A REVISTA BROTÉRIA (1902-2013) COMO ESPAÇO HUMANÍSTICO E CIENTÍFICO E A PREMENTE BUSCA DE PILARES DE ESPIRITUALIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
A revista Brotéria foi fundada em 1902, no Colégio de S. Fiel, para abordar temas de Ciências Naturais por três jesuítas Joaquim Silva Tavares, Carlos Zimmerman e Cândido Mendes. Pouco depois, em 1907, subdivide-se em três séries (Botânica, Zoologia e Divulgação Científica). O nome da revista está ligado ao pendor inicial dado às Ciências Físicas, pois pretendeu-se homenagear o naturalista português Félix de Avelar Brotero.
Com a expulsão dos jesuítas, na 1ª República, a revista esteve suspensa em Portugal nos primeiros anos deste regime, mas reaparece no Brasil e, depois, em Portugal com o nome de revista Luzo-Brasileira. Depois do fervor anticlerical, a revista Brotéria reaparece, ainda durante a 1ª República, com o seu nome original e a série de vulgarização científica transforma-se em revista de cultura geral em 1932, já no regime da Ditadura Militar, e as outras duas séries dedicadas à Natureza fundem-se na série designada Ciências Naturais.
De 1932 a 2002 mantiveram-se as duas séries da Brotéria – de Ciências Naturais e de Cultura Contemporânea – com prestigiados nomes entre os seus diretores, tais como Silva Tavares, Afonso Luisier, Luís Archer, Serafim Leite, Domingos Maurício, António Leite, Manuel Antunes, entre muitos outros colaboradores.
Manuel Antunes, um professor jesuíta de feição humanista, anunciou em 1958 a necessidade da Igreja Católica contribuir para a unificação espiritual da Humanidade, dado os visíveis divisionismos materiais em que se encontrava[1]. Foi assim, uma voz percursora do espírito do Concílio Vaticano II, pois pouco depois o Papa João XXIII virá apresentá-lo. Considerou neste artigo da Brotéria que a Igreja Católica devia ser um meio social de equilíbrio perante a exagerada exteriorização das sociedades contemporâneas que tinham levado os seres humanos a perder o contacto com o Ser, em virtude da preponderância dada ao Ter.
Segundo Manuel Antunes, a modernidade desviou o Homem do pulsar humano deixando-o solitário no meio das grandes metrópoles cosmopolitas. Assim, o afastamento das sociedades europeias do Cristianismo tem decorrido do materialismo reinante. Do seu ponto de vista, só a intervenção da Igreja Católica poderia constituir-se como meio de equilíbrio face à exteriorização exagerada do ser humano e remeteu-nos para a necessidade de insuflar uma alma nova no mundo Contemporâneo.
Na realidade, a Igreja Católica, na sua percepção interventiva, que se vai plasmar no espírito conciliar, poucos anos depois, tem de contribuir com a sua arte teológica para cingir corpo e alma, que os platónicos e os pragmáticos quiseram cindir de maneira radical. Enfatiza-nos Manuel Antunes, neste artigo visionário, que a importância do laicado reside no seu papel de renovação do mundo, em declínio ético, devido à perda de valores perenes.
Com efeito, o seu entendimento sensível mostra que a salvação do mundo pelo humanismo cristão permitirá superar os impasses da crise de valores que se vinham avolumando desde o início do século XX.
A série de divulgação científica da revista Brotéria ainda hoje subsiste com o subtítulo “Cristianismo e Cultura”, mas virada, sobretudo, para temas humanos de atualidade, de educação, de literatura, de ética, de teologia, de história, de direito, de filosofia, de política, em suma, de uma cultura aprofundada numa dimensão cristã.
A Brotéria é orientada por um grupo de que fazem parte personalidades como o Padre António Vaz Pinto, seu atual diretor, António Júlio Trigueiros, Carlos Borrego, Daniel Serrão, Francisco Sarsfield Cabral, Manuel Braga da Cruz e muitos outros elementos da sua equipa diretiva, além de uma multiplicidade de colaboradores-investigadores. Atualmente, a Biblioteca da Revista reúne um rico espólio bibliográfico e de publicações periódicas que abarcam temas sobretudo de Teologia, de Filosofia, de Literatura e de História.
[1] Manuel Antunes, “A Igreja e o mundo de hoje”, in Brotéria – Revista Contemporânea de Cultura, Lisboa, abril de 1958.
Nuno Sotto Mayor Ferrão