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Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão

Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.

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A ATUALIDADE LITERÁRIA NA MUNDIVIDÊNCIA SÓCIO-IDEOLÓGICA DE EÇA DE QUEIRÓS E A ENTRADA DOS SEUS RESTOS MORTAIS NO PANTEÃO NACIONAL

Eça de Queirós 2.jpgEça de Queirós.webp

“(…) – Lá vai! Gritou ela (Amélia) bruscamente. Saltou, foi cair-lhe sobre o peito com um gritinho. Amaro resvalou, firmou-se: - e sentindo entre os braços o corpo dela, apertou-a brutalmente e beijou-a com furor no pescoço. Amália desprendeu-se, ficou diante dele, sufocada com a face em brasa. (…)”

           Eça de Queirós, O Crime do Padre Amaro, Lisboa, Círculo de Leitores, s. d., p. 106.

 

  1. Breve biografia de Eça de Queirós

 

José Maria de Eça de Queirós foi advogado, jornalista, escritor e diplomata, tendo nascido a 25 de novembro de 1845, na Póvoa do Varzim, no seio de uma família burguesa. Formou-se no Colégio da Lapa, no Porto e, mais tarde, ingressou na Universidade de Coimbra, no curso de Direito, onde conheceu figuras emblemáticas da cultura e da política portuguesa, designadamente Antero de Quental e Teófilo de Braga. Licenciou-se, neste curso, em 1866. No ano de 1869, ocupou o cargo de Administrador do Concelho de Leiria. Teve a sua estreia literária, a partir da atividade de jornalista, ao colaborar com Ramalho Ortigão em O Mistério da Estrada de Sintra e em As Farpas, onde criticou, com veemência irónica, a sociedade portuguesa do seu tempo. Nesta época, iniciou uma carreira diplomática como cônsul em locais como Havana, Newcastle, Bristol e Paris, grandes centros cosmopolitas do século XIX.

 

Com cerca de 41 anos casou-se com Emília de Castro, tendo tido quatro filhos. Viveu os seus derradeiros anos em Paris, acabando por aí falecer com problemas de saúde. Eça morreu, em 16 de agosto de 1900, e foi sepultado, em Lisboa. Em setembro de 1989, os seus restos mortais foram transportados do Cemitério do Alto de São João, na capital portuguesa, para um jazigo de família, no cemitério de Santa Cruz do Douro, em Baião. Presentemente, os seus restos mortais regressaram de novo a Lisboa, para receber a honra de constarem no Panteão Nacional.

 

Eça de Queirós, com a sua formação académica coimbrã, afirmou-se como um prestigiado intelectual, votado a projetar, na vida literária portuguesa, correntes estéticas e ideológicas como o realismo, o naturalismo e o socialismo.

 

Nas Conferências do Casino de 1871 inicia um período de análise e de crítica contundente da vida pública portuguesa, sob o ascendente intelectual de Antero de Quental, mas continuou a trabalhar, em parceria com Ramalho Ortigão, esta sua tendência n “As Farpas” com a marca indelével do realismo e do naturalismo a fazerem-se sentir, de forma expressiva.

 

O romance queirosiano, muito pormenorizado nos momentos de descrição dos espaços representados e dos traços psicológicos dos personagens, aponta para a definição de tipos sociais caraterísticos do Portugal Oitocentista. Tinha uma particular perícia nesta técnica descritiva, que pode causar tédio aos leitores atuais habituados a uma prosa simples, que se compadece aparentemente mais com a vida vertiginosa dos dias que correm.

 

O destino trágico de Carlos da Maia, no romance Os Maias, remete-nos, simbolicamente, para a mentalidade decadentista que pairava na sociedade portuguesa, no fim do século XIX, dando-nos uma significância contextual de grande relevância histórica, pois a mentalidade pessimista de “vencido da vida” paira no substrato narrativo desta incontornável obra-prima da literatura portuguesa. 

 

O romance A Ilustre Casa de Ramires publicado integralmente em 1900, evidencia o gosto pelo romance histórico recuperado do romantismo, e patenteia, concomitantemente, a crise finissecular que Eça procura caraterizar, fazendo o protagonista mergulhar nas suas raízes históricas medievais e encontrar uma alternativa para sua crise vivencial, como se o paralelismo entre a busca de um caminho de sucesso convergisse na identidade individual do protagonista com a identidade coletiva da nação em neurose profunda. 

 

Foi esta atividade de jornalista, pela sua enorme acuidade crítica para a vida política internacional, para a evolução dos costumes e para a atividade cultural, que o catapultou para uma produção literária invulgar, que agora é de novo reconhecida com a sua panteonização, não obstante tenha havido, no presente, algumas vozes defensoras da literatura contemporânea, que o pretenderam menorizar à luz das novas tendências estéticas literárias. 

 

  1. A entrada de Eça de Queirós no Panteão Nacional e a polémica nacional

 

A entrada dos restos mortais de Eça de Queirós no Panteão Nacional é absolutamente justa e pertinente, pois já lá estão depositados os restos mortais de escritores como Almeida Garrett, Aquilino Ribeiro, Sophia de Mello Breyner Andresen e Luís de Camões, embora este escritor se encontre representado, em lápide, simbolicamente. Na verdade, Camões encontra-se sepultado, no Mosteiro de Santa Maria de Belém, vulgo Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, tal como o magnífico historiador e escritor Alexandre Herculano. Após a Assembleia da República ter aprovado, por unanimidade, a panteonização dos restos mortais de Eça de Queirós, alguns descendentes minoritários abriram um litígio judicial, para travar a retirada dos restos mortais do cemitério de Santa Cruz do Douro, em Baião.

 

Na realidade, o escritor foi sepultado em Lisboa, aquando do seu falecimento, a 16 de agosto de 1900, mas, em setembro de 1989, os seus restos mortais foram transladados para um jazigo de família em Baião. Porém, com toda a justiça, a 8 de janeiro de 2025, os seus restos mortais entraram no Panteão Nacional conforme decisão judicial, uma vez que a sua figura pertence já não à família, mas à pátria portuguesa e à identidade cultural lusófona. De facto, com esta merecida homenagem, a nação portuguesa, pós-moderna, curva-se perante a ação e a sublime obra literária de Eça de Queirós.

 

A presença dos restos mortais de Eça de Queirós no Panteão é consentânea com o espírito da lei que consagra o objetivo de: "homenagear e a perpetuar a memória dos cidadãos portugueses que se distinguiram por serviços prestados ao país, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica e artística ou na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade".

 

  1. A literatura queirosiana e o seu estilo realista e naturalista

 

A sua obra literária insere-se na corrente estética do realismo e do naturalismo, mormente nas obras como O Crime do Padre Amaro, de 1875, O Primo Basílio, de 1878 e Os Maias, de 1887, onde denunciou os vícios da sociedade portuguesa. A sua produção literária chegou, na época, aos portugueses e a muitas gerações, posteriores, dos séculos XX e XXI, através da multiplicidade de leitores portugueses atraídos pela sua magistral prosa irónica e de ímpar qualidade sintática e lexical. Esta obra literária fulgurante, como múltiplas outras obras, entre as quais se contam outros romances, contos e crónicas jornalísticas em periódicos como O Distrito de Évora e a Gazeta de Portugal, escandalizou a sociedade portuguesa oitocentista com a fina ironia da sua pena acutilante.

 

Esta obra literária bastante impactante socialmente assustou a mentalidade burguesa e conservadora da sua época pelos beliscões recebidos, mas teve uma intensa vida à posteriori que se espraiou em múltiplas manifestações culturais no teatro, no cinema, na televisão e na rádio, que a sociedade portuguesa lhe consagrou.

 

A vivência cosmopolita de diplomata fê-lo assumir uma mundividência crítica e irónica da sociedade portuguesa, que perpassou nos seus romances, contos, crónicas e ensaios, utilizando a caricatura escrita, à semelhança do que fazia Rafael Bordalo Pinheiro no desenho, e socorrendo-se de incontáveis adjetivos e advérbios. As suas obras e, em particular, Os Maias tornaram-se romances clássicos da literatura portuguesa e lusófona. A personagem de Fradique Mendes funcionou como um heterónimo, antecipando a genial criação de Fernando Pessoa da invenção de múltiplos heterónimos.

 

  1. O impacto da obra queirosiana na sociedade portuguesa do século XIX à atualidade

 

A obra literária queirosiana teve um enorme impacto na sociedade portuguesa do século XIX até à atualidade, tendo-se tornado clássicos muitos dos seus romances, como expoentes de um génio criativo da literatura portuguesa, chegando a muitos milhares de leitores e a prestigiados estudiosos académicos, ao longo de várias gerações de 1900 até à atualidade. Dos estudiosos queirosianos destacamos António Campos Matos, João Medina e Carlos Reis. As suas obras constam, ainda, dos currículos do ensino secundário ou liceal, desde a primeira metade do século XX. Vale a pena compulsarem alguns valorosos artigos constantes do número 28 da revista Nova Águia e continuar a ler e estudar as inestimáveis obras queirosianas. l

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

A LUCIDEZ DOS OLIVEIRA MARTINS – DE JOAQUIM PEDRO (1845-1894) A SEU SOBRINHO-BISNETO GUILHERME

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A mundividência de Guilherme d’ Oliveira Martins é tributária do legado cívico-intelectual do seu tio-bisavó, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, sobre o qual tem escrito várias obras.  Sobre esta, iniludível, influência haverá oportunidade, neste texto, de nos debruçarmos melhor.

 

Joaquim Pedro de Oliveira Martins, nascido no fim da primeira metade do século XIX, cedo abandonou os estudos por ter ficado órfão de pai, mas porfiou a estudar como autodidacta e adquiriu, nesta sua independência de espírito, forte sentido crítico sobre o ambiente político-social da Regeneração.

 

Afeiçoou-se, concomitantemente, ao ideal de justiça social que indagou nas tendências do republicanismo e do socialismo, o que o fez exacerbar o seu pendor crítico. Formou-se, também, no convívio com outros intelectuais (Antero de Quental, José Fontana, Eça de Queirós, etc), sem deixar de exercer vários ofícios e escrevendo importantes obras humanísticas[1].

 

Designadamente, escreveu obras que se tornaram clássicas, no âmbito da História, como História da Civilização Ibérica, História de Portugal, Os filhos de D. João I, etc, mas foi, essencialmente, como um pensador de sentido cívico, meditando sobre a contemporaneidade, que ganhou prestígio. Não obstante o seu incomensurável espírito criativo, é inegável que foi influenciado no seu pensamento político pelo liberalismo de Alexandre Herculano e pelo socialismo de Proudhon.

 

Joaquim Pedro, nos anos 80 e 90 do século XIX, procurou intervir na vida política, exercendo cargos políticos, mas para a posteridade tornou-se, mormente, um ensaísta de fôlego que viu com grande lucidez a idiossincrasia portuguesa.

 

Por sua vez, Guilherme d’ Oliveira Martins tem exercido vários cargos da administração pública, de docência universitária e políticos, tendo-se revelado independente no seu percurso político por ter sabido mudar de orientação ideológica sempre que tal não correspondia aos seus ideais.

 

Tal como Joaquim Pedro de Oliveira Martins, este seu descendente tem sabido exercer um notável papel de intervenção cultural à frente do Centro Nacional de Cultura e, também, ao patrocinar importantes atividades culturais, além de escrever no Jornal de Letras, na revista Brotéria e noutros periódicos e ter escrito obras fundamentais de atualidade e de cultura histórica numa perspetiva de pensador, aliás como o seu tio-bisavó.

 

Ambos os escritores, de apelido Oliveira Martins, intervieram em períodos de crise (1886-1892 e 1999-2015), mas com propostas de sólida reflexão sabendo ultrapassar os pensamentos imediatistas.

 

Atualmente, Guilherme d’ Oliveira Martins, Presidente do Tribunal de Contas, medita neste ano de 2015 sobre a crise institucional que a União Europeia vive em face da instabilidade do Euro[2]. Diz-nos, com sapiência, que há que encontrar com bom senso um compromisso entre os devedores (gregos) e os credores.

 

Considera que a fragmentação da zona Euro seria globalmente nefasta e que perante esta, presente, conjuntura de insegurança geopolítica do Mediterrâneo e do Médio Oriente a estabilidade da União Europeia é um fator relevante. Na realidade, o próprio Reino Unido, apesar da sua independência monetária, tem o seu mercado financeiro dependente do Euro.

 

Face à problemática europeia, de instabilidade da zona Euro, salienta o autor a necessidade de encontrar novos equilíbrios imprescindíveis para se assumirem soberanias partilhadas e solidárias, havendo necessidade de cumprir prazos e encargos financeiros, desde que sejam realistas e não sufocantes. No lúcido entendimento de Guilherme d’ Oliveira Martins são precisos compromissos para fazer compaginar a coesão e a segurança europeias com uma avaliação rigorosa dos compromissos assumidos.

 

Chama a atenção para a ideia, cada vez mais entranhada nas populações europeias, isto é, de que se torna imperioso conciliar a austeridade com a recuperação económica e o combate às crescentes desigualdades sociais. Na acepção do autor, é fundamental que do ideal da austeridade se passe ao ideal da sobriedade dos recursos. Assim, a mentalidade dos europeus tem de assumir uma atitude de temperança, ao invés de se deixar contaminar pela atitude irracional de idolatria do mercado.

 

Guilherme d’ Oliveira Martins, na senda da Doutrina Social da Igreja, sustenta que o bem comum implica uma gestão eficiente das despesas públicas, mas salvaguardando que os recursos financeiros sejam postos ao serviço da dignidade humana. Deste modo, o almejado desenvolvimento humano só é possível coordenando políticas públicas, redes de serviço público e infraestruturas supranacionais que sejam fatores da renovação económica e financeira. De facto, reconhece que a conjuntura atual precisa de objetivos comuns que contribuam para a justa competitividade internacional e para lutar contra a especulação e a nocividade dos paraísos fiscais.

 

Sublinha que o Papa Francisco fala de uma globalização da indiferença[3] como resultado da ideologia neoliberal, levando muitos cidadãos a acreditarem ingenuamente que os mercados e os poderes económicos se autoregulam. Ao mesmo tempo, a cultura consumista reforçou esta convicção mental dos indivíduos. Alerta para o facto do governo económico da União Europeia e da União Bancária requererem partilha de riscos.

 

Na sua acutilante perceção, a Europa, como instituição supranacional, tem de caminhar para um Estado Federal que assegure competitividade económica e harmonização fiscal. Com efeito, a necessidade de encontrar equilíbrios exige que os devedores (gregos) não fiquem sem saída e, concomitantemente, a justiça impõe uma economia de face mais humana.

 

Em suma, tal como, no século XIX, Joaquim Pedro de Oliveira Martins também Guilherme d’ Oliveira Martins tem sabido meditar, baseado em estudos humanísticos, nas realidades desafiantes do tempo presente, que se afastam dos ideais de justiça social, revelando perceções lúcidas, que fazem falta ser ouvidas nestes frenéticos tempos, que correm em torno das flutuações dos juros e das notícias sencionalistas, fazendo as delícias dos mercados, sedentos da intranquilidade dos cidadãos. Só estas profundas reflexões poderão ancorar os cidadãos em certezas que se firmam em valores perenes e em perspetivar horizontes longínquos para a pátria, a Europa e o mundo.

 

[1] António Pinto Ravara, “Joaquim Pedro de Oliveira Martins”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol. 2, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, p. 56.

[2] Guilherme d’ Oliveira Martins, “Europa – Mercadores com Veneza em fundo...”, in Brotéria – Cristianismo e Cultura, nº 2, fevereiro de 2015, Lisboa, Brotéria – Ação Cultural e Científica, pp. 113-119.

[3] Papa Francisco, Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma de 2015, pp. 1-3 (edição portuguesa).

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

RAMALHO ORTIGÃO E A SALVAGUARDA DO PATRIMÓNIO HISTÓRICO-ARTÍSTICO PORTUGUÊS, NO FIM DO SÉCULO XIX

 

 

“(...) Levaria muito tempo e seria excessivamente triste enumerar todos os atentados de que têm sido e continuam a ser objecto, perante a mais desastrosa indiferença dos poderes constituídos, os monumentos arquitectónicos da nação, os quais assinalam e comemoram os mais grandes feitos da nossa raça, sendo assim por duplo título, já como documento histórico, já como documento artístico, quanto há, sobre a terra em que nascemos, mais delicado e precioso para a honra, para a dignidade, para a glória da nossa pátria. (...)”

                                           José Duarte Ramalho Ortigão, “O culto da arte em Portugal”, in Arte Portuguesa, tomo I,

                                           Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1943, p. 25.

 

José Duarte Ramalho Ortigão (1836-1915) foi professor, funcionário da secretaria da Academia das Ciências de Lisboa, jornalista e escritor português de grande prestígio, tendo-se destacado meritoriamente pela qualidade da sua elaborada prosa satírica de cunho social.

 

Pertenceu ao grupo de intelectuais da Geração de 70 de Oitocentos, no qual assumiu uma intervenção moderada e de bom senso na Questão Coimbrã, pois reagindo à crítica despudorada de Antero de Quental à poesia convencional de António Feliciano de Castilho soube condenar o excesso de agravos do primeiro, embora, ao mesmo tempo, tenha defendido a necessidade da mudança de mentalidade estética dos artistas.

 

A sua póstuma notoriedade anda associada ao facto de ter colaborado com o prodigioso escritor Eça de Queirós, seu antigo aluno, em obras como o folhetim O Mistério da Estrada de Sintra e nas crónicas verrinosas apropriadamente intituladas As Farpas. No entanto, devido à nomeação diplomática do seu amigo continuará sozinho, por bons anos, com este projecto, tendo nesta obra revelado o seu imenso talento de crítica social[i].

 

A sensibilidade humanista foi bastante relevante num dos seus últimos livros intitulado O culto da arte em Portugal (1896) ao manifestar um repúdio público pelo abandono ou a destruição a que estava votada a maioria do conjunto patrimonial histórico-artístico português, sendo esta obra percursora da sensibilidade política de preservação do património histórico-artístico nacional e dos estudos de História da Arte pelas pertinentes pistas de interpretação que semeou.

 

Ele, instigado por um forte sentimento patriótico, procurou chamar a atenção, neste livro, para a escola portuguesa de pintura dos séculos XV e XVI e para a originalidade do estilo arquitectónico Manuelino. Aliás, muitos historiadores da arte, dos nossos dias, receberam ricos ensinamentos das preciosas informações que divulgou, designadamente de autores estrangeiros que cita como James Murphy, Atanásio Raczynski e Karl Albrecht Haupt, atentos estudiosos da arte portuguesa.

 

Ramalho Ortigão salienta que as operações de restauro artístico surgiram como critério revivalista, no século XIX, associadas à reparação ou à reconstrução purista das grandes catedrais góticas da Europa, sendo que o contexto histórico do Romantismo incitou a encontrar as raízes históricas das identidades nacionais e a assegurar a proteção dos grandes monumentos pátrios.

 

No seu arguto espírito crítico, realça-nos escandalizado alguns desses atentados perpetrados pelas autoridades portuguesas ao nosso património histórico-artístico, como no exemplo da seguinte passagem:

 

“(...) Na Madre de Deus, onde aliás o primitivo portal da rainha Leonor foi discretamente reconstituído na moderna fachada do edifício, temos o infortúnio de ir encontrar no consecutivo restauro de uma fábrica do tempo de D. João III novos capitéis de colunas, nos quais em vez da ornamentação vegetal do nosso século XVI se vê reinar nos entablamentos a figuração, absolutamente imprevista e inopinada, de uma locomotiva de caminho de ferro, arrastando fumegante o respectivo comboio, tudo lavrado mui laboriosamente em pedra, e demandando um túnel. Este assombroso fenómeno de patologia arqueológica estou convencido de que dispensa ainda mais do que o caso dos Jerónimos a investigação da autópsia. (...)”.[ii]

 

Deste modo, este autor além de criticar o abandono de alguns monumentos nacionais também censurou alguns restauros anacrónicos, que alguns sofreram. Como foi o caso da Igreja da Madre de Deus em Lisboa, no sobrecitado capitel, ou o caso da Igreja do Mosteiro de Santa Maria da Vitória (Batalha) em que um restauro absolutamente inepto prejudicou a harmonia estética da escala original da Idade Média.

 

Em exemplo de desleixo, que o nosso acutilante escritor denuncia, aparece precisamente neste último monumento, quando nos diz:

 

“(...) As capelas imperfeitas, incomparável jóia de arquitectura portuguesa mais caracteristicamente regional, acham-se no mesmo abandono em que ficaram em 1843, depois que ele as desinfestou dos parasitas arbustivos e das herbáceas, cujas radículas  se tinham por tal modo multiplicado nos interstícios das cantarias que em muitos pontos houve que desmontar as lájeas para extirpar as ervas e refazer os massames substituídos pelo íntimo vegetal, que inchando por todas as juntas da pedra, ameaçava desarticular e destruir tudo por uma derrocada geral. (...)”[iii].

 

Em conclusão, Ramalho Ortigão considerou que a maioria dos restauros, do património histórico-artístico português, realizados se efectuaram sem planeamento técnico, sem escrutínio crítico e sem orientação política, o que impulsionou a manifestação de atitudes aberrantes por parte das autoridades públicas ou de particulares.

 

Nomeadamente, regista com elevado senso jocoso, mas entristecido, as muitas destruições de monumentos históricos por mera obediência a simples caprichos de poderosos ou dos detentores do poder. Vejamos um exemplo do critério aleatório de  restauro que denuncia:

 

“(...) Em Ponte-do-Lima havia uma ponte, que dava o nome à vila. Esta ponte, em parte romana, em parte gótica, era revestida de ameias e entestada por dois castelos ogivais. A vereação, com o motivo de desafogar a vista sobre as duas margens do rio, manda demolir os castelos e serrar as ameias da aludida ponte. (...)”[iv].

 


[i] Ana Maria Martins, “José Duarte Ramalho Ortigão”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol. 2, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, pp. 138-139. 

[ii] José Duarte Ramalho Ortigão, “O culto da arte em Portugal”, in Arte Portuguesa, tomo I, Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1943, pp. 28-29.

[iii] Ibidem, pp. 57-58.

[iv] Ibidem, p. 67.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

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