Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Sir Ken Robinson é um consagrado autor britânico, nascido em Liverpool em 1950, que se tem destacado, no mundo anglófono, como um especialista nas questões da Educação. Esta pequena apresentação audiovisual fala-nos da necessidade de mudar o paradigma da Educação que está assente em pressupostos arcaicos. Na verdade, todos os países do mundo estão, na actualidade, a tentar fazer reformas nos seus sistemas de ensino e em traços muito sintéticos o autor aborda-nos algumas linhas da evolução histórica deste sistema na Civilização Ocidental. A problemática que nos levanta reside nos paradoxos com que está confrontado o actual sistema, que herdado dos séculos anteriores, não se compagina com o conceito, universalmente aceite, da inteligência emocional investigado por Daniel Goleman e António Damásio e com as desigualdades sociais potenciados pelo vigente sistema em vigor na maioria dos países.
Os vícios criados pelo ambiente social contemporâneo geram, também, falta de atenção e de concentração nas responsabilidades escolares dos alunos (medicação exagerada, estímulos tecnológicos excessivos e os constantes apelos ao consumismo) e têm gerado cidadãos muito individualistas pouco adaptados às exigências da Globalização.
As Artes e as Humanidades tem sido neste nocivo processo secundarizadas, como já o dizia Leonardo Coimbra – ministro da Instrução da I República, pela lógica do linear economicismo que não é compatível com os interesses do desenvolvimento humano e com a necessidade de potenciar as inteligências emocionais dos indivíduos. Ken Robinson faz-nos uma interessante comparação das escolas actuais com as fábricas, o que tem levado à exacerbada avaliação quantitativa através do desenho de perfis educativos dos alunos e dos nefastos rankings de escolas concebidos de acordo com parâmetros essencialmente cognitivos. A pertinente sugestão do autor é alicerçar os sistemas educativos na estratégia pedagógica do pensamento divergente como caminho imprescindível para se atingir a criatividade nas escolas e na necessidade de encontrar um novo paradigma global para se superarem estes paradoxos e constrangimentos. Este interessante documento audiovisual, que apresento, tive dele conhecimento através do blogue Córtex Frontal numa pertinente iniciativa de divulgação de Joana Amaral Dias.
As implicações da ausência de Deus nas sociedades contemporâneas - breve ensaio de Filosofia da História
Li no ano passado (escrevo em Outubro de 2009) um ensaio teológico, deveras inspirador, intitulado O Cubo e a Catedral[1] que sustenta a tese sociológica de que o Humanismo Cristão é um movimento social e intelectual essencial, sobre o qual a Europa se deve firmar, no sentido de garantir a defesa dos valores espirituais de uma democracia, autêntica, que não seja simplesmente produto das burocráticas orientações administrativas de políticos tecnocratas. Daí que, na lúcida perspectiva de George Weigel, autor do ensaio, seja legítima a conclusão de que as sociedades, sem inspiração divina[2] ou, por outras palavras, que não atribuem importância à realidade transcendental vivem, como diria o nosso consagrado poeta, “numa apagada e vil tristeza”[3].
Esta obra, do teólogo católico George Weigel, foi suscitada pela questão que esteve em debate, quando se estava a tratar da elaboração de um projecto de Constituição Europeia, ao surgir a polémica entre fazer consagrar, ou não, o Cristianismo como um dos valores europeus a nele inscrever.
É certo que esta questão polémica, entre europeus laicistas e crentes, alimentou boa parte do debate público aquando da redacção, do documento, chefiada por Valéry Giscard d’ Estaing, como Presidente da Convenção Europeia, nos anos de 2002 e 2003. No entanto, terá prevalecido a posição dos laicistas ou, eventualmente, a questão da hipotética integração da Turquia, que com o peso da religião Islâmica, terá feito prudentemente pender a decisão para a não alusão à importância do Cristianismo na Europa.
Com efeito, é esta ausência de Deus na vida de muitos homens contemporâneos que os coloca numa situação de vazio ontológico e de uma angustiante solidão espiritual, o que tem feito crescer as tendências de suicídio e as ondas de violência e de agressividade, de jovens e de adultos, nestas sociedades pseudodesenvolvidas.
A solução, para inverter este indesejável rumo da História Contemporânea, passa por uma evangelização globalizante do mundo que divulgue, através da percepção intuitiva de leigos e de sacerdotes, a imagem de Deus-Pai, Misericordioso, que nos enviou o seu Filho, Jesus Cristo, para salvar os Homens das tentações de “Satanás” (encarnação simbólica, na religião e na cultura literária e artística, do Pecado e do Mal), pois este Deus, Misericordioso do Cristianismo, zela pelo Bem da Humanidade e instiga os indivíduos a louváveis condutas morais.
Na realidade, constata-se que decorre da ausência de uma convicção cristã profunda, do inerente afastamento da Doutrina Social da Igreja e do dever de amor ao próximo, o repudiável fenómeno, carregado de mentalidade individualista, da decadência do juízo moral dos indivíduos nas sociedades da Civilização Ocidental.
Só uma autêntica consciência cristã, ou outra consciência espiritual fundada num Ser Transcendente e Bom, que ajude a apurar o processo de ajuizamento de boas e de más acções poderá compelir o Homem Contemporâneo a desenvolver a percepção do Bem e do Mal. Caso contrário, o Homem continuará imerso na profusão corruptiva que contamina a alma das sociedades em que vivemos[4].
Não admira, assim, que nas nossas sociedades contemporâneas ocidentais, reforçadas, agora, pela lógica impessoal da Globalização, naufragadas nos processos secularizadores das sociedades e dos Estados e perdidas no turbilhão tecnocrático das políticas sem causas ideológicas (causadoras da indolência ideológica das classes médias), os cidadãos tenham amolecido as suas capacidades de ajuizamento moral das situações quotidianas.
Esta desorientação moral das sociedades ocidentais teve a sua raiz histórica mais profunda nas perversões introduzidas pelo pensamento filosófico de Friedrich Nietzche[5] em torno dos fracturantes temas do Anticristo, do niilismo moral e da vontade férrea do super-homem que desbravaram caminho para as várias tendências egoístas de um individualismo atroz que pauta as sociedades do nosso mundo Globalizado. Este desvirtuamento da mentalidade social da Civilização Ocidental levou, por exemplo, o reputadíssimo escritor Fiódor Dostoiévsky a pôr na boca de uma das suas personagens a seguinte frase, aberrante do ponto de vista ético: “(…) Se Deus está morto, então tudo é permitido. (…)”.
Foi nesta conjuntura do final do século XIX que se puderam desenvolver os fenómenos históricos do relativismo moral na Alemanha[6], do aguerrido anticlericalismo nos países da Latinidade Católica[7], do crescente distanciamento dos intelectuais em relação a Deus e da afirmação do mais forte que deram azo às aberrações totalitárias do século XX e a novas manifestações atentatórias dos mais elementares Direitos Humanos[8].
Com efeito, foi a nefasta influência deste ambiente dominado por um laicismo larvar que contaminou algumas gerações portuguesas da segunda metade do século XX, talvez, em parte, induzidas pela força carismática dos líderes oposicionistas ao regime do Estado Novo e, em parte, por alguma descrença religiosa de ordem metafísica ou social, que fez com que as gerações mais novas, nascidas ou crescidas após a revolução do 25 de Abril de 1974, não tenham na generalidade aprofundado a fé e se auto designem como “católicos não praticantes”. Talvez, esteja aqui uma problemática para um estudo sério no âmbito da sociologia da religião.
Foi, neste ambiente histórico-social, que cresci como adolescente e só, na idade adulta, com uma percepção mais profunda e autónoma da vida, me converti à prática de alguns rituais católicos e, em especial, aderi à convicção cristã, à fé, na existência de uma Força Transcendente, Benevolente e Misericordiosa.
Só, a partir dessa fase de maturação espiritual, consegui responder de forma cabal e integradora à interrogação filosófica sobre o verdadeiro sentido da vida. Ao ponto, desta modificação da minha mundividência me levar a afirmar hoje em dia que me sinto um “eco-socialista-cristão”[9]. Até esse momento, tinha andado equivocado com a resposta hedonista que as sociedades pós-modernas apresentam aos incautos cidadãos.
Em suma, a percepção errónea do Homem Contemporâneo levou-o a um esvaziamento interior e à recusa de todas as concepções Hegelianas[10]. Nesta medida, a sensação de vazio, do Homem das sociedades pós-industriais, conduzem-no a uma fuga para a frente, em direcção a uma vida frenética, de um constante dinamismo valorizador da matéria, em detrimento da valorização das actividades de âmbito espiritual. Esta funesta tendência tem desembocado na acelerada secularização de algumas sociedades do mundo Ocidental[11], na perda de nobres valores espirituais[12] e no afastamento progressivo do Homem em relação a Deus.
Na verdade, todos estes fluxos filosóficos e históricos, já enunciados, têm separado o Homem Contemporâneo da oração e da meditação introspectiva. Com efeito, a compreensão destes errados trilhos, do actual paradigma das nossas sociedades, só foi possível aferir, com maior rigor, a partir dos pressupostos psicológicos que Daniel Goleman e António Damásio nos apresentaram, na transição do século XX para o XXI, com a lúcida noção de que o Homem integral carecia de uma inteligência emocional[13].
Em síntese, esta inteligência emocional só é passível de se manifestar quando o Homem moderno souber compaginar o saber científico com a intuição religiosa proveniente da fé. São Paulo ensina-nos, com a sua vasta sapiência, a conseguir unir a multiplicidade das dimensões humanas. Urge, pois, que o Homem pseudodesenvolvido arrepie caminho para que se possa sentir um Ser completo e tranquilo[14].
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] George Weigel, O Cubo e a Catedral – A Europa e a América e a política sem Deus, Lisboa, Aletheia Editores, 2006.
[2] As sociedades devem ter “inspiração divina”, mas não devem ser sectaristas e intolerantes como nos ensinou Voltaire, pois as crenças religiosas não podem ser impostas, porque acreditamos que a dignidade humana exige uma liberdade com sentido de responsabilidade.
[4] Sobre este tema convém atentar nas sábias palavras de Sua Santidade Bento XVI na sua, mais recente e notável, encíclica: Bento XVI, Caridade na Verdade, Prior Velho, Edições Paulinas, 2009, pp. 20,21,111,112 e 113.
[5] As obras em que Friedrich Nietzsche mais desenvolveu estas suas ideias foram: Assim falava Zaratrusta, 1883-1885; Para além do Bem e do Mal, 1886; e O Anticristo (1888).
[6] Esta génese histórica está bem estudada e constitui, uma obra clássica, o estudo de Hannah Arendt, The Origins of Totalitarism, Nova Iorque, Harcourt Brace and World, 1973.
[7] Em Portugal, esta tendência afirmou-se com uma veemência feroz entre os ideólogos do Partido Republicano Português.
[8] O Holocausto Nazi foi o expoente máximo do niilismo ético que as gerações mais novas não devem esquecer como, pelo contrário, devem repudiar de forma inequívoca.
[9] Terei o maior prazer em ajudar a fundamentar, em futura crónica, axiologicamente a simbiose que une e não separa, a meu ver, estes dois ideais. Esta reflexão será uma tentativa de resposta a uma pertinente questão que fico a dever à argúcia do Senhor Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa que a colocou num debate que se seguiu a uma sua Conferência sobre São Paulo.
[10] George Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) foi um dos pais fundadores da teoria do Espírito, mas ao seu idealismo respondeu Karl Marx (1819-1883) com as suas premissas materialistas da natureza da História da Humanidade em obras como Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, A Ideologia Alemã e O Capital.
[11] Aliás, este actual despojamento espiritual do Homem Ocidental, de europeus e de norte-americanos, tem feito penetrar, na nossa Civilização, algumas tendências mentais da espiritualidade oriental manifestas na alimentação, na arquitectura, nas massagens, ditas vulgarmente como “zen”,etc.
[12] É esta tendência do niilismo e do relativismo que levou a que desde o início do século XX se tenha instalado uma crise de valores que varreu a Europa e os Estados Unidos da América. Foi nesse quadro histórico que, em Paris, o intelectual Paul Valéry já, nessa altura, alertou os seus concidadãos para a crise de valores que estava a abalar a Europa.
[13] Este balanço de Filosofia da História da Civilização Ocidental, na senda epistemológica do caminho que Raimond Aron nos apontou, pode ser aprofundado em outra crónica que escrevi neste blogue com o título “Agonia – o estado da nação ou o estado do mundo ?”.
[14] A inquietude é um dos traços mais marcantes do Homem Contemporâneo, neste turbilhão alucinado de incertezas decorrentes da Globalização defensora da teologia do mercado, portanto importa virar esta página da História da Humanidade rumo a uma Globalização Humanista que volte a requalificar os valores espirituais no sentido de concretizar um paradigma de desenvolvimento humano mais equilibrado. Vide Bento XVI, Caridade na Verdade, Prior Velho, Edições Paulinas, 2009, pp. 121-124.
Ericeira, 17 de Agosto de 2009 “O estado do Ensino Público, Básico e Secundário, em Portugal: contradições, hesitações e ambiguidades (1970 - 2009)”
É meu intuito traçar uma panorâmica sintética do estado do ensino público, básico e secundário, em Portugal, dos anos 70 aos nossos dias, com base numa reflexão, simultaneamente, empírica e teórica, sem cair numa rudimentar visão sincrética. Esta temática tem sido amplamente debatida, sem que haja, todavia, uma compreensão global do estado da problemática, porquanto a pluralidade de opiniões e os erráticos palpites de numerosos leigos, não tem favorecido a clarificação das questões basilares, entre os especialistas e junto da opinião pública, e também a elucidação das opções em aberto no actual sistema de ensino português.
O primeiro grande impulso histórico transformador foi dado por José Veiga Simão, Ministro da Educação Nacional durante parte do Governo de Marcelo Caetano (1970-1974), que estabelecendo a necessidade de democratizar o ensino no país abriu a porta à massificação do ensino obrigatório, num tempo de significativo analfabetismo popular. Por outro lado, o ideal educativo do desenvolvimento integral dos indivíduos, que Sua Santidade, o Sumo Pontífice, Bento XVI nos vem recordar, numa época excessivamente centrada nas competências competitivas, na sua mais recente e notável encíclica “Caridade na Verdade”[1], a par da metodologia pedagógica activa introduzida pela “Escola Nova”[2], que recentrou o ensino português e europeu nas aprendizagens dos alunos, inverteram o paradigma pedagógico tradicional até então dominante[3].
Este novo paradigma pedagógico, implementado no contexto revolucionário da esperança libertadora do PREC, pecou pelo excesso da viragem institucional nas escolas do país, ao ponto da anarquia pedagógica contaminar o sistema de ensino nos meados dos anos 70, pois, em boa verdade, o eixo estruturante da dinâmica educativa deve assentar, como bem percepciona a sensata e actual linguagem docente, no binómio ensino/aprendizagem.
Neste complexo quadro histórico, de transmutação do sistema de ensino, estas variáveis alargaram o espaço de competências dos professores[4], que, dessa forma, assistiram à mudança de paradigma pedagógico, em função da transição de regime político, sem que tivessem tempo para se adaptarem. Daí que, como atentos observadores, não estranhemos a confusão revolucionária que contaminou o sistema de ensino, nos meados dos anos 70, colocando em causa hierarquias escolares e metodologias pedagógicas tradicionais.
Assim, os professores do novo regime democrático passaram a ter que ensinar a aprender, que motivar para as diversas aprendizagens, que fomentar a formação de competências sociais e cívicas, para além de ensinarem as matérias programáticas, que já anteriormente lhes eram incumbidas. Em suma, os docentes passaram a ter que desenvolver mais tarefas e de maior complexidade, num “estalar de dedos”, fazendo desembocar o sistema, imprudentemente, num caótico estado qualitativo…
Em concomitância, emergiu a necessidade de massificar o ensino público, o que obrigou o sistema a alargar o número de professores ao serviço do Ministério da Educação, tornando, assim, as exigências doutrinárias, proclamadas pelas Ciências Psico-Pedagógicas e pelas autoridades políticas, inviáveis de serem cumpridas no curto e médio prazos. Houve, com efeito, uma falta de razoabilidade nos organismos governativos que tutelaram o ensino público[5].
Neste quadro geral de pressupostos educativos, a finalidade do desenvolvimento integral dos alunos implicou a consecução da acção pedagógica ao nível do Saber, do Saber-Fazer e do Saber-Estar, o que tornou as tarefas docentes mais complexas e mais difíceis de serem aferidas em termos da qualidade dos desempenhos profissionais. Aliás, este requisito de complexidade da acção educativa entra, ironicamente, em profunda contradição com os “rankings das escolas secundárias”, impostos pela tutela, que pretendem classificar, de forma perfeitamente adulterada, as escolas pelos resultados cognitivos dos seus alunos.
Deste modo, este mecanismo classificativo de escolas secundárias é uma autêntica aberração à luz da natureza humana e do actual conceito psicológico da inteligência emocional, de Daniel Goleman[6] e de António Damásio, ou, por outras palavras, em lúcida linguagem popular diríamos que “não joga a bota com a perdigota”, porque se assume que o sistema de ensino público deve pugnar por uma educação global e, na prática, a tutela administrativa estabelece uma lista ordenada decrescente das melhores escolas secundárias do país com base em resultados cognitivos…
É certo que este mecanismo classificativo do sistema de ensino trata o lado mais fácil da avaliação educativa, mas a educação por excelência só é possível de ser qualificada, e não apenas de ser quantificada e, por isso, os “rankings das escolas” são simplesmente uma aberração pedagógica de transviadas orientações administrativas.
Há, pois, vários problemas estruturais, do ensino, básico e secundário, em Portugal, que estão, sobejamente, diagnosticados pelos sociólogos da educação, advindos da estruturação formulada no pós-25 de Abril em função dos ideais libertários. Com efeito, conjugaram-se, desde essa altura, vários factores históricos que contribuem para a fraca eficácia do actual sistema educativo português: 1. os pais, muitas vezes, demitem-se dos seus papéis educativos; 2. as reformas de política educativa têm sido, quase, sempre de alcance conjuntural; 3. as modernas Pedagogias têm enfatizado em excesso os aspectos folclóricos da educação[7]; 4. a pressão das estatísticas nacionais e internacionais têm dado azo ao facilitismo pedagógico e, finalmente; 5. as práticas docentes têm sido, muitas vezes, resistentes às mudanças.
Em resumo, este caldo de inércia e de desnorte social, político, pedagógico e profissional não tem favorecido a melhoria dos padrões de ensino em Portugal, porque como tenho, sempre, sustentado existe um conjunto de variáveis sistémicas que são co-responsáveis pelo estado do ensino em Portugal.
Por conseguinte, só uma reforma estrutural da educação que seja mobilizadora de todos os agentes envolvidos no sistema de ensino público português poderá conseguir gerar as harmoniosas sinergias para uma educação globalizante e, efectivamente, de qualidade. Por esta razão, só com a co-responsabilização e a convicção profunda de pais, de agentes políticos, de cientistas sociais, de meios de comunicação social, de professores e de educadores, munidos de boa vontade e de bom senso, se poderá implementar uma verdadeira reforma do ensino público português, de nível básico e secundário.
Na realidade, um dos principais problemas que contribui para a instabilidade do sistema em Portugal é a falta de autoridade dos professores que se alicerça, em parte, na regulamentação legal[8], hiper-protectora dos direitos dos alunos que visa o programático objectivo de lutar contra o absentismo escolar dos estudantes do ensino básico obrigatório.
Nesta perspectiva, não há uma proporcionalidade de meios e de fins, porquanto embora esta finalidade de política educativa seja louvável, os mecanismos empregues através dos diversos Estatutos do Aluno do Ensino Básico e Secundário, promulgados por vários Governos, têm conduzido à permissividade disciplinar das escolas, desembocando, pois, esta situação na progressiva perda de autoridade dos professores. Daniel Sampaio, perito nesta problemática, assume outras variáveis que condicionam este indesejável fenómeno, mas, do meu ponto de vista, estas circunstâncias de âmbito político-legislativo não são menosprezáveis.
Outro problema, do sistema de ensino português, de significativo peso é a avaliação docente, alterada durante o Governo de José Sócrates, que tem um grau elevado de subjectividade epistemológica como, aliás, nos demonstra o facto dos modelos avaliativos docentes variarem de um país para outro. Não obstante, importa reconhecer que a avaliação docente influencia a qualidade do sistema de ensino, no entanto uma avaliação de desempenho docente basicamente quantitativa e burocrática, como no presente modelo promulgado pela tutela, não é compaginável com uma educação global. É nesta incomensurável contradição que assenta o drama sistémico com que os actuais políticos tecnocráticos da “5 de Outubro” (Maria de Lurdes Rodrigues, Valter Lemos e Jorge Pedreira), se debatem.
Na verdade, para a consecução de uma educação global, integral dos alunos, são necessárias a motivação e a mobilização de professores com sensibilidade humanista, e não de professores-burocratas com mera sensibilidade técnica, para que os docentes possam ser avaliados de forma qualitativa e formativa em função de uma pluralidade de perfis pedagógicos. Caso contrário, em face do presente rumo da tutela, estaremos a criar perversamente escolas com modelos empresariais de objectivos produtivos, com funcionamentos pouco democráticos e muito afastadas do modelo pedagógico globalizante que comporta, inevitavelmente, a dimensão criativa dos educadores e dos educandos[9].
Finalmente, outro “handicap” que se manifesta no sistema de ensino em Portugal é o fenómeno da iliteracia. Em boa parte, a iliteracia estudantil deriva das folclóricas pedagogias modernas e da diminuição do grau de exigência dos docentes para efeitos estatísticos. Este fenómeno traduz-se no facto dos estudantes saberem ler de forma literal, mas, na prática, serem incapazes de interpretar e compreender questões, textos, gráficos, etc. Ou seja, os alunos do ensino básico e secundário sofrem de uma escolarização pouco alfabetizada, como bem destacou o escritor Vasco Graça Moura no que concerne ao ensino da língua portuguesa e ao conhecimento da literatura nacional em função da fasquia definida nos programas do ensino secundário desta disciplina.
Em conclusão, para se superar estas contradições, hesitações e ambiguidades do sistema de ensino em Portugal, que se eternizam no regime democrático, afigura-se-nos fundamental que haja um amplo debate de especialistas da educação, de cientistas e de pedagogos, e que todos os agentes envolvidos no processo educativo se co-responsabilizem pelo cumprimento dos seus deveres, no respeito pela diferença de funções e pela pluralidade de perfis pedagógicos, no sentido de formular um sistema minimamente coerente de ensino, não coercivo, em que todos os intervenientes se auxiliem e se esmerem. Porquanto, de contrário, “sobe à tona”, inúmeras vezes, a tendência de “passar a batata quente” para o vizinho da cadeia educativa[10]!
Em suma, diremos que só um consenso espontâneo de especialistas conjugado com a boa vontade, o bom senso e a sensibilidade humanista, como nos recomenda Sua Santidade Bento XVI na sua mais recente encíclica[11], de pais, de professores, de cientistas, de políticos e de cidadãos permitirá operacionalizar uma, efectiva, melhoria do sistema de ensino nacional, de forma a afinar os tons melódicos destes diversos agentes educativos, pois sem este requisito primordial a harmonia sistémica do ensino nacional não será viável.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] “(…) A fidelidade à pessoa humana exige a fidelidade à verdade, a única que é garantia de liberdade ( Cf. Jo 8,32 ) e da possibilidade de um desenvolvimento humano integral. (…)” in Bento XVI, Caridade na Verdade, Prior Velho, Edições Paulinas, 2009, p. 14. [2] A Escola Nova, ou Escola Activa, que se desenvolveu na Europa e na América na primeira metade do século XX, só teve efectiva aplicação em Portugal no regime democrático pós-25 de Abril dado que a visão tradicionalista da Educação do Estado Salazarista não permitiu grandes inovações no ensino público. [3] O paradigma pedagógico dominante desde a época Napoleónica estava centrado no saber do professor e desprezavam-se as aprendizagens afectivas e comportamentais dos alunos. [4] Os professores neste tempo de mudança deixaram de ter por missão exclusiva instruir e passaram a ter que instruir e educar os alunos e, deste modo, deixaram de se preocupar apenas com o ensino e foram arremessados para a dupla função de ensinar e de fazer aprender. [5] Daniel Goleman, Inteligência Emocional, Lisboa, Editora Temas e Debates, 2002. [6] Gabriel Mithá Ribeiro, A pedagogia da avestruz: testemunho de um professor, Lisboa, Gradiva, 2004. [7] Estatuto do Aluno do Ensino Básico e Secundário definido pela Lei nº 3/2008, de 18 de Janeiro. [8] Vide a excelente análise de um dos mais conceituados pensadores internacionais que nos fala da necessidade da criatividade no trabalho e no ensino: “(…) É inevitável, assim, que a avaliação, (…) tenda a transformar todas as relações humanas em relações funcionais de poder. O preço a pagar por esta tecnologia biopolítica é, evidentemente, (…) a diminuição brutal dos possíveis, a restrição do aleatório (…) Como estes serão transformados em funções – a famosa ‘criatividade’ no trabalho, nas empresas, nos serviços, na publicidade, nos média -, os próprios factores aparentemente incodificáveis serão avaliados, quantificados, normalizados. (…) in José Gil, Em busca da identidade- o desnorte, Lisboa, Relógio d’ Água, 2009, pp. 52-53. [9] Por exemplo, a “passagem da batata quente” fez-se, no sistema, da seguinte forma: o pai responsabiliza o professor do insucesso do seu filho, o professor responsabiliza o pai pelo seu pouco envolvimento na escola, o político responsabiliza o professor pela sua inércia pedagógica, etc. E, deste modo, nada se resolve. [10] Bento XVI, Ibidem, p. 14.