Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
A revista Brotéria – Cristianismo e Cultura foi modernizada na estética da capa e do grafismo, em que passou a ser apresentada ao público leitor, no início deste ano de 2020. Esta revista mensal recebeu em janeiro uma capa de cor vermelha, em fevereiro de cor azul, em março de cor laranja e em abril de cor verde, em sinal de Esperança, como nos afirma o Diretor, Padre António Júlio Trigueiros SJ, num dos vídeos que juntamos como documento.
Em termos de conteúdo, a revista apresenta temáticas tradicionais ligadas às humanidades, como a sociedade, a religião, a ética, a filosofia, a história, as artes e as letras, compaginando-as com temas de grande atualidade de Portugal e do mundo.
A revista alia a qualidade dos conteúdos a uma grande diversidade das temáticas através de um critério rigoroso estabelecido por um corpo diretorial de jesuítas, com um prestigiado conselho de redação e um amplo conjunto de colaboradores de múltiplas formações.
Atualmente, é seu Director o Padre António Júlio Trigueiros SJ, historiador e jesuíta que conjuga este cargo com a missão de Reitor da Igreja de S. Roque em Lisboa, substituindo o insigne Padre António Vaz Pinto SJ nestes dois cargos.
Nos últimos tempos, a tiragem mensal cifra-se entre os 1000 a 1200 exemplares, o que para uma revista de cultura com artigos de investigação é bastante considerável.
Nesta revista de março, destaco alguns artigos particularmente interessantes: do Padre António Júlio Trigueiros SJ sobre a abertura dos arquivos pontifícios do Papa Pio XII com uma perspetiva inovadora, mostrando como este pontificado procurou auxiliar a comunidade judaica no decurso da 2ª guerra mundial; de André Neves Afonso sobre o relicário do Conde de Ourém, patente no Museu Nacional de Arte Antiga, com uma análise da estrutura do culto das relíquias ao exame concreto deste artefacto da joalharia quatrocentista; de Maria Jésus Fernandez sobre as distopias na literatura portuguesa das últimas décadas; de João Cardoso Rosas sobre o posicionamento ideológico dos partidos portugueses do espectro político nacional; de Eduardo Lopes Madureira Jorge sobre o fenómeno das “Fake news” das redes sociais.
No mês de abril, a revista debruça-se sobre a temática incontornável da pandemia de COVID-19 num artigo conjunto dos Padres António Júlio Trigueiros SJ e Francisco Sasseti Mota SJ intitulado “Isolamento social e resiliência criativa”; numa abordagem de Jorge Buesco intitulada “Os dias impensáveis do COVID”; numa prosa inspirada com o título de "Da Calamidade à Graça: uma pequena gramática para o quotidiano" da autoria de D. José Tolentino de Mendonça; num artigo com o nome de “Os limites da sustentabilidade do transporte aéreo” de Francisco Ferreira, da Associação Zero e, no âmbito da análise religiosa, destaco ainda os textos de Miguel Rodrigues e do Padre Vasco Pinto de Magalhães SJ.
Assim, a presente revista cultural Brotéria trata temas de grande atualidade, de fundo cultural e de fundo religioso, com artigos de reflexão ou de investigação de múltiplos colaboradores. Além de uma equipa de Direção composta por 5 distintos padres jesuítas e um conselho de redação composto por 10 ilustres personalidades da cultura, de onde saliento as figuras muito prestigiadas de Guilherme d’ Oliveira Martins e de Manuel Braga da Cruz.
Em suma, no espírito ensaístico do Padre Manuel Antunes SJ e no ambiente da conjuntura pós-Concílio Vaticano II, a revista Brotéria abriu-se às questões de atualidade do mundo e, paulatinamente, aos contributos da sociedade civil, no respeito pela fé católica e no âmbito cultural, compaginando, por um lado, o diálogo das humanidades e das ciências exatas e, por outro lado, numa ponte entre a Igreja Católica, por intermédio de investigadores e de escritores jesuítas, e membros da sociedade civil comprometidos com a fé católica e a cultura cristã.
Recomendo, vivamente, a sua leitura, sempre bastante proveitosa, aos concidadãos interessados pela cultura, num espírito cristão e em temas que nos convocam a uma cidadania comprometida com o mundo que nos rodeia.
A Europa tem sido denominada de velho continente, pois conseguiu afirmou-se como o berço humanista do mundo por ter feito despontar na sua Civilização a democracia liberal, um rico património ético e uma apurada sensibilidade defensora dos direitos humanos. Perguntamos se, realmente, a Europa se encontra num lento declínio civilizacional como o escreveu Osvald Spengler, no início do século XX, na obra O Declínio do Ocidente e como o pretende sustentar, também, o nosso insigne pensador Adriano Moreira.
Na altura, em que Spengler sustentou a sua tese decadentista a Europa, em 1918, acabara de sair de um conflito improcedente que gerou a luta de todos contra todos, designadamente fruto de uma louca ambição germânica. Arnold Toynbee, historiador britânico, vem nos anos subsequentes contrariar esta tese com uma inspiração mais espiritualista.
Iremos analisar o percurso histórico da Europa que nos permite perceber se esta intuição de Spengler será ainda verdadeira, ou não, nos nossos dias. Na realidade, as duas guerras mundiais que o velho continente desencadeou nos anos de 1914-1918 e de 1939-1945 por excessiva ambição germânica permitiu a ascensão dos EUA e da URSS como superpotências, ao mesmo tempo que deixou de rastos o velho continente, esfacelado em ruínas e com a sua economia nas ruas da amargura.
Destes tenebrosos escombros sombraíram homens de uma fibra invulgar que lutaram contra o monstro titânico chamado Adolfo Hitler ou afirmaram-se na hercúlea necessidade reconstrutora, designadamente Winston Churchill, Charles de Gaulle, Roberto Schuman e Jean Monnet.
Esta verdadeira loucura coletiva iniciada pela Tríplice Aliança e pelas potências do Eixo, com dois contumazes repetentes no erro, a Alemanha e a Itália, acabou por levar os europeus à perda dos seus impérios coloniais, fruto do esforço autonomista dos territórios dependentes e da consagrada ideologia do direito de autodeterminação dos povos, saída das Nações Unidas.
Perante esta depressão coletiva, a Europa gizou um projeto institucionalista, que começou na CECA e se transformou na CEE durante os anos 50, de relançamento material das suas condições de produção industrial, beneficiando dos trinta gloriosos anos de progresso económico (1945-1973), todavia com as crises dos anos 70 a par do emergir da potência nipónica fizeram claudicar os ânimos europeístas.
O fim da guerra fria fez pensar alguns ideólogos, no fim do século XX, que com a globalização, com as políticas neoliberais e com o reforço institucional da comunidade europeia transformada em União Europeia seria possível relançar o velho continente para novos horizontes.
Neste contexto histórico, aparece a teoria de Francis Fukuyama que ingenuamente pensou que o fim da História estaria a chegar com a expansão das democracias liberais no mundo, no entanto o caos aberto na política internacional com o desaparecimento da outra superpotência, a URSS, impediu que o paradigma ocidental se mundializasse e nem a teoria dos mercados livres pôde singrar, pois logo em 2008 surgiu uma violenta crise do Capitalismo Financeiro.
Entretanto, a Europa comunitária avançou para um sistema monetário comum, com a implementação do Euro, sem perceber que não estavam reunidas as condições de coesão económica e financeira nos países da zona Euro, o que levou, naturalmente, à crise das dívidas soberanas que principiou com o caso grego em 2010 e proliferou por outros países europeus designados PIGs.
Esta crise, do fim da primeira década do século XXI e início da segunda década, disseminou a vontade europeísta de construção de um projeto comum, que, aliás, começou logo em países integrados na zona Euro e em outros apostados nas suas moedas nacionais.
Contudo, houve uma tentativa de responder à crise da Zona Euro com políticas austeritárias, na senda do que vinha sendo desenhado pelas políticas neoliberais, só que estas políticas representavam uma perceção economicista do Homem, o que o deixou vulnerável a novos perigos como o reconhecem os vários relatórios do PNUD, pois tem sido descartado o desenvolvimento sustentável e a própria enciclíca do Papa Francisco Laudato Si vem sublinhar estes mesmos riscos com que a Humanidade, e não já só a Europa, se confronta.
Aliás, o escândalo recente das manipulações nas marcas automóveis europeias quanto às emissões poluentes demonstra a falta de valores das grandes empresas multinacionais.
Na Europa, até ao início do século XX, estavam as principais potências geo-estratégicas internacionais, mas encontra-se hoje em grande dificuldade, pois os seus grandes países perderam protagonismo mundial e emergem novas potências mundiais concorrentes como o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, designados BRICS.
De tal forma, esta transformação se reflectiu na diminuição do peso estratégico da Europa no mundo que os países mais ricos e industrializados do mundo no fim do século XX se reuniam no G7 com representatividade de 57% de países europeus, enquanto no início do século XXI o G20 já apresenta apenas uma representativa europeia de 30 %. Este aparente declínio civilizacional da Europa é fruto não de um atraso de desenvolvimento deste continente, mas, sobretudo, da crise demográfica que a faz mais diminuta populacionalmente no conjunto das nações.
Esta debilidade do velho continente não é, portanto, nenhuma novidade, só que algumas ilusões políticas tornaram esta realidade menos notória para a opinião pública europeia. A ausência de uma política concertada e avisada perante a crise humanitária de refugiados, que nestes últimos meses (julho, agosto e setembro de 2015) tem acorrido à Europa fruto das guerras em países como a Síria, o Iraque e o Afeganistão, mostra à saciedade a falta de uma consciência ética europeia que permitisse uma forte política comum de resposta a esta candente problemática migratória.
A Europa tem estado a olhar para os seus próprios problemas, para o seu umbigo, nomedamente com a questão chamada “Grexit” e só quando o problema transbordou as suas fronteiras e milhares de pessoas faleceram na travessia do Mar Mediterrâneo acabou por acordar para esta problemática de crise humanitária dos refugiados e a migração em massa para o velho continente.
A decadência da Europa explica-se, na atualidade, concomitantemente pela ausência de elites que saibam liderar os seus povos com carisma e determinação, apesar das agruras do momento como o fez Winston Churchill em 1940, e também pelo facto do velho continente em várias décadas ter vivido de uma mentalidade excessivamente pragmática de resposta às questões imediatas, sem pensar em definir um conceito estratégico comum com horizontes mais vastos que tivessem em conta a riqueza do património ético e histórico da Civilização Europeia.
Este relativismo escorado nas diferentes identidades nacionais, sem perceber que o que nos une é mais forte do aquilo que nos separa, acabou por deixar a União Europeia sem norte e por guiar-se pela principal potência industrial, a Alemanha, que carece da sensibilidade humanista de outros povos europeus.
Foi pena que aquando da discussão de uma Constituição Europeia, necessária para responder ao quadro da globalização desregulada, não se tenha definido como base da matriz identitária europeia o cristianismo. Aliás, é um argentino que com o seu atual carisma está a conseguir mobilizar o mundo para a necessidade de definir um paradigma comum para a unidade e a sustentabilidade da própria Humanidade, refiro-me ao Papa Francisco.
Em suma, só seguindo o exemplo inspirador do Papa Francisco, com as suas atitudes de simplicidade e de espontaneidade, a Europa poderá ter lideranças confiáveis que mobilizem as suas populações para uma unidade fraterna em torno de um projeto comum moldado numa estratégia que respeite as diferentes identidades nacionais, mas que una os europeus nos seus valores comuns e em prioridades bem definidas. Caso contrário, a Europa entrará verdadeiramente num inevitável declínio fruto de divisionismos políticos de que a Escócia, a Catalunha e a intolerante Hungria bem exemplificam.
“(…) O grande risco do mundo atual, com a sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. (…) Esta não é uma escolha duma vida digna e plena…(…)”
Papa Francisco, A Alegria do Evangelho – Exortação Apostólica ‘Evangelii Gaudium’, Prior Velho, Edições Paulinas, 2013, p. 5.
A intensidade da crise de valores perenes atravessa as sociedades contemporâneas no século XX e atinge o âmago neste início de milénio, tal como o expliquei num pequeno ensaio. Não nos podemos situar como indivíduos e sociedades se não tivermos uma forte identidade pessoal e colectiva e se não tivermos horizontes de esperança. Daí a urgência em não nos deixarmos atolar num pessimismo larvar e o papel fundamental que o Papa Francisco com a sua visceral coerência tem assumido no Ocidente ao ponto da revista Time o considerar a figura mundial do ano de 2013.
No mundo tecnológico, que amesquinha o sentimento e a dignidade dos homens muito bem retratado no filme Modern Times de Charles Chaplin, de 1936, importa ter a coragem de ir contra a corrente. Pairam no mundo contemporâneo falsos valores resultantes de mudanças aceleradas e impensadas, porque o ritmo frenético dos “burgos” não se compadece com o juízo de pensadores, de filósofos, que apontem estratégias coletivas.
Talvez isto explique, precisamente, a crise do Euro, encetada em 2010, que sofreu de uma sofreguidão na resposta rápida à Globalização em curso no fim do século XX através da montagem do sistema monetário europeu, quando sabemos do provérbio popular que “prudência e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém”.
Um dos falsos valores que toca a nossa contemporaneidade é a efemeridade da vida quotidiana marcada pelo alucinante ritmo da inovação tecnológica, nesta ideia convirjo com o humanista Vitorino Magalhães Godinho.
Como salienta, com grande propriedade, o professor Adriano Moreira as sociedades atuais colocaram o preço das coisas em lugar do seu valor, assim o valor do ter substituiu o valor do ser, ser bom, ser corajoso, ser bondoso, ser sábio foram relegados para segundo plano, pois dificilmente podem ser quantificáveis.
O relativismo prevalecente como vaga de fundo desde as provocações filosóficas de Friedrich Nietzsche tornou-se moda mental, ou seja, na ausência de valores universais o sentido Ético dilui-se em referenciais de múltiplos valores não devidamente fundamentados por uma argumentação filosófica.
O Papa Francisco reconhece que este desnorte metafísico tem levado as sociedades atuais a caírem num imparável consumismo e num hedonismo que não trazem felicidade ao coração dos nossos contemporâneos.
Existem alguns constrangimentos que necessitam de ser superados. É certo que é difícil compaginar a liberdade com o bem comum, mas não há alternativa na luta por um mundo melhor e mais justo.
Importa, também, que se ultrapassem os currículos educativos centrados numa educação parcelar medida pelo desenvolvimento cognitivo e pelas metas quantitativas, porque é necessário estimular o desenvolvimento do juízo moral das crianças e dos jovens e só o desenvolvimento de uma educação integral da pessoa humana poderá ser o paradigma humanitário que conjugue a liberdade com a responsabilidade social.
Em último lugar, a secundarização das Humanidades tem manietado as consciências a paradigmas mentais padronizados por métodos tecnocráticos que impedem a livre criatividade de pensamento.
Como nos lembrou D. Manuel Clemente, numa sessão da paróquia de Nossa Senhora do Amparo em Lisboa no dia 6 de fevereiro de 2014, fazendo eco dos apelos do Papa Francisco, um dos valores perenes que os cristãos não devem esquecer é a alegria do encontro com Cristo.
Fulcral como valor perene que atravessa a História dos últimos séculos é a dignidade atribuída à pessoa humana na sua singularidade, que perpassa filósofos como E. Kant a E. Mounier a várias organizações internacionais humanitárias.
A estratégia cristã do Papa Francisco a D. Manuel Clemente, cardeal-patriarca de Lisboa, é a da alegria do encontro com Jesus Cristo, que nos dá a certeza da Salvação e do mandamento novo de Amar o próximo. A simplicidade das atitudes do Papa Francisco marcada pelo despojamento de lautas solenidades e ostentações procura imitar o exemplo de Cristo, dando uma resposta concreta à crise de valores dos nossos dias.
Reconheceu D. Manuel Clemente, nessa sessão paroquial muito concorrida, que a teologia Católica do século XX e do presente século coloca a ênfase da alegria numa atitude de vivência comunitarista do Cristianismo e que o importante é redescobrir a validade dos documentos do Concílio Vaticano II, porque cinquenta anos depois os seus princípios carecem de ser aplicados pelas comunidades católicas em maior profundidade para se superar a crise de valores de que já falava, então, o Papa João XXIII.
Nesta exortação apostólica do Papa Francisco, que causou brado mediático com a afirmação verdadeira de que “esta economia mata”, na leitura de D. Manuel Clemente, mais importante, do que isso, é o empenho na missão sócio caritativa da Igreja Católica e da comunidade de leigos para que se rompam nas sociedades atuais os isolamentos derivados das mentalidades individualistas.
D. Manuel Clemente anunciou que colocando em prática a estratégia missionária apontada pelo Papa Francisco se irá preparar na diocese de Lisboa, com a colaboração das suas 280 paróquias, desde o presente ano até 2016 um Sínodo Diocesano que coincidirá com a data da celebração do tricentenário da atribuição do Patriarcado a Lisboa (1716-2016).
A preparação deste Sínodo terá por finalidade treinar competências missionárias de toda a comunidade católica (membros eclesiásticos e leigos) para romper com as tristezas e os isolamentos que grassam nas sociedades contemporâneas. Para isso, lembrou o cardeal-patriarca de Lisboa importa ter presente a máxima bíblica para se quebrar com a mentalidade materialista: “(…) Há mais felicidade no dar, do que no receber.(…)”
No Diário de Notícias, no início do século XXI, Eduardo Prado Coelho, intelectual ateu, e D. José Policarpo, patriarca de Lisboa, deram corpo e espírito a um diálogo aceso em torno dos temas da Fé nos dias de hoje, que acabou por se transformar num livro[1] que reuniu as cartas que os dois trocaram publicamente.
Num mundo em que a Ciência está em crise no seu paradigma de um conhecimento sistémico da realidade, uma vez que o “neopositivismo” nos revelou uma imensa fragilidade científica face à complexidade do mundo e do cosmo. Nesta medida, podemos compreender a abertura do genial cientista Albert Einstein ao transcendente, porque acreditou que todos os cientistas têm de perceber que só Deus, ou o Absoluto na linguagem Hegeliana, poderá ter criado a ordem do nosso universo.
Se os pensadores do Iluminismo contribuíram no Ocidente, desde o século XVIII, para o desgaste das crenças religiosas e cristãs, a verdade é que, desde a Pré-História, o Homem sentiu necessidade de criar uma linguagem religiosa, porque as condições básicas da sobrevivência eram-lhe claramente insuficientes, ou como nos diz a Sagrada Escritura na popular expressão: “nem só de pão vive o Homem”.
Terá sido Galileu Galilei, no século XVII, um dos primeiros a compreender que seria possível interpretar a Bíblia à luz dos novos conhecimentos científicos.
No início do século XX, a Ciência enfrentou uma crise de confiança ao perceber que a simples racionalidade era insuficiente para explicar a totalidade do homem e do universo, daí a valorização consequente de outros códigos de comunicação e de interpretação como as intuições, os impulsos e as emoções, ao ponto de, no final do século XX, ter surgido o conceito de “inteligência emocional” com Daniel Goleman e António Damásio.
Hoje em dia, mais do que nunca, é necessária uma frutuosa colaboração entre a Ciência e a Fé para fazer os homens apropriarem-se das suas múltiplas dimensões de sabedoria que implicam a revalorização das Humanidades, porquanto o actual Homem, “economicus” ou “pragmático”, em que se alicerça a Globalização, tem um espírito infinitamente estreito.
Por outras palavras, tanto a Fé deve estar atenta aos progressos científicos como a Ciência deve estar aberta aos postulados da Fé para que não exista uma cisão artificial dos diferentes conhecimentos.
No contexto da Revolução Científica do século XVII, não obstante a condenação de Galileu pelo Tribunal da Inquisição houve membros eclesiásticos que não o criticaram liminarmente pela sua teoria heliocêntrica. Houve, mesmo, o cardeal Roberto Belarmino que, em 1615, aceitou reinterpretar teologicamente a Bíblia à luz da teoria heliocêntrica desde que Galileu provasse com factos indesmentíveis a sua teoria. É inevitável que a polémica em torno do caso de Galileu contribuiu para o afastamento da Ciência e da Fé na Modernidade e na Contemporaneidade (do século XVII ao XX).
Foi, de facto, o paradigma racionalista do Iluminismo que serviu para alimentar, preconceituosamente, a incompatibilidade entre a Ciência e a Fé, designadamente através da corrosiva sátira de Voltaire, mas hoje esse paradigma ideológico está claramente ultrapassado.
Por conseguinte, a História evidencia-nos que os cientistas, desde Galileu a Einstein, não se sentiram inibidos pelas suas crenças ou pela manifestação explícita de Fé.
O filme “Contacto”, de 1997, baseado num livro de Carl Sagan, cientista e filósofo, e dirigido por Robert Zemeckis aborda a problemática das divergências de mentalidade entre a Fé e a Ciência e a protagonista, interpretada por Jodie Foster, após um enorme vazio existencial compensado pela sua obsessão científica encontra resposta para a sua busca incessante por algo transcendente.
Em suma, a complexidade da realidade humana e cósmica exige um saber complementar entre vários modelos interpretativos que saibam manter um diálogo ativo entre a Ciência e a Fé na senda do espírito do Concílio Vaticano II. É, pois, possível e desejável fazer dialogar estas duas formas de conhecimento e de comunicação como pretendeu o Papa João Paulo II[2], porque os modos plurais de interpretar a realidade não implicam uma incompatibilidade orgânica de formulação de novas sínteses.
[1] José Policarpo e Eduardo Prado Coelho, Diálogos sobre a fé, Lisboa, Editorial Notícias , 2004.
[2] Alfredo Dinis, “Galileu revisitado”, in Brotéria – Cristianismo e Cultura, Braga, Editora Brotéria – Associação Cultural e Científica, vol. 177, outubro de 2013, pp. 295-305.
Congratulo-me com os 100.000 acessos contabilizados pelo contador Sitemeter, desde 12 de fevereiro de 2010, deste blogue cultural e de cidadania, que pretende disponibilizar conteúdos de investigação e de reflexão com um espírito de liberdade e de intensa curiosidade cultural, imbuído de um humanismo construtivo, que o apoio continuado de amigos e cidadãos tem permitido alimentar de uma inspiração criadora.
Contam-se, também, já 200 post’s editados desde 23 de julho de 2009 com diversos temas abordados: História, Literatura, Música, Arte, Globalização, Crise de Valores, Crise Europeia, Cidadania, Política, Religião, Educação, Personalidades, etc. Deste modo, este blogue não seria possível sem o apoio permanente de muitos familiares e amigos que me têm encorajado nesta ciclópica missão de consciencialização dos leitores para problemáticas inéditas ou de candente atualidade.
Desde essa data que se contabilizam 2270 entradas mensais, embora tenham aumentado nos últimos tempos, pois contam-se atualmente cerca de 3400 acessos mensais no decurso deste ano de 2012/2013, embora se mantenham, naturalmente, variações sazonais. Tem mais de 300 comentários, evidenciando, assim, saudável interactividade. A média diária neste último mês (setembro/outubro) oscilou entre os 61 acessos e os 170, de acordo com as atualizações e com as habituais variações periódicas.
É bastante interessante notar que os acessos provêem de diferentes países que, por ordem de frequência, registamos: Portugal, Brasil, Estados Unidos da América, Moçambique, França, Espanha, Angola, Cabo Verde, Kuwait, etc., o que traduz uma certa internacionalização do blogue e manifestamente da cultura portuguesa e lusófona abordada em diversos conteúdos.
Espero que estes textos de reflexão e/ou de investigação, as imagens e os vídeos ilustrativos continuem a merecer a vossa melhor atenção e apreço pelos conteúdos tratados e pela criatividade, aqui, imprimida. Tenho procurado, sempre, cuidar da apresentação estética do blogue com um profundo gosto clássico, herdado de uma matriz helénica.
Pensei mudar a configuração visual do blogue, mas como não encontrei um padrão estético que galvanize o meu interesse prefiro, por enquanto, deixá-lo como está, porque como diz o provérbio popular, de grande sabedoria “pior a emenda do que o soneto”, mais vale deixar estar alguma coisa do que mudá-la para pior.
Deixo, aqui, alguns dos últimos “post’s”, deste último ano, mais significativos para que possam ter uma noção da amplitude temática abordada:
“(…) Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor tinha dito pelo profeta: «Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho; e hão de chamá-lo Emanuel, que quer dizer Deus connosco. Despertando do sono, José fez como lhe ordenou o anjo do Senhor, e recebeu sua esposa. E, sem que antes a tivessem conhecido, ela deu à luz um filho, ao qual ele pôs o nome de Jesus. (…)” Evangelho segundo São Mateus, 1, 22-25, in Bíblia Sagrada, Lisboa, Difusora Bíblica, 2002, p. 1566.
O Natal é a celebração do nascimento de Jesus Cristo, que se assume como um acontecimento religioso que expresso nas escrituras Sagradas do Novo Testamento tem influenciado a Ética e a Arte da Civilização Ocidental nos últimos séculos. No entanto, não nos podemos esquecer que a religião Cristã surgiu e desenvolveu-se no seio de um império materialista que estava a entrar em decadência - o império romano. Hoje, como ontem, e digo-o como eco-socialista-cristão, face à cultura materialista e tecnocrática dominante que desencadeou tendências individualistas e egoístas parece-me que a existência de místicas e de utopias é cada vez mais fundamental para que todos possamos ser concidadãos num mundo mais justo e mais humano. Esta foi a razão objetiva da conversão de São Paulo no primeiro século da nossa Era e do imperador Constantino no início do século IV.
Obviamente, para os cidadãos laicos, das sociedades europeias, Jesus Cristo pode não passar de um revolucionário que subverteu no longo prazo as estruturas religiosas e mentais do Império Romano. Contudo, para as pessoas de fé Jesus Cristo é visto como o filho de Deus que desceu à terra para pregar ideais Éticos que, defendidos e praticados, afastavam, paulatinamente, o Homem do Mal (do pecado) e garantiam a multidimensionalidade do Homem (corpo e espírito) nas sociedades onde vivessem cristãos. Acontece que, hoje em dia, com o capitalismo financeiro instalado no centro da Globalização, os cidadãos e os políticos tendem a olvidar os valores Éticos, porque as tendências para o hedonismo e o individualismo fazem desprezar os sentimentos da bondade, da solidariedade e da compaixão.
A Europa tem-se esquecido progressivamente da sua matriz cultural cristã, como se notou quando afastou do projeto de um Tratado Constitucional Europeu uma referência clara do Cristianismo como um dos pilares da Civilização Europeia, que se encontra, como todos sabemos, em decadência. A Doutrina Social da Igreja é respeitadora dos Direitos Humanos e Sociais dos indivíduos e, por isso, é profundamente lamentável que as correntes políticas moderadas e humanistas da democracia-cristã, da social-democracia e do socialismo cristão democrático estejam a perder terreno para a “teologia de mercado”, designada por neoliberalismo. O Natal surgiu como data comemorada no século IV d.C., após a conversão do Imperador Constantino, num ato de fé individual. Todavia, o Natal tornou-se no Império Romano, neste século, uma data celebrativa para converter os pagãos. Desde essa época, até hoje, o Cristianismo foi-se espraiando e moldando às diferentes conjunturas históricas pelos sete cantos da Europa e do mundo.
Em conclusão, o significado do Natal é aquele que já apresentámos, mas tornou-se, também, a festa das famílias cristãs que se reúnem para se recolherem no aconchego dos seus lares afetivos e para celebrarem a vinda de Deus feito Homem que desceu dos céus para nos dar a Boa Nova de uma vida que se deve nortear por uma conduta impoluta de Amor aos outros e por uma mensagem de Esperança em relação ao futuro.
O Homem sempre viveu desde tempos “ponderados” (Civilização Helénica) a noção da sua própria dualidade existencial (corpo versus espírito). No entanto, houve épocas mais recentes da História humana que quiserem olvidar a consciência metafísica ao ponto de surgir o Existencialismo, no século XX durante o rescaldo da Segunda Guerra Mundial, como corrente filosófica contrária ao Essencialismo Ontológico.
O Papa, neste seu texto, situa-nos as raízes das injustiças humanas no coração perverso de muitos homens permeados do niilismo ético, herdeiro de F. Nietzsche, carente dos sãos influxos da transcendência. Daí, a prevalência nas sociedades, contemporâneas e pós-modernas, de fenómenos emergentes como o egoísmo e o individualismo como forças anti-éticas e pouco construtivas de conjuntos populacionais mais justos.
Radica nesta evidência de mal-estar colectivo o apelo que os cristãos sentem de se tornarem participantes de iniciativas em prol de um mundo melhor. É nesta dialéctica, da bondade, que nos introduz Karl Popper ao desconstruir a benignidade dos sistemas ideológicos fechados. Com efeito, a justiça cristã exige o nosso despojamento hiperbolizado do sentimento individual feito, tantas vezes, de afirmações agressivas. Assim, o cristão é convocado a praticar o Bem e a lutar por sociedades mais justas! O patamar da justiça divina que deve estar entranhado na boa conduta do cristão faz-nos seus agentes ao vivenciarmos o amor, a generosidade, os dons e a esperança que Deus nos concedeu como virtudes teologais. Em suma, como dizia o apóstolo São Paulo: “já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”.
Antes que se gerem equívocos, Sua Santidade recorda-nos a existência de duas justiças, a divina e a humana. A conciliação destas duas dimensões pode-se fazer pela justiça trina (justiça cristã = justiça divina x justiça humana). A justiça divina assume-se, assim, como o coeficiente acrescido à justiça social, que tem mobilizado muitas forças políticas dos nossos dias. Em síntese, a justiça cristã advém da infinita misericórdia e das graças que Deus nos concede.
Neste contexto da ética cristã, a vivência plena da Quaresma implica a manifestação, cabal, dos sentimentos cristãos mais nobres (da caridade, da fé, da bondade, da compaixão, da generosidade, etc.) para praticarmos uma justiça ancorada num Cristianismo autêntico.
As implicações da ausência de Deus nas sociedades contemporâneas - breve ensaio de Filosofia da História
Li no ano passado (escrevo em Outubro de 2009) um ensaio teológico, deveras inspirador, intitulado O Cubo e a Catedral[1] que sustenta a tese sociológica de que o Humanismo Cristão é um movimento social e intelectual essencial, sobre o qual a Europa se deve firmar, no sentido de garantir a defesa dos valores espirituais de uma democracia, autêntica, que não seja simplesmente produto das burocráticas orientações administrativas de políticos tecnocratas. Daí que, na lúcida perspectiva de George Weigel, autor do ensaio, seja legítima a conclusão de que as sociedades, sem inspiração divina[2] ou, por outras palavras, que não atribuem importância à realidade transcendental vivem, como diria o nosso consagrado poeta, “numa apagada e vil tristeza”[3].
Esta obra, do teólogo católico George Weigel, foi suscitada pela questão que esteve em debate, quando se estava a tratar da elaboração de um projecto de Constituição Europeia, ao surgir a polémica entre fazer consagrar, ou não, o Cristianismo como um dos valores europeus a nele inscrever.
É certo que esta questão polémica, entre europeus laicistas e crentes, alimentou boa parte do debate público aquando da redacção, do documento, chefiada por Valéry Giscard d’ Estaing, como Presidente da Convenção Europeia, nos anos de 2002 e 2003. No entanto, terá prevalecido a posição dos laicistas ou, eventualmente, a questão da hipotética integração da Turquia, que com o peso da religião Islâmica, terá feito prudentemente pender a decisão para a não alusão à importância do Cristianismo na Europa.
Com efeito, é esta ausência de Deus na vida de muitos homens contemporâneos que os coloca numa situação de vazio ontológico e de uma angustiante solidão espiritual, o que tem feito crescer as tendências de suicídio e as ondas de violência e de agressividade, de jovens e de adultos, nestas sociedades pseudodesenvolvidas.
A solução, para inverter este indesejável rumo da História Contemporânea, passa por uma evangelização globalizante do mundo que divulgue, através da percepção intuitiva de leigos e de sacerdotes, a imagem de Deus-Pai, Misericordioso, que nos enviou o seu Filho, Jesus Cristo, para salvar os Homens das tentações de “Satanás” (encarnação simbólica, na religião e na cultura literária e artística, do Pecado e do Mal), pois este Deus, Misericordioso do Cristianismo, zela pelo Bem da Humanidade e instiga os indivíduos a louváveis condutas morais.
Na realidade, constata-se que decorre da ausência de uma convicção cristã profunda, do inerente afastamento da Doutrina Social da Igreja e do dever de amor ao próximo, o repudiável fenómeno, carregado de mentalidade individualista, da decadência do juízo moral dos indivíduos nas sociedades da Civilização Ocidental.
Só uma autêntica consciência cristã, ou outra consciência espiritual fundada num Ser Transcendente e Bom, que ajude a apurar o processo de ajuizamento de boas e de más acções poderá compelir o Homem Contemporâneo a desenvolver a percepção do Bem e do Mal. Caso contrário, o Homem continuará imerso na profusão corruptiva que contamina a alma das sociedades em que vivemos[4].
Não admira, assim, que nas nossas sociedades contemporâneas ocidentais, reforçadas, agora, pela lógica impessoal da Globalização, naufragadas nos processos secularizadores das sociedades e dos Estados e perdidas no turbilhão tecnocrático das políticas sem causas ideológicas (causadoras da indolência ideológica das classes médias), os cidadãos tenham amolecido as suas capacidades de ajuizamento moral das situações quotidianas.
Esta desorientação moral das sociedades ocidentais teve a sua raiz histórica mais profunda nas perversões introduzidas pelo pensamento filosófico de Friedrich Nietzche[5] em torno dos fracturantes temas do Anticristo, do niilismo moral e da vontade férrea do super-homem que desbravaram caminho para as várias tendências egoístas de um individualismo atroz que pauta as sociedades do nosso mundo Globalizado. Este desvirtuamento da mentalidade social da Civilização Ocidental levou, por exemplo, o reputadíssimo escritor Fiódor Dostoiévsky a pôr na boca de uma das suas personagens a seguinte frase, aberrante do ponto de vista ético: “(…) Se Deus está morto, então tudo é permitido. (…)”.
Foi nesta conjuntura do final do século XIX que se puderam desenvolver os fenómenos históricos do relativismo moral na Alemanha[6], do aguerrido anticlericalismo nos países da Latinidade Católica[7], do crescente distanciamento dos intelectuais em relação a Deus e da afirmação do mais forte que deram azo às aberrações totalitárias do século XX e a novas manifestações atentatórias dos mais elementares Direitos Humanos[8].
Com efeito, foi a nefasta influência deste ambiente dominado por um laicismo larvar que contaminou algumas gerações portuguesas da segunda metade do século XX, talvez, em parte, induzidas pela força carismática dos líderes oposicionistas ao regime do Estado Novo e, em parte, por alguma descrença religiosa de ordem metafísica ou social, que fez com que as gerações mais novas, nascidas ou crescidas após a revolução do 25 de Abril de 1974, não tenham na generalidade aprofundado a fé e se auto designem como “católicos não praticantes”. Talvez, esteja aqui uma problemática para um estudo sério no âmbito da sociologia da religião.
Foi, neste ambiente histórico-social, que cresci como adolescente e só, na idade adulta, com uma percepção mais profunda e autónoma da vida, me converti à prática de alguns rituais católicos e, em especial, aderi à convicção cristã, à fé, na existência de uma Força Transcendente, Benevolente e Misericordiosa.
Só, a partir dessa fase de maturação espiritual, consegui responder de forma cabal e integradora à interrogação filosófica sobre o verdadeiro sentido da vida. Ao ponto, desta modificação da minha mundividência me levar a afirmar hoje em dia que me sinto um “eco-socialista-cristão”[9]. Até esse momento, tinha andado equivocado com a resposta hedonista que as sociedades pós-modernas apresentam aos incautos cidadãos.
Em suma, a percepção errónea do Homem Contemporâneo levou-o a um esvaziamento interior e à recusa de todas as concepções Hegelianas[10]. Nesta medida, a sensação de vazio, do Homem das sociedades pós-industriais, conduzem-no a uma fuga para a frente, em direcção a uma vida frenética, de um constante dinamismo valorizador da matéria, em detrimento da valorização das actividades de âmbito espiritual. Esta funesta tendência tem desembocado na acelerada secularização de algumas sociedades do mundo Ocidental[11], na perda de nobres valores espirituais[12] e no afastamento progressivo do Homem em relação a Deus.
Na verdade, todos estes fluxos filosóficos e históricos, já enunciados, têm separado o Homem Contemporâneo da oração e da meditação introspectiva. Com efeito, a compreensão destes errados trilhos, do actual paradigma das nossas sociedades, só foi possível aferir, com maior rigor, a partir dos pressupostos psicológicos que Daniel Goleman e António Damásio nos apresentaram, na transição do século XX para o XXI, com a lúcida noção de que o Homem integral carecia de uma inteligência emocional[13].
Em síntese, esta inteligência emocional só é passível de se manifestar quando o Homem moderno souber compaginar o saber científico com a intuição religiosa proveniente da fé. São Paulo ensina-nos, com a sua vasta sapiência, a conseguir unir a multiplicidade das dimensões humanas. Urge, pois, que o Homem pseudodesenvolvido arrepie caminho para que se possa sentir um Ser completo e tranquilo[14].
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] George Weigel, O Cubo e a Catedral – A Europa e a América e a política sem Deus, Lisboa, Aletheia Editores, 2006.
[2] As sociedades devem ter “inspiração divina”, mas não devem ser sectaristas e intolerantes como nos ensinou Voltaire, pois as crenças religiosas não podem ser impostas, porque acreditamos que a dignidade humana exige uma liberdade com sentido de responsabilidade.
[4] Sobre este tema convém atentar nas sábias palavras de Sua Santidade Bento XVI na sua, mais recente e notável, encíclica: Bento XVI, Caridade na Verdade, Prior Velho, Edições Paulinas, 2009, pp. 20,21,111,112 e 113.
[5] As obras em que Friedrich Nietzsche mais desenvolveu estas suas ideias foram: Assim falava Zaratrusta, 1883-1885; Para além do Bem e do Mal, 1886; e O Anticristo (1888).
[6] Esta génese histórica está bem estudada e constitui, uma obra clássica, o estudo de Hannah Arendt, The Origins of Totalitarism, Nova Iorque, Harcourt Brace and World, 1973.
[7] Em Portugal, esta tendência afirmou-se com uma veemência feroz entre os ideólogos do Partido Republicano Português.
[8] O Holocausto Nazi foi o expoente máximo do niilismo ético que as gerações mais novas não devem esquecer como, pelo contrário, devem repudiar de forma inequívoca.
[9] Terei o maior prazer em ajudar a fundamentar, em futura crónica, axiologicamente a simbiose que une e não separa, a meu ver, estes dois ideais. Esta reflexão será uma tentativa de resposta a uma pertinente questão que fico a dever à argúcia do Senhor Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa que a colocou num debate que se seguiu a uma sua Conferência sobre São Paulo.
[10] George Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) foi um dos pais fundadores da teoria do Espírito, mas ao seu idealismo respondeu Karl Marx (1819-1883) com as suas premissas materialistas da natureza da História da Humanidade em obras como Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, A Ideologia Alemã e O Capital.
[11] Aliás, este actual despojamento espiritual do Homem Ocidental, de europeus e de norte-americanos, tem feito penetrar, na nossa Civilização, algumas tendências mentais da espiritualidade oriental manifestas na alimentação, na arquitectura, nas massagens, ditas vulgarmente como “zen”,etc.
[12] É esta tendência do niilismo e do relativismo que levou a que desde o início do século XX se tenha instalado uma crise de valores que varreu a Europa e os Estados Unidos da América. Foi nesse quadro histórico que, em Paris, o intelectual Paul Valéry já, nessa altura, alertou os seus concidadãos para a crise de valores que estava a abalar a Europa.
[13] Este balanço de Filosofia da História da Civilização Ocidental, na senda epistemológica do caminho que Raimond Aron nos apontou, pode ser aprofundado em outra crónica que escrevi neste blogue com o título “Agonia – o estado da nação ou o estado do mundo ?”.
[14] A inquietude é um dos traços mais marcantes do Homem Contemporâneo, neste turbilhão alucinado de incertezas decorrentes da Globalização defensora da teologia do mercado, portanto importa virar esta página da História da Humanidade rumo a uma Globalização Humanista que volte a requalificar os valores espirituais no sentido de concretizar um paradigma de desenvolvimento humano mais equilibrado. Vide Bento XVI, Caridade na Verdade, Prior Velho, Edições Paulinas, 2009, pp. 121-124.
"A modernidade cultural e cívica de São Paulo - o apóstolo dos gentios"
Lisboa, 16 de Julho de 2009
Terminou a 29 de Junho de 2009 o ano Paulino comemorativo dos dois mil anos do nascimento do apóstolo de Jesus Cristo – Paulo de Tarso da Cilícia, na actual Turquia. Este texto resultou de algumas reflexões que fui fazendo no grupo Paulino a que pertenci na Igreja de Nossa Senhora do Amparo, na paróquia de Benfica, em torno da Antologia de D. Anacleto Oliveira, bispo auxiliar de Lisboa ( Um ano a caminhar com São Paulo, Coimbra, Coimbra Editora, 2008) e das esclarecidas conferências que tive o privilégio de assistir ( deste autor, do teólogo Juan Ambrósio e do Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa). Sem estes contributos intelectuais, sem o debate no grupo Paulino e sem este dom de prosador estas reflexões, seguramente, não poderiam ser partilhadas convosco.
O legado cultural da vida de São Paulo e das suas Cartas apostólicas é de uma notável modernidade como terei oportunidade de demonstrar, como aliás já o fiz publicamente numa pequena intervenção num sarau cultural no salão paroquial da supracitada igreja[1]. No entanto, não irei traçar nenhuma resenha biográfica, mas apenas chamar a atenção para alguns aspectos invulgares da sua vida e obra para a época e, sobretudo, para a actualidade.
Na minha perspectiva, São Paulo foi um precursor na defesa dos Direitos Humanos no contexto histórico do império romano, como já o sustentei algumas vezes, porque universalizou a religião cristã ao evangelizar os gentios, pois transmitiu-lhes a “Boa Nova” da Salvação por Jesus Cristo. O apóstolo Paulo foi, deste modo, responsável pela irradiação geográfica do Cristianismo no mundo Mediterrânico nas pregações feitas durante as suas longas viagens e nas Cartas que enviou às suas comunidades.
Efectivamente, esta vertente de defesa dos Direitos Humanos emerge em São Paulo do sentido da igualdade que atribui a todos os Homens mediante o tratamento fraternal de “irmão” que concede a todos os crentes, independentemente do estatuto social de cada um. Assim, no seu modo de ver o importante, não era se alguém tinha o estatuto de centurião ou de escravo, era que esse indivíduo era filho de Deus e, portanto, tinha igual dignidade humana o escravo e o cidadão, o pobre e o rico, devendo todos ser afectuosamente tratados como “irmãos”. Reparemos na Carta de São Paulo a Filémon quando o interpela dizendo: “(…) para que o recebas (…) não já como escravo, mas muito mais do que um escravo: como irmão amado (…)” ( Flm, 15-16 ).
Em segundo lugar, a modernidade da mensagem religiosa de São Paulo advém da forte inteligência emocional que manifestou nas suas Cartas às comunidades cristãs, pois estas foram fruto do seu dom de formular uma síntese perfeita entre a fé e a razão. Na realidade, a base da sua convicção foi a fé como sentimento religioso primordial quando afirma na Carta aos Gálatas: “(…) já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim (…)” ( Gl, 2-20). No entanto, a esta base emocional juntou o raciocínio ético que desenvolveu através da pedagogia da palavra para explicar a bondade da mensagem cristã ao desabafar na sua primeira Carta aos coríntios com a coloquial expressão: “(...) ai de mim, se eu não evangelizar!” (…)” (1ª Cor. 9,16).
Por consequência, esta inteligência emocional manifestou-se na conduta religiosa de São Paulo ao unir de forma coerente a sua capacidade de acção com a sua força espiritual conseguindo, pois, conciliar a oração com as suas extenuantes viagens apostólicas de pregação religiosa da Boa Nova aos povos pagãos.
Importa, agora, examinar duas sugestivas visões da transfiguração de São Paulo de perseguidor de cristãos em obstinado conversor cristão de almas pagãs. Na realidade, há duas interessantes e antagónicas interpretações da sua conversão a caminho de Damasco que merecem ser conhecidas. Enquanto uma corresponde à versão do crente, a outra corresponde à versão laica do ateu. A primeira interpretação, recente, é a do teólogo Juan Ambrósio, da Universidade Católica de Lisboa, que lê a conversão de São Paulo, pelo encontro místico com Cristo Ressuscitado, como um processo lento e comunitário, ou seja, a vivência inicial de São Paulo nas comunidades cristãs, a seguir a esse encontro genésico, constituiu na sua opinião um meio de aprofundamento do conhecimento de Cristo[2].
A segunda versão deste acontecimento da vida de São Paulo, que quero referir, é-lhe historicamente anterior (1934) e corresponde à versão laica de um escritor português do Saudosismo ( Teixeira de Pascoais, São Paulo, Lisboa, Editora Assírio e Alvim, 2002 ), contaminado pelo ambiente anticlerical da época, que encara São Paulo como um poeta que se converteu à fé no “Ressuscitado” por um forte sentimento de remorso pela morte de Santo Estêvão, isto é, a aparição de Cristo Ressuscitado dever-se-ia à sua má consciência por este martírio[3].
São Paulo pela sua vasta cultura, formado na escola judaica de Gamaliel, acabou por ter um papel fundamental na História do Cristianismo ao abrir intelectualmente esta religião, através das suas Cartas, aos valores morais e espirituais que lhe estão subjacentes. Protagonizou, assim, a nobre missão pedagógica de transmitir os valores éticos e as virtudes cristãs que deveriam pautar a conduta dos fiéis do seu tempo e das gerações vindouras.
Desta maneira, revelou aos seus contemporâneos, no contexto do desvirtuamento moral do império romano em que a corrupção se generalizara, o inestimável valor das virtudes teologais ( fé, esperança e caridade ) que deviam ancorar a vida dos cristãos em meio social tão adverso. Não me espanta, pois, que tenha exortado a comunidade cristã da cidade de Colossos com as seguintes palavras de revelação ética contra comportamentos egoístas: “(…) Como eleitos de Deus, santos e amados revesti-vos, pois de entranhas de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade, suportando-vos uns aos outros (…) se alguém tiver razão de queixa contra outro (…)” ( Cl, 3, 12-13 ).
Na verdade, outro indício precursor, e mesmo progressista, da acção apostólica de São Paulo na vida da nascente Igreja foi a activa participação que atribuiu às mulheres na vivência organizacional das primeiras comunidades cristãs, sendo exemplo disso a liderança que delegou em Lídia na Igreja da cidade de Filipos. Deste modo, revelou uma sensibilidade “feminista” ao confiar a algumas mulheres cargos eclesiásticos, o que era pouco comum entre as instituições religiosas da época. Esta sua preocupação em melhorar a situação da mulher nas sociedades do império romano patenteia, novamente, a sua disposição para a defesa do Direito de igualdade entre todos os crentes como uma das premissas do ideal cristão, designadamente de paridade entre homem e mulher.
Comprova-se, portanto, a sua luta por este Direito Humano quando anuncia o universalismo da religião cristã, que o levou a evangelizar os gentios, ao proclamar na Carta aos Gálatas essa igualdade entre todos os cristãos: “(…) Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há masculino e feminino, porque todos sois um em Cristo (…)” ( Gl 3, 28).
Em suma, São Paulo é um exemplo de vivificante actualidade, pelo seu optimismo cristão, que nos pode ajudar a enfrentar espiritualmente esta crise multipolar ( energética, climática, económica, social, política, moral, etc. ) deste complexo mundo Globalizado em que vivemos. Com efeito, o legado cultural da esperança cristã, que este apóstolo nos ensinou nas suas epístolas, é em tempos de crise e de grandes incertezas uma resposta psicologicamente positiva às angústias e ansiedades actuais e uma solução filosófica para a crise de valores das sociedades contemporâneas e para o inerente relativismo da mentalidade dominante nos países mais desenvolvidos. Daí, advém, a importância de sermos tocados pela mensagem Paulista de confiança no que o futuro nos reserva mediante a nossa fé cristã.
Compreendemos, assim, as palavras que São Paulo dirigiu em carta à comunidade cristã de Filipos ao persuadir os crentes pela veemência do seu poder carismático com as seguintes expressões, que devem ter comovido os corações dos fiéis: “(…) Alegrai-vos sempre no Senhor (…) O que de vós é bondoso seja conhecido de todos os homens (…) Por nada vos deixeis inquietar. (…)” ( Fl. 4, 4-6 ).
Por conseguinte, o exemplo de São Paulo de inquebrantável confiança no Deus do Amor e em Jesus Cristo seu Filho, que veio salvar a Humanidade, é-nos dado pelo seu esforço de missionação no nordeste do mundo Mediterrânico, não obstante todo o sofrimento que lhe terá causado uma doença crónica[4]. Esta lição de fé deste apóstolo faz-nos recordar o singular exemplo paralelo, de crença religiosa apesar de todo o sofrimento físico e de ânimo evangelizador pelas “sete partidas do mundo”, da acção pontifícia de João Paulo II[5]. Na realidade, a semelhança entre estas duas vidas paralelas, já que este papa muito viajou apesar das suas enfermidades e em especial da doença de Parkinson, levam-nos a conjecturar a hipótese deste papa se ter inspirado substancialmente no edificante exemplo de São Paulo.
Por último, a moralizante acção e doutrinação de São Paulo no contexto de podridão ética do império romano constitui um exemplo a seguir perante o desnorte de valores que submerge a vida política actual, influenciada pelo fenómeno da Globalização e pela ideologia neoliberal que sacralizou a “teologia de mercado”. Foi, aliás, este dantesco cenário internacional que mergulhou o mundo naquilo que, alguns autores, chamam de “capitalismo de casino” e que favoreceu escandalosas fraudes financeiras em várias regiões do mundo.
Deste modo, para se sair deste caos social que assola o planeta, nos nossos dias, é necessário interligar sem dogmatismos fundamentalistas a política e a religião, como o pretende fazer Tony Blair, ex-primeiro ministro inglês, nas suas académicas prelecções de “Globalização e Fé” numa prestigiada Faculdade dos Estados Unidos da América ou os teólogos da libertação como o professor universitário Leonardo Buff, por entenderem que o agravamento das injustiças e das desigualdades sociais decorrem das bases ideológicas deste tóxico sistema internacional.
Em conclusão, não restam dúvidas que a alavanca para garantir o bem-estar material e espiritual nas populações deste mundo globalizado passa pela reintrodução do legado ético na vida política internacional e nacional, o que poderá ser a solução para a desejada reaproximação entre cidadãos e governantes[6]. Contudo, afigura-se-nos fundamental que se quebrem alguns pressupostos identitários do mundo em que vivemos, nomeadamente é indispensável que os poderes políticos não estejam manietados pela força das grandes autoridades económicas e financeiras, mas ao invés que sejam guiados pelo senso ético.
Ao fim e ao cabo, o revolucionário exemplo de São Paulo no quadro histórico de um império materialista assume uma modernidade cultural e cívica no tempo presente absolutamente entusiasmante.
Nuno Sotto-Mayor Ferrão
[1] Comunicação que fiz, em representação de um grupo Paulino de reflexão a 25 de Junho de 2009, num sarau cultural, no salão paroquial de Nossa Senhora do Amparo em Benfica, dinamizado pelo pároco José Traquina. [2] De acordo com Conferência proferida pelo teólogo Juan Ambrósio no Anfiteatro da Escola Secundária Padre Alberto Neto, em Queluz, a 16 de Abril de 2009. [3] “(…) Quem lhe apareceu, na estrada de Damasco, foi o seu remorso personificado em Jesus Cristo, o deus da sua vítima. (…) O Deus de Estêvão ficou a ser o Deus de Paulo. (…)” in Teixeira de Pascoais, São Paulo, Lisboa, Editora Assírio e Alvim, 2002, p. 31. [4] Há autores que sustentam tratar-se epilepsia essa doença crónica de São Paulo, no entanto D. Anacleto Oliveira optou por referi-la como uma doença crónica. Vide D. Anacleto Oliveira, Um ano a caminhar com são Paulo, Coimbra, Gráfica de Coimbra 2, 2008, p. 44. [5] Sobre este papel histórico do papa João Paulo II vale a pena ler o seguinte artigo: Jorge Borges de Macedo, “O sentido e o fim do último quartel do século XX. Experiência e Crise (1974-1995)” in História Universal, vol. II, Lisboa, Selecções do Reader’s Digest, s.d., pp. 550-561. [6] Sobre esta permanente questão da distância entre cidadãos e governantes vale a pena ler o magnífico romance do nosso escritor laureado com o Prémio Nobel da Literatura: José Saramago, Ensaio sobre a lucidez, Lisboa, Editorial Caminho, 2004.