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Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão

Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.

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A RESISTÊNCIA HUMANITÁRIA À PANDEMIA COVID-19 E O ISOLAMENTO SOCIAL PROFILÁTICO

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Esta doença infecciosa, conhecida por COVID-19, detectada primeiramente na China, continua a expandir-se para outros países, como em Itália onde apareceu no dia 31 de janeiro de 2020 ou nos Estados Unidos da América, que confirmaram o primeiro caso no dia 24 de fevereiro deste ano ou em muitos outros os países em que foi sendo diagnosticado, tornando-se uma pandemia reconhecida pela Organização Mundial de Saúde.

 

Em Portugal, o primeiro caso foi diagnosticado no dia 2 de março de 2020, encontrando-se ainda em crescimento a sua difusão, bem como no mundo com o surto pandémico a acelerar o seu ritmo de expansão estatística, de acordo com os dados da Organização Mundial de Saúde.

 

A resistência que houve em França e em outros países, durante a segunda guerra mundial, foi um dos fatores fundamentais para a vitória das forças aliadas sobre os nazis. A resiliência psicólogica e física irá ser fundamental para os portugueses, os europeus, os brasileiros e muitos outros povos do mundo nesta batalha contra esta pandenia do Coronavírus 2019 (COVID-19) e que, neste momento, tem o seu epicentro na Europa.

 

Chama-se a este fenómeno de resistência coletiva estabelecido em Portugal pelo Estado de Emergência isolamento social profilático, mas é preciso resiliência para não se cair no desânio ou na depressão perante notícias mais alarmantes. É um conjunto de três elementos que é fundamental para garantir a resistência/resiliência perante a evolução ciclópica desta pandemia em Portugal, na Europa e no mundo. Iremos, então, referir estes 3 elementos cruciais para a sanidade psíquica, física e sanitária dos milhões de cidadãos, que em Portugal, na Europa e no mundo se encontram em isolamento social nas suas habitações (#ficaemcasa).

 

Em primeiro lugar, apenas a unidade espiritual e as solidariedades coletivas em termos familiares, fraternais entre comunidades de amigos, patrióticas, lusófonas e europeias nos poderão garantir o ânimo para enfrentar este isolamento social imposto em muitos países do mundo e, em particular, na Europa.

 

A Inglaterra que resistia a tomar medidas tão drásticas, acabou de decretar este mesmo isolamento social profilático. Nesta era digital, apesar da sobrecarga das plataformas de comunicação, a internet e os “smartphones” tornaram estas atitudes mais fáceis de realizar. As solidariedades patenteiam-se nas compras que os vizinhos mais novos fazem aos vizinhos mais velhos e as palavras de conforto que trazemos uns aos outros através destes meios digitais.

 

Em segundo lugar, apenas com uma fé transcendental ou com uma forte convição espiritual, num retorno necessário às humanidades e às revistas culturais, aos livros e à “cultura online”, se conseguirá vencer este inimigo invisível, que anda por aí devido à globalização social que facilitou a inesperada circulação de pessoas numa escala planetária, com viajantes de todas as nações e de vários grupos sociais.

 

As humanidades, num indispensável retorno do mundo à metafísica, permitirão perceber que esta crise imeniente irá fazer tomar consciência às pessoas, aos governantes e às empresas sedentas do lucro fácil, especulativo, de que o abismo climático estará à nossa porta dentro de algumas décadas, neste século XXI.

 

O maravilhoso mundo novo, numa alusão a uma obra-prima de denúncia simbólica do escritor Aldous Huxley, que nos prometiam os positivistas e os neopositivistas do progresso constante, como foi o ingénuo caso de Francis Fukuyama, não passou de uma ilusão de ideólogos tecnocráticos.

 

Assim, unicamente com a complementaridade das visões tecnocráticas e das visões humanistas será possível construir um mundo melhor para as próximas gerações, pois, caso contrário, a Humanidade irá de colapso em colapso até ao seu próprio extermínio. É imperioso cuidar da “nossa casa comum”, como nos diz o Papa Francisco, com um espírito mais franciscano e mais afastado da teoria dos interesses.

 

Em terceiro lugar, emerge o papel da ciência médica e da indústria farmacêutica na busca de novos métodos de tratamento, de cura e de uma vacina para prevenir os novos surtos de COVID-19, que poderão aparecer ainda em final de 2020 ou início de 2021. É absolutamente vital a investigação laboratorial humanitária, da China, dos Estados Unidos e da Alemanha, em prol de tod@s os cidadãos do mundo, uma vez que poderá ser primordial para reduzir vítimas letais deste surto pandémico e minimizar grandes efeitos colaterais na economia.

 

Estão a revelar-se autênticos heróis os trabalhadores do Sistema Nacional de Saúde dos países europeus e do mundo, eventualmente, onde haja estruturas sanitárias semelhantes, pois o mundo foi apanhado desprevenido com este surto pandémico e apenas o esforço humanitário e o sacrifício suplementar da comunidade médica, de enfermeiros, de auxiliares de ação médica, de farmacêuticos e de fornecedores de bens essenciais tem conseguido responder com dificuldade ao crescimento exponencial de casos por todo o mundo, cifrando-se em mais de 350 mil de pessoas infectadas a nível global, embora a batalha esteja a ser muito dura, particularmente em Itália e em Espanha, nesta fase no fim do primeiro trimestre de 2020.

 

O problema continua a ser que a economia está baseada em pantanosos alicerces financeiros, que apenas desvirtua a economia real e a torna muito mais vulnerável aos golpes fraudulentos dos detentores de grandes fortunas e à fuga de capitais para maléficos paraíses fiscais, que garantirá mais desigualdades sociais no mundo, como o anunciam os relatórios PNUD da ONU.

 

Neste âmbito financeiro, foi positiva a decisão da Comissão Europeia, anunciada por Ursula Von Der Leyen, de que os países europeus da União Europeia passavam a usufruir de uma flexibilidade orçamental com a exclusão da regra de um máximo de défice orçamental de cada país de 3%, no decorrer desta conjuntura pandémica.

 

Em suma, nesta conjuntura de guerra contra esta pandemia, impõe-se uma resistência coletiva com um isolamento das famílias e das pessoas infetadas para se estancarem as correntes infecciosas, que circulam nas nossas sociedades neste mundo global. Unicamente mediante esta resistência coletiva, a que apelou Winston Churchil com o seu famoso discurso, do início da segunda guerra mundial, de “sangue, suor e lágrimas” face ao inimigo nazi, em 1940, será possível vencer este terrível inimigo invisível que é o Coronavírus 2019 (COVID-19). 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

A CRISE DE VALORES E O “DÉFICIT CÍVICO” DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

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No contexto histórico da crise de valores, que tem perpassado as nossas sociedades, desde o início do século XX, tal como explanei em artigo da revista Brotéria[1], e face aos desafios da globalização e da rápida transformação que tem gerado novas desigualdades sociais no mundo e no país, compreendemos plenamente a urgência da implementação da Estratégia Nacional da Educação para a Cidadania, mas, paradoxalmente, temos de perceber que as mudanças das práticas pedagógicas, sendo fundamentais, terão de ser paulatinas para serem consistentes.

 

Nas sociedades contemporâneas dois vetores têm gerado crescentes faltas de civismo bem visíveis nos cidadãos e nos nossos jovens, naquilo a que o Professor José Filipe Teles de Matos chama “déficit cívico”: a importância desmesurada dada aos direitos em detrimento dos deveres, quando partindo do conceito implícito de cidadania de Turner (1993) estes terão de andar a par e a crescente reivindicação de que todos os indivíduos são iguais na sociedade.

 

Também hoje, no seio das concorrenciais sociedades globalizadas manietadas por nefastas políticas neoliberais, os valores universais da Solidariedade, da Tolerância, da Participação, da Gratuitidade e do Diálogo permanente estão a ser postos de lado por uma maioria dos cidadãos e, sem isso, a segurança global climática e a paz no mundo encontram-se num risco maior do que nunca. O vício instalado de correr atrás do vil dinheiro em detrimento dos valores está a tornar as sociedades contemporâneas profundamente desumanizadas.

 

O “déficit cívico” advém da falta de tempo dos pais para educarem os filhos nas nossas sociedades e do facto de muitos pais não se cultivarem nas virtudes (Aristóteles), não se tornando assim modelos de referência. Só derrubando estes muros de egoísmo e dando gratuitamente tempo aos outros é possível cumprir “uma cidadania ativa e altruísta” como nos pede Sua Eminência o Cardeal-Patriarca D. Manuel Clemente.

 

Num momento em que na democracia portuguesa se revelam elevados níveis de indiferença cívica, com indicadores de mais de 50% de abstencionistas nas eleições legislativas de 2019, cada vez em maior número desde o fim do século XX, a cidadania encontra-se em crise. 

 

No atual quadro local, nacional e global, a cidadania ativa implica uma consciência da complexidade do mundo contemporâneo e a aquisição de competências para o seu entendimento e para a sua participação efetiva. As recomendações da UNESCO de 2015 suscitaram a reintrodução da Educação para a Cidadania nos Currículos nos finais da segunda década do século XXI no nosso país.

 

Em conformidade com o Desp. N.º 6173/2018, de 10 de Maio, define-se a necessidade das crianças e jovens necessitarem de formação formal para o exercício de condutas cívicas em sociedades ocidentais em que crescem exponencialmente os fenómenos de indiferença perante o próximo, porque urge que os futuros cidadãos saibam com sentido de responsabilidade assumir os seus deveres e reivindicar os seus direitos. Numa sociedade que proclama constitucionalmente o direito de todos a terem uma habitação condigna causa profunda indignação a situação confrangedora dos sem-abrigos, que habitam as cidades de Portugal e muitas cidades das sociedades ocidentais.

 

Não obstante, a Assembleia Geral da ONU, nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em 1966, tenha pretendido acabar com a pobreza, proteger o ambiente e promover a prosperidade e o bem-estar de todas as pessoas, a verdade é que a sua concretização está muito longe de serem alcançados com a oculta ditadura dos mercados financeiros.

 

As grandes questões de atualidade do nosso mundo global decorrem da emergência climática, assinalada pela nova Comissão Europeia liderada por Ursula von der Leyen, e pelas crescentes desigualdes sociais dentro dos países e entre países, assim como temos assistido às migrações de populações que atravessam o Mar Mediterrâneo em condições de grande precariedade. Só revalorizando as virtudes cardeais (a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança), não numa perspetiva excessivamente aristotélica, se conseguirá mobilizar os cidadãos para uma participação responsável e gratuita no sentido de formar nos jovens condutas cívicas para responderem a estas problemáticas emergentes.

 

De quatro concepções de cidadania possíveis (comunitarista, cívico-republicana, neoliberal e socióliberal)[2] perante as problemáticas vigentes nos nossos dias, as duas últimas estão na moda, mas revelam-se ineficazes para enfrentar os ingentes desafios globais que temos pela frente. Talvez, só um compromisso das duas primeiras concepções possa tornar possível romper as redes de indiferentismo social, como nos alerta Sua Santidade o Papa Francisco, e ajudar na promoção dos laços de solidariedade e de responsabilidade coletiva rumo a um mundo mais justo e socialmente mais sustentável.

 

O mundo que nos rodeia está cada vez mais repleto de multimilionários sem escrúpulos e de pessoas sem abrigo que os Estados demonstram dificuldade em combater, porque as redes de offshores e de planeamentos fiscais das grandes empresas escondem verbas essenciais à missão dos Estados Sociais no ocidente. 

 

Num mundo dominado pela sensação da insegurança coletiva (emergência climática, proliferação das armas nucleares - veja-se o primeiro vídeo deste "post"-, vulnerabilidade dos mercados financeios) só uma participação responsável de tod@s com a luta pela defesa dos nossos direitos e o cumprimento das nossas obrigações e deveres garantirá um ambiente de paz e de tranquilidade na sociedade.

 

Esta insegurança tem feito crescer as espiritualidades e as terapias orientais (o ioga, o reiki, o budismo, a meditação, o tai chi chuan, o chi kung, as artes marciais, a acupunctura, o shiatsu, a medicina tradicional chinesa, etc)[3] no seio do mundo ocidental, demasiado apegado aos valores do materialismo e do consumismo. Só a segurança dos valores interiores e morais nos podem dar a força para confrontar o turbilhão ciclópico de mudanças e de incertezas que pairam nesta sociedade global do fim da segunda década do século XXI.

 

Hoje somos confrontados com riscos alargados ligados às crescentes catástrofes naturais, às inúmeras vulnerabilidades económicas e sociais, aos inúmeros conflitos escolares, às manifestações de terrorismo, de forma que unicamente consciências cívicas individuais e coletivas nos podem salvar deste abismo de que já nos falava nos anos 80 do século XX E. F. Shumacher no seu livro Small is beatifull. Dizia-nos ele, num texto de grande atualidade: “(...) De longe bem maior é o capital fornecido pela natureza – e nós nem sequer o reconhecemos como tal. (...) é um erro absurdo e suicida. (...)[4]

 

Os Direitos Humanos constituem a base da cidadania, porque só a defesa dos Direitos Humanos internacionalmente consagrados desde o pós-guerra, nas suas diferentes gerações (1ª, 2ª, 3ª e 4ª) pelos Estados de Direito através das Constituições permite a promoção da paz e do bem-estar coletivo, mas perante os desafios e a complexidade da conjuntura internacional global como a guerra comercial EUA-China e o avanço dos populismos no mundo colocam-se obstáculos à universalidade dos Direitos Humanos cada vez mais difíceis de superar.

 

Daí o papel que as pessoas têm e terão, designadamente os jovens em particular num mundo à beira do abismo. Só as sinergias das Constituições ocidentais, da ação dos cidadãos e dos jovens, que começam a tomar a liderança das questões ambientais globais, das instituições supranacionais da UE à ONU poderão garantir um mundo mais justo. Deste modo, unicamente através da formação dos jovens e dos adultos em questões cívicas será possível tentar romper com as constantes violações com as quais nos confrontamos diariamente no país e no mundo.

 

O nosso papel de professores, de pais e de cidadãos passa por exemplificar com boas maneiras cívicas e suscitar a informação, a vontade de pesquisa e o espírito crítico, para que os nossos jovens possam ter a consciência e a vontade de agir na sociedade com condutas construtivas afastadas das atitudes violentas que proliferam em meio escolar e em alguns meios sociais.

 

Como afirmava António Sérgio, em 1915, o papel do professor não se pode resumir a ensinar a resolver problemas de Matemática ou de outra disciplina, mas também a enfrentar os problemas sociais e cívicos para que possam cumprir as suas obrigações de cidadãos[5], quando chegarem à idade adulta, ou como nós diremos no fim da escolaridade obrigatória. Todavia, convém lembrar que as mentalidades mudam muito paulatinamente, como sublinhava com assertividade António Sérgio[6], no início do século XX.

_______________________

[1] Nuno Sotto Mayor Ferrão, “Relativismo Ético na História Contemporânea (1914-2010)”, in Brotéria, nº1, volume 174, janeiro de 2012, pp. 47-51.                              

[2] Excerto de trabalho apresentado por Nuno Sotto Mayor Ferrão numa Ação de Formação com o Professor José Filipe Teles de Matos.

[3] A CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL E A SUA DECADÊNCIA ESPIRITUAL NO SÉCULO XXI – PASSADO, PRESENTE E FUTURO. - Crónicas do Professor Ferrão. Acesso em 2 de dezembro de 2019.

[4] E. F. Shumacher, Small is beautifull – a study of economics as economics as if people mattered, London, Ed. Abacus, 1976, pp. 17-19.

[5] António Sérgio, Educação Cívica, Prefácio de Vitorino Magalhães Godinho, Lisboa, Ed. Ministério da Educação, 1984, p. 54.

[6] Ministro da Instrução Pública da 1ª República (1923-1924).

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

BREVE BALANÇO DO PERÍODO DE 2009-2019 A NÍVEL NACIONAL E INTERNACIONAL (CRONOLOGIA E SÍNTESE))

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CRONOLOGIA 2009-2019

  • 2008 - 2 de outubro - irrompe a pior crise financeira mundial desde 1929.
  • 2009 a China torna-se a terceira maior economia do mundo.
    • 2 de março – O Presidente da Guiné-Bissau João Bernardo Vieira é assassinado.
    • Abril - arrasta-se a crise financeira mundial.
    • Abril - alastramento da gripe A no México com mais de 150 mortos.
    • 26 de abril - Nuno Álvares Pereira é canonizado.
    • 2009 Bernard Madoff é condenado a 150 anos de prisão pela maior fraude financeira do mundo.
  • 2010 tem início a era dos “tablets”.
    • 10 de janeiro - terramoto do Haiti.
  • 2011 o governo português pede ajuda financeira à Troika.
    • Gaddafi é morto na Líbia, terminando a sua longa ditadura.
    • Sudão do Sul foi reconhecido como país independente.
  • 2011-2017 – Guerra Civil Iraquiana.
  • 2013 os smartphones começam a expandir-se à escala global (revolução tecnológica).
  • 2014 – Junho- grande ofensiva para a constituição do Estado Islâmico do Iraque e do Levante, com o projeto de constituir um grande Califado Islâmico.
  • 2014-2019 guerra civil na Líbia.
  • 2015 - 10 de Novembro - o governo de Pedro Passos Coelho é reprovado no Parlamento com os votos do PS, BE, PCP, PEV e PAN.
    • 13 de Novembro - atentados terroristas em Paris.
  • 2016 - 10 de junho- Seleção Portuguesa de Futebol ganha o Campeonato Europeu de Futebol em França.
    • 25 de novembro - Morte de Fidel Castro.
  • 2017 - 1 de janeiro - António Guterres é mandatado como Secretário-Geral das Nações Unidas.
    • 12 e 13 de maio - Visita do Papa Francisco a Portugal na celebração do Centenário das Aparições aos Pastorinhos em Fátima.
    • 13 de maio - Vitória Portuguesa no Festival da Eurovisão da Canção.
    • junho e outubro - Grandes incêndios florestais em Portugal com 115 mortos.
  • 2018 - 18 de março - Vladimir Putin é reeleito Presidente da Rússia.
    • 18 de maio - crise no Sporting Clube de Portugal com o turbilhão chamado Bruno de Carvalho.
    • 24 de junho - Mulheres na Arábia Saudita passam a ter o direito de conduzir.
    • 2 de setembro - Grande incêndio atinge o Museu Nacional do Brasil.
    • 11 de novembro - Centenário do fim da 1ª guerra mundial.
  • 2019 - 10 de janeiro - Crise política na Venezuela com contestação do poder presidencial Nicólas Maduro.
    • 15 de abril - Violento incêndio destrói parcialmente legado e as algumas estruturas da Catedral de Nôtre-Dame em Paris.

 

Estes dez anos, entre 2009 e 2019 - tempo correspondendente à duração deste nosso blogue -, foram marcados por acontecimentos muito significativos da História recente. Houve acontecimentos dramáticos e alguns bastante emocionantes, como podemos observar ao analisar esta sintética cronologia.

 

Se o mundo, em 2009, foi atingido pela pior crise financeira da sua História, desde a Grande Depressão de 1929, também em 2019 houve várias catastrófes naturais e uma humana, abalando profundamente a sociedade europeia, que foi o grande incêndio que lavrou na Catedral de Notre-Dâme de Paris.

 

Foram assustadores acontecimentos desta década como a epidemia da gripe A, as catástrofes naturais, que se intensificaram com as alterações climáticas e a crise da dívida soberana na Europa, que levou Portugal a ser intervencionado pela Troika, em 2011, tal como já tinha acontecido com a Grécia e com a Irlanda, assim como a grande ofensiva do Estado Islâmico do Iraque e do Levante, a partir de 2014, e os consequentes atentados terroristas no mundo ocidental, que recomeçaram com o ataque de 13 de novembro de 2015 em Paris, os grandes incêndios que deflagraram em Portugal em 2017, com a trágica morte de 115 pessoas.

 

Por outro lado, houve acontecimentos inovadores ligados à revolução tecnológica com o aparecimento dos “tablets” e dos “smartphones”, que passaram a proliferar no mundo nesta segunda década do século XXI, quebrando fronteiras e tornando o planeta cada vez mais uma “aldeia global”.

 

Verificaram-se vários sinais de que algumas ditaduras estavam decadentes, como foi o caso da deposição de Gaddafi na Líbia em 2011 e a, presente, revolta na Venezuela contra o Presidente Nicólas Maduro desde o início de 2019.

 

Outros acontecimentos lançaram alguma esperança em Portugal e no mundo, como foram os casos da vitória da Seleção Portuguesa de Futebol, no Euro 2016; a vitória de Salvador Sobral na Eurovisão da Canção de 2017; a vinda do Papa Francisco a Fátima para beatificar dois dos pastorinhos das Aparições de Nossa Senhora, por ocasião do Centenário deste fenómeno religioso; ou a nível internacional as derrotas militares, com o seu confinamento geográfico, do Estado Islâmico do Iraque e do Levante; a evocação memorialista do Centenário do fim da 1ª guerra mundial (1918-2018), lembrando que a paz é sempre um fénomeno efémero e que, se os ideais não comandarem a vida, o mundo fica estilhaçado em catástrofes humanas e é neste dilema que as intervenções da ONU e do atual Secretário Geral desta instituição se encontram.

 

A atual aceleração vertiginosa do ritmo contemporâneo tem-se feito sentir, de forma ainda mais intensa, nesta década de 2009-2019. Portugal, mergulhado na crise da dívida soberana, em 2011, foi bafejado por alguns sinais de esperança, nos anos de 2016 e de 2017, que foram hasteados como bandeiras promissoras pelo Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebello de Sousa.

 

Deste modo, a Europa foi marcada pela crise da dívida soberana e pelo Brexit, tornando necessária uma maior integração comunitária, para fazer frente à crescente decadência económica e tecnológica do “Velho Continente”, perante as novas potências emergentes, entre as quais se destacam a China e a Índia.  

 

Dois dos problemas inerentes à globalização do desenvolvimento económico e tecnológico são as pandemias, como a verificada com o alastramento mundial da gripe A, e as alterações climáticas, que alguns líderes mundiais teimam em não reconhecer, como Donald Trump e Jair Bolsonaro.

 

A instabilidade financeira, climática e social, com as grandes migrações de refugiados tornou-se uma característica essencial do nosso tempo, bem como as flutuações e irupções atmosféricas inesperadas causadoras de grandes catástrofes, como foram o terramoto do Haiti de 2010 e as inundações devastadoras de Moçambique de 2019 resultante de 2 ciclones. 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

MÁRIO SOARES, UM PROTAGONISTA DA HISTÓRIA PORTUGUESA E EUROPEIA DOS SÉCULOS XX E XXI

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Mário Alberto Nobre Lopes Soares (1924-2017) foi um distinto político humanista do Estado Português. Nasceu de uma família republicana-liberal, e seu pai João Lopes Soares, que foi um antigo ministro das Colónias da 1ª República, manifestou vontade que seu filho fosse escritor. Licenciou-se, primeiro, em Ciências Histórico-Filosóficas e, depois, em Direito, tendo-se distinguido na resistência ao regime do Estado Novo, pelo que foi remetido para a prisão doze vezes pela polícia política, num período que demorou na totalidade mais de 3 anos de encarceramento. Foi também deportado em 1968 para São Tomé e esteve exilado em Paris de 1970 a 1974, durante o consulado Marcelista.

 

Assumiu a defesa judicial do general Humberto Delgado, aquando do seu assassinato pela PIDE, e também de Álvaro Cunhal, seu antigo professor, acusado de crimes políticos como líder clandestino do Partido Comunista Português. Chegou a ser professor de História no Colégio Moderno, por influência de Álvaro Cunhal. Foi, também, aluno de Agostinho da Silva, de quem recebeu explicações particulares.

 

Foi membro do Movimento de Unidade Nacional Antifascista, em 1943, membro do Movimento de Unidade Democrática, em 1946, que defendeu no pós-guerra a mudança do regime político no país, tendo fundado o Movimento de Unidade Democrática Juvenil com Manuel Mendes. Foi secretário da Comissão Central da candidatura do general José Norton de Matos à Presidência da República, em 1949, e membro da comissão da candidatura do general Humberto Delgado, em 1958. Foi na prisão que, a 22 de fevereiro de 1949, casou por procuração com Maria Barroso.

 

Ingressou na Maçonaria em Paris, em 1972, esperando auxílio para a sua luta política com o Estado Novo. Após ter fundado, com Tito de Morais e Ramos Costa, a Ação Socialista no exterior, que deu origem ao Partido Socialista, em 1973, regressou a Portugal com a revolução de 25 de abril de 1974, de que foi um dos principais protagonistas como ministro dos Negócios Estrangeiros de 1974 a março de 1975 no processo de descolonização e como primeiro-ministro dos I, II e IX Governos Constitucionais. Foi duas vezes Presidente da República de 1986 a 1991, numa inesperada vitória sobre Diogo Freitas do Amaral, e de 1991 a 1996, tendo assumido uma reforçada imagem carismática com as suas presidências abertas.

 

Ganhou um largo prestígio internacional como dirigente da Internacional Socialista, e como signatário do documento de integração de Portugal na CEE, no ano de 1985, no Mosteiro dos Jerónimos, desenvolvida sob os auspícios do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, José Medeiros Ferreira. Foi autor de várias obras de intervenção política e de uma tese de licenciatura sobre Teófilo Braga, saindo, talvez, daqui a famosa trilogia ideológica que o marcou, indelevelmente, ao longo do seu percurso político “laico, republicano e socialista”. Teve sempre um instinto de um verdadeiro “animal político”.

 

Foi, também, o criador da benemérita Fundação Mário Soares, instituição cultural de grande relevo para a História Contemporânea de Portugal, ao guardar o espólio de muitos importantes protagonistas da História Portuguesa do século XX e ao atribuir prémios de investigação histórica por estudos inéditos, em parceria com o Instituto de História Contemporânea da Faculdade Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

 

Venceu, durante o processo revolucinário em curso (PREC), a tendência totalitária dos setores de extrema-esquerda no Verão Quente de 1975, tendo feito soçobrar a vontade hegemónica de Álvaro Cunhal, secundado pelo apoio internacional da URSS ao tempo da guerra fria, de implantar no país um regime comunista. Ficou muito famoso o seu debate televisivo com Álvaro Cunhal, que patenteou esta visível divergência ideológica com o modelo de democracia popular, que tanto contestou como legítimo para as necessidades e anseios da pátria lusa.

 

Afirmou-se como um dos grandes vultos europeus do Socialismo Democrático, a par de Olof Palme e de Willy Brandt, afastando-se do Socialismo de Terceira Via, de Anthony Giddens, que ganhou expressão no contexto da globalização neoliberal nos anos 90. Foi eurodeputado pelo Partido Socialista, em 1999, e candidato derrotado à Presidência do Parlamento Europeu.

 

O pintor Júlio Pomar deixou-nos dele um retrato impressivo das suas presidências abertas, na galeria dos retratos presidenciais do Museu da Presidência da República. No início do século XXI, foi uma das vozes mais críticas da globalização selvagem e do ataque da coligação internacional, não fundamentado ou, no mínimo, justificado com o insuficiente conceito de guerra preventiva e das enganosas armas de destruição maciça pelo caricato e belicista Presidente G. W Bush, ao Iraque em 2003, enfileirando num discurso harmonioso com Diogo Freitas do Amaral.

 

No ano de 2006, candidatou-se à Presidência da República e, com o pretexto de que estaria já demasiado idoso, foi preterido eleitoralmente a favor de Aníbal Cavaco Silva. Viu-se confrontado duas vezes como primeiro-ministro com a gestão de difíceis condições financeiras, que o levaram a pedir a colaboração do Fundo Monetário Internacional. Testemunhou com graça que, numa situação de emergência financeira, lhe ligou uma vez, à noite, o Presidente do Banco de Portugal a dar conta da situação crítica, ao que este terá respondido “deixe-me dormir homem para que amanhã acorde fresco para resolver o problema”, pelo que se tornou num dos sócios da Associação Portuguesa Amigos da Sesta.

 

Em 2007, foi nomeado presidente da Comissão da Liberdade Religiosa. No ano de 2010, recebeu o Doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Lisboa, no âmbito do Centenário do Regime Republicano. Faleceu a 7 de janeiro de 2017 com 92 anos, tendo recebido honras de Estado no seu funeral, com um simbólico velório no Mosteiro dos Jerónimos, e com uma expressiva manifestação de pesar coletivo da população portuguesa na dolorosa hora da sua partida, ao mesmo tempo que o Governo Português decretou luto nacional de 3 dias e que foi efectuada uma sentida homenagem pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

 

Podemos concluir que Mário Soares foi um incansável lutador pelas liberdades políticas, ao longo da sua vida pública contra o autoritarismo do regime de Oliveira Salazar e do sistema do pensamento único imposto pelas premissas neoliberais e, ainda, pela dignidade humana oprimida pelos tentáculos da tecnocracia vigente, aproximando-se, no fim da vida, das clarividentes posições internacionais do Papa Francisco e mesmo de uma angústia agnóstica nas sábias palavras do Padre Vítor Feytor Pinto.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

LINHAS DE FORÇA DA HISTÓRIA UNIVERSAL DO SÉCULO XXI (2001-2016)

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A História Universal do início do século XXI tem-nos trazido, em maior número, grandes acontecimentos negativos do que positivos. Esta afirmação, eventualmente polémica, faz-nos perguntar: onde mora a marcha progressiva da Civilização mundial ? Ora passemos, em revista, os principais acontecimentos que marcaram o início do século XXI.

 

Assim, conta-se em maior número os gigantescos acontecimentos deprimentes, do que os grandes acontecimentos esperançosos. Pretendemos traçar, com estas linhas, uma breve síntese de alguns dos traços históricos mais relevantes do século XXI.

 

O nosso século começou, de forma francamente negativa, com o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 às Torres Gémeas em Nova Iorque, que ceifou a vida de mais 3000 a 4000 pessoas. Desconcertado com a vulnerabilidade do seu país, o presidente norte-americano G. W. Bush resolveu atacar o Afeganistão, nesse ano, e envolver-se numa guerra difícil no Iraque, que só terminou na primavera de 2003 com a deposição do regime totalitário de Saddam Hussein. Um dos poucos sinais de esperança, no início deste século, foi a independência de Timor-Leste em 2002 sob os auspícios da comunidade internacional, que afastou este país das garras indonésias.

 

Os anos subsequentes da primeira década do século XXI foram tingidos de negro com o trágico tsunami asiático de 26 de dezembro de 2004, com a prisão do maior aldrabão financeiro da história da Humanidade, Bernie Madoff, que cometeu uma gigantesca fraude financeira que prejudicou uma multidão de seres humanos, com a crise financeira de 2008-2009, que começando na banca, abriu caminho a uma violenta crise económica mundial com nefastas repercussões na sociedade mundial, fazendo reviver, à Humanidade, os tons escuros da violenta crise económica de 1929.

 

O primeiro grande sinal de esperança, neste século, surgiu com a galvanização mundial resultante da eleição do presidente norte-americano, Barack Obama em 2008, primeiro presidente americano negro, que lançando o slogan “Yes, we can” entusiasmou grande parte da comunidade mundial.

 

Pouco depois, apareceu um grande pedregulho na marcha da Humanidade com a crise das dívidas soberanas europeias, o que foi descoberto em 2010 na Grécia, pondo em causa a sustentabilidade financeira da Zona Euro. Apesar deste desaire económico europeu, ventos de leste lançaram alguma esperança na economia mundo com a República Popular da China a afirmar-se, neste mesmo ano, como a segunda potência económica mundial.

 

Em 2011 Osama Bin Laden foi capturado e morto por forças norte-americanas, numa operação de sequestro, e a comunidade internacional julgou, prematuramente, que, face a isto, a Al-Qaeda e as organizações terroristas perderiam vigor. Nada mais enganador.

 

Entretanto, desde o fim do século XX que o fenómeno da globalização, nas suas virtudes e nos seus defeitos, se aprofunda, designadamente criando crescentes clivagens sociais entre as pessoas muito ricas e as pessoas muito pobres no mundo e deixando as classes médias cada vez mais afogadas em dificuldades fiscais. Não obstante, vingou positivamente a revolução digital desde o fim do século XX, que tornou o mundo, cada vez mais, uma verdadeira “aldeia global”, favorecendo o acesso à informação, mas não à sabedoria, de milhões de pessoas em todo o mundo.

 

Em 2010 emergiu um fenómeno virtuoso com a designada “Primavera Árabe”, que acabou por ser um bom prenúncio, mas que tarda em afirmar-se como uma realidade. Em 2013 surgiu um sopro de esperança com a eleição de Francisco como Papa, que com a sua simplicidade franciscana e a sua sabedoria de jesuíta, tem levado a Igreja Católica a modernizar-se de acordo com o espírito do Concílio Vaticano II e a entusiasmar a comunidade católica e muitas populações pacifistas dos nossos dias.

 

Em 2014, com as guerras civis da Síria, da Ucrânia, com a prepotente anexação da Península da Crimeia sob o impulso imperialista de V. Putin e com a criação do Estado Islâmico, na região transfronteiriça da Síria e do Iraque, o mundo parece deixar-se tolher pelas dinâmicas nefastas das forças inversas da bondade.

 

No ano de 2015, a Europa foi acordada por uma violenta crise humanitária de refugiados, que acorreram à Europa em busca de asilo ou de melhores condições de vida. No entanto, este ano, referido, terminou com alguns fumos brancos de esperança nas conclusões da cimeira mundial do ambiente, realizada em Paris, não sem que antes a cidade Luz tenha acordado em 13 de novembro com um lastimável ato terrorista.

 

O presente ano, de 2016, foi marcado pelo trágico sismo que abalou a Itália, mas presentemente a comunidade internacional está a ser bafejada pela expetativa de António Guterres, político, diplomata e humanista cristão português, de alma lusófona, poder vir a ser eleito Secretário-Geral das Nações Unidas e vir a tentar reformar os meios humanitários desta benemérita instituição supranacional, em busca de um mundo melhor, numa utopia indispensável nos dias que correm, sempre velozes, na senda das Comemorações dos 500 anos do lançamento da obra Utopia de Thomas  More.

 

Sabendo o condicionalismo desta leitura, de sociologia histórica dos nossos dias, fortemente influenciada pelos meios de comunicação social, para os quais é notícia “o homem que mordeu o cão”, fui levado pela minha intuição histórica a testemunhar a veemência das linhas de força negativas que estão a comandar as dinâmicas sociais mundiais dos primeiros anos do século XXI.

 

Não obstante, há bons sinais de esperança, mas para isso é preciso que homens e líderes se deixem guiar, q.b., por um pragmatismo temperado por alguns ideais utópicos. Em suma, como dizia o pensador francês Paul Ricouer, sem uma Humanidade que saiba cozinhar a ideologia, em voga, com ideais utópicos não se alcançarão os progressos desejáveis do nosso evoluir histórico coletivo como Humanidade.

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

A TURQUIA DO PASSADO AO PRESENTE (1919-2016), A UNIÃO EUROPEIA E A PENA DE MORTE

 

Portugal, um dos países introdutores da abolição da pena de morte em 1867, como o reconheceu com júbilo o escritor Vítor Hugo, vê nestes dias a Turquia afastar-se dos parâmetros civilizacionais europeus. Apareceu a notícia do afastamento de 15 mil funcionários do Ministério da Educação, depois de milhares de militares e de magistrados terem recebido o mesmo tratamento.

 

A independência democrática dos poderes parece ser um pressuposto inexistente no regime político em formação na Turquia, sob a liderança do Presidente Erdogan.

 

O Ocidente está confrontado com um membro da NATO, que tem um papel relevante na dramática questão dos refugiados e na difícil problemática que confina com as suas fronteiras, mas que se aproxima dos paradigmas autoritários, não obstante desconhecermos se a democracia turca aguenta as divisões internas e as pressões externas, que a caraterizam, em particular, neste contexto atual. A entrada da Turquia na UE parece ficar adiada por uns bons anos, face ao quadro geopolítico presente, embora a própria UE precise de se repensar nos seus objetivos estratégicos.

 

Relembrando um pouco a história deste país, temos de compreender que a guerra de independência turca começou com a criação, em 1919, do movimento nacional turco, após a ocupação do território pelos Aliados no espaço do antigo Império Otomano.

 

A seguir à guerra com os Arménios, com os Gregos e com as tropas Aliadas ocupantes, foi assinado o armistício em 1922 e depois assinado, na Suiça, o Tratado de Lausana que reconheceu o poder dos nacionalistas liderados por Mustafa Kemal Ataturk e de outros jovens oficiais turcos e, concomitantemente, foram reconhecidas as fronteiras da Turquia. Houve, neste período, trocas populacionais angustiantes entre cristãos da Turquia e muçulmanos da Grécia. Na década de 20, a Turquia transformou-se num regime Republicano, com a expulsão da família real otomana e a abolição do califado.

 

Kemal Ataturk tornou-se o primeiro presidente da República Turca e fez reformas laicistas conhecidas por “kemalistas”. Sucedeu no país uma clara ocidentalização pois os códigos civil e penal inspiraram-se, respetivamente, no suiço e no italiano e a educação passou para as mãos do Estado.

 

A Turquia manteve uma posição de neutralidade na 2ª guerra mundial, mas juntou-se aos Aliados, no último ano do conflito, e tornou-se logo membro da ONU. No fim da década de 40, foi notória a influência dos EUA, no início da guerra fria, com um avultado apoio militar e económico, de forma a fazer face à expansão comunista mundial. Neste âmbito, a Turquia adere à aliança militar da NATO em 1952. Em 1974 invade Chipre e proclama a República Turca de Chipre do Norte.

 

Até 1945 a República Turca manteve-se sob o controlo de um só partido, mas a passagem para uma democracia pluralista foi bastante turbulenta na 2ª metade do século XX, com a irrupção de vários golpes de estado militares (1960, 1971, 1980 e 1997) e a emergência de governos autoritários.

 

O penúltimo golpe militar da Turquia de 1997, que afastou Erdogan de Perfeito de Istambul, visou assegurar o secularismo de Estado, de acordo com a tradição fundadora do regime Republicano, uma vez que emergiam partidos maioritários com tendências islâmicas.

 

A aproximação da Turquia da Europa iniciou-se com o seu primeiro pedido de adesão à CEE, em 1959, tendo-se tornado membro associado em 1963, mas só em 2005 começaram as negociações formais para a sua integração na UE. Em 2010, através de um referendo, decidiu-se aproximar os parâmetros constitucionais turcos dos modelos constitucionais ocidentais.

 

Com a tendência antilaicista a ganhar terreno e com o Presidente Recep Erdogan, desencadeou-se um novo golpe de estado militar, a 15 de julho de 2016. Pelo apoio popular, Erdogan fez fracassar, apesar de mais de duas centenas de mortos, o golpe de estado militar e logo iniciou um contragolpe com “a purga” de militares, de juízes, de professores, com uma declaração de estado de emergência e com a possibilidade equacionada de se reinstaurar a pena de morte.

 

Um dos problemas turcos mais permanentes deriva da minoria curda, que suscita um forte sentimento nacionalista, o qual tem potenciado muitos conflitos internos no país, em particular nos momentos em que as tendências secularistas ganham importância. Falta conhecer melhor o conjunto das motivações políticas que estiveram por detrás deste último golpe de estado de 15 de julho de 2016, uma vez que, tradicionalmente, os golpes militares estiveram associados ao “kemalismo”, ou seja, ao secularismo, apesar do politólogo Nuno Rogeiro negar esta hipótese.

 

A luta armada do PKK, da minoria curda marxista, tem levado a uma confllitualidade interna na Turquia, que tem suscitado atentados terroristas e uma actuação militar repressiva atentatória dos direitos humanos.

 

A localização geográfica da Turquia tem-lhe dado um papel geoestratégico decisivo nas relações internacionais, em particular na atualidade devido ao drama da migração de refugiados. O atual contragolpe do Presidente Erdogan contra os seus opositores, com a instauração de medidas excecionais de repressão de adversários, configura um retrocesso na República Constitucional Democrática e Secular que tem mantido relações estreitas com o Ocidente através da presença no Conselho da Europa, na NATO, na OCDE, na OSCE e no G20.

 

Todavia, as tendências políticas do Presidente Erdogan e os movimentos sociais que o apoiam afastam a Turquia, cada vez mais, da sua vontade de aderir à UE, dado que os países europeus criticam os mecanismos repressivos que voltam a reemergir.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

LINHAS DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA HUMANIDADE – A DIALÉCTICA ENTRE A TÉCNICA E O PENSAMENTO – ENSAIO DE FILOSOFIA DA HISTÓRIA

 
 

Se compararmos o estado humano da Pré-História com o dos nossos dias verificamos que, no longo percurso civilizacional de milhares de anos, evoluímos de um tempo em que havia uma primazia da técnica a uma nova era, a nossa, em que a supremacia da técnica tem levado as sociedades pseudo-desenvolvidas a desprezar o pensamento.

 

 

Na verdade, na Pré-História prevaleciam as técnicas de sobrevivência (o fabrico de instrumentos, o domínio do fogo e os ritos mágicos), que todas concorriam para a sobrevivência do Homem no meio da temível natureza.

 

O florir do pensamento (filosófico, matemático, político, dramatúrgico, artístico e poético) emerge na Civilização Grega que, por isso, se tornará clássica. O teatro, como palco para as reflexões do quotidiano, e o amor da sabedoria, pela interrogação, abriram a porta ao pensamento elaborado, que colocou o Homem perante as grandes questões vivenciais. Os romanos mais dados à aventura e à cobiça imperial basearam-se no legado grego do pensamento e filiaram-se num pensamento pragmático, dando azo às grandes obras de engenharia, de planeamento urbanístico e de organização jurídica da sociedade, com a invenção do Direito.

 

No ruir do império romano a Europa enfrenta um período de grande instabilidade de que a Igreja Católica se torna o refúgio e o alfobre do pensamento com grandes Doutores da Igreja como Pedro Abelardo, São Tomás de Aquino ou Santo António de Lisboa, com o método escolástico a fazer a ponte entre o pensamento racional e a fé cristã e os monges copistas a salvaguardarem o património bibliográfico da Antiguidade Clássica. Depois deste tempo denominado erradamente, por estudiosos laicos, de Idade das Trevas emergem dois movimentos na Idade Moderna que fazem florescer de novo o pensamento.

 

Em primeiro lugar, o Renascimento, nos séculos XV e XVI, como tendência cultural para a redescoberta pública dos valores clássicos do Humanismo Greco-Romano, que permitiu fazer florescer o espírito crítico de autores que denunciaram os erros dos antigos e dos contemporâneos, com a concomitante experiência marítima das Descobertas portuguesas, fazendo também emergir uma renovada Igreja Cristã através das reflexões críticas, sobretudo, de Erasmo de Roterdão e de Martinho Lutero, não obstante a nova cisão criada no seio do Cristianismo.

 

Em segundo lugar, o Iluminismo, no século XVIII, como um movimento de ideias que tentou libertar a Europa de alguns preconceitos sociais e políticos, acabando por permitir a eclosão das Revoluções Liberais que transformaram as sociedades do mundo contemporâneo. Este tempo deu forma à consubstanciação do espírito de dignificação do ser humano na sua liberdade e nos seus direitos, inspirando a posteriori a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948.

 

Contudo, apesar da constante consolidação das dinâmicas do pensamento, a Revolução Industrial, iniciada em Inglaterra no século XVIII, a par dos avanços técnico-científicos conduziram a uma mentalidade excessivamente crente nos progressos ilimitados da ciência que relegaram as crenças religiosas e os conhecimentos filosóficos para segundo plano, deixando nas “ruas da amargura” crenças religiosas e as reflexões humanistas, o que deu azo a uma profunda crise de valores éticos e espirituais e a uma importância desmedida colocada nos mecanismos técnicos.

 

Aliás, as duas guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945) foram o fruto podre de uma dinâmica histórica comandada pelo desenvolvimento técnico e pela cobiça humana. Este colossal erro da caminhada da Humanidade irá reflectir-se na perniciosa invenção das bombas atómicas que resultam de uma degenerescência da consciência humanista, pois estas novas armas de destruição maciça têm colocado a paz internacional do mundo desde o segundo pós-guerra em constantes sobressaltos.

 

É, assim, compreensível que este descaminho da Humanidade tenha resultado num sistema tecnocrático, que se tornou num despótico sistema de vida, no início do século XXI que foi o ponto culminante resultante da preponderância da ideologia neoliberal, desde os anos 80 do século XX, tendo este sistema uniformizador relegado o plural pensamento humanista e as ciências sociais para um papel secundário nas sociedades pseudo-desenvolvidas.

 

Na verdade, a erupção das crises, já latentes no caldo estrutural da evolução histórica,  (ética, com a corrupção a minar as sociedades desenvolvidas; económico-financeira, com a repetição do erro crasso do Capitalismo Financeiro de 1929 em 2007/2008; política, com o afastamento dos cidadãos em relação à política num tempo em que os estadistas surgem manietados ao poder económico) foram fruto de uma globalização pouco meditada e da ingénua crença no poder da técnica, que apela na atualidade ao desafio do pensamento humanista e à necessidade de o represtigiar.

 

Em suma, esta evolução histórica da Humanidade que do primado da técnica na Pré-História nos levou ao primado da técnica no início do terceiro milénio resulta de um inequívoco retrocesso civilizacional, uma vez que o pensamento humanista que poderá dar dignidade ao ser humano foi menorizado, colocando em risco a necessidade de um pensamento global que saiba meditar nos processos e nos efeitos de uma globalização erguida por técnicos que carece urgentemente de pensadores, que sejam respeitados e valorizados socialmente.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

PAPA PAULO VI (1963-1978) - O SEU PAPEL DE MODERADOR INTERNACIONAL E NA RENOVAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA

 

 

 

PAPA PAULO VI NO SANTUÁRIO DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA (1967)

« ORAÇÃO A CRISTO »

“Ó Cristo, nosso único medianeiro.

Tu és necessário: para entrarmos em comunhão com Deus Pai; para nos tornarmos conTigo, que és Filho único e Senhor nosso, seus filhos adoptivos; para sermos regenerados no Espírito Santo.

Tu és necessário, ó único verdadeiro mestre das verdades ocultas e indispensáveis da vida, para conhecermos o nosso ser e o nosso destino, o caminho para o conseguirmos.

Tu és necessário, ó Redentor nosso, para descobrirmos a nossa miséria e para a curarmos; para termos o conceito do bem e do mal e a esperança da santidade; para deplorarmos os nossos pecados e para obtermos o seu perdão.

Tu és necessário, ó irmão primogénito do género humano, para encontrarmos as razões verdadeiras da fraternidade entre os homens, os fundamentos da justiça, os tesouros da caridade, o sumo bem da paz.

Tu és necessário, ó grande paciente das nossas dores, para conhecermos o sentido do sofrimento e para lhe darmos um valor de expiação e de redenção.

Tu és necessário, ó vencedor da morte, para nos libertarmos do desespero e da negação e para termos certezas que nunca desiludem.

Tu és necessário, ó Cristo, ó Senhor, ó Deus connosco, para aprendermos o amor verdadeiro e para caminharmos na alegria e na força da tua caridade, ao longo do caminho da nossa vida fatigosa, até ao encontro definitivo conTigo amado, esperado, bendito nos séculos.”

                                                                                                                                                                    Papa Paulo VI, Oração a Cristo

 

O Papa Paulo VI (1897-1978) foi um sacerdote italiano que subiu ao topo da hierarquia da Igreja Católica a 21 de junho de 1963, sucedendo ao Papa João XXIII na missão de concluir os trabalhos do Concílio Vaticano II.

 

Foi um membro ativo da administração do Estado do Vaticano e, apenas, foi chamado para uma missão pastoral em 1954 quando foi nomedado Arcebispo da Arquidiocese de Milão. A escolha do nome de Paulo para o seu pontificado é indicativa da sua vontade de levar a mensagem de Cristo para fora da esfera das regiões fortemente cristianizadas.

 

Afirmou-se como devoto mariano e a esse título visitou o Santuário de Nossa Senhora de Fátima a 13 de maio de 1967, no cinquentenário das Aparições. Nos anos do seu pontificado, o mundo assistiu ao fim do processo descolonizador e ao início das perversas teias do neocolonialismo, o que o fez criticar a atitude das potências industrializadoras face à indigência dos países pobres, ditos, na altura, países do Terceiro Mundo.

 

O seu magistério passou por duas importantes encíclicas (Humanae Vitae e Popularum Progressio) em que defendeu os malefícios da regulação da natalidade por métodos artificiais e a necessidade da política, no contexto da guerra fria, procurar ser equidistante das doutrinas socialista e capitalista que estavam a minar o mundo com o rastilho de ódios, tensões e conflitos internos e externos.

 

Tornou-se sacerdote em 1920 e prosseguiu os seus estudos eclesiásticos em Universidades romanas. Após uma talentosa carreira administrativa no Estado do Vaticano foi chamado pelo Papa Pio XII para o cargo de Arcebispo de Milão e, em 1958, foi elevado à dignidade de cardeal.

 

Em função da morte do Papa João XXIII foi eleito Papa em junho de 1963, tendo sido pioneiro nas viagens aéreas pontíficias ao compreender a importância da unidade espiritual da Humanidade para a paz mundial, pelo que ficou conhecido como o “Papa peregrino”, tal como, mais tarde, o Papa João Paulo II. Daí que, a 4 de outubro de 1965, se tenha dirigido à Assembleia Geral das Nações Unidas por, na sequência das conclusões conciliares do Vaticano II, ter percebido a relevância das questões internacionais para a reevangelização do mundo.

 

Nos vigésimo aniversário da ONU dirigiu-se a esta instituição internacional congratulando-se com os esforços envidados para garantir a paz no mundo e tentar travar as ameaças frequentes de guerra. Foi, também, um implementador do princípio do ecumenismo ao encontrar-se com dirigentes da Igreja Anglicana e das Igrejas Ortodoxas orientais.

 

O Papa Paulo VI liderou a Igreja Católica num mundo em mudança de paradigma dos valores sociais e presidiu à revisão da liturgia Católica procedente do Concílio Vaticano II. O reconhecimento do mérito do seu pontificado está na sua beatificação que se iniciou em 1993 e terminou em outubro de 2014 com o Papa Francisco.

 

Na Encíclica Popularum Progressio escrita em 1967 por Paulo VI em plena expansão do capitalismo, no contexto da guerra fria, critica o liberalismo por ser insuficiente nas relações internacionais de comércio, sendo gerador de gritantes injustiças sociais a que Ciências Sociais deram o nome de “neocolonialismo”.

 

Para Paulo VI a liberdade económica, que começava a ser erguida como panaceia para o desenvolvimento dos povos, na sua acepção da Doutrina Social da Igreja, era claramente insuficiente para o desenvolvimento integral da pessoa humana e dos povos[i].

 

Com grande acutilância de entendimento do que veio a ser a conjuntura das relações internacionais na transição do milénio, considerava que o comércio internacional devia ser regulado pela Ética. Na verdade, percebeu, avant la lettre, alguns dos malefícios decorrentes de um mundo a caminho da consumada globalização quando reconheceu que muitos dos jovens que saíam para o estrangeiro, dos seus países menos desenvolvidos, perdiam os valores espirituais das suas pátrias.

 

Deste pertinente ponto de vista, o diálogo de Civilizações não podia cingir-se às trocas comerciais e tecnológicas, porque se pretende um desenvolvimento integral do ser humano, integrador das esferas espirituais e morais e não unicamente económicas.  

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

[i] “Populorum Progressio – Carta Encíclica de Sua Santidade o Papa Paulo VI”, in Desenvolvimento e Solidariedade – Popularum Progressio, vinte anos depois, Lisboa, Rei dos Livros Editores, 1987, pp. 83-105.

 

 

 

SÓFOCLES (496-406 a.C.) UM AUTOR CLÁSSICO DA LITERATURA UNIVERSAL

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Sófocles viveu no século V a. C., entre 496 e 406, tendo sido um dos grandes poetas trágicos da Grécia Antiga, mas desempenhou também importantes papéis na sociedade ateniense como sacerdote, administrador público e militar. Assim, elevou-se ao estrelato como dramaturgo, contemporâneo de grandes figuras da História Universal como o filósofo Sócrates, o escultor Fídias ou o político Péricles.

 

Nascido de uma família aristocrática, na povoação de Colono, em que seu pai se destacava como um rico mercador, recebeu uma cuidada educação que lhe permitiu desenvolver dotes culturais e cívicos. Desde cedo, começou a manifestar os seus inegáveis talentos e, aos dezasseis anos, foi escolhido para reger um canto triunfal, de natureza religiosa, para comemorar uma vitória marítima dos gregos sobre os persas.

 

No seu tempo teve enorme popularidade, devido à bondade patenteada e ao grande respeito que todos lhe nutriam. De facto, contribuiu para o seu prestígio a circunstância de ter recebido mais de duas dezenas de primeiros prémios em concursos dramáticos realizados em festividades religiosas em honra de deuses, designadamente de Dionísio, suplantando os seus rivais – Ésquilo e Eurípides.

 

Foi, assim, um autor prolixo pois produziu cerca de 100 peças de teatro trágico, embora apenas tenham sobrevivido integralmente, até à atualidade, sete peças: Ajax; Antígona; As Traquinianas; Édipo Rei; Electra; Filocteto e Édipo em Colono.

 

Além de dramaturgo teve uma intervenção cívica de enorme relevo, tendo sido ordenado sacerdote do deus da medicina (Asclépio), administrador num cargo da pólis ateniense como membro da Junta de Generais, tesoureiro da Confederação de Delos, estratego e general numa campanha militar contra a ilha de Samos. Para este cargo, contam os seus contemporâneos, terá sido eleito depois de produzir a peça Antígona cerca do ano 441 a. C..

 

Morreu com a provecta idade de noventa anos, tendo deixado um rico legado cultural que influenciou o mundo helénico e a civilização ocidental.

 

Na verdade, este autor tratou, nas suas peças trágicas, os protagonistas com idealismo moral, embora lhes tenha feito acarretar sofrimentos. Deste modo, apesar das adversidades, os protagonistas manifestavam-se pejados de nobreza nas suas atitudes, pelo que continuam a constituir exemplos vivos e edificantes para a Humanidade.

 

O seu grande legado dramatúrgico foi fruto do contributo inestimável ao enriquecer a estrutura da tragédia grega, servindo-se de cenários e aliando a religião tradicional a uma moral de responsabilidade individual.

 

Em suma, as suas peças tornaram-se obras-primas, que perduram até à atualidade em edições literárias e em representações teatrais, dado que concederam um papel de relevo aos diálogos, fazendo sobressair na dimensão trágica dos atos representados uma linguagem lírica eivada de imagens paradigmáticas. Deste modo, conseguiu exaltar, na sua obra dramatúrgica, a beleza do modelo cívico-político ateniense, pois retratou em algumas peças situações dilemáticas passadas em outras cidades-estado.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

A I GUERRA MUNDIAL NA IMPRENSA PORTUGUESA - CENTENÁRIO DA GRANDE GUERRA

 

Os jornais diários, como é seu timbre, fizeram um acompanhamento constante desta magna guerra conhecida como Grande Guerra e depois baptizada pelos historiadores como I Guerra Mundial. Na ausência de outros meios de comunicação social, que cobrissem estes acontecimentos cruciais, a imprensa revelava, então, um papel fundamental na influência da opinião pública.

 

A intervenção de Portugal na Grande Guerra foi alvo de uma acesa polémica política, pois já em julho de 1914 começaram os primeiros conflitos militares entre as tropas portuguesas e alemãs a norte de Moçambique, o que se reflectiu naturalmente na imprensa do país.

 

Espelho das divergências relativas à intervenção portuguesa no conflito mundial foi o fosso que se abriu entre os apoiantes, da posição favorável à entrada na guerra, que se encontravam sobretudo no Partido Democrático e no Partido Evolucionista e que contava com o apoio político de figuras proeminentes como Afonso Costa, João Chagas, José Norton de Matos e Bernardim Machado e do outro lado estavam outras forças partidárias e figuras prestigiadas favoráveis à posição de neutralidade como o general e ministro Alfredo Freire de Andrade, Sidónio Pais e Manuel de Brito Camacho. Na verdade, após alguma polémica, a 23 de novembro de 1914, o Congresso da República autoriza Portugal a intervir ao lado dos Aliados.

 

Algumas correntes, políticas, antagonistas das decisões republicanas ou do Partido Democrático como o Partido Unionista, os socialistas, os monárquicos e os católicos sustentaram uma posição de neutralidade.

 

No momento da entrada de Portugal na Guerra constituiu-se um movimento de apoio à beligerância portuguesa que ficou conhecido como União Sagrada que reunia o Partido Democrático, o Evolucionista, o Unionista e o Socialista. No entanto, com os desaires militares no decorrer de 1917 e até ao verão de 1918 os Unionistas e os Monárquicos sustiveram uma posição de abandono de Portugal da Guerra como o fez a Rússia.

 

As posições da imprensa portuguesa foram maioritariamente favoráveis à participação de Portugal na “conflagração internacional”, como na altura os periódicos lhe chamavam. A imprensa republicana, de forte implantação urbana, defendeu na sua maioria a tese intervencionista, enquanto a imprensa monárquica com redutos sobretudo nas províncias susteve a tese de neutralidade. No entanto, não nos esqueçamos que a censura de guerra impediu uma completa liberdade de imprensa, sobretudo nos momentos difíceis da participação portuguesa nos palcos de guerra, entre 1917 e 1918.

 

A linha editorial da revista Ilustração Portuguesa era claramente a favor da entrada de Portugal na Guerra ao lado dos Aliados, tanto mais que a Alemanha já tinha invadido partes fronteiriças das colónias portuguesas de Angola e de Moçambique.

 

A 6 de agosto de 1914 O Século dando conta da entrada da Inglaterra na guerra afirmou que Portugal, dada a sua aliança diplomática multissecular, não se poderia manter neutral e deveria auxiliar esta potência, uma vez que a Inglaterra tinha um potencial geoestratégico muito importante para a salvaguarda dos interesses coloniais portugueses. A tese intervencionista é, também, sustentada na defesa do ideal da liberdade dos povos protagonizada pelos Aliados, numa posição assumida pelo Congresso da República.

 

Em 1917 foi publicada em Paris, durante vários meses, uma revista intitulada Portugal na Guerra, que foi dirigida por Augusto Pina. Esta publicação, quinzenal ilustrada, é uma fonte inesgotável para compreender algumas dificuldades atravessadas pelas tropas portuguesas na Flandres, pois mostra os momentos mais importantes do conflito, bem como o envolvimento dos contingentes portugueses nas operações militares dos Aliados.

 

O jornal republicano A Capital afirmou, no início da Guerra, o dever de Portugal intervir ao lado dos Aliados e, em particular, da Inglaterra devido aos compromissos diplomáticos e à necessidade de pugnar pela causa da liberdade. Faz-se, concomitantemente, uma crítica aberta das posições favoráveis à neutralidade que são sustentadas por alguns setores da sociedade portuguesa.

 

Os monárquicos sustentaram a neutralidade na Guerra, talvez por essa ser uma decisão essencialmente republicana que geraria muitos sofrimentos e inegáveis dispêndios financeiros. O jornal “A Monarchia” é boa testemunha deste posicionamento. O jornal “A Lucta” dirigido por Manuel Brito Camacho, órgão do partido Unionista, defendeu também a posição de neutralidade.

 

De seguida, apresento algumas gravações, designadamente de uma tertúlia em que tive o prazer de participar intitulada Portugal na Grande Guerra realizada na Biblioteca Municipal de Sesimbra no dia 21 de junho de 2014.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

EVOCAÇÃO DO CENTENÁRIO DA I GUERRA MUNDIAL (1914-1918 / 2014-2018)

 

A 8 de abril de 2014 foi assinado um protocolo de colaboração entre o Ministério da Defesa Nacional e o Ministério da Educação e Ciência para potenciar uma programação alargada de evocações do Centenário da 1ª Guerra Mundial no quadriénio de 2014-2018, no sentido de mobilizar parcerias entre as entidades militares e as escolas portuguesas.

 

Ao Centenário evocativo deste magno acontecimento da História Universal terei o prazer de me juntar com a participação numa tertúlia, subordinada a este tema, que se realizará a 21 de junho de 2014, sábado às 15 horas, na Biblioteca Municipal de Sesimbra. Procurarei levantar algumas pistas compreensivas sobre o impacto na mentalidade que este acontecimento teve em Portugal na época, mas sem querer desvendar muito mais lanço-vos, desde já, o desafio para participarem neste encontro de reflexão histórica.

 

 

A I Guerra Mundial teve como motivos principais as políticas expansionistas das grandes potências geopolíticas, a constituição de duas alianças político-militares antagonistas (a Tripla Aliança e a Tríplice Entente), a rivalidade naval e imperial entre a Inglaterra e a Alemanha e, finalmente, como fator imediato o assassinato do herdeiro do Império Austro-húngaro, Francisco Fernando, perpetrado em Sarajevo por um nacionalista sérvio, preparado pela Sociedade Secreta Mão Negra, a 28 de junho de 1914. 

 

Este conflito bélico (1914-1918) viu as Potências Centrais baquearem perante as forças Aliadas, porque a Itália e a Roménia desertaram, respectivamente em 1915 e em 1916, sendo que os EUA entraram na Guerra, ao lado das potências Aliadas, em 1917. Num breve balanço, militar, verifica-se que as Potências Centrais se revelaram numericamente inferiores em tropas, mas superiores em programas de armamento. Contudo, as forças geoestratégicas penderam para as potências Aliadas pelos motivos elencados[1].

 

A intervenção de Portugal na Grande Guerra foi alvo de uma acesa polémica política, pois já em julho de 1914 começaram os primeiros conflitos militares entre as tropas portuguesas e alemãs a norte de Moçambique.

 

Espelho das divergências relativas à intervenção portuguesa no conflito mundial foi o fosso que se abriu entre os apoiantes, da posição favorável à entrada na guerra, que se encontravam sobretudo no Partido Democrático e que contava com o apoio político de figuras proeminentes como Afonso Costa, João Chagas, José Norton de Matos e Bernardim Machado e do outro lado estavam outras forças partidárias e figuras prestigiadas favoráveis à posição de neutralidade como o general e ministro Alfredo Freire de Andrade e Sidónio Pais. Na verdade, após alguma polémica, meses mais tarde, a 23 de novembro deste ano, o Congresso da República autoriza Portugal a intervir ao lado dos Aliados.

 

Todavia, só no início de 1916 Portugal entra na guerra devido à continuação dos combates com as forças alemãs em Angola e em Moçambique, ao receio da partilha das colónias portuguesas entre as potências imperialistas em caso de neutralidade, à necessidade de credibilizar o novo regime político no plano internacional, à aliança luso-britânica que levou a Inglaterra a solicitar a apreensão de navios alemães fundeados no rio Tejo para serem postos ao serviço dos Aliados.

 

A satisfação deste pedido desencadeou a declaração de guerra da Alemanha a Portugal a 9 de março, o que conduziu à formação de um Governo chamado de União Sagrada destinado a preparar os contingentes militares portugueses para a entrada na Grande Guerra.

 

Entretanto, o Ministro da Guerra José Norton de Matos e o general Tamagnini de Abreu procederam à organização de uma força de combate de trinta mil homens que ficou conhecida como Corpo Expedicionário Português, não obstante a sociedade portuguesa tenha permanecido dividida entre os intervencionistas e os refractários ao recrutamento militar.

 

Jaime Cortesão, deputado do Partido Democrático, alistou-se com entusiasmo e denodado sentido patriótico, sendo que na Tertúlia da Biblioteca Municipal de Sesimbra ouviremos o escritor Pedro Martins a falar-nos da experiência militar desta carismática figura do século XX português[2].

 

A guerra teve como momentos mais dramáticos os combates nas trincheiras, vivenciados em condições médico-sanitárias deploráveis, designadamente na Batalha de Verdun, em 1916, em que perderam a vida mais de meio milhão de soldados franceses e alemães. Também os contingentes militares portugueses sofreram pesadas baixas com milhares de mortos e feridos na batalha de La Lys a 9 de março de 1918.

 

Este ciclópico e catastrófico conflito militar teve como desfecho a derrota da Alemanha com a assinatura do Armistício a 11 de novembro de 1918. Assim, este facto gerou o desmembramento territorial das Potências Centrais e as duras imposições do Tratado de Versalhes à Alemanha de desarmamento, de separação de comunidades alemãs da sua antiga pátria e de pesadas sanções pecuniárias e territoriais, que estiveram na origem da revolta nacionalista alemã impeditiva de uma paz duradoura ansiada por Woodrow Wilson e meditada por Immanuel Kant.

 

Em suma, esperamos que estas evocações históricas e pedagógicas do Centenário da Grande Guerra que vão decorrer, em Portugal e um pouco por toda a Europa nestes próximos tempos, sensibilizem as populações e os seus líderes dos riscos dos antagonismos nacionalistas que ainda estão enraizados em algumas potências regionais neste momento de ponderosa crise europeia, na segunda década do século XXI.  

 


[1] “Guerras mundiais e ideologias – A Europa e os EUA entre 1914 e 1945”, in História Universal, vol. 2, Revisão técnica Jorge Borges de Macedo, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 368-372.

[2] Fernando Pereira Marques, “Intervenção portuguesa na grande guerra”, in  Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, pp. 346-347.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

A FÉ E A CIÊNCIA – LINGUAGENS ANTAGÓNICAS OU COMPLEMENTARES? – UMA ABORDAGEM DO PASSADO AO PRESENTE

 

No Diário de Notícias, no início do século XXI, Eduardo Prado Coelho, intelectual ateu, e D. José Policarpo, patriarca de Lisboa, deram corpo e espírito a um diálogo aceso em torno dos temas da Fé nos dias de hoje, que acabou por se transformar num livro[1] que reuniu as cartas que os dois trocaram publicamente.

 

Num mundo em que a Ciência está em crise no seu paradigma de um conhecimento sistémico da realidade, uma vez que o “neopositivismo” nos revelou uma imensa fragilidade científica face à complexidade do mundo e do cosmo. Nesta medida, podemos compreender a abertura do genial cientista Albert Einstein ao transcendente, porque acreditou que todos os cientistas têm de perceber que só Deus, ou o Absoluto na linguagem Hegeliana, poderá ter criado a ordem do nosso universo.

 

Se os pensadores do Iluminismo contribuíram no Ocidente, desde o século XVIII, para o desgaste das crenças religiosas e cristãs, a verdade é que, desde a Pré-História, o Homem sentiu necessidade de criar uma linguagem religiosa, porque as condições básicas da sobrevivência eram-lhe claramente insuficientes, ou como nos diz a Sagrada Escritura na popular expressão: “nem só de pão vive o Homem”.

 

Terá sido Galileu Galilei, no século XVII, um dos primeiros a compreender que seria possível interpretar a Bíblia à luz dos novos conhecimentos científicos.

 

No início do século XX, a Ciência enfrentou uma crise de confiança ao perceber que a simples racionalidade era insuficiente para explicar a totalidade do homem e do universo, daí a valorização consequente de outros códigos de comunicação e de interpretação como as intuições, os impulsos e as emoções, ao ponto de, no final do século XX, ter surgido o conceito de “inteligência emocional” com Daniel Goleman e António Damásio.

 

Hoje em dia, mais do que nunca, é necessária uma frutuosa colaboração entre a Ciência e a Fé para fazer os homens apropriarem-se das suas múltiplas dimensões de sabedoria que implicam a revalorização das Humanidades, porquanto o actual Homem, “economicus” ou “pragmático”, em que se alicerça a Globalização, tem um espírito infinitamente estreito.

 

Por outras palavras, tanto a Fé deve estar atenta aos progressos científicos como a Ciência deve estar aberta aos postulados da Fé para que não exista uma cisão artificial dos diferentes conhecimentos.

 

No contexto da Revolução Científica do século XVII, não obstante a condenação de Galileu pelo Tribunal da Inquisição houve membros eclesiásticos que não o criticaram liminarmente pela sua teoria heliocêntrica. Houve, mesmo, o cardeal Roberto Belarmino que, em 1615, aceitou reinterpretar teologicamente a Bíblia à luz da teoria heliocêntrica desde que Galileu provasse com factos indesmentíveis a sua teoria. É inevitável que a polémica em torno do caso de Galileu contribuiu para o afastamento da Ciência e da Fé na Modernidade e na Contemporaneidade (do século XVII ao XX).

 

Foi, de facto, o paradigma racionalista do Iluminismo que serviu para alimentar, preconceituosamente, a incompatibilidade entre a Ciência e a Fé, designadamente através da corrosiva sátira de Voltaire, mas hoje esse paradigma ideológico está claramente ultrapassado.

 

Por conseguinte, a História evidencia-nos que os cientistas, desde Galileu a Einstein, não se sentiram inibidos pelas suas crenças ou pela manifestação explícita de Fé.

 

O filme “Contacto”, de 1997, baseado num livro de Carl Sagan, cientista e filósofo, e dirigido por Robert Zemeckis aborda a problemática das divergências de mentalidade entre a Fé e a Ciência e a protagonista, interpretada por Jodie Foster, após um enorme vazio existencial compensado pela sua obsessão científica encontra resposta para a sua busca incessante por algo transcendente.

 

Em suma, a complexidade da realidade humana e cósmica exige um saber complementar entre vários modelos interpretativos que saibam manter um diálogo ativo entre a Ciência e a Fé na senda do espírito do Concílio Vaticano II. É, pois, possível e desejável fazer dialogar estas duas formas de conhecimento e de comunicação como pretendeu o Papa João Paulo II[2], porque os modos plurais de interpretar a realidade não implicam uma incompatibilidade orgânica de formulação de novas sínteses.

  


[1] José Policarpo e Eduardo Prado Coelho, Diálogos sobre a fé, Lisboa, Editorial Notícias , 2004.

[2] Alfredo Dinis, “Galileu revisitado”, in Brotéria – Cristianismo e Cultura, Braga, Editora Brotéria – Associação Cultural e Científica, vol. 177, outubro de 2013, pp. 295-305.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

100.000 ACESSOS NO BLOGUE “CRÓNICAS DO PROFESSOR NUNO SOTTO MAYOR FERRÃO”

 

Congratulo-me com os 100.000 acessos contabilizados pelo contador Sitemeter, desde 12 de fevereiro de 2010, deste blogue cultural e de cidadania, que pretende disponibilizar conteúdos de investigação e de reflexão com um espírito de liberdade e de intensa curiosidade cultural, imbuído de um humanismo construtivo, que o apoio continuado de amigos e cidadãos tem permitido alimentar de uma inspiração criadora.

 

Contam-se, também, já 200 post’s editados desde 23 de julho de 2009 com diversos temas abordados: História, Literatura, Música, Arte, Globalização, Crise de Valores, Crise Europeia, Cidadania, Política, Religião, Educação, Personalidades, etc. Deste modo, este blogue não seria possível sem o apoio permanente de muitos familiares e amigos que me têm encorajado nesta ciclópica missão de consciencialização dos leitores para problemáticas inéditas ou de candente atualidade.  

 

Desde essa data que se contabilizam 2270 entradas mensais, embora tenham aumentado nos últimos tempos, pois contam-se atualmente cerca de 3400 acessos mensais no decurso deste ano de 2012/2013, embora se mantenham, naturalmente, variações sazonais. Tem mais de 300 comentários, evidenciando, assim, saudável interactividade. A média diária neste último mês (setembro/outubro) oscilou entre os 61 acessos e os 170, de acordo com as atualizações e com as habituais variações periódicas.

 

É bastante interessante notar que os acessos provêem de diferentes países que, por ordem de frequência, registamos: Portugal, Brasil, Estados Unidos da América, Moçambique, França, Espanha, Angola, Cabo Verde, Kuwait, etc., o que traduz uma certa internacionalização do blogue e manifestamente da cultura portuguesa e lusófona abordada em diversos conteúdos.

 

Espero que estes textos de reflexão e/ou de investigação, as imagens e os vídeos ilustrativos continuem a merecer a vossa melhor atenção e apreço pelos conteúdos tratados e pela criatividade, aqui, imprimida. Tenho procurado, sempre, cuidar da apresentação estética do blogue com um profundo gosto clássico, herdado de uma matriz helénica.


Pensei mudar a configuração visual do blogue, mas como não encontrei um padrão estético que galvanize o meu interesse prefiro, por enquanto, deixá-lo como está, porque como diz o provérbio popular, de grande sabedoria “pior a emenda do que o soneto”, mais vale deixar estar alguma coisa do que mudá-la para pior.    

 

Deixo, aqui, alguns dos últimos “post’s”, deste último ano, mais significativos para que possam ter uma noção da amplitude temática abordada: 

A GESTÃO AUTÁRQUICA E O PAPEL INTELECTUAL E CÍVICO DE ANSELMO BRAAMCAMP FREIRE (1849-1921)

DO INCONSCIENTE HUMANO DE SIGMUND FREUD AO NEOPOSITIVISMO IDEOLÓGICO DA AUSTERIDADE CEGA DA ATUALIDADE – UM BREVE ENSAIO DE FILOSOFIA DA HISTÓRIA

CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE ÁLVARO BARREIRINHAS CUNHAL (1913-2013) – A MUNDIVIDÊNCIA E A “PRÁXIS” MARXISTA NA HISTÓRIA DE PORTUGAL

AS MEMÓRIAS DE GIACOMO CASANOVA – UMA OBRA-PRIMA DA LITERATURA UNIVERSAL PUBLICADA PELA DIVINA COMÉDIA EDITORES (HISTÓRIA DA MINHA VIDA - 2013)

A FUNÇÃO SOCIAL DOS INTELECTUAIS NA ATUALIDADE – ABORDANDO A TESE IDEOLÓGICA DE VASCO GRAÇA MOURA

CALOUSTE GULBENKIAN COMO MECENAS DA CULTURA EM PORTUGAL – 58 ANOS APÓS O SEU DESAPARECIMENTO (1955-2013)

CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE JOÃO VILLARET (1913-2013)

A ÁGUIA (REVISTA 1910-1932) COMO FONTE DE INSPIRAÇÃO DA NOVA ÁGUIA (REVISTA 2008-2013) – Nº 11, 1º SEMESTRE DE 2013

MO YAN, A DIVINA COMÉDIA EDITORES E A CHINA ATUAL

O FRANCISCANISMO E SUA ATUALIDADE NAS PERCEÇÕES CONTEMPORÂNEAS DE JAIME CORTESÃO A JORGE MÁRIO BERGOGLIO (PAPA FRANCISCO)

A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA NO CONTEXTO DOS PARADOXOS DA GLOBALIZAÇÃO ATUAL

FATORES CONTEXTUAIS DO CONCÍLIO VATICANO II (1869-1965) – EVOCAÇÃO DO SEU CINQUENTENÁRIO NO ANO LITÚRGICO DA FÉ

PORTUGAL, PÁTRIA DE POETAS? A MATRIZ IDENTITÁRIA LATINA EM REFLEXÃO

OS ATUAIS IMPASSES DA UNIÃO EUROPEIA E O PRÉMIO NOBEL DA PAZ DE 2012 – TRILHOS DO PASSADO, DO PRESENTE E DO FUTURO EUROPEU

ARTE E "ROMANTISMO" EM VENEZA EM TEMPOS TEMPESTUOSOS - ENLACE ENTRE O PASSADO, O PRESENTE E O FUTURO

HISTÓRIA DO CONCÍLIO VATICANO II – AS DECISÕES ECLESIÁSTICAS DO CATOLICISMO (1962-1965) – EVOCAÇÃO DO SEU CINQUENTENÁRIO

DOMENICO SCARLATTI, UM COMPOSITOR DE UMA INVULGAR CRIATIVIDADE ESTILÍSTICA

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

DO INCONSCIENTE HUMANO DE SIGMUND FREUD AO NEOPOSITIVISMO IDEOLÓGICO DA AUSTERIDADE CEGA DA ATUALIDADE – UM BREVE ENSAIO DE FILOSOFIA DA HISTÓRIA

  

O pensamento Ocidental tem oscilado entre matrizes racionalistas e libertadoras do ser humano desde o século XVIII (Iluminismo, Romantismo, Positivismo, Subjetivismo psicanalítico, Utilitarismo Neo-liberal), no entanto só, talvez, a intervenção da psicologia moderada ao dar azo a uma síntese equilibrada da dualidade humana (corpo/espírito e racionalidade/emoção que se estampou no conceito operacional de inteligência emocional) proporcionou a compreensão da complexidade do Homem que já tinha sido entendida pelos filósofos da Antiguidade Clássica.

 

O primado da doutrina Neo-liberal na História da Humanidade desde os anos 70/80 do século XX foi uma tentativa de imprimir uma racionalidade baseada em interesses materiais às sociedades ocidentais, a tal ponto que nestes países se recorrem a formas de espiritualidade vindas do oriente para as pessoas conseguirem, de novo, novas formas de equilíbrio.

 

O prestigiado economista Amartya Sen, vencedor do Prémio Nobel, chamou a atenção para a importância do Desenvolvimento Humano, que passa pela liberdade de cidadania, evidenciando que o conceito de Desenvolvimento Económico é muito restritivo para a riqueza multidimensional do ser humano, como o demonstrava já Papa Paulo VI, em 1967, na sua atualização da Doutrina Social da Igreja.


Este economista mostrou, com rara lucidez e profundo sentido de equilíbrio, que o Neo-liberalismo do fim do século XX e início do século XXI impulsionou a globalização financeira que desencadeou crescentes injustiças sociais e a secundarização dos Direitos Humanos como tem sido expresso pelos vários relatórios, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, da ONU, que se traduziram no programa humanitário dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio que estão muito longe de ser alcançados.

 

Assim, o nefasto papel ideológico de Milton Friedman, de Frederich Hayek e de muitos outros gurus tem inculcado nas instâncias internacionais de poder (FMI, Banco Mundial, OCDE, Comissão Europeia, OMC, G 20, Fórum de Davos, etc) a premência da ideologia Neo-liberal tomada como pensamento único que os seus ideólogos e propagandistas procuram defender e fazer crer como racional.


Milton Friedman numa perspetiva redutora da natureza humana à luz do Direito Natural, ergueu-se como grande ideólogo desta corrente, que se quer absolutista, sustentando os interesses incomensuráveis do grande Capital. Na verdade, este processo político do Neo-liberalismo, procurando ocultar a máxima de Aristóteles de que “o Homem é um animal político”, guiou o processo de globalização financeira que tornou exponencial o crescimento das injustiças sociais e secundarizou os Direitos Humanos por incapacidade dos Estados, ilegitimamente endividados por mecanismos especulativos, e por absoluta ausência de instituições internacionais fortes capazes de meios de coerção.  

 

A “economia de casino” ancorada na especulação e na Globalização Financeira deram azo à degradação da economia real, isto é, dos setores produtivos, ou seja, o nível de dinheiro a circular supera múltiplas vezes a capacidade produtiva mundial, o que explica o grande volume de agiotagem internacional.


A desregulamentação da Globalização, empreendida sob a influência da ideologia Neo-liberal, desde os consolados internacionais de Ronald Reagan e de Margaret Thatcher, conduziram a uma “economia de casino” internacional divorciada da economia real e da vida das pessoas, tendo instaurado a instabilidade e a incerteza nas economias com taxas de juro que agravaram as dívidas dos países em dificuldades e avolumaram as taxas de desemprego.

 

A grande consequência dos mecanismos de interdependência internacional foi o risco sistémico do mercado financeiro unificado propagar os problemas de forma planetária. Com efeito, só com uma ideologia moderada e o reforço de instituições supranacionais se poderá garantir uma Humanidade com maior qualidade de vida e coesão internacional, isto é, afastando crescentes desigualdades sociais e o risco de novas guerras mundiais, agora que estamos nas vésperas do funesto Centenário da 1ª Guerra Mundial (1914-2014).  

 

O pensamento único levou o jornalista Joaquim Furtado a questionar se a realidade se poderá ter tornado inconstitucional, mas se de facto isso acontecesse as democracias deixariam de existir e os Estados de Direito deixariam de ter colunas vertebrais. Deste pressuposto incontornável não se pode sair, por muito que os ideólogos do Neo-liberalismo bem gostassem de o rebater com argumentos fiáveis.

 

Como já indicámos, de forma implícita, que o Positivismo e o seu pretenso racionalismo, do fim do século XIX e início do século XX, deram lugar à compreensão da complexidade da mente humana com os estudos da Psicanálise, sem que, no entanto, os psicólogos cognitivistas da escola norte-americana do Behavorismo se tenham deixado influenciar pelos pressupostos da complexidade da natureza humana.


Para responder ao aparente caos humano, à luz da lógica Neo-liberal, imposto pela psicologia introspetiva nas Ciências Humanas surgiu, a par da corrente Behaviorista, a ideologia Neo-positivista do Neo-liberalismo que pretende dar uma pretensa racionalidade às dinâmicas sociais na economia manietando comportamentos à mera consideração da sua eficácia humana. Daí que as avaliações quantitativas e estatísticas se tenham tornado hegemónicas.

 

Vítor Bento, reputado economista, enfatiza num ângulo Neo-liberal a necessidade de limitar as análises económicas a dois polos (os limitados recursos existentes e o número de indivíduos a ter em conta) menosprezando, de forma ideológica, que a problemática tem de ser encarada tomando em linha de conta três polos de considerações, ou seja, os dois já anteriormente referidos e a natureza humana com o que ela tem de ligação indissolúvel a uma liberdade não apenas de escolha no mercado, mas também de escolha de outros fatores de ordem subjetiva.


Desta problemática, é que o economista Vítor Bento não pode fugir, porque é inerente à natureza humana desde Aristóteles a António Damásio, passando, claro está, pela Psicanálise. Nós sabemos que seria mais fácil a gestão da Humanidade se fosse encarada do ponto de vista de uma objetividade que vale pelos números e pelas estatísticas aplicada a objetos, mas não vale para números aplicados a pessoas. Deste impasse Civilizacional a avaliação estatística Neo-liberal não se livra, conquanto esta bem gostasse de encontrar uma panaceia pseudo-científica para lidar com os imponderáveis da natureza humana.

 

Em síntese, enquanto não houver uma prevalecente ideologia moderada, a par de instituições supranacionais de governação mundial que imponham o respeito pelos princípios sacrossantos defendidos pelas Nações Unidas, corremos o risco desta Globalização ancorada no Neo-liberalismo perverter, de forma definitiva, as democracias e de aniquilar os fundamentos filosóficos de um Humanismo Ético. Convém, pois, que os responsáveis e os cidadãos ponderem nestas questões que moldam a História Contemporânea da Humanidade até à atualidade. 

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

 

O FRANCISCANISMO E SUA ATUALIDADE NAS PERCEÇÕES CONTEMPORÂNEAS DE JAIME CORTESÃO A JORGE MÁRIO BERGOGLIO (PAPA FRANCISCO)

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São Francisco de Assis
 

Francisco de Assis viveu na transição do século XII para o XIII (1182-1226), tendo sido um religioso místico que fundou a primeira ordem religiosa mendicante, rompendo com as ordens religiosas afastadas do mundo, refugiadas nas suas paredes conventuais. Este santo, adorador da Natureza, festejou a noite de Natal de 1223 num bosque, com uma missa, diante de um presépio com uma grande assistência de frades menores e das classes populares. Os franciscanos tornaram-se, assim, os grandes divulgadores do presépio no mundo ocidental[1].  

 

No contexto medieval, do início do século XIII, em que as cidades cresceram económica e demograficamente com o desenvolvimento do grupo dos mercadores, da burguesia, tornaram-se gritantes as desigualdades sociais e a ostentação material da Igreja Católica face às inúmeras doações que recebia.

 

Apareceu, deste modo, a necessidade de reformar o Cristianismo para o despojar da opulência em que uma parte do clero vivia. O franciscanismo, através da regra interna, procurava ajudar os pobres e os desfavorecidos e vinculava estes frades menores a viverem segundo princípios novos que postulavam “(…) obediência, pobreza e castidade (…) Os irmãos não terão nada de próprio, nem casa, nem terra, nem coisa nenhuma, mas como peregrinos e estrangeiros neste mundo, servindo o Senhor em [2]pobreza e humildade, sigam pedindo esmolas confiadamente. (…)”[3]

 

Jaime Cortesão, insigne historiador, salientou o papel do Franciscanismo nos Descobrimentos marítimos portugueses. Assim, considerou que os Franciscanos, pela sua visão generosa da Natureza, pela atividade missionária e pela literatura de viagens dos frades menores, foram os criadores da mística dos Descobrimentos marítimos portugueses de quatrocentos. Na sua aceção, os Franciscanos modificaram a essência do Cristianismo, de base católica, promovendo a exterioridade caritativa em favor dos desfavorecidos rompendo, assim, a interioridade do monaquismo medieval e favorecendo o empreendimento das Descobertas marítimas. Por outras palavras, o ideal Franciscano da vivência humilde, junto dos pobres, favoreceu o movimento de abertura da Igreja à sociedade e ao mundo, tendo sido propiciador da expansão marítima na sua motivação religiosa de conversão de novos povos.

 

O filme de Franco Zeffirelli, de 1972, sobre São Francisco de Assis mostra-nos a sua conversão plena ao Cristianismo, após a renúncia às riquezas familiares em benefício de uma vida espiritual mais rica. É um belo filme, que recomendo pela sua qualidade estética, válido pela mensagem de busca da unidade espiritual da Igreja com o mundo. Aqui deixo um pequeno excerto do filme, bem elucidativo.


Neste tempo em que o materialismo reinante[4] e a, concomitante, ideologia neopositivista tecnocrática são predominantes, a necessidade de espiritualização do mundo torna-se cada vez mais premente. Aliás, não é por acaso que novas formas de espiritualidade (o budismo, a ioga, os retiros espirituais, etc) são revalorizadas face ao contexto de um materialismo despersonalizante a que a Humanidade tem sido conduzida pela Globalização desregulada.

 

A eleição de Jorge Mário Bergoglio como Papa com o nome de Francisco, neste contexto de crise Ética, é uma resposta significativa de grande simbolismo perante a premente necessidade de implementar o espírito do Concílio Vaticano II, isto é, de aproximar a Igreja Católica do mundo quotidiano. Numa conjuntura internacional em que as desigualdades sociais são exponenciais, em virtude de uma Globalização impreparada pela visível desregulação, e em que a ostentação de alguns privilegiados, fruto do Capitalismo selvagem, é cada vez mais chocante, importa apelar ao espírito de humildade e de simplicidade que caraterizou a reforma do Cristianismo com a fundação das ordens mendicantes, designadamente da ordem dos Franciscanos.

 

Este retorno do espírito Franciscano neste pontificado, que agora se inicia, evoca um eterno retorno de problemas cíclicos e de soluções consabidas, porque urge compreender com espírito Humanista a natureza humana. Com efeito, não é possível, como nos diz o filósofo José Gil[5], avaliar tecnocraticamente as sociedades Globalizadas sem hipotecar as virtualidades da natureza humana. Na verdade, o neopositivismo ideológico que se nos impôs com a Globalização tecnocrática imposta por interesses materiais de alguns poderosos tem desvirtuado a natureza humana à luz da verdade das Humanidades, da Igreja Católica e das Ciências desde Sigmund Freud a António Damásio.

 

Em suma, o problema das sociedades contemporâneas, na leitura do Concílio Vaticano II e do Papa Francisco, é a sua crescente desumanização, em virtude da cobiça de alguns poderosos em detrimento de muitos cidadãos. Daí a importância de revalorizar a mensagem Franciscana da humildade e da simplicidade de vida para que se possa romper com a crise de valores a que esta ideologia neopositivista dos tecnocratas do Capitalismo Financeiro nos tem conduzido[6].    



[1] “São Francisco de Assisis”, in Jorge Campos Tavares, Dicionário de Santos, Lello Editores, 2004, pp. 59-60.

[2] Nuno Sotto Mayor Ferrão, “As linhas de força do pensamento historiográfico de Jaime Cortesão”, in Nova Águia, nº 11, 1º semestre de 2013, Sintra, Editora Zéfiro, 2013, p. 133-134.

[3] Regra de São Francisco (1223) – números 1 e 6.

[4] Nuno Sotto Mayor Ferrão, “Relativismo Ético na História Contemporânea (1914-2010)”, in Brotéria, nº1, volume 174, Janeiro de 2012, pp. 47-51.

[5] José Gil, Em busca da identidade – o desnorte, Lisboa, Relógio d’Água, 2009, pp. 52-53. Vejamos a lúcida observação deste pensador: “(…) É inevitável, assim, que a avaliação como diagrama transversal a toda a sociedade, tenda a transformar todas as relações humanas em relações funcionais de poder. O preço pago por esta tecnologia biopolítica é, evidentemente, a mutilação de uma vida mais rica, a diminuição brutal dos possíveis, a restrição do aleatório, do acaso da imprevisibilidade. Como estes serão também transformados em funções – a famosa ‘criatividade’ no trabalho, nas empresas, nos serviços, na publicidade, nos média -, os próprios factores aparentemente incodificáveis serão avaliados, quantificados, normalizados. (…)”.

[6] A mensagem do filme de Charles Chaplin Tempos Modernos, de 1936, está mais atual do que nunca neste contexto de uma Globalização desregulada.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

 
 

FATORES CONTEXTUAIS DO CONCÍLIO VATICANO II (1869-1965) – EVOCAÇÃO DO SEU CINQUENTENÁRIO NO ANO LITÚRGICO DA FÉ

“(…) Tudo o que dissemos sobre a dignidade da pessoa, sobre a comunidade de homens e mulheres, e sobre o sentido profundo da actividade humana constitui o fundamento das relações entre a Igreja e o mundo e a base do seu diálogo recíproco. Pelo que, pressupondo tudo quanto foi já declarado por este Concílio acerca do mistério da Igreja, estudaremos no presente capítulo a Igreja como ela existe de facto no mundo e com ele vive e actua. (…) a Igreja caminha, deste modo, a par da Humanidade, compartilha com o mundo da sorte terrena, e actua ao mesmo tempo como fermento e alma da sociedade (…) A Igreja crê, desta forma, através de cada um dos seus membros e de toda a sua comunidade, muito pode contribuir para humanizar cada vez mais a família humana e a sua história. (…)”

 

Gaudim et Spes (Constituição Conciliar aprovada a 7 de dezembro de 1965),  in Caminhos da Justiça e da Paz – Doutrina Social da Igreja – Documentos de 1891 a 1991, Lisboa, Editora Rei dos Livros, 2002, pp. 343-344. 

 

 

                                 Enciclíca Rerum Novarum (1891)                                     Teilhaird de Chardin

                       Jean-Paul Sartre                                          Declaração Universal dos Diretos Humanos (1948)

                         Pensamento Marxista                                                Concílio Vaticano II (1962-1965)  

A propósito do Cinquentenário do Concílio Ecuménico Vaticano II, que se celebra liturgicamente com o Ano da Fé (2012/2013), convém fazer uma curta evocação histórica para a cabal compreensão da sua importância social e do seu alcance teológico. Esta assembleia de altos prelados, da Igreja Católica, provenientes de todo o mundo, com presidência dos Sumos Pontífices (primeiramente de João XXIII e depois de Paulo VI) reuniu-se na cidade do Vaticano e teve início a 11 de outubro de 1962 e término a 8 de dezembro de 1965. Estiveram reunidos perto de 3000 bispos de todo o mundo em mais de 150 assembleias-gerais que promulgaram 16 documentos (4 Constituições, 9 Decretos e 3 Declarações). Prevaleceram nas conclusões conciliares o espírito modernista do Papa João XXIII, não obstante alguns acalorados debates entre membros eclesiásticos tradicionalistas e progressistas[1].

 

Houve antecedentes históricos no fim do século XIX que preludiam o espírito do Concílio Ecuménico do Vaticano II. Por um lado, o Concílio do Vaticano I de 1869-1870 que defendendo os fundamentos da fé católica criticou a arrogância científica do Positivismo e o fenómeno exponencial do Ateísmo. Por outro lado, a primeira iniciativa para abrir a Igreja Católica ao Mundo parece ter sido a Encíclica Rerum Novarum[2] que deu início à Doutrina Social da Igreja. No entanto, foi já no início do século XX que o movimento da “Nova Teologia” sustentou a necessidade da Igreja se aproximar mais das sociedades contemporâneas através do estudo das fontes religiosas, tendo como alguns dos seus principais porta-vozes Henri de Lubac, Teilhaird de Chardin, Jacques Maritain, etc.

 

A vontade humanista do Papa João XXIII, em modernizar a Igreja Católica e em lhe definir a sua natureza, constituiu a força motriz para a sua convocatória que foi anunciada aos cardeais na Basílica de São Paulo, Extra-muros, a 25 de janeiro de 1959[3]. Contudo, só a 25 de dezembro de 1961 aconteceu o anúncio público pontifício em relação à convocação do Concílio Ecuménico Vaticano II para o ano de 1962[4]. Concomitantemente, declarou na Constituição apostólica Humanae Salutis a finalidade conciliar de abrir a Igreja Católica às sociedades contemporâneas e de unir as comunidades cristãs desavindas[5]. Nesta data, o Papa afirmou que o Concílio procuraria despertar a Igreja Católica, modernizando-a, no sentido de responder aos desafios de crise ética que assolavam o mundo.

 

Nesta medida, o Concílio concluiu que a Igreja para se aproximar das sociedades contemporâneas tinha de valorizar o papel dos leigos para ir conseguindo a santificação das realidades temporais, ou seja, tinha de escutar os sinais do mundo para intervir com sagacidade, em vez de simplesmente censurar o mundo profano (as heresias). Por esta razão, D. António Ribeiro considerou que este Concílio procurou responder a duas questões fundamentais: conhecer a natureza da Igreja Católica e o seu papel no mundo contemporâneo[6]. Assim, o Papa João XXIII, partindo de pressupostos humanistas, considerou ser necessário mudar a mentalidade da Igreja Católica para que pudesse ser mais interventiva nas sociedades contemporâneas. Deste modo, definiu-se, previamente, ao Concílio um carácter, sobretudo, doutrinal e pastoral e não tanto dogmático, porque as crenças religiosas não foram o objecto central da discussão eclesiástica. 

 

O contexto histórico em que se reuniu o Concílio Vaticano II foi marcado pelo ambiente materialista. Na perspectiva do historiador Pierre Pierrard[7] terá sido a crise da Civilização Ocidental, minada pela força do individualismo, pelas crescentes desigualdades entre povos, pelo peso das correntes do ateísmo e do agnosticismo, que despertou a Igreja Católica para o desafio de se renovar, no sentido de ser mais actuante nas sociedades contemporâneas. A mentalidade niilista[8] cresceu com o materialismo reinante que induziu a Igreja Católica à necessidade de responder à crise de valores que perpassou o mundo de meados do século XX, daí ter surgido a vontade do Papa João XXIII de reunir este Concílio.

 

No seguimento da afirmação pública da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, da ONU, houve uma renovada percepção da dignidade de todos os Homens que deu azo, no decorrer dos trabalhos conciliares, através da Declaração Dignitatis Humanae, ao diálogo do Catolicismo com as outras Igrejas e Religiões que acabou por permitir a dinâmica ecuménica. A indignação e o veemente repúdio com o Holocausto Nazi levaram a Igreja Católica a sublinhar a importância da tolerância religiosa, do respeito pelas diferentes crenças, que motivou a aceitação do princípio da liberdade religiosa e da necessidade de promover um espírito ecuménico[9]. Convém relembrar que o Papa João XXIII, antes de ser Sumo Pontífice, interveio na salvação de judeus na Hungria, na Bulgária e na Turquia durante a 2ª guerra mundial[10].

 

A conjuntura histórica em que se reuniu o Concílio, no início da década de 1960, foi marcada pelas correntes ateístas e filosóficas descrentes dos sentimentos religiosos. O Diário de Notícias[11] da época frisa o contexto mental, justificativo da convocatória conciliar, caracterizado pelo ateísmo, que se impregnava na Europa, potenciado pelas doutrinas Existencialista e Marxista, que se espraiaram pela Europa, valorizando as tendências do individualismo e do materialismo. Assim, este artigo evoca as causas diversas que motivaram a convocação conciliar: a necessidade de modernizar a Igreja Católica aproximando os crentes dos membros eclesiásticos, a necessidade de fazer estreitar as relações entre as diferentes Igrejas cristãs separadas e a premência de revalorizar o papel dos leigos de apostolado cristão em tempos de afastamento das sociedades contemporâneas das crenças religiosas. Atentemos na seguinte passagem deste elucidativo documento histórico:

 

“(…) Um outro problema de primordial importância é a atitude a tomar perante o ateísmo militante. Problema que se põe, realmente, como uma espécie de uma nova religião, a do homem divorciado de Deus. Na hora actual, esta corrente de ideias tem dois aspectos distintos. De um lado, o existencialismo de Sartre, proclamando que acreditar em alguma coisa é uma demissão da inteligência humana; do outro, o marxismo, que ambiciona reconstruir o mundo através da ciência materialista. Perante estas duas conceções filosóficas do nosso século, a Igreja não poderia refugiar-se na passividade. Deve aceitar o combate, ou através de uma condenação categórica, ou de um diálogo esclarecedor.(…)”[12].

 

Um outro factor histórico de ordem estrutural, enunciado pelo Padre Jardim Gonçalves[13], relativo à perda de poder político e social da Igreja Católica e dos seus membros junto das sociedades contemporâneas explica-se pelas perdas territoriais da Santa Sé e pela prevalência das populações urbanas em resultado do desenvolvimento industrial. Nesse sentido, cresceu nos anos 20 e 30 do século passado o movimento da Juventude Operária Católica, sob o impulso do Padre Joseph Cardijn, que chamou a atenção para a importância da intervenção dos leigos. Nesta medida, o Concílio Vaticano II percebeu que a resposta ao enfraquecimento político e social da Igreja Católica podia ser a revalorização do papel social dos leigos.

 

É importante evocar o Cinquentenário do Concílio Vaticano II para fazer face ao desconhecimento generalizado que os católicos manifestam em relação às conclusões conciliares. Este facto levou o Papa João Paulo II a questionar em 1994 em que medida as decisões desta magna assembleia eclesiástica foram postos em prática pela Igreja e pelos católicos. Por outro lado, num documento conciliar, relevante, a Constituição Dei Verbum, promulgada em 1965, apelou-se à necessidade de se conhecer em profundidade a Sagrada Escritura, porque só se ama, o que se conhece. Na verdade, Deus no panorama das sociedades contemporâneas é um Ser desconhecido de muitas pessoas devido ao ambiente agnóstico e ateu decorrente de uma excessiva confiança depositada na ciência que não preenche os requisitos da estimulação Ética necessária a uma vida colectiva digna.

  


[1] D. António Ribeiro, “Vaticano II perante a Igreja e o Mundo”, in A Igreja do Presente e do Passado, vol. 1, Lisboa, Editorial Estampa, s.d., p. LIII.

[2] Papa Leão XIII, “Carta Encíclica Rerum Novarum”, in Caminhos da Justiça e da Paz – Doutrina Social da Igreja – Documentos de 1891 a 1991, Lisboa, Editora Rei dos Livros, 2002, pp. 39- 72.

[3] Concílio Ecuménico Vaticano II – Documentos Conciliares e Pontifícios, Braga, Secretariado Nacional do Apostolado da Oração, 1987, p. 5.

[4] António Leite, S.J., “Perspectivas do Concílio Vaticano II”, in Brotéria, volume 174, nº 4, abril de 2012, p. 391. 

[5] António Leite, “Concílio Vaticano II”, in Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Lisboa, vol. 18, Lisboa, Editorial Verbo, 1993, col. 781.

[6] D. António Ribeiro, Op. Cit., pp. LIII-LXIV.

[7] Pierre Pierrard, História da Igreja Católica, Lisboa, Planeta Editora, 2002, pp. 355-366.

[8] “(…) um mundo que, à medida que se exalta com os seus triunfos, que se instala no seu paraíso terrestre, sente crescer dentro de si o desespero, sobretudo na forma mais perigosa, que é a indiferença.(…) Ibidem, p. 359.

[9] Darlei Zanon, ssp, “Dignitatis humanae e Nostra aetate”, in Para ler o Concílio Vaticano II, Lisboa, Paulus Editora, 2012, pp. 71-76.

[10] Michael Collins e Matthew Price, História do Cristianismo – 2000 anos de fé, s.l., Civilização Editora, 2000, p. 220.

[11] “Oitenta cardeais e mais de 2500 bispos de todas as raças e cores participam no grande Concílio”, in Diário de Notícias, nº 34704, 11 de Outubro de 1962, pp. 1 e 5.

[12] Ibidem, p. 5.

[13] A Conferência proferida pelo Padre Jardim Gonçalves a 21 de maio de 2012, subordinada ao tema da Doutrina Social da Igreja, no salão paroquial da Igreja de Nossa Senhora do Amparo (Lisboa) permitiu-nos debater algumas intuições e alargar as pistas de investigação relativas ao contexto causal do Concílio Vaticano II. 


Nuno Sotto Mayor Ferrão 


 

 

ARTE E "ROMANTISMO" EM VENEZA EM TEMPOS TEMPESTUOSOS - ENLACE ENTRE O PASSADO, O PRESENTE E O FUTURO

 





A exótica beleza da cidade de Veneza (Venezia) reside no facto de estar construída sobre bancos de areia desde a Idade Média. Como contrariedade cíclica é afetada por inundações recorrentes (como as que se verificaram na primeira quinzena de novembro de 2012) que têm aumentado de volume com o degelo do “aquecimento global”, decorrente das alterações climáticas.


Não obstante, o ritmo Veneziano está, ainda hoje, cadenciado pelas travessias dos “vaporettos”, dos barcos e das gôndolas que atravessam o grande canal e, no caso destes, os pequenos canais, não sendo muito diferente do ritmo de vida do século XVIII, com exceção feita aos magotes de turistas que acorrem à cidade e, em especial, à “Piazza San Marco”. Contudo, nos locais mais interiores da complexa e labiríntica rede urbanística, andando a pé ou de gôndola, pode sentir-se o ritmo tranquilo do romantismo que pulsa por toda a urbe, fazendo convergir para este local muitos casais de apaixonados.

 

O romantismo é potenciado pelos monumentos e momentos artísticos que nos atropelam em muitas esquinas da cidade, com edifícios antigos de rara beleza e com músicos espontâneos que surgem na “Piazza di Roma” ou a bordo de alguma gôndola. Os transeuntes revelam uma simpatia “sui generis” para com os casais apaixonados, que não se sente com facilidade em outras paragens turísticas, porque o tempo está mais ajustado aos batimentos sentimentais do coração. Nas suas ruelas castiças pode ouvir-se o chilrear dos pássaros, o movimento das águas, o sussurrar do vento nas árvores, mas, seguramente, a chinfrineira urbanística, insuportável das buzinas das grandes metrópoles, está arredada para a parte nova da cidade - Veneza Mestre.

 

Veneza teve historicamente o seu auge no tempo dos Doges (magistrado supremo do Estado), mormente na Idade Média, quando foi capital da “Sereníssima República de Veneza” que conseguiu expandir um vasto império comercial sobre o Mediterrâneo oriental, controlando as rotas do Levante que traziam as riquezas do oriente, antes dos Descobrimentos Marítimos dos Portugueses terem inaugurado a rota do Cabo. Símbolo desta abertura cosmopolita ao oriente foi a famosa viagem, de reconhecimento da rota da Seda, do Veneziano Marco Polo, que deu nome ao aeroporto da cidade.


No decorrer desta dinâmica histórica, a cidade foi perdendo o seu estratégico poder de charneira Civilizacional entre o Ocidente e o Oriente, que se plasma em muitos pormenores da arquitetura religiosa veneziana marcados pelo bizantinismo decorativo. Esta degenerescência da antiga opulência aristocrática, dos múltiplos palácios que se espraiam ao longo do grande canal, levou a que Napoleão Bonaparte (1769-1821) a conquistasse no fim do século XVIII e no terceiro quartel do século XIX tenha sido integrada no reino de Itália.

 

O patrono da cidade é São Marcos, pois as suas relíquias trazidas de Alexandria permitiram edificar a grandiosa Basílica que constitui um dos “ex-libris” da “citá”. O “Palazzo Ducale”, residência oficial dos Doges, apresenta em muitas das suas pinturas referências ao santo e uma monumental pintura Renascentista de Jacopo Tintoretto, ao mesmo tempo que o chão estremece ao ritmo dos passos do visitante. É, pois, um monumento recheado de obras de arte que embasbacavam os diplomatas estrangeiros. Deste modo, percebe-se, em função de todo este manancial de bens culturais que pululam na cidade, a sua classificação pela UNESCO de Património Mundial da Humanidade.

 

Na atualidade, Veneza é famosa pelo seu Carnaval aristocrático, com as suas máscaras luxuosas feitas por artífices especializados, pelo seu Festival de Cinema onde a cinematografia de Manuel de Oliveira tem ecoado pelos argumentos poéticos. A Bienal das Artes é, também, um certame que tem dado projeção mediática à cidade, porquanto os motivos artísticos e os cenários estéticos, de inigualável beleza, interpelam os visitantes a cada recanto da cidade. Uma outra marca forte da urbe é o conjunto de sinais de uma imensa religiosidade, com as suas múltiplas igrejas e nichos exteriores de santos, que comunica serenamente com os passeantes que sentem ter todo o tempo do mundo e se escapam da fúria competitiva, da Globalização desregulada, centrada no fazer e no ter do produtivismo imoderado.

 

Algumas figuras históricas, naturais de Veneza, concorreram para projetar internacionalmente a singularidade desta povoação pela forte marca identitária das suas ruas serem tracejadas pelas águas do Adriático. Destacam-se nesta panóplia de personalidades de renome mundial os Papas Gregório XII e Pio X (1876-1958), os pintores Jacopo Tintoretto (1518-1598) e Giovanni “Canaletto” (1697-1768), o galanteador Giacomo Casanova (1725-1798), o viajante Marco Polo (1254-1324) e o prodigioso compositor António Vivaldi (1678-1741).

 

Em suma, trata-se de uma cidade que permite usufruir aos seus utentes uma inexcedível qualidade de vida, pelas suas abundantes obras de arte e locais pitorescos, apesar dos incómodos frequentes das cheias que provocam aos seus habitantes e turistas algum receio. É, pois, um bom modelo para se repensar o paradigma de Globalização, em que vivemos, e “ipso facto” recomendo vivamente uma visita a todas as pessoas de coração romântico que se afastam do ritmo tecnocrático imposto pela ideologia ditatorial dos mercados (“teologia de mercado” na expressão justa do pensador Adriano Moreira).

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

  

PATRIOTISMO E GLOBALIZAÇÃO – UMA PERSPETIVA DE ANÁLISE

 

A Era da Globalização tem moderado a importância dos sentimentos patrióticos. Se é certo que os excessivos entusiasmos nacionalistas estiveram na origem direta das duas Guerras Mundiais (1914 e 1939), também não é menos verdade que a Globalização, por efeito da uniformização cultural, tem gerado sociedades despojadas de genuínas identidades coletivas. A demonstração da veracidade desta afirmação reside na dificuldade que a União Europeia encontrou ao tentar estabelecer uma Constituição, mais tarde designada de Tratado Constitucional, para não ferir a sensibilidade dos céticos da estratégia Federalista.

 

Foi a perceção da pertença a um mesmo espaço geográfico que deu forma aos sentimentos patrióticos que se foram moldando em identidades coletivas construídas com base nas línguas e nas culturas nacionais. Na conjuntura do Romantismo Oitocentista, as nações do mundo valorizaram este sentimento e a busca das raízes históricas que justificavam o orgulho patriótico. Em Portugal teve particular relevância, nesta investigação, o historiador Alexandre Herculano. Foi na degenerescência desta dinâmica histórica que os patriotismos se transmutaram em aguerridos nacionalismos que potenciaram as conflitualidades bélicas e as ditaduras de matriz nacionalista (Itália,  Espanha, Alemanha, Portugal, etc.) na primeira metade do século XX.

 

Na realidade, os nacionalismos condicionaram as políticas dos países, através de visões de Estados autoritários, desenvolvendo acrescidos poderes nacionais. Assim, de sentimentos genuínos de defesa e de enaltecimento dos valores das pátrias passou-se, abusivamente, a sentimentos xenófobos, que deturparam os saudáveis sentimentos patrióticos. Em Portugal, por exemplo, estes sentimentos floresceram com uma elevada consciência cívica e cultural no movimento da “Renascença Portuguesa”, no contexto da 1ª República. Historiadores como Damião Peres e, mais recentemente, José Mattoso procuraram perceber o gérmen que tornou possível a formação da pátria portuguesa no século XII.

 

Desde o fim do regime da Monarquia Constitucional que se celebra o espírito patriótico em Portugal. O dia de Portugal e das Comunidades Portuguesas, que se celebra todos os anos a 10 de junho, é um momento para se celebrar, com orgulho, o facto de se ser português. Apesar de, na atualidade, os países latinos serem amesquinhados, em particular pelo paradigma de crescimento material, por serem pouco produtivos e competitivos, não nos podemos esquecer que o trilho seguido pelas sociedades contemporâneas tem sido a crescente falta de harmonia entre o crescimento económico e o desenvolvimento integral dos povos e dos indivíduos, como o denunciava e com muita pertinência o Concílio do Vaticano II na sua Constituição “Gaudium et spes” (Alegrias e esperanças).

Há figuras que, pela sua projeção internacional, se tornaram símbolos da pátria portuguesa e da pátria lusófona. São exemplos significativos: Luís Vaz de Camões, Fernando Pessoa, Eusébio da Silva Ferreira, Cristiano Ronaldo, José Mourinho, António Damásio, Amália Rodrigues e Mário Soares. Com efeito, são personalidades que, em função do prestígio nas suas áreas de atuação, se tornaram reconhecidos no mundo global.

 

No contexto da crise da Globalização, do início do século XXI, os jogos da Seleção Portuguesa têm sido um fator que vêm despertando o sentimento patriótico, além de permitirem ultrapassar a mentalidade pessimista dos portugueses que sempre se patenteou numa fraca autoestima nacional fazendo-nos exagerar os atributos dos estrangeiros. A mística lançada por Luís Filipe Scolari, selecionador português no Europeu de Futebol de 2004, galvanizou os portugueses para o enaltecimento do amor à pátria com bandeiras nacionais penduradas por todo o país, do interior ao litoral, do sul ao norte. O momento em que se canta o hino nacional nos jogos de futebol da Seleção ou quando o ouvimos em provas Olímpicas são das poucas manifestações atuais do sentimento patriótico.

 

Na Era da Globalização, e com base em fundamentos intelectuais e sentimentais lançados por Jaime Cortesão e Agostinho da Silva, nasceu o conceito de pátria lusófona. que teremos oportunidade de desenvolver no colóquio “Jaime Cortesão e a Arrábida”, inserido no II Ciclo de Estudos de Homenagem a António Telmo, que se realizará a 30 de junho de 2012 (sábado) na Biblioteca Municipal de Sesimbra.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 


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