Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Esta doença infecciosa, conhecida por COVID-19, detectada primeiramente na China, continua a expandir-se para outros países, como em Itália onde apareceu no dia 31 de janeiro de 2020 ou nos Estados Unidos da América, que confirmaram o primeiro caso no dia 24 de fevereiro deste ano ou em muitos outros os países em que foi sendo diagnosticado, tornando-se uma pandemia reconhecida pela Organização Mundial de Saúde.
Em Portugal, o primeiro caso foi diagnosticado no dia 2 de março de 2020, encontrando-se ainda em crescimento a sua difusão, bem como no mundo com o surto pandémico a acelerar o seu ritmo de expansão estatística, de acordo com os dados da Organização Mundial de Saúde.
A resistência que houve em França e em outros países, durante a segunda guerra mundial, foi um dos fatores fundamentais para a vitória das forças aliadas sobre os nazis. A resiliência psicólogica e física irá ser fundamental para os portugueses, os europeus, os brasileiros e muitos outros povos do mundo nesta batalha contra esta pandenia do Coronavírus 2019 (COVID-19) e que, neste momento, tem o seu epicentro na Europa.
Chama-se a este fenómeno de resistência coletiva estabelecido em Portugal pelo Estado de Emergência isolamento social profilático, mas é preciso resiliência para não se cair no desânio ou na depressão perante notícias mais alarmantes. É um conjunto de três elementos que é fundamental para garantir a resistência/resiliência perante a evolução ciclópica desta pandemia em Portugal, na Europa e no mundo. Iremos, então, referir estes 3 elementos cruciais para a sanidade psíquica, física e sanitária dos milhões de cidadãos, que em Portugal, na Europa e no mundo se encontram em isolamento social nas suas habitações (#ficaemcasa).
Em primeiro lugar, apenas a unidade espiritual e as solidariedades coletivas em termos familiares, fraternais entre comunidades de amigos, patrióticas, lusófonas e europeias nos poderão garantir o ânimo para enfrentar este isolamento social imposto em muitos países do mundo e, em particular, na Europa.
A Inglaterra que resistia a tomar medidas tão drásticas, acabou de decretar este mesmo isolamento social profilático. Nesta era digital, apesar da sobrecarga das plataformas de comunicação, a internet e os “smartphones” tornaram estas atitudes mais fáceis de realizar. As solidariedades patenteiam-se nas compras que os vizinhos mais novos fazem aos vizinhos mais velhos e as palavras de conforto que trazemos uns aos outros através destes meios digitais.
Em segundo lugar, apenas com uma fé transcendental ou com uma forte convição espiritual, num retorno necessário às humanidades e às revistas culturais, aos livros e à “cultura online”, se conseguirá vencer este inimigo invisível, que anda por aí devido à globalização social que facilitou a inesperada circulação de pessoas numa escala planetária, com viajantes de todas as nações e de vários grupos sociais.
As humanidades, num indispensável retorno do mundo à metafísica, permitirão perceber que esta crise imeniente irá fazer tomar consciência às pessoas, aos governantes e às empresas sedentas do lucro fácil, especulativo, de que o abismo climático estará à nossa porta dentro de algumas décadas, neste século XXI.
O maravilhoso mundo novo, numa alusão a uma obra-prima de denúncia simbólica do escritor Aldous Huxley, que nos prometiam os positivistas e os neopositivistas do progresso constante, como foi o ingénuo caso de Francis Fukuyama, não passou de uma ilusão de ideólogos tecnocráticos.
Assim, unicamente com a complementaridade das visões tecnocráticas e das visões humanistas será possível construir um mundo melhor para as próximas gerações, pois, caso contrário, a Humanidade irá de colapso em colapso até ao seu próprio extermínio. É imperioso cuidar da “nossa casa comum”, como nos diz o Papa Francisco, com um espírito mais franciscano e mais afastado da teoria dos interesses.
Em terceiro lugar, emerge o papel da ciência médica e da indústria farmacêutica na busca de novos métodos de tratamento, de cura e de uma vacina para prevenir os novos surtos de COVID-19, que poderão aparecer ainda em final de 2020 ou início de 2021. É absolutamente vital a investigação laboratorial humanitária, da China, dos Estados Unidos e da Alemanha, em prol de tod@s os cidadãos do mundo, uma vez que poderá ser primordial para reduzir vítimas letais deste surto pandémico e minimizar grandes efeitos colaterais na economia.
Estão a revelar-se autênticos heróis os trabalhadores do Sistema Nacional de Saúde dos países europeus e do mundo, eventualmente, onde haja estruturas sanitárias semelhantes, pois o mundo foi apanhado desprevenido com este surto pandémico e apenas o esforço humanitário e o sacrifício suplementar da comunidade médica, de enfermeiros, de auxiliares de ação médica, de farmacêuticos e de fornecedores de bens essenciais tem conseguido responder com dificuldade ao crescimento exponencial de casos por todo o mundo, cifrando-se em mais de 350 mil de pessoas infectadas a nível global, embora a batalha esteja a ser muito dura, particularmente em Itália e em Espanha, nesta fase no fim do primeiro trimestre de 2020.
O problema continua a ser que a economia está baseada em pantanosos alicerces financeiros, que apenas desvirtua a economia real e a torna muito mais vulnerável aos golpes fraudulentos dos detentores de grandes fortunas e à fuga de capitais para maléficos paraíses fiscais, que garantirá mais desigualdades sociais no mundo, como o anunciam os relatórios PNUD da ONU.
Neste âmbito financeiro, foi positiva a decisão da Comissão Europeia, anunciada por Ursula Von Der Leyen, de que os países europeus da União Europeia passavam a usufruir de uma flexibilidade orçamental com a exclusão da regra de um máximo de défice orçamental de cada país de 3%, no decorrer desta conjuntura pandémica.
Em suma, nesta conjuntura de guerra contra esta pandemia, impõe-se uma resistência coletiva com um isolamento das famílias e das pessoas infetadas para se estancarem as correntes infecciosas, que circulam nas nossas sociedades neste mundo global. Unicamente mediante esta resistência coletiva, a que apelou Winston Churchil com o seu famoso discurso, do início da segunda guerra mundial, de “sangue, suor e lágrimas” face ao inimigo nazi, em 1940, será possível vencer este terrível inimigo invisível que é o Coronavírus 2019 (COVID-19).
A questão com que iniciámos esta crónica é irrelevante, embora paire em boa parte da mentalidade dos portugueses e dos italianos, pois foi um pregador de uma amplitude universalista, como se constata da argumentação que vosapresentamos.
É, com efeito, o santo português, de nascimento, com maior relevo, que pertenceu à ordem franciscana, embora tenha estudado em Lisboa e em Coimbra, sendo a sua festa comemorada no período do solistício de verão a 13 de junho em Portugal com festas populares que a cidade de Lisboa celebra com grande júbilo. Nascido em Lisboa em 1191 com o nome de Fernando Martins de Bulhão, só recebe o nome de António quando ingressa na ordem religiosa franciscana.
Convém recordar, por isso, que viveu em pleno contexto da reconquista cristã de Portugal. Deste modo, o ambiente de crescimento económico e urbano, que se fazia sentir na Europa, a par das grandes desigualdades sócio-políticas e da atmosfera marcial das Cruzadas fê-lo, certamente, aproximar-se dos ideais de humildade, de pobreza e de evangelização da ordem mendicante franciscana.
A forte formação intelectual, iniciada com os cónegos regrantes de Santo Agostinho, permitiu-lhe profundos conhecimentos de teologia, que o veio a transformar no ano de 1946 em Doutor da Igreja.
Assim, a sua Santidade foi-lhe publicamente reconhecida, pois soube compaginar um imenso prestígio popular com base nos seus milagres com uma aprofundada base teológica. Em Roma existe a Igreja de Santo António dos Portugueses, de estilo Barroco (como se observa na terceira fotografia), com dependência eclesiástica do cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente.
Deixou-se inspirar pelos santos mártires de Marrocos e ingressa na ordem franciscana, motivado pelos seus exemplos, numa viagem a este território é apanhado por uma doença súbita que o conduz de novo à Europa, em particular à Itália, tendo-se posteriormente tornado um grande pregador e teólogo.
Nesta altura, fazendo um grande périplo de pregação pela Itália e França torna-se um evangelizador de espírito universalista que transcende as fronteiras nacionais. Conta-se que, em Rimini, impedido, de momentaneamente, de pregar se virou para os peixes e é, este episódio, que é recriado pelo Padre António Vieira. Durante a vida teve oportunidade, pelo prestígio alcançado, de publicar os seus sermões, no fim da década de 20 do século XIII, e de continuar a pregar na Europa do Sul contra os hereges, ao mesmo tempo em que ensinava nas escolas conventuais franciscanas de algumas cidades.
Dos seus sermões irradia um pensamento eclético, compaginando as bases clássicas gregas com as cristãs com um recurso formal às alegorias que enfatizam os valores éticos da observação da Natureza.
Em 1232, um ano após a sua morte, pelo número de milagres que lhe foram reconhecidos, foi logo canonizado. A cidade de Pádua, onde falece, organiza-lhe imediatamente um solene funeral, erguendo-lhe rapidamente uma basílica para onde vão as suas relíquias.
Verificamos que, não obstante, o seu nascimento e crescimento intelectual em Portugal, acaba por falecer em Pádua onde é homenageado, mas a sua ação espiritual-religiosa transcende as fronteiras destas pátrias e a questão com que iniciámos este texto não tem pois qualquer sentido.
Francisco de Assis viveu na transição do século XII para o XIII (1182-1226), tendo sido um religioso místico que fundou a primeira ordem religiosa mendicante, rompendo com as ordens religiosas afastadas do mundo, refugiadas nas suas paredes conventuais. Este santo, adorador da Natureza, festejou a noite de Natal de 1223 num bosque, com uma missa, diante de um presépio com uma grande assistência de frades menores e das classes populares. Os franciscanos tornaram-se, assim, os grandes divulgadores do presépio no mundo ocidental[1].
No contexto medieval, do início do século XIII, em que as cidades cresceram económica e demograficamente com o desenvolvimento do grupo dos mercadores, da burguesia, tornaram-se gritantes as desigualdades sociais e a ostentação material da Igreja Católica face às inúmeras doações que recebia.
Apareceu, deste modo, a necessidade de reformar o Cristianismo para o despojar da opulência em que uma parte do clero vivia. O franciscanismo, através da regra interna, procurava ajudar os pobres e os desfavorecidos e vinculava estes frades menores a viverem segundo princípios novos que postulavam “(…) obediência, pobreza e castidade (…) Os irmãos não terão nada de próprio, nem casa, nem terra, nem coisa nenhuma, mas como peregrinos e estrangeiros neste mundo, servindo o Senhor em [2]pobreza e humildade, sigam pedindo esmolas confiadamente. (…)”[3]
Jaime Cortesão, insigne historiador, salientou o papel do Franciscanismo nos Descobrimentos marítimos portugueses. Assim, considerou que os Franciscanos, pela sua visão generosa da Natureza, pela atividade missionária e pela literatura de viagens dos frades menores, foram os criadores da mística dos Descobrimentos marítimos portugueses de quatrocentos. Na sua aceção, os Franciscanos modificaram a essência do Cristianismo, de base católica, promovendo a exterioridade caritativa em favor dos desfavorecidos rompendo, assim, a interioridade do monaquismo medieval e favorecendo o empreendimento das Descobertas marítimas. Por outras palavras, o ideal Franciscano da vivência humilde, junto dos pobres, favoreceu o movimento de abertura da Igreja à sociedade e ao mundo, tendo sido propiciador da expansão marítima na sua motivação religiosa de conversão de novos povos.
O filme de Franco Zeffirelli, de 1972, sobre São Francisco de Assis mostra-nos a sua conversão plena ao Cristianismo, após a renúncia às riquezas familiares em benefício de uma vida espiritual mais rica. É um belo filme, que recomendo pela sua qualidade estética, válido pela mensagem de busca da unidade espiritual da Igreja com o mundo. Aqui deixo um pequeno excerto do filme, bem elucidativo.
Neste tempo em que o materialismo reinante[4] e a, concomitante, ideologia neopositivista tecnocrática são predominantes, a necessidade de espiritualização do mundo torna-se cada vez mais premente. Aliás, não é por acaso que novas formas de espiritualidade (o budismo, a ioga, os retiros espirituais, etc) são revalorizadas face ao contexto de um materialismo despersonalizante a que a Humanidade tem sido conduzida pela Globalização desregulada.
A eleição de Jorge Mário Bergoglio como Papa com o nome de Francisco, neste contexto de crise Ética, é uma resposta significativa de grande simbolismo perante a premente necessidade de implementar o espírito do Concílio Vaticano II, isto é, de aproximar a Igreja Católica do mundo quotidiano. Numa conjuntura internacional em que as desigualdades sociais são exponenciais, em virtude de uma Globalização impreparada pela visível desregulação, e em que a ostentação de alguns privilegiados, fruto do Capitalismo selvagem, é cada vez mais chocante, importa apelar ao espírito de humildade e de simplicidade que caraterizou a reforma do Cristianismo com a fundação das ordens mendicantes, designadamente da ordem dos Franciscanos.
Este retorno do espírito Franciscano neste pontificado, que agora se inicia, evoca um eterno retorno de problemas cíclicos e de soluções consabidas, porque urge compreender com espírito Humanista a natureza humana. Com efeito, não é possível, como nos diz o filósofo José Gil[5], avaliar tecnocraticamente as sociedades Globalizadas sem hipotecar as virtualidades da natureza humana. Na verdade, o neopositivismo ideológico que se nos impôs com a Globalização tecnocrática imposta por interesses materiais de alguns poderosos tem desvirtuado a natureza humana à luz da verdade das Humanidades, da Igreja Católica e das Ciências desde Sigmund Freud a António Damásio.
Em suma, o problema das sociedades contemporâneas, na leitura do Concílio Vaticano II e do Papa Francisco, é a sua crescente desumanização, em virtude da cobiça de alguns poderosos em detrimento de muitos cidadãos. Daí a importância de revalorizar a mensagem Franciscana da humildade e da simplicidade de vida para que se possa romper com a crise de valores a que esta ideologia neopositivista dos tecnocratas do Capitalismo Financeiro nos tem conduzido[6].
[1] “São Francisco de Assisis”, in Jorge Campos Tavares, Dicionário de Santos, Lello Editores, 2004, pp. 59-60.
[2] Nuno Sotto Mayor Ferrão, “As linhas de força do pensamento historiográfico de Jaime Cortesão”, in Nova Águia, nº 11, 1º semestre de 2013, Sintra, Editora Zéfiro, 2013, p. 133-134.
[3] Regra de São Francisco (1223) – números 1 e 6.
[4] Nuno Sotto Mayor Ferrão, “Relativismo Ético na História Contemporânea (1914-2010)”, in Brotéria, nº1, volume 174, Janeiro de 2012, pp. 47-51.
[5] José Gil, Em busca da identidade – o desnorte, Lisboa, Relógio d’Água, 2009, pp. 52-53. Vejamos a lúcida observação deste pensador: “(…) É inevitável, assim, que a avaliação como diagrama transversal a toda a sociedade, tenda a transformar todas as relações humanas em relações funcionais de poder. O preço pago por esta tecnologia biopolítica é, evidentemente, a mutilação de uma vida mais rica, a diminuição brutal dos possíveis, a restrição do aleatório, do acaso da imprevisibilidade. Como estes serão também transformados em funções – a famosa ‘criatividade’ no trabalho, nas empresas, nos serviços, na publicidade, nos média -, os próprios factores aparentemente incodificáveis serão avaliados, quantificados, normalizados. (…)”.
[6] A mensagem do filme de Charles Chaplin Tempos Modernos, de 1936, está mais atual do que nunca neste contexto de uma Globalização desregulada.