Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Num mundo crescentemente marcado por conflitos e violências, neste momento de vivência e de convívio com a pandemia do COVID-19, muito temos a aprender com a experiência de aculturação e de interculturalidade com os portugueses dos séculos XV a XVII.
Neste mundo de aversão ou de desconfiança perante os estrangeiros que circulam neste mundo globalizado dos nossos dias, com as escolas a acolherem e a incluírem alunos estrangeiros de múltiplas nacionalidades é importante saber dialogar com outras culturas e tradições, pois apenas dessa forma se conseguirá a integração plena nas sociedades europeias de invíduos da Europa de Leste, do Oriente e, sobretudo, da América Latina.
O caso de violento racismo exercido sobre George Floyd nos EUA, no fim do mês de maio de 2020, que originou muitas revoltas e inúmeros tumultos urbanos nas cidades norte americanas, veio evidenciar a falta de diálogo intercultural em muitas das sociedades contemporâneas.
A morte de G. Floyd às mãos preconceituosas de 4 polícias mostra o racismo e a prepotência de algumas autoridades das forças de segurança internas deste país, que tem atravessado a história contemporânea dos EUA, apesar da luta sem tréguas de Martin Luther King. Pelo que, muitos países, terão bastante a aprender com as lições históricas dos portugueses no contacto mutuamente enriquecedor com outros povos durante a expansão dos europeus dos séculos XV a XVII. Dado que os portugueses conseguiram um diálogo muito enriquecedor com outros povos, como veremos, de seguida, em duas peças artísticas do Museu Nacional de Arte Antiga, demonstrativas do contacto dos portugueses com as populações naturais do Japão e do Brasil.
OS BIOMBOS NAMBAN
Através da observação atenta dos Biombos Namban (Figura A), verificamos as trocas interculturais entre os portugueses e os povos do mundo com que contactámos, entre os séculos XVI e XVII. A impressão que esta peça nos causa é um gosto requintado de uma peça de mobiliário, muito rica, com muita tendência para a representação figurativa dos pormenores. Esta peça de mobiliário foi produzida no Japão entre 1593 e 1601 por um autor chamado Kano Domi e representa a forma como os japoneses viam os portugueses que tinham chegado ao Japão para estabelecer relações comerciais e evangelizar a população através dos missionários jesuítas.
O suporte, que sustenta a pintura, é constituído por uma leve estrutura de madeira recoberta de várias camadas de papel de amoreira, sendo revestidas a folhas de ouro e pintadas com a técnica da têmpera. Os biombos formam um par. Cada deles tem 1 metro e quase 73 centímetros de altura, 2 centímetros de espessura e quase 3 metros e 31 centímetros de comprimento.
Na excelente apresentação descritiva do programa televisivo da “Visita Guiada”, que teremos oportunidade de visualizar no vídeo em baixo, em relação aos Biombos, referidos, vemos representados alguns elementos: o arcabuz transmitido pelos portugueses aos japoneses; os elefantes desconhecidos pelos japoneses; os óculos dos portugueses que causaram intensa estranheza aos nipónicos; as cadeiras chinesas utilizadas pelos portugueses em terras nipónicas; as igrejas cristãs de estilo japonês, fruto da evangelização dos missionários jesuítas; a admiração dos japoneses pela habilidade “trapezista” dos marinheiros lusos; os animais “exóticos” como os cães perdigueiros que os nipónicos desconheciam, etc.
Por outras palavras, fruto da globalização, encetada pela expansão marítima portuguesa, assistimos ao diálogo de culturas com: o capitão-mor português a transportar à cintura duas espadas de samurai, o transporte no cortejo de mercadorias pelos portugueses de objetos com influências formais de múltiplas regiões do mundo ou, ainda, o esforço de adaptação dos jesuítas portugueses aos costumes japoneses, conseguindo a conversão de muitos habitantes locais, como surge representado numa figura de um nipónico vestido de jesuíta.
A PINTURA “O INFERNO”
Esta pintura portuguesa do início do século XVI representa o tema do inferno. Deve ter sido pintada entre 1505 e 1530. É uma pintura a óleo, típica da arte Renascentista, que tem um suporte retangular de madeira de carvalho, com 1 metro e 19 centímetros de altura e 2 metros e quase 18 centímetros de largura.
Representa um lugar subterrâneo com uma abertura no canto superior direito, de onde caem as almas das pessoas condenadas ao inferno. Muito original é a representação do chefe dos demónios, que aparece sentado numa cadeira como um índio brasileiro, com penas na cabeça e uma trompa na mão, quando o território brasileiro tinha sido “achado” uns anos antes pela armada de Pedro Álvares Cabral. Alguns dos condenados surgem como indivíduos sofredores dentro de um caldeirão com água a ferver. Os condenados estão associados a diversos pecados. Os historiadores não têm a certeza da sua autoria, por falta de documentos históricos conclusivos.
A pintura terá sido exposta num antigo convento, onde lembraria aos seus moradores o risco de terem comportamentos moralmente condenáveis. Trata-se de uma imagem satírica da crença católica no inferno, que alguns autores comparam ao poder expressivo da obra literária de Gil Vicente intitulada Auto da Barca do Inferno.
Paradoxalmente, o mestre de cerimónias, vestido de índio, é o único completamente vestido, em claro contraste com os restantes demónios e os indivíduos condenados que se encontram nus ou seminus. O aspeto risível da pintura sobressai das figuras estranhamente cómicas dos demónios, que se encarregam dos condenados. Confrontemos este imaginário do pintor com a descrição de Pero Vaz de Caminha quando avista índios no Brasil: “(...) Avistámos homens que andavam pela praia (...) nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. (...)”.(in Arquivo Nacional da Torre do Tombo)
Questionário de análise das obras de arte:
Identifica o tipo de arte (pintura, escultura, mobiliário, etc) de cada uma das figuras - A e B.
Regista dois aspetos de cada uma das peças artísticas observadas (figuras A e B).
Expressa as emoções que sentes na observação de cada uma das obras de arte (figuras A e B).
Menciona o tema representado nas obras de arte das figuras - A e B.
Refere a data e o local de produção das obras de arte das figuras - A e B.
Indica as dimensões (altura, largura e comprimento) das obras de arte das figuras - A e B.
Enuncia os suportes em que foram produzidas as obras de arte das figuras - A e B.
Descreve os elementos representados nas obras de arte das figuras - A e B.
Enuncia o(s) período(s) histórico(s) em que se produziram as obras de arte das figuras - A e B.
Indica as caraterísticas mais importantes das obras de arte apresentadas nas figuras - A e B.
Comenta a seguinte frase: “A aversão aos estrangeiros que se verifica nos nossos dias é contrária à defesa dos Direitos Humanos e ao diálogo intercultural”.
Num mundo crescentemente marcado por conflitos e violências, neste momento de vivência e de convívio com a pandemia do COVID-19, muito temos a aprender com a experiência de aculturação e de interculturalidade com os portugueses dos séculos XV a XVIII. Não será por acaso que a ONU, nesta presente conjuntura do início do século XXI, está a ser liderada por António Guterres, um profundo conhecedor da estratégia do diálogo intercultural.
Na aprendizagem intercultural do pintor Nuno Gonçalves, nos Painéis de São Vicente, são manifestos os seus conhecimentos empíricos das novidades e das técnicas das pinturas flamengas e italianas Quinhentistas. Apesar do grande desconhecimento sobre esta obra emblemática do MNAA, recentemente a iniciar o seu o restauro, devido a ausência de documentação histórica que nos forneça provas para muitas das questões e das teorias que rodeiam esta obra-prima da pintura portuguesa do Renascimento, muito temos a aprender.
Através da observação atenta desta pintura emblemática, verificamos a vivacidade das cores, a utilização da técnica a óleo e o rigor no realismo empregue na representação das vestes e da construção de figuras em vários planos, dando-nos a noção de um espaço tridimensional e de um forte realismo nos drapejamentos. Constatamos, assim, a aprendizagem do pintor com os autores flamengos e italianos. Terá estado na Flandres? Terá conhecido Van Eyck em Portugal?
O objetivo do pintor Nuno Gonçalves foi o de representar a nação portuguesa nos seus vários estratos sociais em volta de um Santo. É, ainda hoje, um símbolo da identidade nacional portuguesa do tempo da gesta dos Descobrimentos Marítimos. Será que a expressividade tensa das fisionomias das figuras desta obra significará a unidade nacional perante o desafio das descobertas marítimas em curso em meados do século XV ?
Verificamos as trocas interculturais entre os portugueses e os povos do mundo com que contactámos, entre os séculos XVI e XVIII, através dos Biombos Namban e mediante a apresentação de diversas outras peças artísticas do Museu Nacional de Arte Antiga.
Na apresentação descritiva da Visita Guiada em relação aos Biombos, que apresentamos no "link" em cima, vemos representados: o arcabuz transmitido pelos portugueses aos japoneses; os elefantes desconhecidos pelos japoneses; os óculos dos portugueses que causaram intensa estranheza aos nipónicos; as cadeiras chinesas utilizadas pelos portugueses em terras nipónicas; as igrejas cristãs de estilo japonês, fruto da evangelização dos missionários jesuítas; a admiração dos japoneses pela habilidade “trapezista” dos marinheiros lusos; os animais “exóticos” como os cães perdigueiros que os nipónicos desconheciam, etc.
Por outras palavras, fruto da globalização, encetada pela expansão marítima portuguesa, assistimos ao diálogo de culturas com o capitão-mor português a transportar à cintura duas espadas de samurai, o transporte no cortejo de mercadorias pelos portugueses de objetos com influências formais de múltiplas regiões do mundo ou, ainda, o esforço de adaptação dos jesuítas portugueses aos costumes japoneses, conseguindo a conversão de muitos habitantes locais, como surge representado numa figura de um nipónico vestido de jesuíta.
Igualmente no Museu Nacional de Arte Antiga encontramos múltiplos exemplos artísticos de interculturalidade formal, como deu a conhecer a historiadora Maria de Lourdes Riobom. Desde o Saleiro do Benim em que surgem os portugueses vistos pelos africanos, o contador mogol onde surgem representados portugueses e asiáticos; o cofre oriental, inspirado nos baús portugueses de viagem e reproduzindo uma estampa de A. Dürer que representa figuras da Sagrada Família, compaginando anjos vestidos de acordo com os costumes nativos e pastores trajados à portuguesa ou a pintura do Inferno, de autor português Quinhentista, anónimo que apresenta o Diabo como um Índio.
Em suma, verificamos que a aculturação, a interculturalidade e a aprendizagem com o “outro”, entre os portugueses e os povos contactados, nos permitiram no início do contexto da globalização oferecer “novos mundos ao mundo”, desde o século XVI, através do diálogo intercultural que permeia múltiplas peças do rico espólio artístico do Museu Nacional de Arte Antiga.
Uma epidemia de doença infecciosa, que se alastra facilmente por uma grande região geográfica como uma doença nova e perigosa, dá-se o nome de pandemia. Presentemente, a Organização Mundial de Saúde ainda não classificou o COVID-19 como uma pandemia.
Os coronavírus são um conjunto de vírus, que já se conhecem desde os anos 60 do século XX. A maioria dos indivíduos sofre infeções de coronavírus durante a vida mas como infeções respiratórias leves a moderadas. Contudo, este coronavírus de 2019 (com o nome oficial COVID-19) é ainda bastante desconhecido, podendo originar pneumonia. Foi identificado, pela primeira vez, na cidade chinesa de Hubei, no fim de 2019.
É ainda preciso mais tempo para estudar, cientificamente, este novo vírus, nas suas caraterísticas e na possibilidade de se alcançar um método de tratamento. Desconhece-se, na comunidade internacional, neste momento a origem da infeção. A sintomatologia é idêntica a uma gripe, constando de febre, de tosse, de falta de ar e de cançaso. Em situações mais complicadas, pode dar origem a uma pneumonia grave com insuficiência respiratória, falência dos rins e provocar mesmo a morte.
É de 2 a 14 dias o período de incubação da doença, desde a infeção inicial do COVID-19 até ao surgimento de sintomas, daí a recomendação de se fazer um tempo de quarentena de duas semanas para pessoas provenientes de regiões ou de países com muitas pessoas infectadas.
A transmissão faz-se através de contacto pessoal e o tratamento destina-se a debelar os sintomas dos doentes. O uso de antibióticos é contraproducente no tratamento do COVID-19, dado que estes não curam vírus e a sua utilização poderá aumentar a resistência futura a antibióticos.
Já neste século XXI, em 2002-2003 e em 2012, se verificaram, no mundo, surtos de coronavírus provocado pelo SARS-CoV e pelo MERS-CoV, tendo provocado infeções respiratórias graves. Não existe ainda vacina para o COVID-19.
É conveniente adoptarmos, todos nós caríssim@s concidadãos, algumas medidas de proteção e prevenção para diminuir o risco de sermos contagiados pela doença: a higiene frequente das mãos; ao tossir e ao espirar cobrir a boca com um pequeno pano para evitar a difusão de gotículas difusoras da doença; manter uma distância social de pelo menos 1 metro diante de doentes infectados, ou diante daqueles que tossem ou manifestam sintomas febris; evitar tocar nos olhos, no nariz e na boca antes de lavar as mãos, pois se alguma superfície tiver sido contaminada poderemos contrair a doença; se tivermos febre ou dificuldade em respirar devemos pedir auxílio médico e o mesmo se tivermos vindo de uma viagem de uma zona de prevalência intensa de proliferação do vírus (casos da China, de Itália, da Coreia do Sul, do Japão ou do Irão); quando visitarmos mercados, de animais vivos, deveremos lavar, muito bem, as mãos e não colocar as mãos nos olhos, na boca, nem no nariz, antes de procedermos à sua higienização; evitemos o consumo de animais crus ou pouco cozinhados; manipulemos os alimentos crus com muita precaução.
A pneumónica de 1918-1919
A gripe pneumónica, também conhecida como gripe espanhola, foi a maior pandemia da história da humanidade, tendo provocado a morte de 50 a 100 milhões de pessoas, nos anos de 1918-1919, por todo o mundo. A sua mortalidade foi muito superior à verificada no período da Peste Negra do século XIV. A pneumómica também ficou conhecida como gripe espanhola, visto que, no decorrer da primeira guerra mundial, em período de censura de guerra na imprensa europeia, a imprensa espanhola noticiava evidências do surto epidémico.
Em Portugal, a gripe pneumónica chegou durante o mês de maio de 1918 e encontra-se muito bem descrita no romance histórico de Francisco Moita Flores – Mataram o Sidónio!. Neste país, algumas regiões foram dizimadas com uma perda populacional da ordem dos 10%.
O combate ao surto epidémico, em Portugal, foi dirigido pelo Diretor Geral de Saúde, Ricardo Jorge, que deu nome ao atual Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, que nestes dias tem feito análises aos cidadãos que entram em Portugal e são suspeitos da possibilidade terem contraído o coronavírus 2019. A política de Saúde Pública do Doutor Ricardo Jorge passou, na época, por encerrar escolas e proibir feiras e romarias, tendo-se convertido muitos espaços públicos em enfermarias. No entanto, a situação revelou-se bastante caótica, como muito bem nos descreve Francisco Moita Flores no seu referido romance histórico.
A gripe de 1918 foi causada pelo vírus influenza A do subtipo H1N1, que se revelou, com muita frequência, mortal. A origem geográfica desta pandemia é desconhecida, ao contrário da atual gripe COVID-19, que consta ter tido o seu início no mercado da cidade chinesa de Hubei. A doença foi detectada, pela primeira vez, a 4 de março de 1918 no Kansas, nos Estados Unidos da América, e em Nova Iorque a 11 de março.
Na Europa, as primeiras manifestações da doença verificaram-se, em abril de 1918, em tropas francesas, britânicas e americanas posicionadas em portos franceses, no decurso da primeira guerra mundial. Todas as tropas beligerantes, em confronto, foram dizimadas por este surto infecioso.
A parábola literária da obra-prima A Peste de Albert Camus
Este livro publicado em 1947, numa ressonância crítica do que foi a segunda guerra mundial, aborda o horror e a resiliência do ser humano a fenómenos extremos como o de uma peste ou o morticínio bárbaro e inarrável do Holocausto nazi.
Esta obra consagrou Albert Camus como um escritor consagrado da literatura contemporânea. A narrativa começa numa manhã de 16 de abril, da década de 40, quando o doutor Bernard Rieux, ao sair do seu consultório, tropeça num rato morto.
Esta situação será a manifestação de uma epidemia de peste que se espalhará pela cidade de Orão, na Argélia, a qual será sujeita a um período de quarentena, tal como se verificaram também tempos de quarentena em Hubei, com o isolamento de milhões de chineses, e, em Itália, onde as autoridades reagiram às infecções por coronavírus, isolando 50 mil pessoas em povoações do norte do país. A cidade de Orão tornou-se um local claustrofóbico, em que os seus habitantes foram tomados por estados de grande sofrimento, ou mesmo, de loucura.