CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE ÁLVARO BARREIRINHAS CUNHAL (1913-2013) – A MUNDIVIDÊNCIA E A “PRÁXIS” MARXISTA NA HISTÓRIA DE PORTUGAL
As Comemorações do Centenário do nascimento de Álvaro Cunhal (1913-2013) decorrem este ano com várias iniciativas: exposições, peças de teatro, fotobiografia, colóquios, etc. Na Festa do Avante, na Quinta da Atalaia, durante o início deste mês de setembro a sua presença simbólica é uma constante, uma vez que à Festa partidária está associada uma agenda cultural muito completa como o reconheceu, meritoriamente, o professor Marcelo Rebelo de Sousa.
Álvaro Barreirinhas Cunhal foi um político e escritor português que nasceu nas vésperas da 1ª Guerra Mundial, no ano de 1913, em pleno regime Republicano. Veio ao mundo no seio de uma família burguesa, em que o seu pai era um advogado Republicano e a sua mãe uma católica convicta, mas cedo rompeu estas amarras conservadoras tornando-se um revolucionário na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Como estudante liceal fez emergir a sua capacidade de pesquisa em volta de grandes figuras e acontecimentos do século XIX português. Mais tarde, no contexto histórico das ditaduras portuguesas (Ditadura Militar e Salazarismo), nos anos 30, amadurece ideologicamente aderindo ao Partido Comunista Português descontente com a opressão autoritária e entusiasmado com a Revolução Bolchevique Russa de 1917 e torna-se rapidamente dirigente estudantil universitário.
Como revolucionário foi preso vários anos pela PIDE entre 1937 e 1960, com períodos de interrupção ou de libertação, sujeito à tortura, mas soube aproveitar a sua passagem pelos calabouços para desenvolver as suas capacidades intelectuais e artísticas, escrevendo, pintando e desenvolvendo a sua tese de licenciatura sobre as vantagens da despenalização do aborto. Acompanhado por guardas prisionais foi à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa defender com sólidos argumentos a sua tese perante um júri constituído por personalidades ligadas ao regime do Estado Novo, designadamente Marcelo Caetano.
Nos anos 40 assume um importante papel de dirigente clandestino do Partido Comunista Português, organizando greves operárias e sustentando a implantação de um regime democrático em Portugal, tendo, por isso, impulsionado a criação do Movimento de Unidade Nacional Antifascista e o Movimento de Unidade Democrática.
Após vários anos nos calabouços, que provam a sua resistência física e psicológica, foge da prisão do Forte de Peniche a 3 de janeiro de 1960, com outros camaradas comunistas, fazendo esta planeada peripécia rocambolesca lembrar a fuga dos calabouços da prisão ducal de Veneza de Giacomo Casanova. Este heroísmo, o seu crescente prestígio e influência doutrinária e organizacional conduziu-o à chefia do Partido Comunista Português de 1961 a 1992.
Exilou-se, nos anos terminais do regime do Estado Novo, tendo organizado a fuga de dirigentes anticolonialistas (Agostinho Neto e Vasco Cabral) e orientado do estrangeiro a rádio do Partido. Até 1960, nos períodos em esteve em liberdade, teve um trabalho pedagógico de orientação de estudos no Colégio Moderno, da família Soares, e escreveu para vários jornais e revistas.
No decurso da Guerra Fria (1947-1991) foi patenteando apoio às posições soviéticas em diversas ocasiões. No entanto, as suas visões ortodoxas, pró-soviéticas, levaram ao longo do século XX ao distanciamento crítico de intelectuais como António José Saraiva e António Borges Coelho do marxismo empedernido.
A seguir ao êxito da Revolução do 25 de abril de 1974, dada a sua atitude antifascista, regressa a Portugal como um herói, passeando por Lisboa de braço dado com Mário Soares, embora mais tarde os dois políticos venham a discordar no rumo a dar ao processo revolucionário. A apoteose com que foi recebido no país está bem demonstrada no comício do 1º de maio desse ano realizado no Estádio da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho. No regime democrático, posterior a 1974, ocupou vários cargos políticos (ministro várias vezes dos primeiros governos provisórios, deputado de 1975 a 1992 e conselheiro de Estado desde os anos 80).
O seu funeral em 2005 recebeu uma comovida e invulgar adesão popular, dada a sua indiscutível personalidade carismática, não obstante tenha revelado uma ortodoxia política sempre no encalço da União Soviética, o que levou à dissidência de alguns dirigentes comunistas no quadro da queda do bloco comunista nos anos 90 dada a sua influência tutelar, mesmo a após a sua saída de secretário-geral do Partido Comunista Português.
Escreveu numerosas obras de doutrina política, de exegese histórica e de ficção. Dos livros de ficção destacam-se os romances assinados com o pseudónimo de Manuel Tiago intitulados “Até amanhã, camaradas!” e “Cinco dias, cinco noites”, que foram no final do século XX e início do século XXI passados à tela cinematográfica. Num esforço de exegese histórica publicou o livro As lutas de classes em Portugal nos fins da Idade Média (1975), no conturbado período revolucionário, aplicando a lexicologia marxista à interpretação histórica. Manifestou, ainda, o seu talento artístico em belos desenhos que fez na prisão.
Em síntese, as Comemorações do Centenário do nascimento de Álvaro Cunhal em 2013 são uma justa homenagem a uma figura paradigmática da História Contemporânea Portuguesa de inegáveis qualidades políticas, literárias e artísticas, independentemente das posições ideológicas de cada cidadão.
Nuno Sotto Mayor Ferrão