Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
A 5 de outubro[1] de 2011 comemora-se o 101º aniversário da implantação da República Portuguesa. Este novo regime político surgiu de um golpe de estado apoiado pelo Partido Republicano Português, pela Maçonaria, pela Carbonária e pelas classes populares que desceram à rua. O ideário Republicano constituiu o móbil de esperança política para muitos patriotas portugueses desejosos de regenerar o país. A organização do golpe de estado, a mobilização generalizada dos lisboetas e a recusa de grande parte das forças armadas em defender a Monarquia possibilitou o êxito do golpe de estado.
A 3 de outubro[2] de 1910 iniciaram-se as operações revolucionárias. Foi parte essencial, na revolução, a resistência férrea do núcleo duro, de revolucionários republicanos, estabelecido na Rotunda, sob a forte liderança de António Maria Machado Santos, não obstante a frustração com as mortes imprevistas de Miguel Bombarda e do Almirante Carlos Cândido dos Reis. A organização do plano insurrecional[3] permitiu o triunfo do golpe de estado, apesar destas lideranças perdidas durante o processo. O apoio dos marinheiros revolucionários que tomaram os navios de guerra ancorados no rio Tejo, em que tomou parte o tenente José Mendes Cabeçadas Júnior, foi também decisivo para intimidar as forças monárquicas.
O intrépido líder das forças militares monárquicas, Henrique de Paiva Couceiro, apesar da ousadia das suas ações[4] bélicas não conseguiu mobilizar o grosso das forças armadas a tomarem a defesa da Monarquia. O episódio rocambolesco em que o embaixador alemão, com o seu assistente de bandeira branca em punho, quis pedir um cessar-fogo para que se deixassem sair do país os cidadãos estrangeiros, gerou um equívoco nas forças republicanas estacionadas na Rotunda que se convenceram e se entusiasmaram por julgarem tratar-se de um pedido de rendição das hostes monárquicas. Deixo-vos, aqui, excertos de um filme da época, de um excelente documentário e de uma conferência do Centenário da República.
Às 9 horas da manhã de 5 de outubro[5] de 1910 foi proclamada a implantação da República, pela voz autorizada de José Relvas, com a aclamação popular reunida em frente da Câmara Municipal de Lisboa. A Revolução Republicana saldou-se em algumas dezenas de mortos e na fuga da família real para o estrangeiro com a saída de D. Manuel II pela praia dos pescadores na Ericeira.
No ano passado (2010) Portugal comemorou o centenário da implantação da República, embora as atividades[6] evocativas se tenham estendido por 2011, uma vez que o regime se consubstanciou com a promulgação da Constituição Republicana em 1911. Tive oportunidade de assistir à Conferência de encerramento, de que aqui reproduzo uma passagem, do ciclo de Conferências intitulado “República mês a mês”, em que foram oradores Fernando Rosas e Mário Soares.
Fernando Rosas fez com a sua consabida clareza o balanço do dinamismo dos estudos historiográficos que se têm feito sobre a Primeira República, enquanto Mário Soares, num incontornável testemunho mais vivencial, frisou sobretudo o papel que o ideário Republicano teve nos oposicionistas à ditadura do Estado Novo. Mencionou, designadamente, a sua tese de licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas que sustentou na época sobre as ideias políticas e sociais de Joaquim Teófilo Braga.
Em síntese, o feriado nacional de 5 de outubro[7] faz parte da identidade genética do espírito democrático português, que deve ser respeitado pelos cidadãos, independentemente das suas convicções republicanas ou monárquicas, e pelos políticos tecnocráticos que poderão encontrar, nestes importantes acontecimentos, lições insubstituíveis da memória coletiva[8] nacional e internacional que urge conhecer, compreender e meditar.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
Este texto segue já as normas do Acordo Ortográfico.
Num outro texto deste blogue escrevi uma pequena resenha biográfica sobre o perfil deste insigne Republicano que muito contribuiu com o seu esforço propagandístico, no jornal “A Luta” e com a sua presença no Directório do Partido Republicano Português, para o sucesso da Revolução do 5 de Outubro de 1910 que instaurou em Portugal o regime Republicano, que foi desde o ano passado condignamente celebrado pelo país. Sei que existe no Alentejo, na terra natal de Manuel de Brito Camacho, em Aljustrel, a Escola Básica 2,3 Manuel de Brito Camacho que foi, a par de um busto deste político, rebaptizada pelo Dr. Mário Soares aquando do seu primeiro mandato como Presidente da República Portuguesa.
No meu anterior “post” fui contactado por alguns familiares de Manuel de Brito Camacho (Luís de Brito Camacho, João Camacho e Maria Helena Rodrigues Gonçalves Costa) e estou interessado em averiguar se alguém possui informações sobre o paradeiro do espólio pessoal e documental de Manuel de Brito Camacho. Este interesse deriva da vontade de desenvolver um projecto de investigação histórica sobre esta relevante personalidade de político e de intelectual que tanto marcou a vida da 1ª República Portuguesa. Como referiu Ana Paula Fitas esta figura pela sua influência no ideário dos Republicanos, pelas suas propostas sociais progressistas e pela elevada sensibilidade literária de muitos dos seus textos merece ser melhor divulgada. Foi, com efeito, um político humanista de grande craveira intelectual que muito contribuiu com a sua acção para insuflar o espírito Republicano nos seus correligionários e nos revolucionários.
Já tenho um ponto de partida importante, em anteriores investigações que desenvolvi e em algumas pistas que possuo, mas desconheço se existem familiares ou entidades públicas ou privadas que detenham o grosso do seu espólio. Consta, nos anais da historiografia, que Brito Camacho era meio-irmão de Inocêncio Camacho, ilustre político e governador do Banco de Portugal. Estou a tentar encontrar o paradeiro do espólio de Manuel de Brito Camacho, de forma que agradeço antecipada e gentilmente a quem tenha informações relevantes a dar-me.
Este projecto de investigação e divulgação só será, completamente, exequível se tiver acesso ao espólio pessoal e documental de Manuel de Brito Camacho. Tenho já um conjunto de notas bastante significativas sobre a sua obra e acção, mas para desenvolver este projecto de fôlego necessito da ajuda de familiares, de investigadores, de curiosos ou de entidades que me possam fornecer informações sobre o paradeiro do seu espólio. Grato por quem tenha esclarecimentos que me possa prestar através dos comentários deste blogue ou do e-mail seguinte: nsmferrao@gmail.com.
Abílio Manuel de Guerra Junqueiro (1850-1923)[1] nasceu em Freixo de Espada-à-Cinta, em meados do século XIX, do casamento entre José António Junqueiro Júnior e Ana Guerra[2], abastados proprietários rurais da região. O jovem Abílio, após uma formação incompleta no Curso de Teologia, acaba por tirar o diploma do Curso de Direito em Coimbra. Ingressou, de seguida, no funcionalismo público e tornou-se mais tarde, episodicamente, político, mas veio a ganhar fama como escritor.
Alcançou grande notoriedade pública como poeta que instigou o ódio antimonárquico e anticlerical, tendo potenciado o ambiente revolucionário que desembocou na implantação da República em 5 de Outubro de 1910. Em Coimbra, no eclético ambiente das tertúlias académicas alargou a sua mundividência, integrando o grupo de intelectuais da Geração de 70[3] que ficou conhecido como “Vencidos da Vida”[4]. Neste viçoso ambiente, da intelectualidade Coimbrã, cedo começou afirmar-se como um promissor poeta e como um encarniçado Republicano.
Em 1873 escreveu um poema de elogio à República Espanhola denominado “À Espanha livre”. Na sequência do Ultimato inglês, de 11 de Janeiro de 1890, encolerizado com a cedência da Monarquia portuguesa aos interesses ingleses que abortaram o sonhado projecto colonial do mapa cor-de-rosa de unir os territórios da costa ocidental de Angola à contra-costa Moçambicana, publicou o opúsculo “Finis Patriae” (1890) que pela popularidade que alcançou exacerbou a descrença popular nas instituições da Monarquia Constitucional. Em reconhecimento dos seus serviços, em prol do ideal Republicano, foi nomeado em 1910 Ministro Plenipotenciário da República Portuguesa na Confederação Suíça, função que ocupou até 1914.
Alcançou um extraordinário êxito literário com o poema “A morte de D. João” (1874) que foi alvo de apreciação crítica por parte de grandes escritores como Joaquim Pedro de Oliveira Martins ou Camilo Castelo Branco. Tornou-se tradutor dos contos infantis de Hans Christian Anderson, que certamente terá influenciado a sua escrita fortemente sentimental. Com a obra, satírica e lírica, intitulada “A velhice do Padre Eterno” (1885) abriu uma acesa polémica anticlerical que enraiveceu as hostes monárquicas e eclesiásticas para gáudio dos Republicanos que o ergueram em arauto da sua Causa.
Em 1892 publicou o livro “Os Simples” em que exaltou os mais desfavorecidos da sociedade, as pessoas humildes e os camponeses, numa cadência lírica em homenagem aos corações mais genuínos dos seus conterrâneos Freixenistas que viviam da lavoura. O seu prestígio literário rompeu fronteiras, pois algumas das suas obras encontram-se traduzidas em diversas línguas. No momento em que celebramos o Centenário da implantação da República não quis deixar de evocar um dos grandes vultos da Cultura Portuguesa que mais contribuiu para a galvanização popular a favor do regime Republicano na transição do século XIX para o XX.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Ana Maria Martins, “Abílio Manuel de Guerra Junqueiro”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol. I, Lisboa, Selecções do Reader’s Digest, 1990, pp. 302-303.
[2] A sobrinha do poeta, Margarida Augusta Guerra Junqueiro casou-se em 1935 com o Almirante Manuel Maria Sarmento Rodrigues. Vide Nuno Sotto Mayor Quaresma Mendes Ferrão, Aspectos da vida e obra do Almirante Sarmento Rodrigues (1899-1979), Mirandela, Edição Câmara Municipal de Freixo de Espada-à-Cinta, 1999, p. 28.
[3] João Medina, Eça de Queiroz e a geração de 70, Lisboa, Moraes Editores, 1980.
[4] Este grupo de promissores intelectuais reunia José Duarte Ramalho Ortigão, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, Abílio Guerra Junqueiro, Luís de Soveral, Francisco Manuel de Melo Breyner, Carlos Lobo de Ávila, Eça de Queirós, entre outros.
Neste ano do Centenário da implantação da República Portuguesa (1910-2010) não podia deixar de evocar este magno e genésico acontecimento da História Contemporânea Nacional. Irei descrever um pouco sinteticamente, com base num relato minucioso de um jornalista da época[2], os antecedentes imediatos[3], o acontecimento revolucionário e algumas das consequências mais importantes ao nível das rupturas do novo regime político.
A ditadura de João Franco (1906-1908), propulsora de medidas repressivas, levou a alastrar na sociedade portuguesa, a par do movimento de propaganda Republicana, uma dinâmica de insubmissão popular. A opressão exercida pelo Governo de João Franco suscitou de tal forma a animosidade dos revolucionários que marcaram a revolta Republicana para o dia 28 de Janeiro de 1908, que acabaria por afastá-lo da Presidência do Conselho de Ministros. De facto, a prepotência ditatorial de João Franco levou-o a reprimir a liberdade de imprensa e a aprisionar dirigentes e populares Republicanos, suspeitos de organizarem uma revolta política. Foi, com efeito, a ausência de plena liberdade durante este Governo que permitiu a associação de monárquicos dissidentes e de republicanos que encaravam a necessidade de uma Revolução, mesmo se perfilhassem ideais contrários, como solução de libertação dos opressivos grilhões da Ditadura de João Franco.
Assim, o descontentamento dos monárquicos dissidentes foi um factor que não se pode menosprezar como elemento potenciador da revolta face ao regime político desacreditado, isto é, a monarquia constitucional. Compreende-se, assim, que o movimento de conspiração e revolta contra a monarquia se tenha feito através da associação de elementos monárquicos dissidentes e de republicanos e da junção de armamento para o acto revolucionário.
Esta conjugação de factores deu azo à primeira grande tentativa de revolta Republicana, em Portugal no século XX, a 28 de Janeiro de 1908. O Almirante Cândido dos Reis e o Escritor João Chagas foram alguns dos dirigentes revolucionários que tiveram um papel decisivo neste acontecimento e na revolução do 4-5 de Outubro de 1910. Na realidade, o insucesso daquela revolta ficou a dever-se à incapacidade de prender o Ditador João Franco e à prevenção das forças militares fiéis ao regime monárquico.
Foi o fracasso da revolta do 28 de Janeiro que induziu o aumento da repressão policial Franquista suscitando, por sua vez, o recrudescimento do ódio à Monarquia. Esta crescente animosidade desembocou no regicídio do rei D. Carlos e do príncipe herdeiro D. Luís Filipe a 1 de Fevereiro desse ano. Este homicídio do rei e do seu filho primogénito adveio do ambiente de hostilidade decorrente do Decreto Ministerial que autorizava a condenação à morte dos cidadãos politicamente insubordinados[4].
Nesta dinâmica de destruição do regime monárquico, a Carbonária, como organização secreta revolucionária, nascida no país no fim do século XIX, a par do papel da Maçonaria na formação da elite dirigente, contribuíram de forma fundamental para armar as classes populares que apoiaram com êxito o movimento insurreccional de 4-5 de Outubro de 1910. Artur Luz de Almeida, António Maria Machado Santos[5] e António Maria da Silva organizaram a acção revolucionária desta instituição secreta. Com efeito, a Carbonária proporcionou a expansão da doutrina Republicana, através da propaganda, e a minuciosa organização da sublevação popular e militar. Por último, cumpre referir que a acção desta organização estimulou os mecanismos repressivos policiais da Ditadura de João Franco.
Deste modo, a Carbonária preparou a acção revolucionária com o fabrico de bombas e o seu detonamento em diversas ocasiões na cidade de Lisboa. Neste contexto de agitação social, importa investigar uma questão que parece não ter sido formulada pela historiografia portuguesa, de forma clara: em que medida o ambiente de violência desta Associação Secreta, antes da Revolução de 1910, e o facto de muitos populares estarem armados, não favoreceu a instabilidade civil da 1ª República?
Houve, posteriormente, um particular cuidado em garantir o êxito de uma nova tentativa revolucionária, após várias tentativas goradas desde o fim do século XIX e início do século XX. Neste sentido, a Carbonária interligou-se com os grandes dirigentes do Partido Republicano e João Chagas, Afonso Costa e António José de Almeida ficaram a liderar a organização revolucionária das operações de insurreição do 4-5 de Outubro. Devido a este factor, e a outro que iremos referir de seguida, surgiu uma dinâmica nova nos preparativos revolucionários. Durante o Governo liderado por António Teixeira de Sousa, de 26 de Junho a 4 de Outubro de 1910, menos opressivo nos processos de controlo aos Republicanos, a propaganda revolucionária teve oportunidade de se intensificar.
Vários momentos foram estabelecidos para o desencadear das operações revolucionárias, designadamente a 28 de Janeiro de 1908, como já referimos, e a 15 de Julho de 1910 que acabou por ser adiada. Foi, então, a 4-5 de Outubro de 1910 que se despoletou a Revolução que implantou em Portugal o regime político Republicano. Um leque de factores conjugou-se para que esta singrasse. Em particular, devemos referir o papel conjunto da Maçonaria, da Carbonária e do Directório Republicano e de muitos militares que tomaram parte na minuciosa preparação da sublevação contra o regime monárquico. No entanto, não podemos esquecer que o peso da adesão popular ao “movimento de libertação” do jugo à Casa Real foi decisivo no resultado do processo revolucionário.
Esta Revolução foi aprazada dois dias antes do seu início. Assim, numa reunião de militares Republicanos a 2 de Outubro no consultório do Dr. Eusébio Leão estabeleceu-se o começo da insurreição, bem como o respectivo plano de sublevação, para o dia 4. Entretanto, o médico e dirigente Republicano, Miguel Bombarda foi assassinado por um doente, do ramo militar, a 3 de Outubro, a quem tinha dado “alta psiquiátrica” após um internamento. Esta vítima, do clima de tensão, ainda teve oportunidade de eliminar, antes de falecer, alguns documentos da Revolução aprazada para que não existissem pistas para as autoridades do movimento insurreccional que se preparava. Contudo, este homicídio suscitou a fúria revolucionária dos populares convencidos da eventual motivação política deste sangrento acontecimento.
A 4 de Outubro sucedeu alguma desorientação nas operações revolucionárias que geraram o desânimo nas hostes Republicanas. Por conseguinte, os primeiros momentos da Revolução foram de algum desalento e de alguma insegurança nos contingentes revoltosos devido ao facto do plano traçado não se ter cumprido na íntegra. Nessa madrugada, já as operações decorriam, apoderou-se dos dirigentes Republicanos uma enorme descrença por causa da falta de comunicação entre os grupos estratégicos das diferentes ofensivas revolucionárias, no entanto as camadas populares revoltosas entusiasmaram-se em Lisboa com o espírito revolucionário.
Dentro deste espírito de vitória acantonaram-se na Rotunda, em Lisboa - epicentro do fenómeno revolucionário, as forças insurrectas, tendo-se reunido militares e civis sob o comando do comissário naval Machado Santos. No momento em que muitos dirigentes da revolução recearam o insucesso do movimento insurreccional, este líder manteve um ânimo inabalável, a que se juntou a força moral dos elementos civis que garantiram o local como reduto de defesa do ideal Republicano. Este factor de resistência anímica foi decisivo, porque após a decepção de muitos dirigentes, perante o incumprimento do plano revolucionário traçado, alguns militares de mais altas patentes abandonaram a Rotunda, mas os militares subalternos pediram nessa ocasião a sua liderança das hostes revolucionárias aí estacionadas.
Na capital, os Republicanos tomaram pontos militares estratégicos e iniciaram escaramuças sangrentas entre os seus contingentes e as tropas fiéis à Monarquia, designadamente a Guarda Municipal. Desta maneira, a Revolução durou desde a madrugada de 4 de Outubro, altura em que começaram as movimentações dos contingentes de insurreição, até ao início da manhã de 5 de Outubro em que foi proclamada a implantação da República.
No momento em que a descrença atinge a alma dos Revolucionários, o Almirante Cândido dos Reis suicida-se e as forças de defesa da Rotunda resistem dando continuidade ao combate pelo ideal de um novo regime. Acontece que este marinheiro ficou convencido que a Revolução tinha fracassado, porque as etapas do plano de insurreição agendadas falharam e acabou por sobrevalorizar informações avulsas que o fizeram temer o insucesso das operações militares.
Na realidade, do Plano Revolucionário delineado fazia parte o controlo da Rotunda, o posicionamento ofensivo de navios militares no rio Tejo e o assalto ao Palácio das Necessidades onde se encontrava o rei D. Manuel II. Convém sublinhar que foi a falta de comunicação dos dirigentes da sublevação e o incumprimento deste Plano, por acção imprevista das hostes defensoras da monarquia, que suscitaram a descrença dos elementos revolucionários.
Entretanto, os navios tomados pelos revolucionários no rio Tejo bombardearam o Palácio Real das Necessidades, obrigando o monarca D. Manuel II a fugir para o Palácio Real de Mafra. De seguida, a restante família real refugiou-se, também, em Mafra, mas tendo recebido notícias do êxito revolucionário, na manhã de 5 de Outubro, embarcou no porto piscatório da Ericeira para fugir do país.
Ao nível das operações militares, o indefectível monárquico Henrique Paiva Couceiro dirigiu o ataque à guarnição revolucionária da Rotunda, sem sucesso, e posteriormente por instrução superior recebida colocou-se com os seus soldados na Baixa Pombalina para garantir a defesa de um eventual desembarque de marinheiros revoltados que quisessem apoderar-se dos edifícios-sede do poder político. Todavia, o desenlace militar da Revolução pendeu a favor dos contingentes insubmissos, porque as tropas monárquicas estacionadas no Rossio acabam por ser comprimidas entre as forças Republicanas da Rotunda e as forças navais do rio Tejo. É, contudo, de referir que os elementos civis postados ao lado dos revoltosos contribuíram decisivamente para a vitória Republicana. No decorrer dos confrontos armados que duraram várias horas foram concedidas tréguas, a pedido do Embaixador Alemão, para a saída de alguns estrangeiros assustados com o ambiente de instabilidade civil que se vivia.
Por fim, na manhã de 5 de Outubro as forças Revolucionárias tomaram diversos pontos militares estratégicos da capital do país e José Relvas proclama da varanda da Câmara Municipal de Lisboa a instauração do regime Republicano e a formação imediata de um Governo Provisório liderado por Joaquim Teófilo Braga[6].
Esta Revolução teve importantes consequências institucionais decorrentes da estruturação do regime Republicano e sociais procedentes das conflitualidades latentes que se arrastaram durante a 1ª República (1910-1926). Com efeito, com o novo regime Republicano surgiram novos símbolos (o Hino “A Portuguesa”, a moeda denominada “Escudo” e a actual bandeira nacional) que pretenderam corporizar o ideal de uma vida nova da Pátria Portuguesa através da reestruturação dos poderes soberanos do Estado.
Nos primeiros meses do novo regime esta transformação foi sendo tecida pela nova classe política, constitucionalmente, alcandorando-se a máximo representante do Estado o Presidente da República, mas fazendo-o depender do Parlamento bicamarário. Por sua vez, o Estado tornou-se Laico, em 1911 com a Lei da Separação do Estado e da Igreja, que levou a um recrudescimento do ódio anticlerical que podemos imaginar como semelhante àquele que o prodigioso escritor Graham Greene retratou com brilhantismo, no romance histórico “O Poder e a Glória”[7], a propósito da perseguição dum padre Católico por parte da República no México nos anos 20 do século passado.
Em termos de balanço sucinto da 1ª República (1910-1926), pois uma análise mais aprofundada deste período exigirá a indispensável consulta da Historiografia[8] que está a receber novas actualizações[9] a propósito da Comemoração deste magno acontecimento pátrio, diremos que esta realidade histórica se afigura complexa pelos progressos gerados que se conjugaram com alguns constrangimentos sociais. Cumpre, no entanto, destacar algumas linhas de força que moldaram o semblante reformista deste período.
Em primeiro lugar, teve uma crucial importância a profundidade da política educativa que instituiu o Ensino Primário obrigatório para combater o analfabetismo que grassava na sociedade portuguesa, ao mesmo tempo que se expandiu a estrutura do Ensino Superior no país. Em segundo lugar, como é sabido, a instauração do regime Parlamentarista desencadeou uma instabilidade política que foi dominante neste período. Em terceiro lugar, foram também decisivas as medidas sociais tomadas a favor dos Trabalhadores, designadamente do Direito à Greve que deu origem a um uso excessivo por falta de consciência cívica da população[10], mas o espírito Civilizacional que lhe esteve subjacente moldou este regime e devia ser factor de inspiração do actual que está a ser despojado da sua identidade autenticamente democrática. Esperemos que este momento comemorativo da implantação da República sirva para que o passado, recordado e celebrado, nos ilumine este presente incerto modelado por uma Globalização desregrada rumo a um futuro melhor e mais justo.
Revolucionários Republicanos
José Relvas proclama da varanda da
Câmara Municipal de Lisboa
a instauração do regime Republicano
[1] Em muitas localidades de Portugal a toponímia de ruas e de praças é marcada pelas figuras Republicanas, pela Revolução de 5 de Outubro de 1910 e pela referência a este regime político. Na Ericeira há exemplos deste fenómeno como este que apresentamos, mas na cidade de Beja a densidade de ruas com nomes de figuras ligadas à República é uma realidade particularmente interessante.
[2] Jorge Abreu, 0 5 de Outubro – A Revolução Portuguesa, Lisboa, Edição Alfarrábio, 2010. Esta obra foi escrita por este jornalista Republicano do Primeiro de Janeiro que publicou esta análise, jornalística depurada, em 1912.
[3] Este “post” não pretende fazer uma descrição exaustiva de todas as causas da Revolução Republicana, mas apenas dos motivos mais directos, deste acontecimento da História de Portugal, do segundo quinquénio do século XX.
[5] João Medina, “Machado Santos”, in História de Portugal, dir. João Medina, vol. X, Lisboa, Edição Ediclube, 1993, pp. 54-63.
[6] “Joaquim Teófilo Fernandes Braga”, in Parlamentares e Ministros da 1ª República (1910-1926), coordenação de A. H. Oliveira Marques, Edições Assembleia da República – Ed. Afrontamento, 2000, pp. 124-125; Mário Soares, As ideias políticas e sociais de Teófilo de Braga, Lisboa, Centro Bibliográfico, 1950 (prefácio de Vitorino Magalhães Godinho).
[7] Graham Greene, O Poder e a Glória, Alfragide, Oficina do Livro, - Casa Editorial, 2010. Este aliciante livro tem um prefácio, bem interessante, da autoria do escritor John Updike.
[8] João Medina, “A I República – o que foi ?”, in História de Portugal, dirigida por João Medina, vol. XI, Alfragide, Edições Ediclube, 1993, pp, 245-252.
[9] Cito algumas dessas actualizações Historiográficas sem querer ser exaustivo: Joaquim Romero Magalhães, Vem aí a República! 1906-1910, Coimbra, Almedina Editores, 2010; Filipe Ribeiro Meneses, Afonso Costa, Lisboa, Texto Editora, 2010; AAVV, Viva a República 1906-1910, Lisboa, Inprensa Nacional-Casa da Moeda, 2010.
[10] António Sérgio, Educação Cívica, Lisboa, Editora Livraria Sá da Costa, 1984. A 1ª edição data de 1915 e esta última teve um elucidativo prefácio de Vitorino Magalhães Godinho.