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Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão

Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.

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JOSÉ AGOSTINHO DE MACEDO (1761-1831) – OS SEUS DESMANDOS E ESTROINICES

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“(...) Em quanto entre nós existirem Lojas de Pedreiros livres e Bosques Carbonários, teremos o fermento da rebellião, e o fóco de todas as desventuras; os alicerces da Religião serão solapados, abalado o edificio social, serão pisados os principios da eterna Justiça (...) Cáia o machado da Lei nas raizes desta arvore pestilente, cujos frutos são a destruição, e a morte. Aprendão os Reis, e aprendhão os Povos, reproduzão-se as nossas Leis primordiaes, que souberão organizar o estado civil (...) por isso fomos tão venturosos até á Epoca do Maçonismo. Não necessitamos de outra Legislação, que não seja a nossa, ella nos salvará (...) Temos restabelecida a Monarquia e com ella a nobreza que a rodea (...) Morra o Maçonismo. (...)”

                                                    José Agostinho de Macedo, A Tripa Virada, 1823, nº1, pp. 11-12.

 

O padre José Agostinho de Macedo nasceu, em Beja, no ano de 1761 e faleceu, em Lisboa, no ano de 1831, sendo sacerdote, escritor e político. Foi um autor de escritos multifacetados (poesias, peças de teatro, ensaios de filosofia, escritos políticos, críticas literárias, sermões, etc) com uma veia de polemista, que se excedeu inúmeras vezes pelo seu temperamento colérico, evidenciando uma aversão às revoluções liberais.

 

Tornou-se pregador régio e aproveitou as suas influências sociais, designadamente de Diogo Inácio de Pina Manique, para atacar os seus inimigos, designadamente Manuel Maria du Bocage e Almeida Garrett. Com o miguelismo, no final dos anos 20 do século XIX, pretendeu ser o ideólogo do absolutismo, tendo sido nomeado por D. Miguel ‘cronista régio’, evidenciando assim um pensamento tradicionalista e contrarrevolucio-nário[1].

 

Com as leituras de autores franceses foi influenciado, no início da sua vida pública, pelo Iluminismo, mas aquando das invasões francesas exercitou o seu dom de polemista sobre os filósofos do movimento das Luzes, os maçons e os jacobinos. Aderiu às ideias do progresso científico e do valor da monarquia absolutista de pendor anglófila.

 

As suas contradições internas levaram-no a aderir à Revolução Liberal Portuguesa, tendo sido até deputado pelo círculo de Portalegre às Cortes de 1822, pelo que ficou com a reputação de “viracasacas”. Na linguagem desbragada das suas sátiras de verve contrarrevolucinária atacou os liberais, em periódicos como A Tripa Virada (1823), A Besta Esfolada (1828-1829) e o Desengano (1830-1831).

 

Na sua vida conventual, em 1792, e após um furto, aos seus superiores, de umas “lampreias” preparadas para o banquete comemorativo do dia de Santo Agostinho, foi expulso da Ordem Religiosa dos Agostinhos do Convento da Graça, em Lisboa, tendo-lhe sido retirado o hábito perante toda a comunidade conventual, mas conseguiu tornar-se presbítero secular a 20 de março de 1794, alcançando grande prestígio devido aos seus sermões.

 

Tornou-se proverbial o seu furto de livros em várias ocasiões. Nestes seus desmandos e estroinices de delinquente foi submetido a vários processos e sujeito diversas vezes ao cárcere. Tomou o nome de José Agostinho de Macedo e recusou o nome de família, “Teiguera”, como Hipólito José da Costa frisou em tom odioso. Tornou-se, pelas suas influências sociais, membro da Real Mesa Censória (1824-1829) com a função de eliminar obras ou passagens de livros hostis ao absolutismo régio.

 

Macedo mostrou uma grande instabilidade opinativa, decorrente da sua faceta de “viracasacas”, que se manifestava no seu caráter colérico e rebelde, marcado por um contexto social de viragens políticas e literárias, do absolutismo ao liberalismo e do classicismo arcádico ao romantismo.

 

Por este seu feitio iracundo, ficou conhecido, por se mamifestar frequenteente irritado e entrar constantemente em conflito, com a alcunha de ‘Padre Lagosta’. Notabilizou-se como introdutor da poesia naturalista e científica em Portugal, tornando-a rival da poesia épica clássica e evidenciando uma hostilidade ao uso da mitologia clássica e aos efeitos estilísticos dos poetas arcádicos.

 

Não obstante, tenha colaborado na Nova Arcádia, tomando o nome de Elmiro Tagídeo e convivendo literariamente com Bocage. Escreveu o poema épico “O Oriente”, com o qual se julgou o novo Luís Vaz de Camões de Oitocentos. Manteve uma grande amizade inicial com Manuel Maria Barbosa l’ Hedois du Bocage, mas a rivalidade poética acabou por levá-los a uma grande desavença pública numa polémica, que a História registou.

 

Bocage, após ter sido fustigado pelos desmandos poéticos de José Agostinho, respondeu com um clamor e um sentido airoso com o seu poema Pena de Talião. No fim da vida de Bocage, ainda José Agostinho o acompanhou, mas este atacou-o postumamente, em 1814, alguns anos após a sua morte[2], talvez pela vontade de se afirmar como o primeiro dos poetas da pátria.

 

Escrevia para publicações periódicas, visando chegar rapidamente ao público com uma linguagem clara, muitas vezes satírica e outras vezes com um cunho violento. O seu periódico designado A Tripa Virada foi publicado durante o golpe da Vilafrancada, relativa à noite de 5 de junho de 1823, depois dos miguelistas fazerem um golpe para tomar o poder. O golpe da Vilafrancada é o nome atribuído a este acontecimento insurrecional liderado pelo infante D. Miguel, por inspiração da rainha D. Carlota Joaquina, ocorrido em Vila Franca de Xira, a 27 de maio de 1823, para restaurar o regime político absolutista. Existe, neste periódico, uma diabolização dos liberais e uma crítica à moderação do rei D. João VI.

 

Este periódico evidencia a sua tendência para o extremismo contrarrevolucionário, pois nele se descrevem sessões da Maçonaria de forma caluniosa. Há, pois, uma diabolização do “Outro”, isto é, dos indivíduos aderentes ao ideário liberal[3].

_______________

[1] António Ventura, “José Agostinho de Macedo”, in História de Portugal, vol. VIII, dir. João Medina, Amadora, Ediclube Editora,1993, pp. 196-198.

[2] António Mega Ferreira, “Os vates desavindos”, in Macedo – Uma biografia da infâmia, Porto, Sextante Editora, 2011, pp. 91-99.

[3] Ferreira, João Pedro Rosa, “ ‘Alimpem a mão à parede’ – A Tripa Virada” in Castigar a rir. O humor na imprensa periódica portuguesa, Tese de Doutoramento em História e Teoria das Ideias, especialidade Pensamento, Cultura e Política, FCSH – UNL, vol. I, 2018, pp. 109-113.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

A FÉ E A CIÊNCIA – LINGUAGENS ANTAGÓNICAS OU COMPLEMENTARES? – UMA ABORDAGEM DO PASSADO AO PRESENTE

 

No Diário de Notícias, no início do século XXI, Eduardo Prado Coelho, intelectual ateu, e D. José Policarpo, patriarca de Lisboa, deram corpo e espírito a um diálogo aceso em torno dos temas da Fé nos dias de hoje, que acabou por se transformar num livro[1] que reuniu as cartas que os dois trocaram publicamente.

 

Num mundo em que a Ciência está em crise no seu paradigma de um conhecimento sistémico da realidade, uma vez que o “neopositivismo” nos revelou uma imensa fragilidade científica face à complexidade do mundo e do cosmo. Nesta medida, podemos compreender a abertura do genial cientista Albert Einstein ao transcendente, porque acreditou que todos os cientistas têm de perceber que só Deus, ou o Absoluto na linguagem Hegeliana, poderá ter criado a ordem do nosso universo.

 

Se os pensadores do Iluminismo contribuíram no Ocidente, desde o século XVIII, para o desgaste das crenças religiosas e cristãs, a verdade é que, desde a Pré-História, o Homem sentiu necessidade de criar uma linguagem religiosa, porque as condições básicas da sobrevivência eram-lhe claramente insuficientes, ou como nos diz a Sagrada Escritura na popular expressão: “nem só de pão vive o Homem”.

 

Terá sido Galileu Galilei, no século XVII, um dos primeiros a compreender que seria possível interpretar a Bíblia à luz dos novos conhecimentos científicos.

 

No início do século XX, a Ciência enfrentou uma crise de confiança ao perceber que a simples racionalidade era insuficiente para explicar a totalidade do homem e do universo, daí a valorização consequente de outros códigos de comunicação e de interpretação como as intuições, os impulsos e as emoções, ao ponto de, no final do século XX, ter surgido o conceito de “inteligência emocional” com Daniel Goleman e António Damásio.

 

Hoje em dia, mais do que nunca, é necessária uma frutuosa colaboração entre a Ciência e a Fé para fazer os homens apropriarem-se das suas múltiplas dimensões de sabedoria que implicam a revalorização das Humanidades, porquanto o actual Homem, “economicus” ou “pragmático”, em que se alicerça a Globalização, tem um espírito infinitamente estreito.

 

Por outras palavras, tanto a Fé deve estar atenta aos progressos científicos como a Ciência deve estar aberta aos postulados da Fé para que não exista uma cisão artificial dos diferentes conhecimentos.

 

No contexto da Revolução Científica do século XVII, não obstante a condenação de Galileu pelo Tribunal da Inquisição houve membros eclesiásticos que não o criticaram liminarmente pela sua teoria heliocêntrica. Houve, mesmo, o cardeal Roberto Belarmino que, em 1615, aceitou reinterpretar teologicamente a Bíblia à luz da teoria heliocêntrica desde que Galileu provasse com factos indesmentíveis a sua teoria. É inevitável que a polémica em torno do caso de Galileu contribuiu para o afastamento da Ciência e da Fé na Modernidade e na Contemporaneidade (do século XVII ao XX).

 

Foi, de facto, o paradigma racionalista do Iluminismo que serviu para alimentar, preconceituosamente, a incompatibilidade entre a Ciência e a Fé, designadamente através da corrosiva sátira de Voltaire, mas hoje esse paradigma ideológico está claramente ultrapassado.

 

Por conseguinte, a História evidencia-nos que os cientistas, desde Galileu a Einstein, não se sentiram inibidos pelas suas crenças ou pela manifestação explícita de Fé.

 

O filme “Contacto”, de 1997, baseado num livro de Carl Sagan, cientista e filósofo, e dirigido por Robert Zemeckis aborda a problemática das divergências de mentalidade entre a Fé e a Ciência e a protagonista, interpretada por Jodie Foster, após um enorme vazio existencial compensado pela sua obsessão científica encontra resposta para a sua busca incessante por algo transcendente.

 

Em suma, a complexidade da realidade humana e cósmica exige um saber complementar entre vários modelos interpretativos que saibam manter um diálogo ativo entre a Ciência e a Fé na senda do espírito do Concílio Vaticano II. É, pois, possível e desejável fazer dialogar estas duas formas de conhecimento e de comunicação como pretendeu o Papa João Paulo II[2], porque os modos plurais de interpretar a realidade não implicam uma incompatibilidade orgânica de formulação de novas sínteses.

  


[1] José Policarpo e Eduardo Prado Coelho, Diálogos sobre a fé, Lisboa, Editorial Notícias , 2004.

[2] Alfredo Dinis, “Galileu revisitado”, in Brotéria – Cristianismo e Cultura, Braga, Editora Brotéria – Associação Cultural e Científica, vol. 177, outubro de 2013, pp. 295-305.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

AS MEMÓRIAS DE GIACOMO CASANOVA – UMA OBRA-PRIMA DA LITERATURA UNIVERSAL PUBLICADA PELA DIVINA COMÉDIA EDITORES (HISTÓRIA DA MINHA VIDA - 2013)

 

As notáveis Memórias autobiográficas de Giacomo Casanova (1725-1798) foram, agora, publicadas numa cuidada edição da, recente Editora, Divina Comédia com o título História da Minha Vida – I, numa versão antológica dos textos mais marcantes. Com este livro, a promissora Editora, faz jus ao seu lema “Grandes livros para grandes leitores”, não só em termos quantitativos como qualitativos.


É o primeiro volume desta obra traduzida, para português do francês, pelo consagrado poeta e tradutor Pedro Tamen e comentada pelo especialista Miguel Viqueira, a que se acrescenta uma valiosa cronologia da vida desta figura, incontornável do Século das Luzes, que foi um aventureiro, um intelectual, um diplomata, um viajante que conheceu como ninguém as elites de vários Estados europeus. Assim, foi, também, um trabalhador polivalente que teve inúmeros ofícios.  

 

Giacomo Casanova viveu num contexto marcado por regimes absolutistas, por clamorosas desigualdades sociais e por uma economia de forte pendor agrário. Foi protegido por vários poderosos da aristocracia que o fez defender os interesses estabelecidos do Antigo Regime. Não obstante, tenha lutado contra alguns preconceitos da sua época, no espírito do Iluminismo, tendo prezado a sabedoria filosófica como um valor supremo, independentemente dos pressupostos que preconizou.

 

A sua fama de aventureiro libertino, que compaginou uma mentalidade racionalista com um pensamento epicurista, surgiu das centenas de edições e das adulterações, daí provenientes, que espalharam e celebrizaram as peripécias deste “galã” sedutor que o projetaram no imaginário colectivo da Europa. No entanto, só em 1993 apareceu a primeira edição integral e crítica desta obra de Casanova que se reúne em milhares de páginas e em vários volumes.

 

O forte substrato cultural de Casanova procedente das suas significativas leituras clássicas, patenteado numa excelente formação humanística resultante da sua preparação para a carreira eclesiástica e das permanentes leituras que fez ao longo da vida e nos seus 5 anos de prisioneiro nos calabouços da República Veneziana.


A posição de racionalista epicurista que assumiu levou-o a criticar as convicções espirituais mais contemplativas ou intolerantes. Atente-se na seguinte passagem elucidativa: “(…) Aquele livro imprimira-se com permissão da Inquisição. E eu não caía em mim de pasmo. Aquela obra, bem longe de aumentar ou de acender fervor no meu espírito, ou zelo religioso, deixou-me tentado a considerar fabuloso tudo o que consideramos místico e também dogmático.”(…)”[1]

 

As Memórias, escritas no fim da vida, destacam-se pela qualidade descritiva que nos relatam a vida, a mentalidade e os costumes aristocráticos do século XVIII. Esta capacidade intelectual emerge nestes escritos, na faceta de literato, na habilidade de discutir fundos argumentos filosóficos no contacto com pensadores como Rousseau ou Voltaire, esgrimindo ideias com eles.


Pretendeu, no fim da vida, tornar-se um Académico reconhecido pelos intelectuais, da altura, com estudos de Matemática e de Geometria, mas não o conseguiu concretizar. Deste modo, percebe-se, “avant la lettre”, a sua perspicácia ao aflorar, implicitamente, temas como a inteligência emocional ou a diversa natureza da mulher e do homem.

 

Em múltiplos episódios da sua vida descreve-nos, com sageza, aventuras eróticas, a fuga da prisão ducal de Veneza, as missões diplomáticas, as conversas filosóficas que manteve que lhe aprofundaram a capacidade de ação e a acutilância crítica do seu pensamento contra-revolucionário, moldado pelos pressupostos políticos do Antigo Regime quando se afirma de forma inequívoca contra os princípios democráticos: “(…) O povo, enfim, não passa de um animal de enorme tamanho que não raciocina. (…)”[2].  

 

Em síntese, este livro de Memórias de Giacomo Casanova é uma inestimável obra-prima literária que vale bem a pena ler, nesta grande antologia que a Editora Divina Comédia com muita felicidade nos apresenta, neste ano de 2013, em língua portuguesa. A mentalidade racionalista e epicurista sobressai nos ideais Iluministas, expressos nos diversos filósofos que cita (Voltaire, Rousseau, Montaigne, etc) e nas aventuras libertinas que protagoniza, que está bem patente na discussão mantida com Voltaire, a propósito do modelo de governação e da liberdade dos cidadãos, que nos descreve no final deste primeiro volume. Aguardamos, pois, com infinda curiosidade a saída do segundo volume desta magnífica antologia das Memórias de Casanova.   

 

 


[1] Giacomo Casanova, História da minha vida, vol. I, Lisboa, Divina Comédia Editores, 2013, p. 373.

[2] Ibidem, p. 246.


Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

A EUROPA - PASSADO, PRESENTE E FUTURO - E A CRISE DA ZONA EURO

 

 

A Europa tem estado num estado de letargia que prenuncia a sua decadência económica, o que aliás é visível com a crise da Zona Euro. No entanto, não nos podemos esquecer que na Europa se encontram as raízes históricas da Civilização Ocidental (no mundo Helénico e no império Romano) e a abertura do mundo à Globalização com os navegadores ibéricos (dos reinos de Portugal e de Castela). Até ao século XVIII alguns países europeus foram, verdadeiramente, hegemónicos nas relações internacionais e só o século XX nos trouxe novas potências mundiais (EUA e URSS). O século XXI viu emergirem novas potências (China, Índia, Brasil, África do Sul, etc) que transformaram a relação de forças do cenário internacional.

 

O Velho Continente, como é apelidado por alguns, tem um património inequívoco de valores Humanísticos que sempre sustentou e que estão na base da formação da própria Comunidade Europeia nos anos 50, depois de ter visto o seu território devastado por duas guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945), para construir um espaço de paz, prosperidade e liberdade, como bem nos lembra José Medeiros Ferreira no post que a seguir cito.

 

Na Europa nasceu o regime democrático, em Atenas, na Era de Péricles no século V a.C., nasceu o movimento das Luzes (Iluminismo) no século XVIII que permitiu a emergência dos conceitos de soberania popular, de igualdade, de liberdade e de fraternidade durante a Revolução Francesa que foram decisivos para o fim dos regimes Absolutistas do Antigo Regime. Os países mais atacados pela crise da dívida soberana, resultante de vários factores como o declínio demográfico europeu, os gastos excessivos dos Estados Europeus sem crescimento económico significativo, a par do pernicioso fenómeno especulativo permitido pela “ditadura dos mercados”, na feliz expressão de Stéphane Hessel, têm sido os países que mais enriqueceram a Europa no passado com novas aprendizagens de vivências abertas a outros povos.

 

O presente da Europa é de aparente decadência material, sem capacidade de fazer crescer a economia de uma forma significativa, desde o início do século XXI agravada pela crise financeira que estalou em 2008, num mundo dominado por uma “economia de casino” em que as finanças são decisivas, mas que reinam sem respeito algum pela Ética Pública, pelo bem-estar e pela qualidade de vida dos cidadãos. Esta Globalização Financeira está ferida de autênticos fundamentos morais.

 

A Europa é, ainda, e poderá continuar a ser o espaço mais homogéneo de respeito pela tolerância, pela liberdade, pela Defesa dos Direitos Humanos e Democráticos se souber ultrapassar a táctica avulsa do Directório Franco-Alemão e congeminar com criatividade uma estratégia política que favoreça a coesão da União Europeia, porque já vimos que interpretar o cimento europeu no Euro é demasiado arriscado nesta conjuntura internacional. De facto, faltam verdadeiros líderes europeus que com um pensamento de fundo mobilizem os povos da Europa através da força do carisma. Já se viu que não chegamos lá com “déspotas iluminados”…

 

Vale a pena seguir outras leituras, que nos ajudam a compreender esta problemática, em alguns blogues e vídeos que merecem atenção:

 

Ana Paula Fitas n’ “A Nossa Candeia” fala da aceitação da imposição das condições do Diretório Franco-Alemão.

 

Daniel Oliveira fala-nos no "Arrastão", com o sentido de humor que o caracteriza, de Bullying alemão e francês para forçar o primeiro-ministro grego a desistir do referendo.

 

Francisco Seixas da Costa relata-nos no “Duas ou Três Coisas” as consequências políticas da evolução histórica da União Europeia nos últimos tempos.

 

José M Correia Pinto frisa-nos no “Politeia” a necessidade de o Banco Central Europeu mudar a sua estratégia de actuação.

 

José Medeiros Ferreira fala-nos no “Córtex Frontal” da necessidade de voltar a dar espaço à democracia nos países Europeus numa época de decadência financeira e monetária. 

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

LUDWIG VAN BEETHOVEN E JORGE LUÍS BORGES, DOIS GÉNIOS ARTÍSTICOS NA ADVERSIDADE

 

 

Perguntarão os leitores, com razão: que nexo existe entre estes dois autores tão afastados no tempo? Na verdade, quer Ludwig Van Beethoven, quer José Luís Borges são dois génios afastados pelos ambientes geográficos e pelas conjunturas históricas em que viveram, mas que se encontram unidos na adversidade que lhes cerceou a potência criadora. Este denominador comum de adversidade, respectivamente a surdez e a cegueira, torna-os genialmente criativos, pela música e pela poesia, fundindo-os na busca de uma nova dimensão espiritual. É este o tema que me proponho abordar neste texto.

 

Ludwig Van Beethoven (1770-1827) foi um compositor que marcou a música Romântica do século XIX e que se deixou apaixonar pelo ideal da Liberdade. Precocemente, revelou-se um menino-prodígio como músico, pois começou a receber lições de um mestre de cravo com 8 anos e iniciou a sua produção musical com 11 anos. Aos 17 anos um aristocrata, o conde Waldstein, apadrinhou-o como mecenas e encaminhou-o para Viena para aprender com o mestre Joseph Haydn. Pouco tempo depois, de regresso à sua cidade Natal, Bona, tirou um curso de Literatura que lhe moldará a alma, de forma indelével, pois inculcou-lhe no espírito os ideais da Revolução Francesa, do Iluminismo e do Romantismo, tendo convivido de perto com Friedrich Schiller. Retornando a Viena, já com 21 anos, tornou-se um pianista famoso e iniciou a publicação das suas primeiras composições.

 

Entretanto, a tragédia em forma de enfermidade bate-lhe à porta, inquietando-o e desafiando-o a superar os seus novos e terríveis limites. Assim, dos 26 aos 46 anos é-lhe diagnosticada uma surdez que foi evoluindo e o coloca à beira do desespero identitário. Numa reviravolta criativa, reveladora de uma inexcedível inteligência e sensibilidade, dado que as suas obras-primas foram compostas num período em que já sofria de surdez.

 

Efectivamente, entre 1802 e 1809 compôs algumas das suas obras mais emblemáticas pelo impacto social, na época e na posteridade, tais como: a Sinfonia nº 3 – Eróica, a Sonata para piano “Apassionata”, a Sinfonia nº 5 e a Ópera Fidelio. Contudo, a dor do drama da surdez arrefece-lhe o ânimo e lança-o num período de crise criativa, de 1812 a 1818, que depois lhe permitirá de novo surgir das cinzas, “qual Fénix renascida”, fazendo das fraquezas forças, como São Paulo, que o levam a compor com novo vigor.

 

Com efeito, nos derradeiros anos da sua vida, Beethoven compôs a sua obra-prima – a Sinfonia nº 9 – que se baseia num poema de Friedrich Schiller, que exalta o valor da felicidade. A sua música marcou, como nenhuma outra, a História das Sonoridades Ocidentais, influenciando muitos compositores Europeus dos séculos XIX e XX. A sua vida e obra foram determinadas pela surdez que potenciaram a sensação de desespero e a vontade de superação pela genialidade criativa. O compositor tornou-se, pela sua surdez, um músico-poeta que sublimou, de forma lírica, em algumas das suas composições, a fraternidade e a liberdade.

 

Jorge Luís Borges (1899-1986) foi um bibliotecário e professor universitário argentino que se dedicou, literariamente, sobretudo à poesia e ao ensaio. Produziu uma notável obra literária surrealista e, tal como L. V. Beethoven, foi colhido de uma maleita que lhe afectou a sua auto-estima, uma cegueira progressiva. Este desafio posto à sua capacidade criativa surtiu numa vontade extraordinária de superar essa limitação. Deste modo, à medida que a sua cegueira foi progredindo conseguiu estimular uma imaginação simbólico-literária, enriquecendo o teor das suas obras. Com 24 anos, publicou o seu primeiro livro de poemas. A genialidade da sua obra reside no facto de abarcar conteúdos de grande profundidade, filosófica e teológica, através das simbologias fantásticas dos seus poemas e contos. Na verdade, com o aprofundamento da sua cegueira recrudesce a sua capacidade criativa patente numa imaginação poética dificilmente inigualável.

 

Em síntese, Ludwig Van Beethoven e Jorge Luís Borges, separados no tempo e no espaço, foram dois génios criativos marcados por enfermidades, respectivamente a surdez e a cegueira, que os atormentaram nos seus ofícios artísticos, a música e a literatura, mas que superaram produzindo obras-primas através de forças de vontade inauditas, de inteligências invulgares e de sensibilidades brilhantes.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

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