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO e pelas praias infindáveis do seu litoral meridional e ocidental.
Podemos invocar alguns locais feéricos para cheirar o ambiente poético que paira no ar. Não é, pois, casual a designação de “Portugal como país de poetas”, tais são os inúmeros locais inspiradores das musas poéticas como Sintra, a paisagem duriense, as cidades de Lisboa e do Funchal, as pitorescas localidades de Monsaraz, de Serpa, de Linhares da Beira, de Piodão, de Freixo de Espada-à-Cinta, as sublimes cidades de Tavira, de Aveiro, do Porto, as encantatórias vilas de Ponte de Lima, da Ericeira, da Nazaré, de Óbidos, a paisagem magistral da Lagoa das Sete Cidades e as doces planícies douradas do Alentejo e tantas outras.
Aliás, num desejável conceito estratégico nacional, deve incorporar-se como uma das prioridades da pátria portuguesa a exploração sustentável desta riqueza natural ímpar, moldada pela sensibilidade estética do português, que o Criador nos legou.
Se as condições naturais nos favoreceram com um habitat para uma vida saudável, como a presença de importantes vestígios arqueológicos milenares pré-históricos, do norte ao sul do país, bem testemunham, apesar de não termos sido bafejados com recursos minerais valiosos, devemos agradecer à Divina Providência esta casa comum onde conseguimos medrar como povo latino de consabida inteligência emocional.
Se nem sempre os investimentos em infraestruturas turísticas realizadas valorizaram a paisagem, como foi o caso evidente do descontrolado crescimento urbanístico no litoral algarvio no último quartel do século XX, que desfeiou a prodigiosa paisagem natural da frente meridional, tem havido mais recentemente políticas tardias, mas sensatas, de reordenamento do território.
Portugal é um país privilegiado no turismo marítimo, uma vez que através de Lisboa, cidade maravilhosa e solarenga das sete colinas, passam hoje em dia muitos navios de cruzeiro que vislumbram a sublime zona ribeirinha, alfacinha, com os seus prédios bem coloridos, a fazer lembrar as prodigiosas pinturas de Carlos Botelho e de Maluda, o magistral livro A Cidade de Ulisses de Teolinda Gersão e a homenagem do arquiteto Tomás Taveira, nos anos 80 do século XX, num conjunto arquitectónico de muito discutível gosto.
Neste país, periférico da Europa, mas à beira mar plantado, há uma diversificada oferta de tipos de turismo, e a título de exemplos: de saúde nas termas de Monfortinho; religioso no Santuário de Nossa Senhora de Fátima; recreativo nas praias algarvias e na sua intensa vida nocturna ou na movida lisboeta; desportivo no evento Euro 2004; cultural na multiplicidade de monumentos históricos, que a mais velha nação da Europa, na sua configuração fronteiriça, tem sabido deixar ao mundo e de negócios com a realização de múltiplos convénios profissionais e científicos internacionais, etc.
Na evolução histórica do turismo constam, como precedentes dos séculos I a. C. ao XV d. C., as viagens de gregos e de romanos no Mar Mediterrâneo, as míticas peregrinações medievais onde se adoravam as relíquias de muitos santos e, por fim, no crepúsculo da Idade Média, as viagens de comércio de flamengos, de genevezes, de venezianos e de florentinos.
Num segundo período, que compreende os séculos XVI a XVIII, houve um aumento de viagens particulares da aristocracia e da burguesia, designadamente com o Grand Tour efectuado na Europa por diplomatas e por estudantes abastados. Na sequente conjuntura histórica, em oitocentos, desenvolveram-se ainda os centros termais que se constituíram como locais singulares de convívio dos grupos de elite. As grandes guerras mundiais fizeram retrair os fluxos turísticos no mundo e, em particular, na Europa.
De facto, Portugal é um país com muitas potencialidades turísticas pelas suas condições naturais, pelos investimentos realizados em infraestruturas e pela capacidade criativa que está no ADN deste distinto povo latino. No entanto, só na segunda metade do século XX e com a democratização do turismo se começaram a construir estruturas hoteleiras de grandes dimensões de acolhimento de turistas nacionais e estrangeiros.
Com efeito, foi a partir dos anos de 1950 e de 1960, com a obtenção do direito de férias pagas e com o desenvolvimento dos transportes aéreos e terrestres, que aparecem unidades hoteleiras de dimensão considerável fora da capital, passando a proliferar as agências de viagem e as tipologias de viagens organizadas.
Em suma, Portugal, pelas suas caraterísticas climáticas, pela riqueza do património edificado e classificado pela UNESCO e pela diversidade das paisagens, como já o enunciava Fernando Pessoa a propósito da revista Orpheu, pela singularidade qualitativa da sua gastronomia, pelo primor dos seus vinhos e pela multiplicidade das suas tradições locais, constitue-se como país excecional para o desenvolvimento turístico. Esta deve ser, aliás, uma das prioridades estratégicas a ser tida em conta num futuro conceito estratégico nacional, que tanta falta faz ao nosso país, como o reconhece lucidamente o Professor Adriano Moreira.
Last but not least, não podemos olvidar-nos de uma sensibilidade humanista universalista, na aceção de Jaime Cortesão, que nos carateriza nas qualidades de acolhimento turístico bem como nas qualidades de um povo que, historicamente, soube dar novos mundos ao mundo num espírito de fraternidade, de convívio e de encontro pacífico e tolerante com outros povos desde a era dos Descobrimentos marítimos.
Lisboa é uma cidade cheia de encantos que se espraia por uma área irregular alcandorando-se sobre o rio Tejo, donde partiram as naus e as caravelas para “abrir novos mundos ao mundo” nos séculos XV e XVI. As luzes, as sombras e as cores magníficas que sobressaem dos recantos pitorescos e das paisagens dos inúmeros miradouros enfeitiçam os turistas, mas, por vezes, na azáfama das nossas rotinas e das nossas angústias, que a crise financeira de rosto nacional e global e a crise de sustentabilidade ambiental, esquecemo-nos de observar e contemplar esta tão maravilhosa cidade.
Para a opinião pública internacional Lisboa é a cidade de Fernando Pessoa que cá se entrincheirou na sua vida boémia e poética, mas muitos outros poetas cá nasceram e viveram. Nos bairros antigos (Alfama, Castelo, Graça, Lapa, Madalena, Mercês, Penha de França, Santa Catarina, Santa Engrácia, Santa Maria de Belém, Santos-o-Velho, São Sebastião da Pedreira, São Vicente de Fora, etc) apetece passear e desfrutar da beleza criativa que os portugueses conseguiram erguer nos seus bairros mais castiços da capital. Já nos bairros novos paira uma amarga tristeza nos insípidos bairros de prédios modernos onde a identidade urbanística se dilui.
Para se conhecer bem a riqueza patrimonial (histórico-cultural) e social desta cidade nada melhor que calcorreá-la em passeio pedestre de ritmo calmo, em passo antigo de cidadão Oitocentista em revivalismo romântico, para lhe sentirmos e tomarmos pulso à sua alma. Talvez, os filmes que melhor retrataram esta urbe tenham sido “Lisboa Story”, de Wim Wenders, realizado em 1994 ou “O Pai Tirano”, de António Lopes Ribeiro, de 1941 ou outra destas comédias da época de ouro do cinema português.
A Olisipografia[1], como conjunto de estudos históricos, culturais e sociais sobre a cidade de Lisboa, foi criada por Júlio de Castilho e desenvolvida por Gustavo de Matos Sequeira, cuja edilidade lhes reconheceu o supremo contributo para o maior conhecimento urbanístico atribuindo-lhes os seus nomes, respectivamente, a uma praça junto à rua do Limoeiro e uma rua junto à rua da Escola Politécnica. Estes iniciadores deste ramo do conhecimento urbanístico da cidade têm ainda como cultores afamados destes estudos, como pares distintos, Norberto Araújo e Marina Tavares Dias. Esta autora, nossa contemporânea, tem publicado as suas obras em ricas edições de papel lustroso.
Da cidade antiga faziam parte como elementos bem castiços os românticos quiosques de estilos variados, os bebedouros e os fontanários, além de que o perímetro urbano era bem mais acanhado. Basta lembrar que freguesias como Benfica ou o Lumiar eram, nos séculos XVIII e XIX, zonas de repouso das famílias aristocráticas que lá possuíam as suas quintas, ainda hoje apesar da proliferação coexistem zonas de prédios com quintas antigas como seja a Quinta da Granja, em Benfica, bem ao lado do Centro Comercial Colombo, que no fim do século XX foi tenazmente defendida a sua preservação e o seu espaço envolvente pelo arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles e recebeu uma visita de José Sousa Veloso que aí rodou um dos seus celebérrimos programas da TV Rural.
Ao longo do século XX o aspecto urbanístico da cidade de Lisboa mudou radicalmente com a integração da arquitectura funcionalista. Em particular teve grande significado a tentativa de viragem da cidade para a sua zona ribeirinha, uma vez que a sua expansão geográfica a fez crescer para o interior. Com efeito, houve dois momentos históricos que procuraram reabilitar a face ribeirinha da capital: a Exposição do Mundo Português de 1940[2] que levou à intervenção no sítio de Belém e no final do século XX à edificação da nova zona urbanística reabilitada para a realização da Expo em 1998. Assim, estes antigos espaços portuários, ou antigas zonas de instalações fabris, foram requalificados para que se tornassem “salas nobres” para a vivência dos alfacinhas e a recepção dos turistas e Chefes de Estado, no caso da zona de Belém.
Ao mesmo tempo, pretendeu-se nestes espaços nobres da zona de Belém, intervenção recebida no tempo de António de Oliveira Salazar, e da zona Expo, intervenção recebida no “consulado” de António Guterres, criar um simbolismo histórico que fosse marcante para a identidade nacional. Este aspecto justifica que se tenham construído como marcos arquitectónicos semelhantes: o Padrão dos Descobrimentos[3] em frente à Praça do Império durante o Estado Novo e a Torre de Vasco da Gama a flanquear a zona oriental da Expo 98. Por um lado, a Exposição do Mundo Português visando comemorar a fundação do Estado Português em 1140 devido às proezas bélicas de D. Afonso Henriques e a restauração da independência em 1640 com a libertação do jugo Filipino e, por outro, a Expo 98 pretendendo comemorar os 500 anos da chegada de Portugal à Índia realçou o espírito português em contexto de Globalização.
Em suma, a cidade de Lisboa merece em tempo de estio e de férias, uns bons passeios a pé, porque muitas vezes quem nos visita acaba por conhecer melhor a capital do que “os alfacinhas” que se querem ausentar dela para irem para a Costa da Caparica, para o “reino dos Algarves” ou para o estrangeiro. Fica a sugestão de um passeio de reconhecimento urbanístico num dia soalheiro nesta muita bela cidade.
[1] Fernando Castelo Branco, Breve História da Olisipografia, Lisboa, Edição Instituto da Cultura Portuguesa, 1979, 108 p.
[2] Nuno de Sotto-Mayor Quaresma Mendes Ferrão, A Praça do Império e o Padrão dos Descobrimentos à luz da mentalidade e da ideologia que os edificaram, Lisboa, Trabalho no âmbito da cadeira de História da Arte Contemporânea, Edição policopiada, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1992.
[3] O Padrão dos Descobrimentos e a Praça do Império com desenho arquitectónico de José Ângelo Cottinelli Telmo e o trabalho de importantes escultores como Leopoldo de Almeida, António Duarte Domingos Soares Branco, etc., foram erguidos em 1940 para a realização da Exposição do Mundo Português. Contudo, o Padrão dos Descobrimentos e alguns dos pavilhões foram construídos em materiais efémeros e a edificação deste “ex-libris” de Lisboa só foi erguido em materiais duradoiros em 1960 na comemoração dos 500 anos da morte do Infante D. Henrique.