ANTÓNIO FERNANDO PEDROSO QUARESMA (1897-1957) – NOTA BIOGRÁFICA DE UM OFICIAL DO EXÉRCITO
António Fernando Pedroso Quaresma nasceu, em Mafra, a 15 de março de 1897, e foi batizado, na mesma vila na basílica do Palácio-Convento, tendo por padrinho Fernando Maria de Almeida Pedroso, seu tio-avô, ilustre jornalista legitimista, ex-presidente e um dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa. Profissionalmente, foi capitão da aeronáutica, funcionário de empresa dos tabacos e lavrador. Aos vinte anos residia, em Lisboa, na Rua Andrade Corvo. Terminada a “grande conflagração internacional”[1], casou-se, a 20 de abril de 1919, em Xabregas, com Maria Madalena de Vasconcellos Hasse de Sotto-Mayor, com quem teve 12 filhos (José, Maria Fernanda, Maria das Mercês, Maria Antónia, Maria Teresa, Jaime, Maria Inês, Maria do Carmo, Maria Madalena, António e dois bebés que acabaram por falecer) formando uma família numerosa (*). Estudou no Colégio Militar, uma vez que o seu pai era coronel de infantaria.
Em seguida ao seu casamento, seu sogro, Jayme Arthur Freire de Sotto Mayor, desafiou-o para tarefas diretivas na Companhia de Tabacos de Portugal, tendo aceite o convite, passou a acumular estas funções com o serviço inerente à carreira militar (**).
Era filho de José Virgolino Feyo Quaresma[2] e de Maria Engrácia de Almeida Pedroso[3] e tinha 3 irmãos: João Pedroso Quaresma, Maria Luísa Pedroso Quaresma e Maria José Pedroso Quaresma.
Seguiu a atividade agrícola do seu pai, ao tratar de uma propriedade rural, no “Carvalhal de Óbidos”[4], com grande potencialidade hortícola como forma de complemento ao sustento familiar, conhecida por “Horta de Ferro”, talvez devido à existência de minas de água, que tornavam este terreno particularmente fértil.
Revelou algum talento artístico patente nos quadros que reproduziu em cópias da pintura naturalista portuguesa, embora em dimensões de pequeno formato em relação aos quadros originais, tal como se evidencia na reprodução miniatural que fez da obra “Os bêbados” do conceituado pintor José Malhoa[5]. Fez, também, pintura a partir de fotografias, como foi o caso de uma fotografia tirada pelo reputado médico Prof. Doutor Carlos Santos a um a lavrador idoso de um semblante expressivo de uma tranquila felicidade. Mostrou, também, algum gosto pela bricolage, com reparações de manutenção de automóveis, de motos e de um coche para o cavalo e, mesmo, revelando prazer por alguns trabalhos de marcenaria, construindo diversas peças de mobiliário.
Era dado a algumas extravagâncias na sua vida familiar, reunindo, por exemplo, em casa diferentes animais de estimação exóticos como o macaco ou um casal de lobos e até em sítios inusitados da casa. Muitas vezes quando ia a banhos na praia do Baleal, com a família, levava alguns animais como o cavalo, que iam também ao banho, o que deixava os outros banhistas estupefactos. A título de curiosidade e como experiência, na sala de jantar de uma temporada de praia passada na Foz do Arelho e à hora das refeições, a família partilhou com pássaros este espaço, que sobrevoavam a mesa durante as refeições. Talvez esta alma excêntrica de artista explique o olhar embascado de outros cidadãos, que com ele se cruzavam.
Como caçador tinha, também, alguns cães de caça e possuía uma vaca leiteira, para a alimentação do filho mais novo.
Na sua carreira militar[6] destacam-se alguns factos relevantes. Aos dezoito anos, em 24 de novembro de 1915, alistou-se como voluntário no regimento de cavalaria nº 4, tendo aí prestado serviço até 27 de abril de 1917. A 28 de abril de 1917 é promovido a alferes miliciano do regimento de cavalaria nº 2.
Em julho de 1917, seguiu para França, por via terrestre, e apresentou-se, na Legação Portuguesa em Paris, para participar no esforço português da 1ª guerra mundial. Em finais de 1917, recebeu formação em Londres para se tornar piloto-aviador, tendo obtido o diploma de piloto-observador, o que lhe permitiu juntar-se ao Corpo Expedicionário Português em França, integrando aviões de reconhecimento logístico das forças militares em combate na guerra das trincheiras. Como reconhecimento dos serviços prestados na Grande Guerra, recebeu uma medalha comemorativa do Corpo Expedicionário Português com a legenda “França 1917-1918”, de acordo com publicação oficial de 30 de abril de 1919.
No conturbado período “pós-sidonista”, após o assassinato do Presidente da República Sidónio Pais, ocorreu de 10 a 17 de janeiro de 1919 uma revolta, em Santarém, que exigia a demissão do governo de Tamagnini Barbosa e a dissolução do Congresso da República, que poderia ter dado oportunidade às forças monárquicas de se entrincheirarem na cidade. A sua intervenção destemida neste acontecimento levou-o a receber um louvor “pelos relevantes serviços que com risco de vida, prestou na defesa das instituições republicanas” durante este facto insurrecional. Salienta, ainda, este documento que “demonstrando a cada passo invulgar bravura e admirável dedicação e patriotismo pela causa da pátria e da República”[7], sendo publicado a 6 de março de 1920. Por esta mesma intervenção recebeu, ainda, uma medalha de prata da classe de bons serviços.
Revelou-se um estrénuo defensor das instituições republicanas, daí que tenha sido condecorado com o grau honorífico de Cavaleiro da Ordem Militar de Avis, em publicação de 5 de outubro de 1925, tendo também assumido, mais tarde, uma posição de democrata crítico do regime autocrático do Estado Novo. Por despacho de 29 de outubro de 1938 foi colocado na situação de reserva. Nesta ocasião, deixou a Fábrica de Tabacos, o que lhe permitiu, nos últimos anos de vida, acumular duas pensões e ir residir para o Carvalhal (d' Óbidos) e dedicar-se às atividades da lavoura (**).
Prestou serviço no Asilo de Inválidos Militares de Runa, desde os anos 50. Foi colocado na 3ª Repartição da 1ª Divisão do Subsecretário de Estado da Aeronáutica a partir de 1 de outubro de 1951.
Com o seu espírito agnóstico, nas derradeiras horas de vida, solicitou a uma das filhas que lhe trouxesse um sacerdote para lhe ministrar o sacramento da extrema-unção, pelo que se terá convertido ao catolicismo no final da vida. Terá ido, uma vez, ao Santuário de Nossa Senhora de Fátima, o que o terá aproximado da conversão à fé cristã e o fez selar o seu casamento à luz da Igreja Católica Apostólica Romana (*). Faleceu a 13 de outubro de 1957, na Amadora.
Em suma, António Quaresma revelou como virtudes fundamentais, que impressionaram quem o conheceu bem, a frontalidade, o sentido de família, o engenho prático, a sensibilidade artística e emocional, o instinto protector dos animais, a bravura militar e firmes convicções de patriotismo e de republicanismo. A sua índole republicana fê-lo, talvez, duvidar numa mentalidade quase positivista da fé católica, mas as circunstâncias de vida fizeram-no converter-se ao catolicismo.
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[1] Expressão utilizada para a 1ª guerra mundial na imprensa portuguesa da época.
[2] Foi, também, combatente na 1ª guerra mundial no teatro de operações de Moçambique.
[3] Miguel Maria Telles Moniz Côrte-Real, Genealogia das Elites de Óbidos e Caldas: as famílias Silva Freire, Sotto-Mayor e Fialho de Mendonça, s.l., Separata da Revista Armas e Troféus, IX Série, Janeiro-Dezembro 2000-2001, p. 356.
[4] Atualmente, o Carvalhal pertence ao concelho do Bombarral.
[5] Aqui reproduzida e pertencente a um dos familiares.
[6] Arquivo Histórico Militar, Processo Individual do Oficial, António Fernando Pedroso Quaresma – caixa 3586 - documentos (Notas biográficas como oficial; Folha de matrícula do capitão António Fernando Pedroso Quaresma; Serviço de estatística – Boletim Individual de António Pedroso Quaresma) – código de referência PT/AHM/DIV/1/35A/1/06/1584.
[7] Notas biográficas como oficial, in Arquivo Histórico Militar, Processo Individual do Oficial, António Fernando Pedroso Quaresma – caixa 3586.
(*) Testemunho prestado por Gonçalo Andrade Santos, a 28 de abril de 2021.
(**) Testemunho prestado por Maria Madalena Sotto-Mayor Quaresma Mendes Ferrão, a 12 de julho de 2022.
Nuno Sotto Mayor Ferrão