Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
O professor universitário João Carneiro de Moura considerou em 1921 à revelia das teses oficiais que para colonizar as terras ultramarinas era necessário o esforço social dos portugueses e designadamente que se recorresse a pessoas capazes e “úteis”. Não se devia recorrer unicamente à tradicional política dos degredados em que apenas se enviavam para as colónias os elementos "decadentes" da sociedade metropolitana[1]. E, por outro lado, achava que o Estado devia impulsionar as missões religiosas nacionais, dado que se revelou nesta época publicamente o insucesso das missões laicas de civilização das populações nativas apadrinhadas pelo regime Republicano.
Deste modo, no momento em que pairavam cobiças estrangeiras à posse das colónias portuguesas devido à nossa incapacidade administrativa, muito criticada na imprensa internacional, apareceram as teses que proclamavam que renovando os meios de colonização se conseguiria efectivar a ocupação das colónias.
Este professor divulgou esta sua tese numa Conferência que realizou a 8 de Março de 1921 na Sociedade de Geografia de Lisboa. Começou por diagnosticar a existência duma crise nacional motivada por dois problemas: por um lado, tornava-se evidente a fragilidade da ocupação das colónias portuguesas que se limitava aos critérios administrativo e político, faltando realizar a ocupação social; e, por outro lado, fazia-se sentir uma complicada crise económica e financeira no Erário Público que se denotava nos défices orçamentais e na dívida externa do Estado português.
Heterodoxamente afirmava que as colónias não podiam ser apenas reservatórios de indívíduos sociailmente desviados (doentes, analfabetos, deficientes, criminosos, etc), encaradas tradicionalmente como terras de degredados e de exilados, e em segundo lugar, que o Estado devia autorizar e favorecer as missões religiosas nacionais[2] como forma de civilizar os autóctones e de impedir o predomínio das missões religiosas estrangeiras no ultramar português[3]. Com efeito, proferiu uma crítica veemente à doutrina colonial adoptada pelos governantes da 1ª República, alertando para o risco da cobiça estrangeira implicado pela estratégia oficialmente adoptada.
A 25 de Abril de 1923, José Ferreira Dinis em conferência proferida, na sala das sessões da Câmara Municipal da Figueira da Foz, perante o contexto da falência operacional das missões laicas de civilização dos indígenas africanos nas colónias portuguesas propôs que fossem revitalizadas as missões religiosas. Sustentou, designadamente, duas teses heterodoxas de colonização dos territórios ultramarinos portugueses[4].
Na primeira tese defendeu que o autóctone africano não podia ser civilizado de acordo com os padrões culturais europeus, não obstante pudesse ser instruído tecnicamente com um ensino profissionalizante, excluindo-o do estatuto de cidadania e inferiorizando-o ao colono, o que proporcionaria as condições sócio-laborais para a sua manipulação como mão-de-obra do patrão colonizador. De facto, a política executada pelos Altos Comissários, neste período, acreditava na elevação civilizacional dos autóctones ao nível dos europeus[5]. Na segunda tese considerava, de forma heterodoxa, que o Estado português devia subsidiar a função civilizadora das missões religiosas porque tinham tido êxito e extinguir as missões laicas pelo seu provado insucesso no regime Republicano.
Assim, Ferreira Dinis discordou dos métodos civilizadores que o Estado português seguiu para educar as populações nativas das colónias africanas. Censurou a convicção política oficial de que os indivíduos de raça negra pudessem ser europeizados pela instrução, sem ter em conta o seu contexto cultural. Afirmou que a alternativa passava apenas por oferecer às populações negras das colónias um ensino profissionalizante e os rudimentos da língua portuguesa como meio de comunicação. Parece-nos, claro, que esta tese pressupondo um segregacionismo rácico em relação aos povos negros tinha como objectivo assegurar que estes ocupassem posições socialmente inferiores[6]. É interessante o modo como justifica esta sua tese, pois diz que era prejudicial civilizar mesmo uma minoria de indígenas à luz dos padrões culturais dos colonos, porque estes podiam formar uma élite subversiva do desejável servilismo dos povos colonizados nativos.
Por outro lado, em relação à sua segunda tese considerou que o Estado deveria subsidiar as missões religiosas que formassem missionários “in loco” e que empregassem missionários portugueses. Salientou a evolução histórica da utilização missionária. O regime Republicano em 1913, na sequência da Lei da Separação do Estado das Igrejas, de Afonso Costa, criou as missões laicas para substituir as missões religiosas, mas em 1923 os políticos constatando a ineficácia das missões laicas promulgaram um decreto reabilitando e protegendo as missões religiosas como educadoras das populações autóctones africanas. Contudo, na sua perspectiva heterodoxa, o Estado português deveria ter a coragem política de pôr fim às missões laicas, porque a coexistência de missões com metodologias antagónicas implicava uma incoerente acção civilizadora.
Como forma de reagir à acusação internacional de que Portugal praticava em Angola e em Moçambique nos anos 20 a escravatura ( o trabalho forçado ) Ferreira Dinis procurou sugerir que se criasse um regime jurídico que distinguisse cidadãos e indígenas com base numa avaliação cultural[7], o que seria a seu ver um critério que legitimaria esta útil discriminação para efeitos laborais.
Ao invés da política que Norton de Matos executou, na defesa dos direitos dos povos “indígenas” e na tendência para criar igual dignidade para colonizadores e colonizados, Ferreira Dinis propôs que os “indígenas africanos” fossem juridicamente discriminados como um grupo excluído da categoria de cidadania[8]. Achava conveniente que, deste modo, se consagrasse um estatuto civil e político para os indígenas, no sentido de se estabelecer uma clivagem jurídica de base cultural em relação aos colonizadores que permitisse desmentir junto da opinião pública internacional o fenómeno da escravização dos “indígenas”, mas que concomitantemente permitisse mascarar o abuso laboral sobre os nativos africanos com este artifício ideológico-jurídico.
[1] João Carneiro de Moura, “A colonização portuguesa e as missões perante o problema nacional”, in Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, nº 3-4, 39ª série, Março-Abril de 1921, pp. 148-156.
[2] Na verdade, esta ideia de Carneiro de Moura só se transformou de heterodoxa em ortodoxa, com a mudança de regime da 1ª República para a ditadura militar. Assim, só com o ministro João Belo ao decretar o Estatuto das Missões Católicas a 23 de Outubro de 1926 se procurou legitimar novamente as missões religiosas com o objectivo de fomentar a evangelização das populações indígenas africanas.
[3] Nas seguintes citações se atesta a veracidade destas análises: “(...) E assim não se deve consentir que emigrem os indivíduos indeclinavelmente necessários na metrópole, como não se deve consentir que emigrem os incapazes de realizar a colonização em terras distantes: os doentes, os analfabetos, os débeis e os anormais, não podem emigrar. Pelo que, nas regiões onde o poder público é regular e vigilante, não se pode admitir a emigração dos incapazes de trabalhar e dos inúteis. (...) A Conferência de Berlim de 1885, abriu caminho às missões religiosas pela liberdade concedida à expansão de todas as confissões e se queremos contrapôr à acção das missões religiosas estrangeiras a conveniente acção portuguesa, carecemos de crear as missões religiosas nacionais. O espírito dos indígenas, pelo seu estado mental, é facilmente conduzido por emoções religiosas; a história do espírito humano assim o atesta. (...)” Ibidem, pp. 150-151.
[4] José Ferreira Dinis, Missão Civilizadora do Estado nas colónias africanas, Lisboa, Tipografia Colonial, 1924, pp. 6,7,8 e 20.
[5] O argumento implícito ao discurso de Ferreira Dinis é o de que se o preto fôr mantido no seu nível civilizacional poderia ser usado como mão-de-obra do colono, o que é antagónico com a tese aplicada por Norton de Matos em Angola.
[6] As seguintes passagens evidenciam a validade destas interpretações: “(...) Em lugar de adaptar-se a instrução ao meio, pelo contrário, entendeu-se que o meio é que tinha de desaparecer perante a instrução, acreditando-se no efeito mágico dos programas escolares da Europa na obra de colonização. Transplantaram-se para África os métodos de ensino metropolitano, como sendo os mais apropriados, para realizar a transformação do negro. (...) Enfim a escola deve ser mais uma oficina do que uma escola, onde se ensine juntamente com a língua portuguesa, com a leitura e escrita, um ofício, uma profissão e trabalho manual, criando operários e agricultores. (...) o internato pondo em contacto permanente ou quase permanente o missionário com o indígena, provoca não a evolução natural e progressiva da raça, mas sim uma evolução intelectual antecipada de alguns indivíduos que veem a constituir o semi-civilizado, tipo esporádico que a missão criou e que constitue um dos piores elementos da população nativa (...)”, Ibidem, pp. 6,7 e 8.
[7] Esta sugestão discriminatória dos negros iria ser implementada já na ditadura militar a 23 de Outubro de 1926 com o Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas de Angola e de Moçambique pelo ministro das colónias João Belo.
[8] As seguintes citações corroboram a verdade destas análises: “(...) A atitude do Estado não é só incoerente e incompreensível, é condenável. Por outra forma não pode ser classificada a atitude do Estado, mantendo duas instituições [ missões laicas e religiosas ], que visando o mesmo fim, o civilizar raças indígenas, na sua acção se servem de meios antagónicos que podem produzir graves perturbações entre as populações sobre que vai recair a sua acção e até lançá-las em lutas sangrentas. Não pode nem deve ser. (...) Quanto às missões laicas, em face da atitude que o Estado deve tomar perante as missões religiosas e em virtude do que se obrigou nas Convenções internacionais, não têm elas razão de ser. (...) Urge promulgar o estatuto civil e político, por que se devem reger os nossos súbditos, estabelecendo a definição jurídica do indígena, o que afinal não é mais que dar cumprimento ao estabelecido nas leis orgânicas da administração civil das colónias, de agosto de 1914. (...) Os nativos das colónias são cidadãos da República ou seus súbditos; cidadãos, quando não pratiquem os usos e costumes característicos das raças africanas e satisfaçam à condição essencial para serem considerados como portugueses, falar o português; súbditos os que não falando o português, pratiquem os usos e costumes daquelas raças e se regem pelas suas instituições. (...)” José Ferreira Dinis, op. cit., pp. 19,20 e 27.
Comandante João Belo, ministro das colónias (1926-1928)
Os propagandistas da tese da autonomia administrativa colonial apareceram, sobretudo, no momento em que se dava uma reviravolta centralista da administração colonial com a política do ministro João Belo e posteriormente do Acto Colonial, nos anos de 1926 a 1930. Consideravam os adeptos da tese autonomista que o fracasso do sistema descentralizador da administração colonial portuguesa se ficava a dever à insuficiente distribuição de competências junto dos orgãos locais. Como os seus defensores eram colonos ou homens de grande vivência colonial entendiam que para resolver os problemas específicos dos teritórios ultramarinos seria necessário uma grande proximidade entre os decisores e as sociedades coloniais[1]. Daí a contestação que fizeram ao modelo centralista e ao modelo dos Altos Comissários avaliado como uma minguada descentralização e a opção que defenderam inspirava-se no modelo administrativo imperial britânico.
Uma das mais interessantes teses de reformulação do sistema administrativo colonial português foi a sugestão do engenheiro Virgílio de Lemos, em 1930 em pleno debate do Acto Colonial[2], ao defender a ideia autonómica duma administração ultramarina com Parlamentos coloniais representativos das populações locais, a exemplo do que acontecia com o modelo administrativo imperial britânico de “self-government”. Achava, também, que os governadores se deveriam tornar cargos de nomeação administrativa com períodos pré-definidos de desempenho, o que na sua aceção garantiria uma maior independência face ao poder metropolitano[3].
Na verdade, este autor considera que Portugal nunca concedeu uma real autonomia ao sistema de administração colonial, nem mesmo com a institucionalização do regime dos Altos Comissários, dado que os poderes de decisão foram atribuídos a altos funcionários representantes do governo central e não às populações das colónias[4]. Nesta lógica de raciocínio, propôs que se seguisse o exemplo do sistema inglês, no qual cada colónia dispunha de legislação própria elaborada pelos representantes diretos das populações locais, o que constituiria um mecanismo institucional mais democrático. Assim, fez a distinção entre uma verdadeira e uma falsa autonomia, afirmando que uma era proveniente do poder dado às populações das colónias, enquanto a outra era oriunda dum poder concedido aos governadores, sendo por isso uma descentralização imposta de cima para baixo.
Segundo esta convicção ideológica, deste engenheiro colonial, Portugal deveria seguir o exemplo do modelo administrativo britânico, porque este tipo de autonomia colonial lhe traria as seguintes vantagens: satisfazer-se-iam melhor as aspirações das populações coloniais dado poderem fazer-se ouvir na Assembleia legislativa; os projetos de fomento far-se-iam em função das necessidades sentidas pelas colónias e não mediante os interesses impostos pelo governo central; e a estrutura administrativa colonial estaria mais imunizada às crises políticas da metrópole que tanto afetaram o império português na década de 1920.
Em resumo, o seu parecer foi no sentido de que às colónias fosse dada uma efetiva autonomia, e não de ordem fictícia como a que tinha existido com o regime dos Altos Comissários, de forma que os poderes administrativos decorressem da vontade das forças económicas vivas das colónias e não do funcionalismo público dependente das orientações de Lisboa. É nesta medida que propôs que se criasse, para cada colónia que tivesse requisitos mínimos, uma Assembleia que representasse os interesses sociais da colónia com a faculdade de fazer leis, embora estas pudessem ser vetadas pelo governo central. Por outro lado, sugeriu igualmente que o governador tivesse uma função meramente executiva e fosse eleito por prazos fixos, o que a seu ver diminuiria as intromissões do poder central na administração local das colónias.
Neste contexto, Vírgilio de Lemos ajuizou que o sistema português de administração colonial era uma solução mista, das tendências centralizadora e descentralizadora, marcada pela distribuição repartida de poderes entre o governador e o governo central. Estas análises interpretativas podem ser inferidas das seguintes passagens deste seu texto lido no III Congresso Colonial Nacional:
“(...) Cuidamos que poderia ser dada autonomia real a algumas das nossas colónias ( adiante mencionaremos as vantagens que, em nosso entender, daí adviriam ). Os Conselhos legislativos passariam a Assembleias legislativas e o governo, do qual um governador seria o responsável, não poderia comparecer na Assembleia, e desempenharia o seu cargo por prazos limitados. (...) No que respeita à essência da autonomia propriamente dita, deviamos equiparar a nossa Província de Moçambique à Rhodesia do Sul ( população 35 000 europeus, 900 000 indígenas ) cujas dimensões e proporções são comparáveis às daquela nossa grande colónia. A Rhodésia do Sul é realmente autónoma. Faz como quer as suas próprias leis, muito embora estas possam ser rejeitadas pelo governo do Império. (...) “.[5].
Alguns periódicos coloniais, em particular em Moçambique, foram porta-vozes das teses da autonomia administrativa colonial. Numa crónica de 13 de fevereiro de 1929 do jornal O Colonial[6] sustenta-se, em critica aberta o centralismo colonial da Ditadura Militar, a necessidade de dotar mecanismos de autonomia colonial por meio da transferência de poderes para representantes diretos das sociedades coloniais, rejeitando contudo que no futuro Moçambique se pudesse tornar independente.
Afirmava o cronista a necessidade de implementar uma descentralização administrativa completa, diferente da instaurada com o regime dos Altos Comissários, que teria de passar pela atribuição de competências a representantes das sociedades coloniais, ao invés de fazer-se uma mitigada ou falsa descentralização através da delegação de poderes da metrópole nos governadores ou em outros representantes do poder central, porquanto na opinião do jornalista este mecanismo correspondia a uma “escravização” das colónias aos interesses da metrópole[7]. Deste ponto de vista, só através desta genuína descentralização administrativa se conseguiria o progresso das colónias, o afastamento da desonrosa acusação internacional da prática esclavagista nas sociedades coloniais portuguesas e, por consequência, o distanciamento do perigo da alienação do património colonial português por potências estrangeiras.
José Benedito Gomes, médico e professor na Escola de Medicina de Nova Goa, pensava em finais de 1929 que os territórios do império colonial deviam ser designados por “províncias ultramarinas” e que se devia concretizar uma descentralização com um regime de autonomia administrativa colonial de “self-government”, em que os orgãos locais fossem os verdadeiros definidores dos caminhos políticos[8]. Este autor, embora se tenha debruçado, mormente, na estruturação da administração colonial do Estado da Índia, teceu algumas considerações gerais. A sua tese deve ser vista como uma crítica à tendência centralista consagrada com as políticas de João Belo (1926-1928) e de Oliveira Salazar (1930), embora se insiram numa corrente alargada de contestação dos pressupostos do Acto Colonial que alguns oradores do III Congresso Colonial Nacional realçaram. Com efeito, achava que devia ser implementada uma descentralização administrativa colonial que consagrasse um regime de “self-government” e que os funcionários públicos coloniais deveriam poder ser eleitos para alguns dos cargos de representação popular no Conselho de Governo do Estado da Índia.
Domingos Cruz, antigo parlamentar da 1ª República, criticou em 1928 o espírito centralista das novas Bases Orgânicas da Administração Colonial, promulgadas por João Belo[9]. Preconiza num ensaio político escrito nesta data a ideia de que para estimular o desenvolvimento económico-social das colónias eram necessários grandes investimentos financeiros, com inevitáveis desequilíbrios orçamentais, e uma administração descentralizada que reforçasse os poderes dos orgãos locais, pois no futuro as colónias deviam criar Parlamentos locais[10].
Na verdade, justificou o desequilíbrio orçamental e o despesismo como tendo sido fatores necessários à obra de fomento em Angola de Norton de Matos, precisamente no momento em que sob os auspícios do ministro das finanças se privilegiava a contenção financeira como superior critério de ação política. Na sua perceção heterodoxa defenderá o restabelecimento dos Conselhos Legislativo e de Governo em Angola, salientando num espírito autonomista que aquele orgão deveria no futuro em função do desenvolvimento social transformar-se num Parlamento colonial.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] António Ennes na década de 1890 como Comissário Régio de Moçambique dirá que as colónias deviam ser governadas localmente e não dos gabinetes da metrópole.
[2] Vírgilio de Lemos tomou uma posição crítica no momento em que estava a ser discutida no 3º Congresso Colonial a pertinência e a oportunidade do Acto Colonial, tendo discordado que a correta estratégia para solucionar os problemas coloniais portugueses fosse reforçar o grau de centralização do sistema administrativo. Assegurou que as dificuldades verificadas nas colónias resultariam, pelo contrário, da insuficiência do grau de descentralização conferido.
[3] Virgílio César de Lemos, “Administração geral das Colónias”, in 3º Congresso Colonial Nacional, Lisboa, Ed. Sociedade de Geografia de Lisboa, 1930, pp. 1-8.
[4] “(...) A que se pode referir a autonomia dum país ? Supomos que se refere, não à competência do Governador para fazer leis, mais ou menos assistido por Conselhos, mas ao reconhecimento da competência desse país para fazer, por si próprio, as suas leis. Consideradas sob este ponto de vista, as nossas colónias não tiveram autonomia , até que o regime, chamado entre nós dos Altos Comissários, veio aumentar muito os poderes do governo da Colónia e diminuir ( se era possível ) concomitantemente, a autonomia real da Colónia. (...)” Idem, Ibidem, p. 3.
[5] Vírgilio César de Lemos, op. cit., pp. 3,4 e 7. [ Cont. da citação do texto] “(...)Quem consultar as nossas Bases Orgânicas das Colónias vê na Base VII o que é que compete ao Congresso da República; ao Ministro das Colónias; e ao Governador Geral. Mas nada encontra que possa competir à própria colónia! Demos um exemplo: se os habitantes da província de Moçambique quizerem, só por si, a promulgação duma medida, pode ser o mesmo que não quererem nada visto que essa medida, se não fôr da vontade do governador, não será promulgada, seja essa medida embora justa. (...)”.
[6] “Descentralização pelo progresso e prosperidade das colónias”, in O Colonial, 13 de fevereiro de 1929, p. 1.
[7] Das seguintes passagens se depreendem estas conceções administrativas heterodoxas: “(...) Cumpre-nos cimentar a unidade do grande Portugal, tornando dia a dia mais intimos os laços entre a mãe-pátria e as colónias. (...) Mas só dentro dum regime confiantemente descentralizador esta obra de unificação progressiva se pode realizar com feliz êxito. (...) A ditadura, recuando, revertendo às tradições militaristas dos coloniais do engrandecimento do poder real, que (...) compreendiam a descentralização à maneira de Eduardo Costa, como uma concentração também imperialista, de poderes nas mãos dos governadores, imagem do despotismo do Terreiro do Paço, desgrega feudalisticamente a livre contextura da República Portuguesa d’ áquem e d’ além mar. (...)” (Ibidem, p. 1).
[8] José Beneditino Gomes, “Memória sobre a administração civil. Grande divisão administrativa. Preparação dos funcionários coloniais”, in Congresso Colonial Nacional de 8 a 15 de maio de 1930 – Atas das sessões e teses, Lisboa, Edição Sociedade de Geografia de Lisboa, 1934, 19 p..
[9] Domingos Cruz, A crise de Angola, Lisboa, Imprensa Lucas e Companhia, 1928, pp. 111 e 112.
[10] “(...) Impõe-se por isso restabelecer as Bases Orgânicas da Administração Colonial, com espírito descentralizador que animou os primeiros diplomas nesse intuito publicados, embora introduzindo-se-lhes aquelas correções que a práctica tenha aconselhado, no sentido de se reservar para a metrópole a orientação superior em matéria de administração geral e a fiscalização dos atos dos governos provinciais. (...) Nestes princípios, importa restabelecer os Conselhos Legislativo e do Governo. Os primeiros como embriões de futuros parlamentos locais que hão de vir a ser, quando os aglomerados sociaisrespectivos atingirem maior e necessária plenitude, e também como orgãos de colaboração que a lei previa para aquelas medidas em que convenha a Colónia pronunciar-se. (...)”(Ibidem, pp. 111-112).
Algumas personalidades, como o agente geral das colónias Armando Cortesão, o deputado Manuel Ferreira da Rocha e o engenheiro Augusto Lisboa de Lima, consideraram em 1924, perante a crise administrativa angolana, que os cargos de Altos-Comissários de Angola e de Moçambique tinham implicado uma excessiva descentralização administrativa. Sugeriram, para o efeito, um reforço da capacidade coordenadora do poder central metropolitano sobre a estrutura administrativa colonial e uma simplificação da máquina burocrática.
Do ponto de vista de Ferreira da Rocha a descentralização tinha de ser moderada no sentido de assegurar, concomitantemente, uma fiscalização apertada do poder central sobre os orgãos locais das colónias e uma certa autonomia legislativa destas para que pudessem organizar livremente os seus serviços administrativos. Com efeito, no rescaldo da crise da administração colonial angolana, em 1924-25, alguns doutrinadores afirmaram que se devia implementar uma tendência centralizadora, pelo menos enquanto durasse a crise. Por exemplo, um jornalista da Gazeta das Colónias censurava então o governo por se preocupar apenas com a escolha do novo Alto-Comissário de Angola, ao invés de no período da crise se reajustar a administração colonial centralizando-a[1].
Armando Cortesão reputava a crise colonial portuguesa de meados dos anos 20 como resultante da deficiente organização da administração colonial[2], opinando que a descentralização tinha sido excessiva devido à perda da capacidade de coordenação da máquina administrativa por parte do poder central e pela sua desnecessária complexificação. Sugeriu, igualmente, que a carreira administrativa colonial se independentizasse em relação ao poder político, com o objectivo de se tornar imune face às instabilidades político-parlamentares da altura.
Este autor numa significativa conferência realizada na Sociedade de Geografia de Lisboa, em 25 de Janeiro de 1925, criticou de forma veemente o sistema administrativo colonial adoptado durante a 1ª República. Defendeu que deveria existir uma descentralização administrativa da estrutura colonial, semelhante à que tinha sido implementada por Luís Rebelo da Silva em 1870, que fosse progressivamente edificada e se adequasse ao nível de desenvolvimento económico-social de cada colónia. Esta descentralização significaria a distribuição pelos orgãos do poder colonial de atribuições do governo central. O orador diagnosticou dois problemas que afligiam o império colonial português no início de 1925: a crise económico-financeira angolana e o excesso de circulação fiduciária em todos os territórios ultramarinos em comparação com o capital de base do Banco Colonial. Na sua opinião, estes problemas governativos derivavam da exagerada autonomia da administração colonial e das desmedidas ingerências políticas desta máquina administrativa[3].
De facto, Cortesão discordava da autonomia administrativa colonial, inspirada no exemplo imperial britânico, em que as colónias tinham o direito de se governar pelas suas próprias leis, devido a uma certa independência da máquina administrativa de cada território. Por conseguinte, do seu ponto de vista a autonomia implementada nos anos 20 com o regime dos Altos-Comissários tinha originado duas consequências nefastas para o país. Em primeiro lugar, o Ministério das Colónias tinha perdido praticamente todas as funções de supervisão e de orientação da máquina administrativa colonial, alheando-se involuntariamente em relação ao que se passava nas colónias por desconhecimento e impossibilidade de intervir. Em segundo lugar, cada colónia tinha de possuir os seus próprios serviços técnicos e administrativos, tendo-se multiplicado os quadros e as burocracias dos serviços coloniais[4]. Deste modo, em conformidade com esta percepção o princípio autonómico tornava a máquina administrativa colonial muito mais complexa e dispendiosa.
Pensava ser impossível Portugal imitar o modelo inglês de autonomia administrativa colonial devido à contingência das circunstâncias sócio-políticas portuguesas ( escassez demográfica, minguados recursos económicos, elevada taxa de analfabetismo, dispersão geográfica das colónias e excessiva ingerência da política na administração pública). Em função de todos estes factores condicionantes parecia-lhe indispensável pôr em funcionamento um sistema administrativo colonial unificado na capacidade coordenadora do Ministério das Colónias. Este mecanismo institucional implicaria um sistema menos oneroso e mais simplificado para as circunstâncias económicas e sociais do país.
Recomendava, assim, a reorganização da administração colonial, sugerindo que esta fosse estudada por uma Comissão presidida pelo prestigiado general Alfredo Freire de Andrade. Esta reorganização teria por finalidade principal estimular o desenvolvimento colonial, o que passaria a seu ver pela consecução das seguintes iniciativas: restituir ao Ministério das Colónias a competência para coordenar serviços técnicos da estrutura administrativa colonial; aceitar investimentos de capitais e de emigrantes estrangeiros nas colónias; apoiar as missões religiosas nacionais e impulsionar as correntes migratórias para as colónias[5]. Na realidade, estas propostas doutrinárias implicavam uma mudança da orientação colonialista seguida pelos políticos da época.
Este doutrinador identificou como sendo responsável pelas crises coloniais que se viviam em 1924-1925 em Angola e Moçambique a deficiente organização da máquina administrativa ultramarina. Em conformidade com esta leitura da realidade justificou que o excedente da circulação fiduciária verificada nas colónias em comparação com o capital social do banco emissor colonial no ano de 1924, ao contrário do que sucedeu em 1919, resultou da implementação de uma incorrecta lei bancária ultramarina. Esta análise histórica pode ser corroborada através das seguintes passagens:
“(...) Os legisladores modernos teem (sic), porém, procedido de modo contrário: fizeram em separado leis para as colónias e para o orgão metropolitano, o Ministério das Colónias, independentes umas das outras, sem que todas obedecessem à mesma orientação ou a um plano definido. E daí vem, a meu ver, o principal motivo da actual desorganização. (...) Demos às colónias uma autonomia exagerada e já comprovadamente perigosa, quando nos deviamos limitar a alargar inteligentemente a “prudente descentralização” que meio século antes Rebelo da Silva já preconizava. Fomos adoptar depois de uma série de reformas, cada vez mais desorganizadoras do orgão central, o Ministério das Colónias, o critério geográfico do sistema inglês. (...) As colónias deixaram de dar conta ao respectivo Ministério do que os seus serviços iam fazendo, os relatórios que os Governadores teem obrigação de apresentar anualmente, passaram a ser coisa raríssima, e hoje, sobretudo em serviços técnicos, desconhece-se por completo no Ministério das Colónias o que nestas se passa! (...)”[6].
O professor universitário Carneiro de Moura condenou também em 1924[7], em plena crisa finaceira angolana, o excesso de descentralização administrativa e de autonomia financeira colonial, assacando-lhes as responsabilidades pelos elevados défices orçamentais de Angola e de Moçambique e pelo distanciamento comercial entre a metrópole e as colónias. No seu prisma, só uma centralização supervisionista permitiria evitar tendências despesistas e possibilitaria uma articulação harmoniosa das diversas parcelas do império colonial português.
Também perante esta conjuntura o publicista e empresário Venâncio Guimarães difundiu em vários opúsculos a ideia de que a administração colonial de José Maria Norton de Matos como Alto-Comissário de Angola foi ruinosa por ter sido deficitária, sem visíveis contrapartidas em benefícios para o progresso do território, tendo a seu ver esta orientação política avolumado o funcionalismo público e prejudicado os interesses económicos dos colonos. No seu raciocínio, a gestão colonial de Norton de Matos tinha levado à ruína financeira de Angola, porque tinha havido um acréscimo desmesurado das despesas públicas coloniais devido ao forte clientelismo de funcionários públicos e, por outro lado, à forte protecção dos direitos laborais dos indígenas que reduzia substancialmente as capacidades de lucro dos colonos[8]. Esta denúncia de má administração foi secundada pela opinião de Francisco Cunha Leal, que chegou a chamar a Norton de Matos prepotente e ditador[9]. Ora este evidente fracasso do regime descentralizador dos Altos-Comissários suscitou o ambiente ideal à propaganda das teses centralizadoras da administração colonial.
Durante a crise económico-financeira de Angola e de Moçambique em 1924, resultante dos avultados gastos administrativos de Norton de Matos e de Brito Camacho como Altos Comissários, as teses centralistas – supervisionistas ganharam eco na imprensa portuguesa[10]. Emerge, neste contexto histórico, a ideia de que a centralização administrativa colonial seria o sistema que melhor garantiria a ordem financeira do império ultramarino e que, por consequência, haveria que extinguir estes cargos, equiparados a ministros, nas colónias.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] “A política e as colónias”, in Gazeta das Colónias, nº 4, 24 de Julho de 1924, p. 3.
[3] O conferencista Armando Cortesão sugeriu a necessidade de tornar mais independente a administração ultramarina das frequentes ingerências do poder político, no sentido dela não depender tanto das mudanças governativas. Para alcançar este objectivo propôs que a estrutura administrativa imperial adoptasse três medidas institucionais: que se criasse um Sub-Secretário de Estado independente do poder político e eleito pelo Conselho Superior Colonial de forma a garantir a continuidade administrativa nos momentos de mudança política; que um Conselho Superior Colonial politicamente neutro orientasse e fiscalizasse toda a administração ultramarina; que os governadores coloniais passassem a ser cargos periódicos de uma carreira administrativa e não de nomeação política. No seu entender, só com estas medidas de independentização administrativa em relação ao poder político seria possível que em momentos de crise governativa a estrutura da administração não ficasse hesitante ou paralisada.
[4] Podemos citar como demonstração deste aspecto referido no texto as seguintes passagens: “(...) Deste modo, cada colónia tem que organizar os seus serviços técnicos e administrativos com uma latitude tal que se possa bastar a si própria, com uma muito maior necessidade de bons funcionários e de dinheiro; por outro lado, o Ministério das Colónias, sem repartições ou organismos técnicos que possam coordenar a acção de todos estes serviços, dando-lhes uma orientação de conjunto ou especial, conforme as circunstâncias, vive completamente alheado ao que nas colónias se passa. Este estado de coisas trouxe a necessidade de alargar demasiado os quadros de cada serviço das colónias e de pôr à sua frente funcionários duma competência e categoria que de certo modo se dispensaria desde que no Ministério houvesse repartições técnicas que orientassem, fiscalizassem e coordenassem esses diversos serviços. (...)” ( in Armando Zuzuarte Cortesão, O problema colonial português, Lisboa, Tipografia Empresa Diário de Notícias, 1925, p. 40 ).
[5] Armando Cortesão, não esquecendo a sua missão de Agente Geral das Colónias, dá no fim da conferência um conselho em relação à forma de superar a crise ultramarina portuguesa afirmando a necessidade de intensificar a propaganda colonial através da reformulação dos currículos das escolas portuguesas e do aumento quantitativo de publicações sobre a temática ultramarina. Estas propostas viriam a ser concretizadas já nos anos trinta com o regime salazarista.
[6] Armando Zuzuarte Cortesão, op. cit., pp. 35, 36 e 37.
[7] João Carneiro de Moura, “Mandatos coloniais”, in As sociedades modernas, Lisboa, Imprensa Nacional, 1924, pp. 137-138.
[8] Cf. Venâncio Guimarães, Angola - uma administração ruinosa – Para a história do reinado de Norton, Lisboa, Imprensa Lucas, 1923, 48 p.
[9] Na opinião pública ficou célebre a expressão com que Cunha Leal descreveu o general Norton de Matos na sua acção administrativa como Alto Comissário de Angola: o “Calígula de Angola”.
[10] “Respingando ... Altos Comissários à baila. Empréstimo e soberania”, in O Brado Africano, 28 de Junho de 1924, p. 1.
Este debate político entre o líder do PSD e o líder do PS, mantido na televisão na noite de 20 de Maio de 2011, esteve bastante aceso com trocas de argumentos ideológicos entre o “passivo” do Governo e as ideias do principal líder da oposição. Mostrou ser um debate bastante renhido em que será difícil definir um vencedor, a não ser de forma pouco neutral. Ambos lançaram ataques mútuos que deixaram pairar o mal-estar, a tensão emocional, no adversário. Ficam aqui os principais argumentos ideológicos que foram esgrimidos neste mediático debate político rumo às Eleições Legislativas de 2011. Cabe a todos os cidadãos analisarem as ideias políticas, a capacidade de liderança dos diversos partidos, a actuação do Governo para, em função das suas convicções ideológicas, escolherem entre a diversa panóplia partidária os protagonistas das ideias que querem ver concretizadas politicamente. É um dever de consciência a nossa participação cívica como cidadãos para uma necessária revitalização das democracias do século XXI.
Pedro Passos Coelho
José Sócrates
A actual cifra de 700 mil desempregados apesar do presente Estado Social.
Discurso mistificador/fantasista de José Sócrates da realidade que mostra a vacuidade do programa do PS.
O Governo de José Sócrates deixou o país numa situação de pré-bancarrota.
Afirma que o Engenheiro José Sócrates não quer discutir a sua acção Governativa e que prefere escudar-se da influência da crise financeira internacional.
Sublinha que a crise financeira é mais grave em Portugal do que na maioria dos outros países Europeus.
Frisa que o PEC – IV significou o falhanço dos outros PEC’s por perda de confiança dos mercados na Governação Portuguesa.
Denunciou o facto de José Sócrates ter afirmado que não governaria com o FMI.
Afirma que o PSD propõe uma flexibilização do trabalho temporário e não uma liberalização laboral.
Propõe a redução da Taxa Social Única como mecanismo para lubrificar a indispensável competitividade da economia portuguesa.
Põe a tónica que o Governo Socialista não está a cumprir o acordo do défice público.
Nega que ele, próprio, seja imaturo e que coloca um rótulo prejudicial ao país, mas antes que tem uma visão realista.
Declara querer transparência das contas públicas.
Frisou que o Governo do PS foi incompetente.
Disse que o país precisa de um Governo competente e que o país que esteve socialmente aflito sabe que o Governo Socialista foi responsável pela pré-bancarrota e que, por isso, é necessário mudar de liderança, mas que para tal é urgente fazer crescer a economia.
Critica da derrapagem na execução Orçamento de Estado pela insuficiente redução da despesa pública.
Afirma que o seu Governo mudou de estratégia política para fazer face à crise financeira internacional.
Apresentou a tese dos co-pagamentos do Sistema Nacional de Saúde como propostas anticonstitucionais do PSD de que apresentou provas.
Sublinha que o PSD de Pedro Passos Coelho conduziu o país à ajuda externa, num acto de irresponsabilidade, que impulsionou os juros da República Portuguesa a subirem abruptamente nos “ratings” das agências respectivas.
Define como estratégia face à actual crise o combate ao desemprego.
Argumenta que como Primeiro-Ministro tentou evitar a ajuda externa, mas que a ânsia eleitoral da oposição e do PSD fez com que se deitasse fora a solução (o PEC – IV).
Denuncia que o PSD propõe no seu Programa Eleitoral uma liberalização do trabalho precário.
Denuncia que o Programa do PSD quer acabar com o despedimento por justa causa.
Prometeu estudar e reduzir moderadamente a Taxa Social Única.
Vinca que a notícia vinda a público, no dia de ontem, da redução do défice era positiva, mas que o líder do PSD aposta na maledicência e no pessimismo prejudiciais para a mentalidade dos portugueses.
Frisou que a nova metodologia contabilística europeia alterou a percentagem do défice e que o fenómeno da nacionalização dos bancos privados alterou o panorama financeiro nacional devido à crise internacional mais grave dos últimos 80 anos.
Lamentou as cartas públicas do PSD terem levantado suspeitas no momento das negociações do Governo com a “troika”.
Enfatizou ter criado um clima de diálogo para o entendimento no momento da crise política.
Afirma-se como um resistente e ter tomado medidas difíceis, numa liderança forte, dando uma marca distintiva à Governação do PS e que o país não precisa de aventuras políticas e de um Programa de radicalismo ideológico que coloque em causa o Estado Social.
Verificamos que o grande debate das teses coloniais decorreu entre 1919 e 1931 na época em que se fazia sentir uma profunda crise administrativa nas colónias de Angola e de Moçambique, em que se complexificavam as instituições administrativas coloniais e em que existia uma notória instabilidade política na 1ª República e mesmo na Ditadura Militar, o que tornou possível uma discussão muito ampla e uma grande multiplicidade de teses propostas para fazer funcionar a máquina administrativa colonial em construção. Podemos detectar com base na cronologia quatro grandes fases do aparecimento das teses coloniais.
1ª Fase - De 1919 a 1923, quando se concretiza o regime dos Altos Comissários, manifestam-se sobretudo teses descentralizadoras moderadas na metrópole que visavam sugerir aperfeiçoamentos pontuais do sistema administrativo colonial e teses anticoloniais parciais ou totais que fervilharam em particular em Moçambique e em Angola. Estas teses anticoloniais foram defendidas por colonos empreendedores descontentes com as políticas laborais proteccionistas dos indígenas promovidas por José Norton de Matos e Manuel de Brito Camacho.
2ª Fase - No ano de 1924 tornou-se aguda a crise financeira em Angola e em Moçambique, o que deu lugar à destituição destes dois Altos Comissários, dando origem à prevalência conjuntural da tese heterodoxa centralizadora de fiscalização da estrutura administrativa colonial, pois os seus defensores pensavam que só assim se conseguiriam evitar novas situações de ruptura financeira. Esta tese foi especialmente ventilada no II Congresso Colonial Nacional realizado na Sociedade de Geografia de Lisboa.
3ª Fase – De 1925 a 1930 foram predominantes as teses descentralizadoras radicais ou descentralizadoras técnicas, porque começou a haver descrença no princípio da descentralização moderada que levará à mudança oficial para o princípio centralizador com a política colonial de João Belo durante o início da Ditadura Militar ( tese ortodoxa ). Assim, aquelas teses extremistas visaram aprofundar a operacionalização do mecanismo descentralizador no sentido de salvar este princípio das críticas que sofrera desde a crise colonial Angolana. Também neste período foi prevalecente no sul de Moçambique a tese anticolonial pan-africanista devido à pressão das ambições hegemónicas geo-estratégicas sul-africanas do carismático general Smuts.
4ª Fase – De 1930 a 1945 foi dominante a tese ortodoxa imperial centralizadora proposta pelo Acto Colonial em 1930 e o debate doutrinário restringiu-se praticamente ao III Congresso Colonial Nacional e a uma ou outra tese que passaram à revelia do controlo do regime autoritário. Com a institucionalização do Estado Novo em 1933 as instituições repressivas do regime e a inculcação da doutrina do regime através de fortes meios propagandísticos obstaculizaram a fácil circulação de teses coloniais heterodoxas.
Em 1930-31 duas grandes figuras do regime Republicano atacaram o espírito centralizador daquele diploma. Com efeito, o ex-presidente da República Bernardino Machado escreveu em 1930 um opúsculo afirmando que se consagrava uma “inconstitucional escravização das colónias” e Norton de Matos escrevendo no Primeiro de Janeiro propôs em 1931 a tese heterodoxa de uma descentralização federalista para o império colonial português que compatibilizasse a integridade da soberania portuguesa no ultramar com o princípio da transferência de competências para os orgãos coloniais.
Contudo, foi talvez em Moçambique de 1930 a 1945 que se manifestou a principal tese colonial heterodoxa, anticolonial pan-africanista que defendia a integração económica ou mesmo política de Moçambique na União Sul-Africana, acarinhada por alguns grupos de colonos que mantinham relações económico-comerciais com o país vizinho. De facto, o impacto que esta tese heterodoxa teve nesta colónia resultou da influência do projecto ambicioso de Smuts que pretendia que se formasse uma União Pan-Africana que ligasse economicamente os Estados livres do sul de Àfrica, daí o apoio que receberam as teses heterodoxas que pugnavam pela libertação de Moçambique da soberania portuguesa.
Por outro lado, um outro factor explica a vitalidade destas teses heterodoxas anticoloniais que circularam em Moçambique, pois o facto de existir uma mentalidade segregacionista na África do Sul[1] encorajou os colonos capitalistas a pretenderem associar-se ao país vizinho e a desvincular-se dos critérios humanistas seguidos pela metrópole portuguesa na relação laboral com os indígenas[2].
5ª Fase – De 1946 a 1961 a política colonial portuguesa foi pontuada por uma tenativa de maquilhar a estrutura imperial portuguesa para fazer face ao fenómeno da descolonização que começou a alastrar no continente asiático e à pressão da comunidade internacional impostas pela ONU e pelas duas grandes superpotências para a libertação dos povos coloniais. Deste modo, sob a orientação de alguns ministros carismáticos como Marcelo Caetano, Sarmento Rodrigues e Adriano Moreira deu-se uma mudança da aparência política da estrutura politico-administrativa do império colonial português.
Foi, neste contexto, que surgiu um grande debate na Câmara Corporativa em 1949 que dividiu os seus membros entre os adeptos da lógica imperialista e os adeptos de uma mudança formal das instituições imperiais. Dentro desta conjuntura histórica em que apareceram críticas violentas à acção colonial portuguesa, destacou-se o conhecido relatório de Henrique Galvão em 1947 denunciador dos abusos laborais sobre os indígenas de Angola à Assembleia Nacional.
Perante este contexto de agitação internacional e inquietação nacional foi possível a Marcelo Caetano, no seu consulado minsterial de 1944 a 1947, iniciar um processo de minguada descentralição administrativa do império colonial português, continuada e aprofundada pela política de Sarmento Rodrigues que esboçou uma ténue estrutura federal-lusotropicalista na revisão Constitucional de 1951 que integrou o Acto Colonial modificado no texto jurídico fundamental do Estado Novo e transformou a designação das terras coloniais em territórios ultramarinos de forma a salvaguardar a perpétua soberania do país sobre esses territórios.
Assim, consagrava-se a noção duma nação pluricontinental e plurirracial que, simultaneamente, se compaginava com algumas cedências administrativas em termos de implementação de uma descentralização e de uma tendência para a uniformização do estatuto jurídico das populações com a proclamação do fim a prazo do estatuto do indigenato (1951)[3] e com a sua abolição com o início da guerra colonial em Angola em 1961.
Foi todo este processo histórico de mudança institucional permitido por Salazar, de forma moderada, no sentido de se reagir à conjuntura internacional adversa, sem que no entanto se pusesse em causa a ideia da inalienabilidade das terras ultramarinas do país. Para o efeito chamou, para dar credibilidade a estas alterações, eminentes académicos e personalidades carismáticas[4] que dessem voz activa pelas políticas postas em curso.
Em suma, parece-nos que esta periodização histórica, que traçámos com base na nossa inovadora investigação, nos auxilia a compreender as conjunturas temporais que suscitaram o aparecimento das teses coloniais heterodoxas como alternativas às teses coloniais oficiais. Verificamos que factores internos e externos influenciaram as várias teses propostas[5]. Julgamos que esta é uma perspectiva inédita no panorama científico português ao descobrir novas teses coloniais do debate político português entre guerras.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Não nos podemos esquecer que este segregacionismo larvar perante os negros que existia na sociedade sul-africana veio a desembocar na criação do regime do “Apparthaid” em 1948.
[2] Convém também lembrar que o auge da circulação das teses anticoloniais ( emancipalista e pan-africanista ) sucederam entre 1922 e 1924 entre grupos de colonos com interesses económicos em Angola e em Moçambi-que, na altura em que os Altos Comissários Norton de Matos e Brito Camacho procuraram proteger os indígenas dos abusos laborais dos patrões brancos.
[3] É interessante que esta medida de pôr fim ao indigenato e de consagrar a integração na cidadania de todos os povos do império faça lembrar a medida idêntica que o imperador Caracala tomou no império romano em 212 para conseguir apaziguar os conflitos sociais entre populações numa altura em que o império entrava politicamente em decadência.
[4] As mais importantes personalidades que trabalharam com esse objectivo foram: Marcelo Caetano, Sarmento Rodrigues, Gilberto Freyre, Joaquim Silva Cunha e Adriano Moreira.
[5] Afigura-se-nos que os factores que terão influenciado mais a evolução histórica do aparecimento de novas teses coloniais neste período foram os seguintes:
As cobiças estrangeiras à posse das colónias portuguesas
As críticas da opinião pública internacional à deficiente gestão colonial portuguesa
A pretensão da União Sul-Africana de incorporar a colónia de Moçambique
A crise financeira de Angola e de Moçambique de 1924
A acusação internacional da prática da escravatura por Portugal em Angola e Moçambique
O problema da desnacionalização de Moçambique devido à autoridade das Companhias Megestáticas e ao peso dos estrangeiros
O projecto megalómano do marechal Smuts de formar uma União Pan-Africana que ligasse economicamente os Estados livres do Sul de África
As estreitas relações comerciais entre a África do Sul e Moçambique devido à mão-de-obra indígena usada no país vizinho e à utilização do caminho de ferro e do porto de Lourenço Marques
A negociação em 1922 do novo Convénio entre Moçambique e a União Sul-Africana
O insucesso das missões laicas de civilização dos indígenas africanos criadas pelo regime Republicano
O II e o III Congressos Coloniais Nacionais realizados na Sociedade de Geografia de Lisboa ( 1924 e 1930)
A crise económico-financeira internacional provocada pela ruptura bolsista de Nova York ( 1929)