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Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão

Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.

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O BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL (1822-2022) E ALGUMAS DATAS HISTÓRICAS

bicentenario-independenciaBrasil.jpgBicentenario-da-Independencia do Brasil 1822-2022.

Em 7 de setembro de 2022 irá ser comemorado o bicentenário da independência do Brasil. Evocaremos, neste pequeno texto, as circunstâncias históricas que desembocaram no nascimento da nação brasileira, sem deixar de perceber que os laços sócioeconómicos e culturais entre Portugal e o Brasil não se quebraram ao longo destes 200 anos de separação política entre Portugal e o Brasil e que estes países se encontram unidos na esperança de que a comunidade lusófona, no plano dos afectos e das instituições como a CPLP[1], se possa consolidar cada vez mais, com base neste frutuoso exemplo.

 

No primeiro quartel do século XIX, havia um contexto externo favorável ao ambiente separatista com os movimentos emancipalistas da América Espanhola. Relativamente ao Brasil, existiram dois fatores que estiveram por detrás da independência brasileira. Verificou-se um antecedente, efémero, com uma curta instalação de uma República independentista em Pernambuco, em março de 1817. Contudo, o fator, profundo, que despoletou a revolta brasileira foram as desmesuradas exigências das Cortes de Lisboa de subordinação política à metrópole, que fizeram levantar um coro de apelos à independência brasileira no decorrer dos primeiros meses de 1822[2].

 

Designadamente, as Cortes portuguesas, a 15 de fevereiro de 1822, determinaram que as relações comerciais entre o Brasil e Portugal regressassem ao regime do exclusivo colonial devido ao peso económico do Brasil nas contas públicas lusas. A revolta separatista do Brasil resultou do forte descontentamento com as decisões das Cortes de Lisboa, que motivaram uma forte reação adversativa na imprensa local, nas associações e nas reuniões de colonos liberais nas cidades do Rio de Janeiro e de São Salvador da Baía.

 

A posição arrogante das Cortes de Lisboa de obrigar o domínio brasileiro a recuar ao estatuto de colónia, ao princípio de subordinação política, e o facto dos governantes metropolitanos, nomeadamente de Manuel Fernandes Tomás, se terem convencido de que o Brasil não conseguiria sobreviver sem Portugal foram os rastilhos da revolta política das elites de Vera Cruz. De facto, as Cortes de Lisboa pretenderam submeter o território brasileiro, para que este domínio não fosse predominante no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (estatuto adquirido em 1815, com a presença do rei D. João VI no Brasil).

 

A resistência brasileira às ordens das autoridades metropolitanas foi protagonizada pelo príncipe real D. Pedro, que ficou no Rio de Janeiro como regente português. A 7 de setembro de 1822, perfazem-se agora 200 anos (1822-2022), em São Paulo, o príncipe D. Pedro à beira do rio Ipiranga tomou o partido da independência brasileira e foi aclamado imperador. As Cortes de Lisboa mandaram as tropas portuguesas sediadas no território reagir militarmente, mas era demasiado tarde face ao desequílibrio de forças sociais e militares em presença, não obstante o apoio das províncias do Norte à continuação da vinculação política a Portugal.

 

A 7 de setembro de 1922 o Diário de Lisboa[3] (número 437, pág. 1) evocava o centenário da independência do Brasil, afirmando que este país-irmão, na Língua Portuguesa e no legado cultural, era uma potência económica em gradual ascensão à escala global, sendo as suas potencialidades agrícolas, industriais e comerciais incalculáveis e motivo de fortes fluxos migratórios, provenientes de Portugal. Sublinha que, ao contrário dos outros países da América Latina, no Brasil ao lado da procura da prosperidade material não se abandonou a preocupação com o progresso espiritual. 

 

No dia seguinte[4], o mesmo jornal polemiza a data da independência do Brasil. Afirma que o monarca D. João VI terá dito, no dia da partida do Brasil para a metrópole, a seu filho D. Pedro, príncipe regente, que o território estaria perdido para Portugal, mas que em face dos ventos da mudança colocasse ele a coroa ao invés de algum “aventureiro”. Os colonos do Brasil convenceram-se da necessidade de independência política, mas divergiram no regime político a adoptar: liberal, monárquico absoluto ou republicano. Sublinhe-se que D. Pedro, junto ao “ribeirão Ypiranga”, terá recebido correspondência do governo de Lisboa com ordens expressas de obediência e que terá reagido com veemente irritação, proclamando: “Pois bem! Independência ou Morte!”[5].

 

Assinala-se que D. Pedro terá alinhado na propaganda da revolta do Brasil contra Portugal, mas que até dia 17 de setembro os atos governativos da regência terão sido praticados em nome do rei de Portugal e que, nessa medida, não estaria consumada ainda a independência do Brasil “de jure”. Salienta este artigo jornalístico: “(...) Até essa data, 17, os atos governativos da regência do Brasil foram praticados em nome do rei de Portugal. (...)”[6]. Terá sido a 17 de setembro que D. Pedro publicou os decretos de emancipação política do Brasil como Estado: com a amnistia para os presos políticos; com o convite aos portugueses para aderirem à nacionalidade brasileira ou de saírem do país num curto prazo de 4 meses; com a criação do escudo de armas e da bandeira nacional. Foi também, nessa data, que D. Pedro foi aclamado pela população do Rio de Janeiro como imperador.  

 

Portugal junta-se ao Brasil nas comemorações do bicentenário desta efeméride e numa amabilidade diplomática, do Presidente da Câmara Municipal do Porto, o coração de D. Pedro IV de Portugal/ D. Pedro I do Brasil será trasladado, a título de empréstimo, para o Brasil, na qualidade de figura fundadora da nação brasileira, dado que até aos nossos dias este órgão fisiológico tem sido guardado e preservado na Igreja da Lapa no Porto, com o autarca portuense como guardião supremo das 5 chaves que protegem o acesso ao simbólico coração de D. Pedro.

_______________________

[1] O Movimento Internacional Lusófono e a revista Nova Águia associam-se a esta efeméride, conscientes de que só mediante o estreitamento dos laços afectivos, culturais, sociais, políticos, diplomáticos e económicos entre os diferentes espaços da comunidade lusófona será possível concretizar os nobres objetivos da CPLP.

[2] Nuno Gonçalo Monteiro, “Ruptura Constitucional e Guerra Civil (1820-1834)”, in História de Portugal, Coord. Rui Ramos, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2010, pp. 470-472.

[3] 1922), "Diário de Lisboa", nº 437, Ano 2, Quinta, 7 de Setembro de 1922, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_32306 (2022-7-19).

[4] (1922), "Diário de Lisboa", nº 438, Ano 2, Sexta, 8 de Setembro de 1922, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_32310 (2022-7-19).

[5] “(...) No fixar do “7 de setembro” (...) a preferência desta data, marcando a independência política do Brasil cujo centenário justificado e brilhantemente se celebra nesta ocasião, é que se nos afigura demasiadamente arbitrário do ponto de vista histórico, porquanto não assinala acto algum da independência. Aquela data corresponde apenas a uma decisão individual, exteriorizada dessa vez, de modo incisivo, com uma maior vivacidade que a exaltação do momento explica.” in “O ‘7 de setembro’ é data convencional“, Diário de Lisboa, nº 437, Ano 2, quinta-feira, 7 de Setembro de 1922, p. 2.

[6] “A independência da República Brasileira – O ‘7 de setembro’ é data convencional“, Diário de Lisboa, nº 437, Ano 2, quinta-feira, 7 de Setembro de 1922, p. 2.

Nuno Sotto Mayor Ferrão

ANTÓNIO DE OLIVEIRA SALAZAR, O REGIME DO ESTADO NOVO E ALGUNS DOCUMENTOS FUNDAMENTAIS PARA O SEU ESTUDO

Diários de Salazar.png  Salazar FN 2.jpg

DH EN 2.jpgSalazar FRM.PNG

 

  1. Fontes históricas e estudos historiográficos

 

Como fonte histórica incontornável para o estudo do Estado Novo foram agora publicados, neste outono de 2021, em formato e-book os Diários de Salazar (1933-1968), pela Porto Editora, embora com uma pré-apresentação pelo jornal Público. Podemos, através destes escritos, acompanhar o quotidiano de Salazar ao nível da sua vida pública e privada, numa transcrição preciosa de uma arquivista persistente, que nos permite conhecer melhor aquilo que foram as suas rotinas diárias. Ficamos a perceber, por exemplo, que começava o dia a ler os jornais às 9 horas e terminava, geralmente, os seus dias com um passeio a pé, algumas leituras, alguns telefonemas ou um encontro com alguma personalidade do regime.

 

Franco Nogueira escreveu, também, uma colossal obra memorialística de Salazar, que convém sempre consultar, pois é um testemunho importante para quem queira estudar, pesquisar e compreender o âmago das relações políticas de Salazar.

 

A magistral biografia de Salazar escrita pelo historiador Filipe Ribeiro de Meneses, ao longo de vários anos para a sua tese de Doutoramento, constitui uma obra historiográfica de grande envergadura científica, porque retrata a sua vida política e, concomitantemente, carateriza o seu contexto histórico com muita precisão, dando-nos uma interpretação original do regime político do Estado Novo.

 

Do ponto de vista da sistematização historiográfica do regime é fundamental consultar o Dicionário do Estado Novo, em 2 volumes, com uma imensidão de investigadores, que colaboraram na sua realização, sob a cuidada supervisão de Fernando Rosas e de José Maria Brandão de Brito. 

 

  1. As bases do regime do Estado Novo, as opções ideológicas, os mecanismos de repressão e os meios de enquadramento das massas

 

Na década de 1930 ergueram-se as leis fundacionais do regime do Estado Novo, os preceitos ideológicos, as instituições políticas e os meios de repressão e de enquadramento das massas, inspirados no regime fascista italiano e no seu ódio ao regime da 1ª República Portuguesa. Após a 2ª guerra mundial, surgirá uma nova conjuntura histórica, anticolonialista, que obrigará o regime a uma ligeira inflexão político-ideológica de cosmética internacionalista. A propósito da criação do regime fizemos um vídeo didático, que nos mostra as opções ideológicas e as práticas políticas do anos 30 ao fim da 2ª guerra mundial, patente em baixo.

 

As bases legais do regime foram o Acto Colonial de 1930, a Constituição de 1933, plebiscitada, e o Estatuto do Trabalho Nacional de 1933.  Nesta década foram criadas, sob a inspiração do regime de Benito Mussolini, as principais instituições  como a União Nacional, a reorganização da censura prévia, a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, o corpo jurídico da organização corporativa e o Secretariado de Propaganda Nacional.

 

O pensamento conservador de Oliveira Salazar marcou a ideologia do regime, com a valorização das tradições portuguesas, com a defesa intransigente das virtudes morais do mundo rural, com a defesa da religião católica e com a afirmação de uma “Política do Espírito” através do controlo da vida cultural por parte do Estado.

 

Este regime configura-se totalitário com menosprezo das liberdades individuais, com um nacionalismo corporativo, com um culto do chefe, com um Estado forte traduzido num poder executivo centralizado no presidente do conselho de ministros, com um imperialismo colonial advindo da Conferência de Berlim de 1884-1885, com uma forte intervenção económico-social do Estado na economia, com sentimentos antiliberais, antidemocráticos, antiparlamentares e anticomunistas, fazendo corporizar a essência do mal no regime nacional da 1ª República e na ameaça internacional bolchevique.  

 

Os organismos de repressão da liberdade expressão e de liberdade de ação eram a PVDE/PIDE, a censura prévia e os valores veiculados pelo Secretariado de Propaganda Nacional. Os meios de enquadramento das massas eram a União Nacional como partido único, a Legião Portuguesa como milícia de adultos para incutir o espírito anticomunista, a Mocidade Portuguesa como milícia juvenil para inculcar o sentido patriótico e as corporações para reunir os patrões e os trabalhadores, sob a supervisão estatal, de forma a evitar-se a conflitualidade social.

 

Em suma, estes documentos, históricos e historiograficos, assumem-se como peças inestimáveis para uma melhor compreensão do âmago do regime e do seu líder criador.

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

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