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Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão

Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.

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A VISÃO ESPIRITUAL E HOLÍSTICA DE TEILHARD DE CHARDIN (1881-1955)

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“Nossa geração e as duas precedentes quase só ouviram falar de conflito entre Fé e Ciência. (...) Ora, à medida que a tensão se prolonga, é visivelmente sob uma forma muito diferente de equilíbrio – não eliminação, nem dualidade, mas síntese – que parece haver de se resolver o conflito."

                                                                                      Teilhard de Chardin, O fenómeno humano

Pierre Teilhard de Chardin afirmou-se no mundo como um padre jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo francês, nascido em França no último quartel do século XIX, que procurou ter uma visão conciliadora da ciência e da fé cristã, na senda dos trabalhos inconclusivos do Concílio Vaticano I (1869-1870). Esta proposta surgiu no seio de um contexto claramente anticlerical, no início do século XX. No entanto, a sua atitude de compaginar as duas perspetivas foi mal recebida pela Igreja Católica e pelos setores republicanos laicos.

 

A adversidade com que foi acolhida a sua perceção teológica levou a Igreja Católica a proibi-lo de lecionar nas suas escolas e de publicar as suas obras teológicas. Os seus polémicos pontos de vista sobre o pecado original originaram uma censura da Igreja Romana até aos anos 70 do século XX, pelo que só nos últimos Pontificados de S. João Paulo II, Bento XVI e Francisco houve um reconhecimento pleno do valor da sua obra teológica.

 

Educado numa família fortemente católica, Chardin entrou na Companhia de Jesus, como aprendiz, em 1899. No seu país, sofreu num ambiente fortemente anticlerical, o que o obrigou a prosseguir estudos em Inglaterra, onde se licenciou em 1902, em filosofia e em letras. Em 1911 foi ordenado sacerdote. Nos anos de 1912 a 1914 tirou o curso de Paleontologia, no Museu de História Natural de Paris, permitindo-lhe desenvolver pesquisas científicas, tendo visitado em Espanha as pinturas murais pré-históricas de Altamira.

 

Foi mobilizado para os contingentes da 1ª Guerra Mundial como carregador de macas e capelão nas trincheiras. Nas frentes de batalha, nesse contexto histórico infernal, escreveu textos místicos, onde se cruzam conhecimentos científicos, filosóficos e teológicos. De facto, este jovem cientista jesuíta, na qualidade de maqueiro, conseguiu conceber uma verdadeira mística cristã.

 

Exprime a sua fé inabalável no complicado contexto da guerra das trincheiras, de modo que os seus escritos de guerra vão ser a base concreta do seu pensamento místico com os ensaios Meio místico, de 1917, e Meio divino de 1926-1927. É espantoso que no cenário de guerra tenha delineado uma mística cristã, que o terá ajudado a manter o equilíbrio psíquico e humano. Esta sua capacidade invulgar irá fazê-lo revelar-se um grande intelectual e escritor cristão[1].

 

Nestes testemunhos vivenciais, vemo-lo valorizar as competências contemplativas perante a arte e a natureza. Na realidade, o seu sentido místico procurou perante o caos exterior pontos internos de estabilidade, de paz e de Absoluto. Tal como a espiritualidade de Santo Inácio de Loyola, também a de Chardin faz sobrevir a presença de Deus no coração humano, nos momentos de sucesso e de fracasso na vida.

 

Segundo o seu entendimento, a verdadeira prova de fé emerge nos momentos de crise, dando ao Homem vitalidade nesses momentos difíceis. Só em Deus o Homem encontra o sentido da sua existência terrena, daí o vácuo niilista e o aspeto pernicioso do secularismo no mundo contemporâneo. E, na verdade, um projeto de vida cristã enforma exigências éticas. O ser místico no seu pensamento vive a presença divina em todas as suas circunstâncias existenciais, reinventando uma vivência mística, não como fuga ao real, mas como imersão do divino no concreto da existência.

 

Na sua conceção, a instauração do “Reino de Deus” só é possível com uma ação mística na concretude da realidade do mundo. Apenas o espírito divino encaminha, de forma transformadora, as atitividades humanas. O místico para Teilhard de Chardin deve unir-se a Deus, mas empenhar-se na vida quotidiana para que  consiga uma dinâmica edificadora do “Reino de Deus”.

 

Por outras palavras, no seu pensamento sustenta uma mística da ação, que não relega para o plano secundário a contemplação pois a mesma parte do encontro com Deus. Este misticismo opera sob o espírito de Deus para se converter numa ação humana, o que antecipa o rumo orientador do Concílio Vaticano II. Ele tornou-se num místico pela experiência vivida, como luz divina, no terrível turbilhão da 1ª Guerra Mundial. Este sentido da sua espiritualidade depreende-se da seguinte passagem do estudo de Michel Renaud:

 

“(...) Aqui estamos no coração da mensagem cristã e no momento culminante da experiência mística de Teilhard. Com efeito, uma nova inversão de atitude surge para o ser humano – Teilhard diria: para a alma – que procura com toda a sua ação unir-se ao Princípio divino mediante a transformação do mundo. (...)”.[2]

 

Após a Grande Guerra, continuou os estudos, tendo-se doutorado, a 22 de março de 1922, na Universidade da Sorbonne com a tese Os mamíferos do oceano inferior francês e seus sítios. Nos anos 20 tornou-se professor de Geologia no Instituto Católico de Paris.

 

Como teólogo aceitou a teoria evolucionista darwinista e procurou fazer uma síntese entre a ciência e a fé cristã. Em 1922, escreveu umas observações sobre o pecado original, que causaram intenso escândalo na Santa Sé, tendo sido acusado por esta de dissidente doutrinário, obrigando-o a abandonar a docência universitária em Paris e a refugiar-se na China. Em Pequim, realizou diversas expedições paleontológicas e colaborou na descoberta de um hominídeo fossilizado, chamado homem de Pequim. Neste país, escreveu nos anos seguintes as suas principais obras teológicas O meio divino e O fenómeno divino.

 

Devido ao seu grande prestígio intelectual internacional, em 1948 foi convidado a lecionar no Collège de France, apesar da pressão dissuasora do Vaticano que o terá proibido de lá lecionar. Acabou por leccionar na Universidade da Sorbonne, dando estímulo à elaboração da obra O grupo zoológico humano. Em 1950, foi eleito membro da Academia de Ciências de Paris, mas o Papa Pio XII criticou o teor das suas ideias teológicas.

 

Nos anos 50 mudou a sua residência para Nova Yorque, onde acabou por falecer em 10 de abril de 1955. Deixou um vasto legado científico em livros e artigos de revistas especializadas. De 1955 a 1976 as Éditions du Seuil editaram as obras completas de Teilhard de Chardin, que foram ainda traduzidas para diversas línguas.

 

Em 12 de maio de 1981 e durante a comemoração do centenário do seu nascimento, a Igreja Católica reconheceu o valor da sua obra teológica, que a partir de então incorporou as suas ideias no seu corpo discursivo. Existe uma evidente correlação entre a sua visão de paleontólogo e a sua perceção filosófica, teológica e mística, respeitante à evolução do Universo do início até ao despertar da consciência humana, devendo esta dialéctica desembocar no “Cosmo como hóstia viva”, como relembrava Bento XVI.

 

Em suma, Teilhard de Chardin concebia um panenteísmo cósmico em que Deus e o Universo se interrelacionam, favorecendo assim a evolução global. Entre as suas principais obras teológicas contam-se Ciência e Cristo, O fenómeno humano e O meio divino.

______________

[1] Michel Renaud, “Teilhard Chardin em 1917: das trincheiras à génese de um Pensamento Místico”, in Brotéria – Cristianismo e Cultura, volume 185, dezembro de 2017, pp.1037-1064.

[2] Idem, Ibidem, p. 1059.

Nuno Sotto Mayor Ferrão

A IMPORTÂNCIA HISTÓRICA DE PEDRO HISPANO – PAPA JOÃO XXI (?-1277) – NOS 740 ANOS DO SEU FALECIMENTO (1277-2017)

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Pedro Julião Rebolo foi um sacerdote, médico, filósofo, teólogo, professor e matemático português do século XIII, que se alcandorou à chefia da Santa Sé, perfazendo 740 anos, a 20 de maio de 2017, sobre o seu desaparecimento. Nasceu em Lisboa, em data incerta segundo a historiografia mas na segunda década da centúria, e era filho do médico Julião Pais Rebolo e de Mor Mendes.

 

A sua formação começou na escola episcopal da Sé de Lisboa e continuou os estudos numa universidade francesa, na faculdade de artes, onde foi colega de figuras carismáticas do Cristianismo como São Tomás de Aquino ou São Boaventura. Na universidade, estudou medicina, teologia, filosofia e física. Nos anos de 1246 a 1252, assumiu-se na universidade de Siena como um académico notável, ensinando e escrevendo algumas obras eruditas, e tendo-se destacado com o Tratado Summulae Logicales, que perdurou como sebenta de lógica aristotélica nas universidades europeias.

 

Marca da sua enorme cultura científica foram os tratados, que escreveu sobre oftalmologia e o outro sobre doenças comuns e suas terapêuticas, intitulados De oculo e Thesaurus Pauperum, que tiveram ampla difusão por toda a Europa.

 

Antes de 1261, Pedro Hispano ingressa no sacerdócio. Teve uma carreira eclesiástica fulgurante como deão de Lisboa, arcediago de Braga, prior da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira em Guimarães e arcebispo de Braga. Após ser nomeado para este cargo pelo Papa Gregório X em 1273, acaba por ser transformado em cardeal da diocese de Frascati no ano seguinte e por escolhê-lo como médico, em 1275.

 

Em 1276, foi eleito em Viterbo Sumo Pontífice com o nome de João XXI, por erro de cálculo da Cúria Romana. O conclave que o elegeu como papa era muito reduzido, mas tornou-se no único português até ao momento que exerceu esta dignidade eclesiástica. Não nos olvidemos que o poder de um papa na Idade Média era grandioso, uma vez que reunia poderes espirituais e temporais sobre toda a Cristandade Ocidental. Esta preponderância dos poderes papais advém de um programa centralizador (teocracia papal), desenvolvido pelo papado no decurso da Alta Idade Média.

 

Teve um pontificado curto de cerca de 8 meses, seguindo as orientações do décimo quarto Concílio Ecuménico de Lyon, e assumindo como preocupações apostólicas a união da igreja grega à igreja do ocidente, a libertação da Terra Santa dos Turcos e o combate às heresias. Com o objetivo de reconciliar as igrejas de Roma e Grega, enviou delegados a Bizâncio, com resultados muito positivos, uma vez que, no Concílio de Constantinopla em 1277, foi reconhecida a supremacia da Igreja Romana.

 

No seu pontificado, torna-se mecenas de artistas e de estudantes pelo prestígio que atingiu como filósofo, médico, papa e investigador, além de ter suscitado a fama de mago. Neste cargo máximo da Igreja, dado o seu papel intelectual, entregou as tarefas administrativas ao cardeal Orsini, que aliás lhe irá suceder como papa.

 

Em 20 de maio de 1277 - perfazem-se agora 740 anos - morre com o desmoronamento da abóbada do seu aposento, no palácio apostólico de Viterbo, pelo que será sepultado na catedral desta cidade. Esta estranha morte esteve envolvida em mistério, pois, na época, o espírito viperino deu-a como castigo divino, devido às suas atividades como mago. Na realidade, desconhecemos se o incidente foi fortuito ou se resultou de algum conluio dos seus inimigos.   

 

Escolheu como pontífice o nome apostólico de João XXI, um distintivo brasão papal e como divisa do pontificado “Guia-me, Senhor, pelos caminhos da tua Justiça”. No brasão de armas apresenta as chaves cruzadas, numa alusão ao símbolo magno de S. Pedro, que significam o acesso ao Reino dos Céus.

 

No sentido de continuar o programa de centralização da Igreja Latina, João XXI empenhou-se numa intensa atividade executiva e legislativa com a promulgação de múltiplos diplomas, tendo superado a centena de bulas e de cartas apostólicas. Na sua ação, procurou interferir nas questões temporais, esforçando-se por conciliar os reis de França e de Castela-Leão, por resolver a questão do título de imperador romano, por pacificar a turbulência política na Península Itálica, por repor a autoridade da Igreja Latina perante os reis refratários.

 

O seu prestígio medieval deveu-se, mormente, às obras filosóficas, designadamente ao Tratado Summulae Logicales, que muito influenciou o pensamento escolástico. Assim, a reputação que fruiu durante a Idade Média decorre da sua dimensão intelectual, porquanto produziu uma vasta bibliografia em diferentes temáticas, não obstante existam dúvidas que estas tenham emanado de uma única figura histórica. Na realidade, este prestígio intelectual inegável conduziu Dante Alighieri a nomeá-lo na sua obra-prima Divina Comédia, colocando-o no Paraíso. Também foi considerado mago pelas suas experiências ao nível da química, indissociável na época das ciências ocultas.

 

Pedro Hispano, antes de assumir o pontificado, teve um conflito com o rei D. Afonso III devido a intromissões régias na Igreja Portuguesa, o que motivou a interdição do reino português e a excomunhão do rei. A amizade que anteriormente mantinham foi destruída pela sua ambição eclesiástica que esbarrou com a vontade de D. Afonso III, pois este nomeou outro clérigo para o cargo de bispo de Lisboa.

 

Em resumo, nos 760 anos do seu falecimento importava evocá-lo pelo protagonismo histórico inestimável no panorama intelectual medieval. De mais significativo, e como homenagem, temos o Hospital Pedro Hispano em Matosinhos, a Avenida João XXI em Lisboa e o Centro de Estudos Pedro Hispano na Faculdade de Letras de Lisboa.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

O PADRE ANTÓNIO VIEIRA UM PRECURSOR DO ESPÍRITO LUSÓFONO NO SÉCULO XVII

O Padre António Vieira (1608-1697) foi, talvez, o mais remoto fundador do espírito lusófono[1]. Nos seus Sermões, do Maranhão, condenou a escravização dos índios do Brasil, desde 1653, o que contribuiu para potenciar o intercâmbio cultural e social lusófono. Esta denúncia pública, que teve eco nas suas obras publicadas, das discriminações sociais abriu caminho na mentalidade portuguesa para a paulatina aceitação do fenómeno da miscigenação.

 

Convém reter alguns dados biográficos que nos ajudam a compreender o seu espírito lusófono. Nascendo em Lisboa no seio de uma família humilde, teve entre os seus antecedentes uma avó materna mulata e cedo se dirigiu ao Brasil com os seus pais. Na região da Baía formou-se no Colégio dos Jesuítas, sendo ordenado sacerdote em 1635 e passando a exercer o cargo de professor de teologia desde 1638.

 

O momento decisivo da sua vida foi, contudo, a integração na Comitiva oficial que recebeu D. João IV, em 1641, no Brasil. Desde cedo se tornou valido do rei, tendo sido nomeado pregador e confessor régio, ministro sem pasta e diplomata, o que lhe permitiu alcançar a partir desses anos a fama.

 

Quando sucede a mudança de reinado de D. João IV para o seu filho, Afonso VI, após o período de regência de D. Luísa de Gusmão, a sua situação altera-se profundamente. Desta forma, a partir desta altura torna-se perseguido pelo Tribunal do Santo Ofício por proteger os cristãos-novos e os índios das atitudes desprezivas dos católicos e dos colonos[2].

 

Em vida alcança as luzes da ribalta ao publicar os seus Sermões em Portugal e em Roma, tornando-se um expoente da prosa barroca ao estimular a autoestima nacional, bastante rarefeita com o domínio filipino, mediante a energia e o misticismo profético da sua verve galvanizadora. Deste modo, procurou, também, nos seus textos levantar a moral nacional, precisamente no momento em que a incerteza da salvaguarda da independência nacional ainda se mantinha.

 

O Padre António Vieira valendo-se da sua acuidade crítica, além de denunciar os maus tratos que os colonos davam aos índios, soube também fazer eco junto das autoridades das ameaças externas, a que o Brasil esteve sujeito no seu tempo, designadamente do expansionismo holandês que neste século foi capaz de estender as malhas tentaculares do seu império colonial à América do Sul. 

 

Neste contexto de ameaças externas, a que esteve especialmente atento com a sua sensibilidade diplomática, Vieira fundou um pensamento utópico colonial, sendo nesta medida um precursor da utopia lusófona.

 

De facto, pretendeu defender uma vivência colonial que se estribasse na dignidade da pessoa humana, decorrente da sua percepção de uma antropologia cristã, que deveria respeitar os direitos dos índios. De modo que esta percepção evidencia um sentido de alteridade social, que aponta para a faceta universalista do português.

 

Este autor concebe um V Império que será deixado pelos portugueses à Humanidade num futuro moldado pelos parâmetros da cultura portuguesa, pela capacidade lusa de assumir um desígnio universalista e pelo anseio cristão de um mundo onde seja possível compaginar a felicidade pessoal e a harmonia social.

 

Na verdade, esta espiritualidade de Vieira aberta a um universalismo da relação com o outro ser humano de diversos padrões culturais antecipa o sentimento lusófono que se consubstancia nos nossos dias. 

 

Contudo, após o falecimento do rei D. João IV, o Tribunal do Santo Ofício condenou-o ao silêncio devido à aparente heresia das suas visões proféticas carregadas de um sebastianismo, de um futuro V Império e de uma ética refundadora das relações laborais entre colonos e ameríndios brasileiros.

 

Com efeito, o Padre António Vieira transmitiu nos seus textos, como político e pregador, aos seus contemporâneos a vivência brasileira numa refinada prosa de sabor barroco, nomeadamente censurando, como ardente missionário, a forma cruel como os índios eram tratados pelos colonos. Assim, chama a atenção para dois milhões de índios que estavam em péssimas condições laborais, tendo difundido os seus textos impressos em Portugal, que mais tarde chegarão também ao Brasil.

 

[1] Miguel Real retrata a figura do Padre António Vieira num romance fascinante (Miguel Real, O sal da terra, Matosinhos, QuidNovi, 2008, 331 p.).

[2] António Dias Miguel, “Padre António Vieira”, Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, Lisboa, Edições Alfa, 1990, p. 329.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

 

 

 

A CONSCIÊNCIA ÉTICA NA CONDUTA DE FREI BARTOLOMEU DOS MÁRTIRES – V CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO (1514-2014)

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Frei Bartolomeu dos Mártires foi um importante eclesiástico dominicano nascido no ano de 1514 em Lisboa, perfizeram-se agora cinco séculos. Foi baptizado na Igreja de S. Maria dos Mártires nesta cidade, da qual recebeu o seu apelido. Formou-se em estudos teológicos e filosóficos, o que o levou a leccionar (1538-1557) e a escrever sobre temas religiosos. Recebeu a ordenação episcopal em S. Domingos de Benfica no dia 3 de setembro de 1558.

 

A sua acção pública teve bastante relevância na História de Portugal e da Igreja Católica, como iremos verificar. Apesar de ter sido perceptor de D. António, Prior do Crato, manteve uma neutralidade na crise dinástica portuguesa, em 1580, eventualmente para não acicatar uma guerra civil.

 

Destacou-se como Arcebispo de Braga (1559-1582), na segunda metade do século XVI, tendo neste cargo participado activamente no Concílio de Trento (1562-1563) na altura da adversa cisão protestante, que abriu uma profunda crise no Cristianismo Ocidental. 

 

Nesta dignidade eclesiástica cumpriu com prontidão as decisões conciliares ao preparar a obra Catecismo ou Doutrina Cristã e Práticas Espirituais, ao instituir aulas de teologia moral para os sacerdotes, ao escrever dezenas de obras de doutrina cristã e ao realizar inúmeras visitas pastorais, que o celebrizaram junto da população.

 

Pela sua sensibilidade para as questões da formação promoveu o ensino ao atribuir aos Jesuítas o encargo de instruir a população no Colégio de São Paulo, em Braga, e quando regressou de Itália reuniu um Sínodo Diocesano e outro Provincial para fazer cumprir as deliberações concilares.  Nas palavras atentas do Professor Adriano Moreira e de D. Manuel Clemente, o seu perfil de entrega caritativa e a sua forte sensibilidade ética antecipam a ação pastoral do Papa Francisco.

 

O seu objectivo eclesiástico, como Arcebispo, foi o de formar um clero dedicado e íntegro, que respondesse aos desafios lançados por Erasmo de Roterdão e Martinho Lutero, evangelizando e incutindo uma forte consciência moral aos fiéis. Conta uma tradição popular que, num momento em que a peste grassava no país, soube ceder, inclusivamente, as suas vestes e o seu leito a um doente.

 

O eminente escritor Frei Luís de Sousa redigiu a sua biografia no início do século XVII. Faleceu em 1590 como uma figura carismática, que logo foi aclamado pelos populares como santo pelas suas constantes visitas aos mais pobres e doentes. O Papa João Paulo II, culminando a aura caritativa que o envolveu, reconheceu-o como beato no dia 7 de julho de 2001. O seu túmulo é ainda hoje venerado numa igreja de Viana do Castelo.  

 

Em conclusão, o seu exemplo moral constitui um edificante modelo de pensador e de actor cristão, que a celebração do V Centenário do seu Nascimento nos vem ajudar a evocar nos seus contornos históricos e éticos.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

A ATUALIDADE DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO (I)- AS RAÍZES HISTÓRICAS DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

 

“(…) A crise financeira que atravessamos faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano. (…) A crise mundial (…) e sobretudo a grave carência de uma orientação antropológica que reduz o ser humano apenas a uma necessidade das suas necessidades: o consumo. (…) Exorto-vos a uma solidariedade desinteressada e a um regresso da economia e das finanças a uma ética propícia ao ser humano. (…) Em muitos países, a globalização comportou uma acelerada deterioração das raízes culturais com a invasão das tendências pertencentes a outras culturas, economicamente desenvolvidas mas eticamente debilitadas. (…)”

Papa Francisco, A Alegria do Evangelho – Exortação Apostólica ‘Evangelii Gaudium’, Prior Velho, Paulinas Editores, 2013, pp. 44,45, 46, 48 e 49

 

Na História da Igreja Católica, durante o século XIX, a Doutrina Social da Igreja criticou os excessos do Socialismo e do Liberalismo. Com efeito, o movimento social cristão surgiu, ainda na primeira metade do século XIX, como uma resposta caritativa a um liberalismo socialmente pouco responsável para com os trabalhadores das indústrias. Nesta época, diferentes pensadores criticaram a ordem liberal como socialmente injusta, tendo-se destacado figuras como Hughes Lamennais e Charles de Coux como mentores de um liberalismo católico e, em particular, a sociedade francesa que, desperta para esta problemática, viu aparecer, na década de 1870, o sindicalismo cristão.

 

Em consequência da ação caritativa do movimento social cristão europeu, irá nascer a meditação que dará azo à germinação da Doutrina Social da Igreja. Assim, na década de 1880, o pensamento social cristão foi ganhando bases com a constituição de diversos grupos de estudo da problemática operária: Friburgo, Roma, Francoforte e Paris. No ano de 1848, em que Karl Marx e Friedrich Engels escreveram o Manifesto do Partido Comunista, o bispo de Mogúncia, Von Ketteler, pronunciou sermões de exaltação da necessidade de encontrar condições de trabalho mais dignas para os operários, tendo-se tornado inspiradores da Doutrina Social da Igreja. 

 

Assim, no contexto da edificação da sociedade industrial, o Papa Leão XIII, na sua encíclica Rerum Novarum, em 1891, criticou os excessos das propostas de Karl Marx e as insuficiências das estruturas do capitalismo industrial, na resolução de candentes problemas operários. Deste modo, esta encíclica constituiu um marco fundamental da Doutrina Social da Igreja mas não o seu início. Neste documento papal, sustentou-se a necessidade do Estado proteger os operários, a necessidade de uma retribuição salarial digna para os operários e a importância da criação de associações mistas de operários e patrões que dialogassem no sentido de se evitar a luta de classes propalada por Karl Marx[1].

 

No desenrolar de várias décadas do século XX, alguns Papas como Pio XI, no contexto da crise do Capitalismo dos anos 30, verberaram nos excessos do Liberalismo económico o empolamento do papel do individualismo e das leis absolutas do mercado livre, que conduziram o mundo ao abismo laboral da crise capitalista e aos nefandos totalitarismos e, mais tarde, Paulo VI, na conjuntura do antagonismo ideológico da guerra fria, criticou também a ganância como um entrave à paz internacional. Nesta dialética histórica, a Doutrina Social da Igreja tem procurado encontrar um ponto de equilíbrio para que as coletividades possam crescer num senso ético rumo ao bem comum.

 

Na época contemporânea, a Igreja Católica tem edificado um forte legado teórico de Doutrina Social da Igreja com a intervenção atenta dos Papas, desde 1891 à atualidade, face às angustiantes situações sociais criadas pelas sociedades industriais e pós-industriais.

 

Em 1967, o Papa Paulo VI, na encíclica Popularum Progressio,criticou, em pleno contexto da guerra fria e da afirmação exultante do bloco capitalista liderado pelos EUA, a obsessão com o liberalismo económico como um entrave iniludível ao desenvolvimento integral do Homem e à paz internacional. Salienta-nos, nesta crítica ao sistema do capitalismo liberal, que a preocupação com o máximo lucro faz olvidar a necessidade de servir o Homem.

 

Paulo VI acrescenta também, com grande atualidade, que o trabalho excessivamente organizado, por razões de mera eficiência, pode levar à nociva escravização do Homem. Deste modo, nesta encíclica ressalta que uma sociedade liberal não gera necessários equilíbrios sociais, dado que os mecanismos da iniciativa individual e da concorrência se revelam insuficientes e tornam-se necessários poderes públicos fortes, para a plena concretização do bem comum. Assim, Paulo VI, com forte sentido premonitório, alertava para o facto da predominância da tecnocracia e da economia nas sociedades do século XX terem de estar ao serviço do Homem. Nesta crítica salienta-nos, sabiamente, Paulo VI este teor:

 

“(…) Infelizmente, sobre estas novas condições da sociedade, construiu-se um sistema que considerava o lucro como motor essencial do progresso económico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos meios de produção como direito absoluto, sem limite e sem obrigações sociais correspondentes. Este liberalismo sem freio conduzia à ditadura denunciada com razão por Pio IX, como geradora do ‘imperialismo internacional do dinheiro’. Nunca será demasiado reprovar tais abusos, lembrando mais uma vez, solenemente, que a economia está ao serviço do homem. (…) Só a iniciativa individual e o simples jogo da concorrência não bastam para assegurar o êxito do desenvolvimento. Não é lícito aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes, confirmando a miséria dos pobres e tornando maior a escravidão dos oprimidos. (…) Economia e técnica não têm sentido, senão em função do homem, ao qual devem servir.(…)”[2]

 

Em 1979, João Paulo II, no primeiro ano do seu pontificado, criticou, na senda do espírito do Concílio Vaticano II, o progresso tecnológico desenfreado das sociedades contemporâneas que desumanizaram as vivências humanas. Salienta-nos que a evolução técnica e industrial do mundo contemporâneo tem conduzido o Homem a destruir a Natureza e não a preservá-la, como Deus nos ensinou.

 

Nesta lúcida meditação, filosófica e teológica, João Paulo II diz-nos que o desenvolvimento técnico da contemporaneidade não tem sido acompanhado por um correspondente desenvolvimento moral e ético do Homem e que, por essa razão, a vida surge desumanizada nas atitudes que assume. Deduz-se do seu pensamento que, a este nível, no sentido de se alcançar um desenvolvimento integral equilibrado, a Doutrina Social da Igreja pode ser uma resposta sensata a esta angústia existencial do Homem contemporâneo[3].

 

Francisco Sarsfield Cabral, no número de março de 2014 da Brotéria[4], sintetiza os custos sociais do atual progresso tecnológico, da informática e da robótica, receando, com base em estudos credenciados, a perda generalizada de muitos trabalhos e o aumento das desigualdades salariais em muitos países do mundo. Assim, a dinâmica entre o capital e o trabalho está a ser ganha, claramente, nos mercados financeiros globalizados por aquele fator económico. Enquanto as classes médias estagnaram, nas últimas décadas, até mesmo nos EUA os seus níveis de prosperidade, os gestores e os líderes sociais com grandes qualificações técnicas têm visto os seus rendimentos aumentarem vertiginosamente.

 

Com efeito, o drama desta recente tendência social reside no facto de se prever uma redução drástica de trabalhos das classes médias à custa dos progressos informáticos e da robótica, o que exige uma séria ponderação.

 


[1] D. Manuel Clemente, A Igreja no Tempo – História Breve da Igreja Católica, Lisboa, Grifo Editores, 2010, pp. 109-114.

[2] “Populorum Progressio – Carta Encíclica de Sua Santidade o Papa Paulo VI”, in Desenvolvimento e Solidariedade – Populorum Progressio, vinte anos depois, Lisboa, Rei dos Livros, 1987, pp. 72, 76 e 77.

[3] Papa João Paulo II, Carta encíclica Redemptor hominis (4 de março de 1979).

[4] Francisco Sarsfield Cabral, “Os custos do progresso tecnológico”, in Brotéria, vol. 178, março de 2014, pp. 257-262.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão (artigo com continuação - I Parte)

 



O FRANCISCANISMO E SUA ATUALIDADE NAS PERCEÇÕES CONTEMPORÂNEAS DE JAIME CORTESÃO A JORGE MÁRIO BERGOGLIO (PAPA FRANCISCO)

File:Saint Francis of Assisi by Jusepe de Ribera.jpg
São Francisco de Assis
 

Francisco de Assis viveu na transição do século XII para o XIII (1182-1226), tendo sido um religioso místico que fundou a primeira ordem religiosa mendicante, rompendo com as ordens religiosas afastadas do mundo, refugiadas nas suas paredes conventuais. Este santo, adorador da Natureza, festejou a noite de Natal de 1223 num bosque, com uma missa, diante de um presépio com uma grande assistência de frades menores e das classes populares. Os franciscanos tornaram-se, assim, os grandes divulgadores do presépio no mundo ocidental[1].  

 

No contexto medieval, do início do século XIII, em que as cidades cresceram económica e demograficamente com o desenvolvimento do grupo dos mercadores, da burguesia, tornaram-se gritantes as desigualdades sociais e a ostentação material da Igreja Católica face às inúmeras doações que recebia.

 

Apareceu, deste modo, a necessidade de reformar o Cristianismo para o despojar da opulência em que uma parte do clero vivia. O franciscanismo, através da regra interna, procurava ajudar os pobres e os desfavorecidos e vinculava estes frades menores a viverem segundo princípios novos que postulavam “(…) obediência, pobreza e castidade (…) Os irmãos não terão nada de próprio, nem casa, nem terra, nem coisa nenhuma, mas como peregrinos e estrangeiros neste mundo, servindo o Senhor em [2]pobreza e humildade, sigam pedindo esmolas confiadamente. (…)”[3]

 

Jaime Cortesão, insigne historiador, salientou o papel do Franciscanismo nos Descobrimentos marítimos portugueses. Assim, considerou que os Franciscanos, pela sua visão generosa da Natureza, pela atividade missionária e pela literatura de viagens dos frades menores, foram os criadores da mística dos Descobrimentos marítimos portugueses de quatrocentos. Na sua aceção, os Franciscanos modificaram a essência do Cristianismo, de base católica, promovendo a exterioridade caritativa em favor dos desfavorecidos rompendo, assim, a interioridade do monaquismo medieval e favorecendo o empreendimento das Descobertas marítimas. Por outras palavras, o ideal Franciscano da vivência humilde, junto dos pobres, favoreceu o movimento de abertura da Igreja à sociedade e ao mundo, tendo sido propiciador da expansão marítima na sua motivação religiosa de conversão de novos povos.

 

O filme de Franco Zeffirelli, de 1972, sobre São Francisco de Assis mostra-nos a sua conversão plena ao Cristianismo, após a renúncia às riquezas familiares em benefício de uma vida espiritual mais rica. É um belo filme, que recomendo pela sua qualidade estética, válido pela mensagem de busca da unidade espiritual da Igreja com o mundo. Aqui deixo um pequeno excerto do filme, bem elucidativo.


Neste tempo em que o materialismo reinante[4] e a, concomitante, ideologia neopositivista tecnocrática são predominantes, a necessidade de espiritualização do mundo torna-se cada vez mais premente. Aliás, não é por acaso que novas formas de espiritualidade (o budismo, a ioga, os retiros espirituais, etc) são revalorizadas face ao contexto de um materialismo despersonalizante a que a Humanidade tem sido conduzida pela Globalização desregulada.

 

A eleição de Jorge Mário Bergoglio como Papa com o nome de Francisco, neste contexto de crise Ética, é uma resposta significativa de grande simbolismo perante a premente necessidade de implementar o espírito do Concílio Vaticano II, isto é, de aproximar a Igreja Católica do mundo quotidiano. Numa conjuntura internacional em que as desigualdades sociais são exponenciais, em virtude de uma Globalização impreparada pela visível desregulação, e em que a ostentação de alguns privilegiados, fruto do Capitalismo selvagem, é cada vez mais chocante, importa apelar ao espírito de humildade e de simplicidade que caraterizou a reforma do Cristianismo com a fundação das ordens mendicantes, designadamente da ordem dos Franciscanos.

 

Este retorno do espírito Franciscano neste pontificado, que agora se inicia, evoca um eterno retorno de problemas cíclicos e de soluções consabidas, porque urge compreender com espírito Humanista a natureza humana. Com efeito, não é possível, como nos diz o filósofo José Gil[5], avaliar tecnocraticamente as sociedades Globalizadas sem hipotecar as virtualidades da natureza humana. Na verdade, o neopositivismo ideológico que se nos impôs com a Globalização tecnocrática imposta por interesses materiais de alguns poderosos tem desvirtuado a natureza humana à luz da verdade das Humanidades, da Igreja Católica e das Ciências desde Sigmund Freud a António Damásio.

 

Em suma, o problema das sociedades contemporâneas, na leitura do Concílio Vaticano II e do Papa Francisco, é a sua crescente desumanização, em virtude da cobiça de alguns poderosos em detrimento de muitos cidadãos. Daí a importância de revalorizar a mensagem Franciscana da humildade e da simplicidade de vida para que se possa romper com a crise de valores a que esta ideologia neopositivista dos tecnocratas do Capitalismo Financeiro nos tem conduzido[6].    



[1] “São Francisco de Assisis”, in Jorge Campos Tavares, Dicionário de Santos, Lello Editores, 2004, pp. 59-60.

[2] Nuno Sotto Mayor Ferrão, “As linhas de força do pensamento historiográfico de Jaime Cortesão”, in Nova Águia, nº 11, 1º semestre de 2013, Sintra, Editora Zéfiro, 2013, p. 133-134.

[3] Regra de São Francisco (1223) – números 1 e 6.

[4] Nuno Sotto Mayor Ferrão, “Relativismo Ético na História Contemporânea (1914-2010)”, in Brotéria, nº1, volume 174, Janeiro de 2012, pp. 47-51.

[5] José Gil, Em busca da identidade – o desnorte, Lisboa, Relógio d’Água, 2009, pp. 52-53. Vejamos a lúcida observação deste pensador: “(…) É inevitável, assim, que a avaliação como diagrama transversal a toda a sociedade, tenda a transformar todas as relações humanas em relações funcionais de poder. O preço pago por esta tecnologia biopolítica é, evidentemente, a mutilação de uma vida mais rica, a diminuição brutal dos possíveis, a restrição do aleatório, do acaso da imprevisibilidade. Como estes serão também transformados em funções – a famosa ‘criatividade’ no trabalho, nas empresas, nos serviços, na publicidade, nos média -, os próprios factores aparentemente incodificáveis serão avaliados, quantificados, normalizados. (…)”.

[6] A mensagem do filme de Charles Chaplin Tempos Modernos, de 1936, está mais atual do que nunca neste contexto de uma Globalização desregulada.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

 
 

A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA NO CONTEXTO DOS PARADOXOS DA GLOBALIZAÇÃO ATUAL

Papa Leão XIII

                     Globalização Financeira                                                                       Encíclica Caridade na Verdade

A Doutrina Social da Igreja é o conjunto de princípios que a Igreja Católica preconiza para uma vida saudável das sociedades contemporâneas que se baseia na fé revelada e na racionalidade fundamentada no conhecimento da autêntica Natureza Humana. Os valores desta Doutrina são fundamentais neste contexto da Globalização desregulada, que tem favorecido as desigualdades sociais, como nos reconhecem os relatórios anuais do PNUD das Nações Unidas. O Papa Bento XVI, na sua Encíclica escrita em 2009, fez uma análise da situação internacional à luz das causas sistemáticas dos vícios da Globalização e dos valores inscritos na matriz da Doutrina Social da Igreja sustentando a necessidade de uma novo paradigma de Ética Pública que reconfigure as instituições que se deixaram "endeusar" pelos critérios dos mercados e dos lucros.

 

No decurso da História Contemporânea, de 1891 a 2009, foram numerosas as Encíclicas e os documentos pontifícios que foram dando corpo à Doutrina Social da Igreja ao indicarem os princípios e os valores perenes da Humanidade (a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a paz, a justiça, a verdade, a caridade, etc.). Estes ensinamentos foram instilados, desde o Concílio Vaticano II, nos leigos para que possam insuflar as realidades temporais (o mundo profano) de valores perenes. A Doutrina Social da Igreja tem sido bastante crítica em momentos de crise Civilizacional (na questão operária no fim do século XIX, na atrocidade Nazi em pleno século XX e nas injustiças provenientes da presente Globalização). Com a crescente complexidade dos fenómenos contemporâneos, a par do vertiginoso ritmo das mudanças sociais e tecnológicas, importa saber que a Doutrina Social da Igreja defende que os Estados Nacionais e Supranacionais devem salvaguardar a justiça social nos recursos disponíveis do Bem Comum.

 

Historicamente foi a teoria de Karl Marx do século XIX, da previsível luta de classes entre operários e patrões, a par da concomitante proliferação de massas operárias indigentes nas sociedades do Ocidente, que obrigou a Igreja Católica a reagir às evidentes alterações das estruturas sociais e económicas, com a Encíclica Rerum Novarum do papa Leão XIII que inaugurou o legado da Doutrina Social da Igreja, clamando pela necessidade de se criarem condições para a prática da justiça social. Mais tarde, também, o Papa Pio XI se preocupou com esta problemática repudiando as ideologias totalitárias, designadamente o Nazismo. Importa, no entanto, lembrar que nos nossos dias se vive sob uma nova ideologia totalitária imposta pela ditadura dos mercados.     

 

Convém, ainda, compreender as principais consequências práticas da Doutrina Social da Igreja instauradas sob o impulso do Concílio Vaticano II. Além das decisões já conhecidas, importa, em primeiro lugar, salientar a aproximação entre a Igreja Católica e as outras comunidades cristãs. Em segundo lugar, a abertura desta instituição às sociedades contemporâneas traduziu-se nas diversas Encíclicas papais de intervenção cívica a favor dos Direitos Humanos, da proteção dos grupos mais desfavorecidos e das reflexões críticas sobre as situações internacionais. Na verdade, os Papas João Paulo II e Bento XVI frisaram o papel renovador do Concílio Vaticano II na Igreja Católica, não obstante a revolução juvenil de maio de 1968 tenha atenuado, aparentemente, a importância das mudanças sociais encetadas pela Igreja Católica.

 

De facto, João Paulo II foi um peregrino de espírito ecuménico na senda do Concílio Vaticano II, enquanto o Papa Bento XVI tem sido um intérprete atento dos tempos atuais, dando inteligibilidade aos fenómenos da política nas relações da comunidade internacional, sendo exemplo disso a encíclica Caridade na Verdade[1]. Em terceiro lugar, as decisões conciliares, vertidas nos diversos documentos oficiais, acabaram por ter reflexos jurídicos que se encontram já consignadas no Código de Direito Canónico.

 

De facto, a Doutrina Social da Igreja, em particular com a Encíclica Caridade na Verdade do Papa Bento XVI, tem criticado a Globalização desregulada que criou uma série de constrangimentos à justiça social devido ao endeusamento dos mercados e do lucro fácil. Por esta razão, Bento XVI pugna por um novo paradigma das relações internacionais que se baseie em valores e princípios sãos. A Doutrina Social da Igreja assente em valores perenes (a dignidade humana, a participação cívica, a proteção social dos mais desfavorecidos, a verdade, a liberdade, a justiça e a paz), tantas vezes esquecida, faz falta nestes tempos de negligência das questões Éticas.


A História da Humanidade está presentemente dirigida por um destino comum de problemas e soluções que carecem de estratégias globais que arrede, para o segundo plano das relações sociais, os individualismos e os egoísmos nacionais. Assim, a linguagem do Amor, marca fundamental dos ensinamentos de Jesus Cristo, constitui a argamassa essencial das relações sociais harmoniosas para se ultrapassarem as tensões entre grupos sociais. Na verdade, a desumanidade das sociedades atuais decorre das relações humanas se basearem, erroneamente, no critério primordial da eficácia, porquanto a sensatez cristã manda que se baseiem fundamentalmente no valor da dignidade da pessoa humana.

 

Em suma, esta dinâmica histórica decorre da crise de valores que se acentuou com a sacralização ideológica do ultraliberalismo que tem feito esmorecer a vida Moral e Espiritual da Humanidade. Os Estados devem ser os garantes do Bem Comum, pois a socialização atual, em particular, através da ideologia neoliberal pode incitar à temível despersonalização do Homem. Este é um paradoxo crucial do contexto desta Globalização desregulada e a leitura atenta da Doutrina Social da Igreja faz-nos perceber a premência de definir outro paradigma para que os dirigentes locais, nacionais e mundiais possam encontrar novos caminhos mais consentâneos com o Humanismo Ético. 

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 



[1] Bento XVI, Caridade na Verdade, Prior Velho, Paulinas Editoras, 2009.


 

 

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