Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Várias personalidades, entre 1909 e 1928, defenderam a tese de que era preciso tornar eficiente o sistema adiministrativo colonial português sob o risco de potências estrangeiras, legitimadas por mandato da Sociedade das Nações com o pretexto de que o país era incapaz de administrar correctamente as suas colónias, se apoderarem das funções de soberania nas colónias portuguesas.
O ex-deputado da 1ª República José Ferreira Dinis em 1928[1] atacou a tendência centralizadora e a homogeneização administrativa impostas pelas Bases Orgânicas da Administração Colonial de 1926 incrementadas pelo ministro João Belo, assegurando que era fundamental conciliar a eficiência do sistema com o princípio republicano de descentralização administrativa.
Deste modo, propôs que fossem implementados os princípios da descentralização e da autonomia financeira das colónias, embora se devesse aplicar, para salvaguardar a eficácia do sistema, o preceito de rigorosa superintendência e de fiscalização pela metrópole.
Censurou a tese oficial que restringiu os poderes dos governos coloniais e impôs um modelo único de estrutura governativa nas diferentes colónias, o que na sua óptica contrariava os princípios de descentralização administrativa e de heterogeneidade das estruturas administrativas coloniais.
Na opinião de José Ferreira Dinis, a descentralização administrativa colonial, embora declarada na Constituição de 1911 e na Lei Orgânica das Colónias de 1914 do ministro Almeida Ribeiro, só teve expressão prática no início dos anos 20, mas acabou por falhar com a eclosão da crise colonial de 1924-1925 por não ter sido aplicado o princípio subsidiário da superintendência e da fiscalização pelo poder metroplitano[2].
De facto, Ferreira Dinis revela um juízo valorativo crítico ao considerar que o defeito não residia na doutrina da 1ª República, mas na falta da sua integral aplicação. Denunciou, assim, que o governo da Ditadura Militar embora fizesse a propaganda dos mesmos princípios, na verdade invertia de forma dissimulada a doutrina colonial que vinha sendo pregada na sociedade portuguesa desde o I Congresso Colonial Nacional em 1901[3].
Em 1922 na altura em que se discutia a Convenção comercial entre a União Sul-Africana e Moçambique, cujo representante português era Alfredo Freire de Andrade, Lourenço Cayolla[4] salientou ser necessário tornar a administração colonial mais eficaz na protecção dos interesses económicos portugueses. Na realidade, nos anos 20 Moçambique passou a depender economicamente em grande escala da África do Sul, porque se estabeleceram relações comerciais estreitas entre estas regiões devido à mão-de-obra Moçambicana a trabalhar no Estado vizinho e à utilização do porto de Lourenço Marques para o escoamento dos produtos sul-africanos.
Assim, Lourenço Cayolla preconiza a tese de que o novo acordo entre a África do Sul e Moçambique deveria ser mais equilibrado na repartição de benefícios, porque a anterior Convenção de 1909 tinha sido amplamente desvantajosa uma vez que permitiu a emigração sazonal ilimitada de indígenas moçambicanos para trabalhar no Traansvaal, saindo prejudicada a agricultura de Moçambique e o patriotismo dos indígenas. Na sua perspectiva, os malefícios deste acordo desigual faziam perigar a soberania portuguesa em Moçambique e daí a necessidade de que a nova negociação estipulasse um tratado mais justo.
Por outras palavras, na sua opinião um dos malefícios da Convenção de 1909 tinha sido a ausência da fixação de um limite ao contingente de indígenas que iam trabalhar para as minas do Rand, o que empobreceu a força produtiva de Moçambique com a perda de mão-de-obra na agricultura, e também tinha contribuído para “desnacionalizar” os indígenas que passaram a apreciar a capacidade de realização dos sul-africanos.
De facto, no seu modo ver este acordo teve para esta colónia consequências negativas, dado que a fuga autorizada da mão-de-obra indígena de Moçambique para o Transvaal provocara o declínio económico da colónia e a perda de patriotismo dos autóctones[5]. Com efeito, Lourenço Cayolla temia que a manter-se um compromisso do género do anterior com as novas negociações de 1922 se poderia encaminhar este território para o abismo da independência, quer fosse pela integração na União Sul-Africana ou pela simples desvinculação da soberania ao Estado português.
Destes autores, e dos que se seguem, subjaz a tese heterodoxa de que era imperioso tornar eficaz o sistema administrativo colonial português, porque as críticas das sumidades internacionais e da opinião pública europeia eram unânimes na reprovação desta gestão colonial. Foram, pois, estas individualidades que alertaram para a necessidade de reformar a estrutura administrativa colonial em aspectos que pensavam ser mais defeituosos. Todos fazendo críticas pontuais à política colonial executada pretendiam contribuir para aperfeiçoar o funcionamento da máquina administrativa de modo a retirar legitimidade às cobiças estrangeiras sobre as colónias portuguesas.
Estes doutrinadores chamavam a atenção para o facto da participação portuguesa na Grande Guerra de 1914-1918 ter salvaguardado a integridade do império colonial português, não obstante novas ameaças externas se fazerem sentir sobre as possessões lusitanas e, por consequência, a simples estratégia da ocupação militar das colónias ser, claramente, insuficiente.
O Professor Gonçalo Santa-Rita descreve num artigo duma publicação da Escola Superior Colonial a conjuntura de ameaças e perigos expansionistas que as colónias portuguesas sofreram de 1884 a 1919 e alerta no sentido de prevenir novas ameaças externas que podiam manifestar-se se não soubessemos salvaguardar os nossos interesses de soberania nas colónias. Exemplificando, afirma que no Congo na década de 80 do século XIX o nosso país foi esbulhado pela Bélgica da margem norte do Zaire, que de 1894 a 1915 a Alemanha colocou em perigo territórios de Moçambique e de Angola e que na época, não obstante as garantias recebidas com a colaboração na vitória na Grande Guerra, potências como a Bélgica e a África do Sul pretendiam anexar áreas do norte e do sul de Angola e do sul de Moçambique.
O general Alfredo Freire de Andrade, chefe da delegação portuguesa que presidia às negociações de 1922 de Moçambique com a África do Sul destinada a actualizar a Convenção de 1909, tinha a opinião heterodoxa de que não se devia impôr à União Sul-Africana um limite máximo de recrutamento de trabalhadores moçambicanos, porque isso poderia levar o país vizinho a exigir nas negociações contrapartidas demasiado elevadas e incitar à fuga ilegal de indígenas[6]. Tem, pois, uma posição contrária à expressa oficialmente pelo titular do poder executivo, o Alto-Comissário Manuel Brito Camacho[7], que considerava importante impôr um limite máximo de recrutamento de trabalhadores moçambicanos, dado que estes eram necessários ao desenvolvimento agrícola de Moçambique. Não se deveria, por isso, dispensar um número ilimitado de trabalhadores à África do Sul.
Freire de Andrade, em correspondência oficial trocada com Brito Camacho nesta data, assume como negociador-chefe do processo destinado à actualização da Convenção com a União Sul-Africana posições políticas concretas e não apenas atitudes doutrinárias. Numa carta que envia a Brito Camacho a 16 de Maio de 1922 constatam-se pontos interessantes da sua opinião em relação ao modo de administrar Moçambique[8]. Em primeiro lugar, reputava que o Banco Nacional Ultramarino devia ajudar a regularizar a situação monetária em Moçambique, mas não deveria introduzir na circulação fiduciária do território notas da União Sul-Africana. Em segundo lugar, considerava que era desejável pedir um empréstimo em Londres para a colónia, fazendo crer ao país vizinho que o importante era este dinheiro emprestado e não tanto as verbas que entravam da União. Em terceiro lugar, concordava com Brito Camacho que a emigração indígena para as minas do Rand devia provir dos distritos do Sul do Save[9], uma vez que nesta região a mão-de-obra era menos necessária à produção agrícola.
Por conseguinte, constata-se que os debates da eficácia do sistema colonial português perpassam por estas primeiras décadas do século XX, uma vez que o aparelho Estadual estava a ser montado. O exemplo de Moçambique é bem emblemático das problemáticas que foram debatidas.
[1] José de Oliveira Ferreira Dinis, “A evolução da política colonial portuguesa”, in Boletim da Agência Geral das Colónias, nº 34, Abril de 1928, pp. 3-13.
[2] As seguintes citações fundamentam estas análises: “(...) Perfeitas que fossem [ as leis coloniais ], não podiam elas dar-nos resultados apreciáveis, com a crise que as colónias atravessam, quando em execução, e pela maneira como a metrópole se desinteressou da fiscalização que a lei lhe impunha. A metrópole, representada pelo poder executivo ou pelo Ministério das colónias, não exerceu, durante a sua vigência, a menor fiscalização, nem orientou como igualmente lhe competia a política colonial. (...) No entanto, as bases orgânicas de 2 de Outubro de 1926 não estão dentro daqueles princípios, excedem-nos e atraiçoamo-nos, não realizando o que eles exprimem. Excedem e atraiçoam o objectivo de uma maior eficácia na superintendência e fiscalização da metrópole, porque substituíram a superintendência e a fiscalização, por uma intervenção directa que tolhe os movimentos das colónias e embaraça a acção dos governadores, absolutamente contrária aos princípios de descentralização administrativa e autonomia financeira. (...)” Ibidem, pp. 10 e 12.
[3] Por outras palavras, Ferreira Dinis criticou a reforma orgânica de 1926 de proclamar a descentralização administrativa colonial e de na prática através dos mecanismos institucionais se consagrar um reforço da centralização e da homogeneização da estrutura administrativa colonial.
[4] Lourenço Cayolla, “Moçambique e a África do Sul”, in Revista Colonial, Ano X, nº 9, Março de 1922, pp. 263-264.
[5] Estas afirmações podem inferir-se das seguintes passagens deste artigo de Lourenço Cayolla: “(...) Bastam estas palavras para se ver que (...) ainda nos sugeitavamos em 1909 a novas imposições e concordavamos com novas clausulas que feriam profundamente os nossos interesses e direitos. (...) Devido às facilidades que mantivemos para a emigração dos indígenas, esta, a não ser com uma ligeira inflexão nos anos da guerra, não deixou de seguir uma linha ascensional, do que tem resultado a diminuição e a degenerescência duma população que tanto precisavamos desenvolver para assegurarmos a prosperidade daqueles territórios e evitar a desnacionalização daqueles povos, desnacionalização agravada ainda pelas alterações das suas instituições, usos e práticas tradicionais e que já se reflecte gravemente na sua atitude para com os representantes da mãe-pátria. (...) Precisamos ainda acentuar mais nitidamente as desastrosas consequências que desse abuso nos tem resultado e referimo-nos a outras cláusulas da Convenção que se vai substituir, no desejo de acautelarmos os nossos representantes para que estes evitem a sua repetição. (...)” Ibidem, p. 263.
[6]Documentos trocados entre o general Freire de Andrade e o Alto Comissário da República Brito Camacho, datados de 17 de Abril a 21 de Julho de 1922, Confidencial, 1923, 44 p.. Estes documentos tratam-se de uma avolumada correspondência entre Freire de Andrade e o Alto Comissário de Moçambique Brito Camacho referentes ao processo de negociação com a África do Sul com vista a actualizar a Convenção que tinha sido estabelecida em 1909. Estes textos servem para dilucidar as posições administrativas que o lúcido Freire de Andrade aconselhava ao governante Brito Camacho, tanto mais que ele já tinha sido governador geral de Moçambique e conhecia em profundidade a sua realidade empírica.
[7] Brito Camacho temia as ambições imperialistas do General Smuths, primeiro-ministro da União Sul-Africana, cujas expectativas consistiam em anexar territórios moçambicanos. Na renegociação da Convenção foram tratados essencialmente dois assuntos: o contingente de mão-de-obra indígena fornecido às minas do Rand e a pretensão sul-africana de arrendar o porto de Lourenço Marques e a linha férrea de Ressano Garcia. Ele encarava as ambições hegemónicas da União sobre os territórios vizinhos, designadamente Moçambique, como uma ameaça real à integridade da colónia, daí as cautelas que demonstrou em aceitar arrendar essas infra-estruturas de transporte à soberania da União, quiçá temendo que isso pudesse suscitar o início dum processo de transição da soberania sobre esses territórios. Todavia, outro dos interesses portugueses nesta negociação era o de regular a emigração sazonal de indígenas para a África do Sul de modo a não prejudicar os lucros económicos da colónia, portanto talvez as intenções planeadas por Camacho fossem diminuir o volume emigratório ou aumentar as contrapartidas financeiras dadas pela União a Moçambique. ( in João Fernandes, Brito Camacho – algumas reflexões acerca da sua obra colonial, Lisboa, Edição da Seara Nova, 1944, pp. 26-27 ).
[8] Freire de Andrade não estava de acordo neste momento com a “expropriação” ou a venda do Caminho de Ferro e do Porto de Lourenço Marques à África do Sul, como o aspirava o general Smuts, mas contudo julgava conveniente investir no seu aperfeiçoamento e na sua dinamização desde que esta suscitasse algumas contrapartidas económicas, que tornassem rentáveis os investimentos e as melhorias a implementar.
[9] É interessante salientar que Brito Camacho se opôs tenazmente às ambições anexionistas da União Sul-Africana sobre o sul de Moçambique, daí as negociações sobre a Convenção nesta data terem sido infrutíferas, pois só se chegou a acordo em 1933. Por seu turno, o governante da potência vizinha, general Smuths, achava inevitável que, mais cedo ou mais tarde, Moçambique se tornaria independente de Portugal, porque esta sujeição política atrasava o seu desenvolvimento. Camacho considerava esta argumentação sofística e inaceitáveis as pretensões da União, uma vez que por detrás escondiam ambições futuras mais vastas. Deste modo, opinou que se devia acabar com a exportação de trabalhadores para o Transvaal rentabilizando-os antes na produção agrícola moçambicana. “(...) O general Smuths pretendia o arrendamento do porto de Lourenço Marques e da linha de Ressano Garcia, por noventa e nove anos, e de resto nada lhe interessava a mão de obra indígena a fornecermos ao Rand. (...) Quando nos convencermos de que vale mais trabalhar a terra que alugar trabalhadores; (...) quando assim fôr, nem sequer o tráfego do Transvaal nos fará falta, porque viveremos muito bem sem ele. (...)” ( in João Fernandes, Brito Camacho – algumas reflexões acerca da sua obra colonial, Lisboa, Edição Seara Nova, 1944, pp. 26,27 e 31 ).
Comandante João Belo, ministro das colónias (1926-1928)
Os propagandistas da tese da autonomia administrativa colonial apareceram, sobretudo, no momento em que se dava uma reviravolta centralista da administração colonial com a política do ministro João Belo e posteriormente do Acto Colonial, nos anos de 1926 a 1930. Consideravam os adeptos da tese autonomista que o fracasso do sistema descentralizador da administração colonial portuguesa se ficava a dever à insuficiente distribuição de competências junto dos orgãos locais. Como os seus defensores eram colonos ou homens de grande vivência colonial entendiam que para resolver os problemas específicos dos teritórios ultramarinos seria necessário uma grande proximidade entre os decisores e as sociedades coloniais[1]. Daí a contestação que fizeram ao modelo centralista e ao modelo dos Altos Comissários avaliado como uma minguada descentralização e a opção que defenderam inspirava-se no modelo administrativo imperial britânico.
Uma das mais interessantes teses de reformulação do sistema administrativo colonial português foi a sugestão do engenheiro Virgílio de Lemos, em 1930 em pleno debate do Acto Colonial[2], ao defender a ideia autonómica duma administração ultramarina com Parlamentos coloniais representativos das populações locais, a exemplo do que acontecia com o modelo administrativo imperial britânico de “self-government”. Achava, também, que os governadores se deveriam tornar cargos de nomeação administrativa com períodos pré-definidos de desempenho, o que na sua aceção garantiria uma maior independência face ao poder metropolitano[3].
Na verdade, este autor considera que Portugal nunca concedeu uma real autonomia ao sistema de administração colonial, nem mesmo com a institucionalização do regime dos Altos Comissários, dado que os poderes de decisão foram atribuídos a altos funcionários representantes do governo central e não às populações das colónias[4]. Nesta lógica de raciocínio, propôs que se seguisse o exemplo do sistema inglês, no qual cada colónia dispunha de legislação própria elaborada pelos representantes diretos das populações locais, o que constituiria um mecanismo institucional mais democrático. Assim, fez a distinção entre uma verdadeira e uma falsa autonomia, afirmando que uma era proveniente do poder dado às populações das colónias, enquanto a outra era oriunda dum poder concedido aos governadores, sendo por isso uma descentralização imposta de cima para baixo.
Segundo esta convicção ideológica, deste engenheiro colonial, Portugal deveria seguir o exemplo do modelo administrativo britânico, porque este tipo de autonomia colonial lhe traria as seguintes vantagens: satisfazer-se-iam melhor as aspirações das populações coloniais dado poderem fazer-se ouvir na Assembleia legislativa; os projetos de fomento far-se-iam em função das necessidades sentidas pelas colónias e não mediante os interesses impostos pelo governo central; e a estrutura administrativa colonial estaria mais imunizada às crises políticas da metrópole que tanto afetaram o império português na década de 1920.
Em resumo, o seu parecer foi no sentido de que às colónias fosse dada uma efetiva autonomia, e não de ordem fictícia como a que tinha existido com o regime dos Altos Comissários, de forma que os poderes administrativos decorressem da vontade das forças económicas vivas das colónias e não do funcionalismo público dependente das orientações de Lisboa. É nesta medida que propôs que se criasse, para cada colónia que tivesse requisitos mínimos, uma Assembleia que representasse os interesses sociais da colónia com a faculdade de fazer leis, embora estas pudessem ser vetadas pelo governo central. Por outro lado, sugeriu igualmente que o governador tivesse uma função meramente executiva e fosse eleito por prazos fixos, o que a seu ver diminuiria as intromissões do poder central na administração local das colónias.
Neste contexto, Vírgilio de Lemos ajuizou que o sistema português de administração colonial era uma solução mista, das tendências centralizadora e descentralizadora, marcada pela distribuição repartida de poderes entre o governador e o governo central. Estas análises interpretativas podem ser inferidas das seguintes passagens deste seu texto lido no III Congresso Colonial Nacional:
“(...) Cuidamos que poderia ser dada autonomia real a algumas das nossas colónias ( adiante mencionaremos as vantagens que, em nosso entender, daí adviriam ). Os Conselhos legislativos passariam a Assembleias legislativas e o governo, do qual um governador seria o responsável, não poderia comparecer na Assembleia, e desempenharia o seu cargo por prazos limitados. (...) No que respeita à essência da autonomia propriamente dita, deviamos equiparar a nossa Província de Moçambique à Rhodesia do Sul ( população 35 000 europeus, 900 000 indígenas ) cujas dimensões e proporções são comparáveis às daquela nossa grande colónia. A Rhodésia do Sul é realmente autónoma. Faz como quer as suas próprias leis, muito embora estas possam ser rejeitadas pelo governo do Império. (...) “.[5].
Alguns periódicos coloniais, em particular em Moçambique, foram porta-vozes das teses da autonomia administrativa colonial. Numa crónica de 13 de fevereiro de 1929 do jornal O Colonial[6] sustenta-se, em critica aberta o centralismo colonial da Ditadura Militar, a necessidade de dotar mecanismos de autonomia colonial por meio da transferência de poderes para representantes diretos das sociedades coloniais, rejeitando contudo que no futuro Moçambique se pudesse tornar independente.
Afirmava o cronista a necessidade de implementar uma descentralização administrativa completa, diferente da instaurada com o regime dos Altos Comissários, que teria de passar pela atribuição de competências a representantes das sociedades coloniais, ao invés de fazer-se uma mitigada ou falsa descentralização através da delegação de poderes da metrópole nos governadores ou em outros representantes do poder central, porquanto na opinião do jornalista este mecanismo correspondia a uma “escravização” das colónias aos interesses da metrópole[7]. Deste ponto de vista, só através desta genuína descentralização administrativa se conseguiria o progresso das colónias, o afastamento da desonrosa acusação internacional da prática esclavagista nas sociedades coloniais portuguesas e, por consequência, o distanciamento do perigo da alienação do património colonial português por potências estrangeiras.
José Benedito Gomes, médico e professor na Escola de Medicina de Nova Goa, pensava em finais de 1929 que os territórios do império colonial deviam ser designados por “províncias ultramarinas” e que se devia concretizar uma descentralização com um regime de autonomia administrativa colonial de “self-government”, em que os orgãos locais fossem os verdadeiros definidores dos caminhos políticos[8]. Este autor, embora se tenha debruçado, mormente, na estruturação da administração colonial do Estado da Índia, teceu algumas considerações gerais. A sua tese deve ser vista como uma crítica à tendência centralista consagrada com as políticas de João Belo (1926-1928) e de Oliveira Salazar (1930), embora se insiram numa corrente alargada de contestação dos pressupostos do Acto Colonial que alguns oradores do III Congresso Colonial Nacional realçaram. Com efeito, achava que devia ser implementada uma descentralização administrativa colonial que consagrasse um regime de “self-government” e que os funcionários públicos coloniais deveriam poder ser eleitos para alguns dos cargos de representação popular no Conselho de Governo do Estado da Índia.
Domingos Cruz, antigo parlamentar da 1ª República, criticou em 1928 o espírito centralista das novas Bases Orgânicas da Administração Colonial, promulgadas por João Belo[9]. Preconiza num ensaio político escrito nesta data a ideia de que para estimular o desenvolvimento económico-social das colónias eram necessários grandes investimentos financeiros, com inevitáveis desequilíbrios orçamentais, e uma administração descentralizada que reforçasse os poderes dos orgãos locais, pois no futuro as colónias deviam criar Parlamentos locais[10].
Na verdade, justificou o desequilíbrio orçamental e o despesismo como tendo sido fatores necessários à obra de fomento em Angola de Norton de Matos, precisamente no momento em que sob os auspícios do ministro das finanças se privilegiava a contenção financeira como superior critério de ação política. Na sua perceção heterodoxa defenderá o restabelecimento dos Conselhos Legislativo e de Governo em Angola, salientando num espírito autonomista que aquele orgão deveria no futuro em função do desenvolvimento social transformar-se num Parlamento colonial.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] António Ennes na década de 1890 como Comissário Régio de Moçambique dirá que as colónias deviam ser governadas localmente e não dos gabinetes da metrópole.
[2] Vírgilio de Lemos tomou uma posição crítica no momento em que estava a ser discutida no 3º Congresso Colonial a pertinência e a oportunidade do Acto Colonial, tendo discordado que a correta estratégia para solucionar os problemas coloniais portugueses fosse reforçar o grau de centralização do sistema administrativo. Assegurou que as dificuldades verificadas nas colónias resultariam, pelo contrário, da insuficiência do grau de descentralização conferido.
[3] Virgílio César de Lemos, “Administração geral das Colónias”, in 3º Congresso Colonial Nacional, Lisboa, Ed. Sociedade de Geografia de Lisboa, 1930, pp. 1-8.
[4] “(...) A que se pode referir a autonomia dum país ? Supomos que se refere, não à competência do Governador para fazer leis, mais ou menos assistido por Conselhos, mas ao reconhecimento da competência desse país para fazer, por si próprio, as suas leis. Consideradas sob este ponto de vista, as nossas colónias não tiveram autonomia , até que o regime, chamado entre nós dos Altos Comissários, veio aumentar muito os poderes do governo da Colónia e diminuir ( se era possível ) concomitantemente, a autonomia real da Colónia. (...)” Idem, Ibidem, p. 3.
[5] Vírgilio César de Lemos, op. cit., pp. 3,4 e 7. [ Cont. da citação do texto] “(...)Quem consultar as nossas Bases Orgânicas das Colónias vê na Base VII o que é que compete ao Congresso da República; ao Ministro das Colónias; e ao Governador Geral. Mas nada encontra que possa competir à própria colónia! Demos um exemplo: se os habitantes da província de Moçambique quizerem, só por si, a promulgação duma medida, pode ser o mesmo que não quererem nada visto que essa medida, se não fôr da vontade do governador, não será promulgada, seja essa medida embora justa. (...)”.
[6] “Descentralização pelo progresso e prosperidade das colónias”, in O Colonial, 13 de fevereiro de 1929, p. 1.
[7] Das seguintes passagens se depreendem estas conceções administrativas heterodoxas: “(...) Cumpre-nos cimentar a unidade do grande Portugal, tornando dia a dia mais intimos os laços entre a mãe-pátria e as colónias. (...) Mas só dentro dum regime confiantemente descentralizador esta obra de unificação progressiva se pode realizar com feliz êxito. (...) A ditadura, recuando, revertendo às tradições militaristas dos coloniais do engrandecimento do poder real, que (...) compreendiam a descentralização à maneira de Eduardo Costa, como uma concentração também imperialista, de poderes nas mãos dos governadores, imagem do despotismo do Terreiro do Paço, desgrega feudalisticamente a livre contextura da República Portuguesa d’ áquem e d’ além mar. (...)” (Ibidem, p. 1).
[8] José Beneditino Gomes, “Memória sobre a administração civil. Grande divisão administrativa. Preparação dos funcionários coloniais”, in Congresso Colonial Nacional de 8 a 15 de maio de 1930 – Atas das sessões e teses, Lisboa, Edição Sociedade de Geografia de Lisboa, 1934, 19 p..
[9] Domingos Cruz, A crise de Angola, Lisboa, Imprensa Lucas e Companhia, 1928, pp. 111 e 112.
[10] “(...) Impõe-se por isso restabelecer as Bases Orgânicas da Administração Colonial, com espírito descentralizador que animou os primeiros diplomas nesse intuito publicados, embora introduzindo-se-lhes aquelas correções que a práctica tenha aconselhado, no sentido de se reservar para a metrópole a orientação superior em matéria de administração geral e a fiscalização dos atos dos governos provinciais. (...) Nestes princípios, importa restabelecer os Conselhos Legislativo e do Governo. Os primeiros como embriões de futuros parlamentos locais que hão de vir a ser, quando os aglomerados sociaisrespectivos atingirem maior e necessária plenitude, e também como orgãos de colaboração que a lei previa para aquelas medidas em que convenha a Colónia pronunciar-se. (...)”(Ibidem, pp. 111-112).
A tese pan-africanista defendida em Moçambique pretendia a integração deste território na União Sul-Africana, o que constituía uma ambição do general Jan C. Smuts desde a Conferência de Paz de 1919. Inicialmente o projecto imperialista de Smuts, inspirado no sonho megalómano de Cecil Rhodes[1], consistia em incorporar esta colónia no Estado Sul-Africano, mas esta ideia transformou-se nos anos 40 no projecto de uma União Pan-Africana que ligasse economicamente os Estado livres do Sul do continente. Em Moçambique, perfilharam esta tese os estrangeiros de origem britânica que aí residiam e os colonos burgueses com negócios na União Sul-Africana.
Houve também muitas pressões oriundas do Estado vizinho, de propaganda e de apoio financeiro, para que esta tese alastrasse socialmente na colónia. E, na verdade, alguns Estadistas portugueses sentiram medo desta ameaça que se infiltrava no próprio tecido social Moçambicano, ao ponto do ministro das colónias de Salazar, José Vieira Machado, temer no contexto do início da 2ª guerra mundial, em 1939, que a União sob pretexto da defesa do Sul de Moçambique fosse em seu socorro e se apoderasse das suas funções de soberania.
Em 1925 a veemente crítica do sociólogo Edward Ross às insuficiências da administração colonial portuguesa, bem como o aparente fracasso administrativo de Brito Camacho foram factores contextuais propícios à difusão da tese da integração de Moçambique na União. Protestando contra a emergência deste movimento, num periódico defensor do patriotismo luso, no seu editorial contesta-se a posição de alguns colonos considerada subversiva ao pretenderem a integração de Moçambique na União Sul-Africana[2]. Afirma também que estavam envolvidos neste movimento jornalistas e altos-funcionários públicos locais que possuíam interesses nos países vizinhos e que, possivelmente, eram por estes estimulados financeiramente para fazerem a propaganda da causa do pan-africanismo.
Por outras palavras, nota-se o tom heterodoxo desta corrente doutrinária no facto do editorial censurar esta posição pan-africanista como um atentado moral ao dever patriótico e aos direitos de soberania do Estado português sobre Moçambique. Assegura que o objectivo da propaganda deste grupo visava descredibilizar o Estado português e dividir a sociedade moçambicana em posições antagónicas. Nas seguintes citações corroboram-se as análises que acabámos de fazer:
“(...) Conjuremos o perigo! Atente o Governo: Em Moçambique conspira-se contra a soberania portuguesa, servindo-se os traidores de todos pretextos ainda os mais fúteis. (...) Há tempos o Sunday Times, aludiu a entendimentos macabros entre indivíduos de duas nacionalidades, uma delas a portuguesa, para a entrada de Moçambique no domínio político da União. Aproximamos portanto os factos e tiremos as conclusões precisas. Há ouro estrangeiro em Moçambique a fomentar a discórdia nos espíritos, e a difamar os nossos processos de administração ? (...)”[3] .
No decurso da segunda guerra mundial, em 13 de Agosto de 1941, surge a notícia na imprensa espanhola[4], desmentida categoricamente pelo embaixador português em Espanha, de que sete membros do Governo de Moçambique teriam proposto ao ministro sul-africano, marechal Smuts, a constituição de um governo livre em Moçambique[5] que poderia aderir ao projecto de uma União económica Pan-Africana dos Estados independentes do sul do continente. É compreensível que o teor desta notícia tenha despertado a hostil reacção diplomática portuguesa e tenha sido alvo da atenção dos serviços de Censura do Estado Novo, no sentido de que não pudesse ser posta em causa a doutrina da indissolubilidade patriótica entre a metrópole portuguesa e as suas colónias. Na realidade, esta informação prova que germinavam teses emancipalistas em Moçambique, neste caso de pendor pan-africano, que eram, inclusivamente, partilhadas por indivíduos com elevadas responsabilidades políticas e sociais[6].
Nos anos 30 em plena vigência do regime Salazarista aparecem informações oficiais enviadas ao Presidente do Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar, de que alguns maçons do norte de Moçambique defendiam a incorporação desta região num dos ricos Estados vizinhos. Não sendo esta uma manifestação da clássica tese pan-africanista era uma posição que se baseava em pressupostos semelhantes. De facto, pairou nesta altura o perigo da Alemanha ou da Grã-Bretanha anexarem o norte de Moçambique com o apoio de alguns habitantes locais.
Num interessante relatório escrito por algum habitante de Moçambique e enviado às autoridades portuguesas, que chegaria a Salazar, intitulado Relatório – Aviso aos bons portugueses[7] dá-se conta do risco de Portugal perder o norte de Moçambique em função das conspirações que se teciam. O autor alertou o Estado Português para a circunstância da perversa influência da Maçonaria na região e para o facto da frágil implantação das instituições Salazaristas poderem colocar em perigo a soberania portuguesa na colónia, dado que a seu ver os maçons eram aliados das cobiças estrangeiras[8].
Com efeito, corroboramos que em Moçambique neste período houve muitos sectores sociais “desnacionalizados” defensores da junção do teritório a um dos Estados vizinhos, por esta razão se compreende que o ministro das colónias João Belo, ainda no tempo da Ditadura Militar, tenha proclamado que a sua política de 1926 a 1928 visou nacionalizar Moçambique.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] “A África durante o imperialismo industrial europeu”, in História Universal, vol. II, Adpatação e Revisão Prof. Jorge Borges de Macedo, Selecções do Reader’s Digest, 1995, pp. 337-338.
[2] “Conjuremos o perigo”, in Portugal, 23 de Dezembro de 1925, nº 33, p. 1.
[3] ( Continuação da citação do texto :) “(...) Mas quem é que ignora isso, se a sucessão de factos, e a qualidade dos elementos neles envolvidos não são de molde a alimentar dúvida ? Dissemos no último número que nesta colónia se fazia descaradamente a propaganda do domínio estrangeiro. Citávamos até, para o caso, a presença no movimento de dois altos funcionários do Estado. (...)” Ibidem, p. 1.
[4] Encontrámos esta informação num documento subscrito pelo Director dos Serviços de Censura, Álvaro Salvação Barreto, que eventualmente terá considerado esta notícia potencialmente perigosa se viesse a circular na metrópole.
[5] Arquivo Oliveira Salazar, Correspondência Oficial, Ultramar, nº 9, Pasta 20, f. 588 ( Arquivo Nacional Torre do Tombo ).
[6] Do seguinte excerto deste documento se podem comprovar estas análises: “(...) O embaixador português foi hoje ao Ministério dos Negócios Estrangeiros desmentir energicamente a notícia publicada na imprensa espanhola, segundo a qual sete membros do Governo de Moçambique tinham oferecido ao general Smuts consituir um ‘Governo livre’ na colónia, logo que Smuts assim o desejasse. O embaixador declarou que esta notícia era absolutamente fantástica e salientou que, nunca como agora, foram tão apertados os laços entre Portugal e as suas colónias. (...)” Ibidem, f. 588.
[7] Arquivo Oliveira Salazar, Correspondência Oficial, Ultramar, nº 62, Pasta 34, ff. 765-766 ( Arquivo Nacional da Torre do Tombo ).
[8] As passagens desse relatório confirmam-nos as inferências feitas no texto: “(...) Há um grande perigo de perdermos a parte norte da nossa colónia de Moçambique. (...) I) A Revolução abençoada de 28 de Maio ainda não chegou a África. (...) Os funcionários continuam a pertencer à Maçonaria como dantes e até assinam os pontinhos da praxe. (...) A espionagem estrangeira tem como braço direito a Maçonaria. Como há duas lojas, uma delas dissidente, uma auxilia a Alemanha, a outra a Inglaterra. (...) O que tem valido a Portugal tem sido serem muitos querer a mesma coisa. Porem desta vez estão todos de acordo. A Inglaterra visa as regiões fronteiriças do Niassaland e a Zambézia ( agricultura e as regiões mineiras ). A Alemanha visa as regiões do algodão e do sizal por causa das célebres matérias-primas. Se não dão provedidências urgentes e se isto não leva uma limpeza radical, ficaremos sem a parte norte da colónia de moçambique, província de Niassa (...) Peço maior segredo e que isto só seja lido e comunicado a quem seja português e possa agir por Portugal. Isto é quase um grito de S.O.S. Os portugueses e católicos verdadeiros, que estão de alma e coração com o Estado Novo e a obra abençoada de Salazar, e que se arriscam a tudo, fazendo espionagem por sua conta própria, inimigos irreconciliáveis da Maçonaria e Portugueses acima de tudo, ver-se-ão seriamente ameaçados, perdidos mesmo, se não são tomadas medidas enérgicas contra este estado de coisas. (...)” Ibidem, ff. 765-766.
Entre 1922 e 1926 circulou em Moçambique entre grupos de colonos a ideia de que seria vantajoso para efeitos de uma mais eficaz exploração da mão-de-obra nativa que a colónia se tornasse independente, tendo havido inclusivamente um projecto de Constituição para o futuro território emancipado. Por outro lado, esta colónia era muito mais dependente economicamente da União Sul Africana, com a qual mantinha intensas relações comerciais e sociais, do que da metrópole. Deste modo, se a administração colonial portuguesa era pouco expedita, se havia insatisfação com as medidas tomadas pelos delegados do poder metropolitano, como foi o caso do Alto-Comissário Manuel de Brito Camacho, e se os colonos percebiam que se assumissem as rédeas governativas lhes seria mais fácil a exploração do trabalho indígena torna-se fácil compreender que nesta fase politicamente mais liberal se tenham difundido nesta colónia as teses emancipalistas.
Manuel de Brito Camacho[2] após ter exercido o cargo de Alto Comissário em Moçambique, numa conferência proferida em 1924[3], argumentou que a descentralização administrativa era o caminho inevitável para a emancipação das colónias, que aliás se constituía como o fim desejável de qualquer sistema colonial, o que era uma tese inaceitável à luz da posição oficial do Estado português que pressupunha a inalienabilidade dos territórios coloniais[4].
Este intelectual politizado considerava impossível manter a soberania da metrópole nas colónias, por tempo indeterminado por ser uma inegável injustiça, defendendo como alternativa que se investisse na unidade económica entre a metrópole e as colónias e na descentralização administrativa no sentido de se possibilitar o desenvolvimento colonial, com o intuito de pôr fim à exploração desonesta das colónias e ao menosprezo pela civilização dos “indígenas”. Camacho considerava ser necessário independentizar cada vez mais os orgãos locais da administração colonial em relação ao poder metropolitano devido à instabilidade política que então se vivia na metrópole e à finalidade emancipalista do processo colonial.
Como doutrinador, Brito Camacho considerava que a evolução histórica conduziria as colónias à emancipação, opondo-se desta forma ao pensamento da maioria dos colonialistas e à posição oficial do Estado português que pressupunham a inalienabilidade do império português independentemente das circunstâncias conjunturais. Declara que as relações entre a metrópole e as colónias deviam prever e preparar a emancipação destes territórios, defendendo implicitamente que o benéfico princípio descentralizador era contrário à indesejável exploração colonial, embora julgasse que esta finalidade emancipalista estaria mais longe em povos “selvagens” ( expressão do próprio Brito Camacho ), como eram os de Moçambique ou de Angola, do que em povos com maior nível de desenvolvimento como os da União Sul-Africana.
Na sua visão estratégica heterodoxa, a política colonial devia ser exercida em proveito da metrópole e das colónias, de modo a constituir-se uma unidade económica equilibrada[5], que se atenuaria com a emancipação das colónias mas sem se perderem completamente. É por esta razão que justificava o estímulo à cultura do algodão e do açúcar em Moçambique, tal como o sustentava também Freire de Andrade, porque estas culturas beneficiavam tanto a metrópole como a colónia.
De facto, aconselhou que a política colonial seguisse uma doutrina administrativa coerente, proporcionando simultaneamente uma articulação entre o poder central e os orgãos das colónias e uma continuidade administrativa que independentizasse a máquina da administração colonial da instabilidade política que a República Parlamentar então vivia. Do seu ponto vista, só assim se poderia favorecer o desenvolvimento das colónias e das suas populações nativas. Elucida a originalidade desta visão administrativa o seguinte excerto desta conferência:
“(...) O termo natural da evolução duma Colónia, mais rápida ou demoradamente, conforme as suas circunstâncias é a sua emancipação. (...)”[6].
Por outro lado, Brito Camacho foi um crítico contundente da excessiva burocracia da administração colonial[7], porque frisou a ineficácia do funcionamento do Estado Colonial que consumia desnecessariamente o erário público em requisitos burocráticos em vez de estimular o progresso da economia colonial. A seu ver, os vícios de que enfermava a administração colonial eram a falta de formação dos dirigentes dos serviços públicos e a excessiva papelada usada na resolução de problemas, sem que, na realidade, isto resultasse numa solução expedicta dinamizadora da vida e da economia coloniais. Queixava-se, também, de que a influência do Estado sobre a sociedade civil era insuficiente, requerendo para o efeito verbas mais avultadas de fomento económico-social, porque senão os orçamentos apenas serviam para sustentar as funções burocráticas dos Serviços Públicos.
Ao mesmo tempo, Brito Camacho lamentava que a Administração colonial em Moçambique não possuísse conhecimentos científicos sobre a realidade económica tutelada ( o contexto agrícola, silvícola e mineralógico ), porque não existiam investigações, nem documentos de informação fidedignos sobre o assunto. Por esta razão, os serviços administrativos eram ineficazes, uma vez que eram excassas as informações científicas sobre a realidade colonial[8]. No fundo, opinava sobre a necessidade de tornar mais rigorosa a administração colonial alicerçando-a em múltiplos conhecimentos científicos relativos à realidade da colónia[9], referindo ser importante que os temas coloniais do território fossem introduzidos no ensino secundário com a finalidade de transmitir instrução útil aos futuros funcionários administrativos.
Sem dúvida que a experiência de Brito Camacho como Alto Comissário de Moçambique e as pressões anexionistas da África do Sul o terão levado a pensar que era inevitável a independência colonial de Moçambique, embora reputasse que, como o povo nativo era “selvagem”, o seu período de luta pela libertação seria mais alongado. Evidentemente que a influência da África do Sul e o exemplo da independência egípcia de 1922[10] poderão ter impressionado o seu espírito de molde a considerar que a emancipação dos povos coloniais era uma fatalidade. Deste modo, provavelmente as influências que o inspiraram o sentimento de inevitabilidade da independência colonial foram os exemplos externos destes dois países e o grau de discriminação racial existente em Moçambique, que geraram uma vontade explícita de revolta das populações locais contra a dominação colonial.
As influências empíricas que sofreu neste cargo por parte das ambições anexionistas da África do Sul e da intenção retrógrada do tratamento opressivo dos indígenas da parte dos colonos fizeram-no pensar que a independência colonial seria uma inevitabilidade, fosse por processo de anexação desse vizinho poderoso ou por necessidade de definir uma nova plataforma de relacionamento entre os indígenas e os povoadores brancos.
Em resumo, foi a acção política de Brito Camacho como Alto Comissário que o levou a pensar que seria inevitável mais tarde ou mais cedo a independência de Moçambique, porque as ideias governativas moralizadoras que aí intentou implementar não singraram, visto que os interesses políticos dos colonos impediram-no através dos seus ódios que as suas políticas sociais beneméritas em relação ao grosso da população colonial prosperassem[11]. Acreditava então que futuramente as populações nativas se revoltariam contra o processo subjugador dos colonos, impondo através da independência novas formas de relacionamento social entre indígenas e populações brancas.
Nos anos 20 um jornalista, Mário Domingues, do periódico A Batalha de linha anarquista, ventilou a ideia de que os povos coloniais tinham direito a tornarem-se independentes, o que significa que nas margens extremistas das correntes políticas existia na sociedade da metrópole uma corrente anticolonialista. Ele denunciava que a missão civilizadora era impossível, porque os meios de coercção exercidos sobre os indígenas não permitiam que fossem devidamente civilizados. Esta posição heterodoxa assumida por esta corrente política desligada do poder efectivo foi a única que até ao momento foi estudada pelos investigadores [12].Estas duas posições ideológicas demonstram que não havia unanimidade em relação ao futuro desejável das colónias, designadamente em relação à ideia de que o império era parte integrante e inalienável da pátria portuguesa.
Em Junho de 1923 num período de forte descontentamento social com a actuação administrativa de Brito Camacho um grupo de colonos interessados na exploração de mão-de-obra negra pretendeu tornar Moçambique independente[13], porque se eles fossem dominantes do ponto de vista político numa eventual independência poderiam controlar economicamente as populações locais. Realizou-se, inclusivamente, nesta época um comício favorável a esta causa emancipalista sustentada sobretudo por colonos com o objectivo de explorar a mão-de-obra de trabalho negro, no sentido de que a emigração sazonal para a região do Rand fosse aplicada localmente em proveito da ganância dos colonos brancos de Moçambique. Das seguintes passagens duma notícia, em tom de denúncia, se inferem estas informações:
“(...) Temos a certeza que há ainda homens de senso em Portugal que hão-de salvar o eterno explorado. Longe das ambições dos africanistas, declarados filhos de Moçambique, (...) saberão, estamos certos, arrancarem destes abutres a liberdade de extorquirem o preto a seu talante, com lei na mão, adrede feita. Não está a província em condições de ter uma autonomia administrativa, mas a embriaguez da política local vai longe: Vai até ao ponto de admitir a possibilidade de uma emancipação! Por este critério pode-se calcular da seriedade política dos agitadores, dos tais filhos de Moçambique, zelosos pela sua emancipação. (...)”[14].
Embora sob os regimes autoritários as teses coloniais heterodoxas tenham sido mais reprimidas, não obstante verificaram-se algumas excepções. Por exemplo, em Janeiro de 1929 em plena Ditadura Militar num editorial de um jornal Moçambicano[15] censurando-se a política centralista colonial defende-se, ao invés, uma administração colonial autónoma exercida pelas élites locais, que na avaliação do autor conduziria num futuro próximo à desejável emancipação do povo Moçambicano. Neste artigo rotulam-se de tirânicas as leis centralizadoras coloniais do ministro João Belo, asseverando-se que o modelo administrativo colonial nesta província tinha de ser autonómico no sentido de se caminhar para o desenvolvimento e emancipação do povo moçambicano. Esta doutrina insere-se na corrente heterodoxa que circulava em Moçambique entre alguns colonos brancos com maior apego à terra. Neste texto considera-se que esta colónia já possuía élites intelectuais capazes de governarem eficazmente “in loco” sem dependência de burocratas enviados de Lisboa[16].
Hotel Polana – Lourenço Marques
O jornal O Brado Africano, porta-voz das populações nativas Moçambicanas, criticou em 1923 as teses emancipalistas defendidas por colonos burgueses[17], porque a seu ver pretendiam dominar os autóctones quando o território se tornasse independente. Mas, na verdade talvez para conquistarem mais militantes, os defensores do emancipalismo argumentavam que as posições segregacionistas sobre os indígenas eram tomadas pela tutela metropolitana[18]. No entanto, a realidade histórica evidencia que o descontentamento burguês com a governação de Brito Camacho se devia à protecção que procurou dispensar à mão-de-obra indígena. Com efeito, o editorial deste periódico insurge-se contra a tese emancipalista e racista que começava a ser pevalecente entre os meios burgueses de Lourenço Marques[19], reconhecendo que seria preferível a tutela de Lisboa sob os aborígenes moçambicanos do que estas ambições de um grupo de colonos, porque estes eram desfavoráveis à dignidade civilizacional dos indígenas.
Em 1924 a conjugação de factores politicamente negativos, como sejam a crise económico-financeira de Angola e de Moçambique e o ódio intenso a Norton de Matos e a Brito Camacho por parte dos empresários coloniais, potenciou o recrudescimento dos movimentos independentistas nestas sociedades. Foi, neste contexto, que José Osório de Oliveira[20], funcionário colonial em Moçambique, considerou que a descentralização administrativa colonial dos Altos Comissários era responsável pela “desnacionalização” das colónias, pelo crescimento do espírito de autonomia e pelas veleidades de independência de certos sectores destas sociedades coloniais, que do seu ponto de vista poderiam fazer perigar a soberania portuguesa no ultramar.
Alertou, assim, para o perigo, à data da conjuntura de descalabro colonial, do fenómeno das “desnacionalizações” das colónias portuguesas perante as ameaças externas de cobiças de outras potências imperiais ou as ameaças internas de colonos que sonhavam com a independência dos seus territórios. Exemplifica que a força e as aspirações políticas emancipalistas das sociedades coloniais eram reais, fazendo perigar a ideia de transformarem Angola e Moçambique em “novos-brasis”, dado que ele já tinha tido nas suas mãos uma Constituição para Moçambique como território independente. Das seguintes passagens se podem corroborar estas interpretações:
“(...) O que um portuguez nascido em Portugal entende por moçambicano nunca o percebi. Sempre me pareceu que moçambicanos eram, apenas, os landins, os makuas e os makondes. Vejo porém que me enganei. Africanos não são só os pretos nem, se quiserem, os brancos que tenham nascido em África. Há brancos nascidos em Portugal que se intitulam moçambicanos ou angolenses pelo facto de viverem em Moçambique ou em Angola e pedem a autonomia e sonham com a independência em detrimento e prejuízo da sua Pátria. (...) Mas o que é facto é que em Lourenço Marques tive eu em meu poder o “Projecto de Constituição do Estado Autonómico da Província de Moçambique” e eu bem sei que ele não representa uma fantasia, mas uma corrente de opinião e uma força. (...)”[21]
O general Alfredo Freire de Andrade, representante português na renegociação do Convénio entre a União Sul-Africana e Moçambique em 1922, demonstrou em entrevista a um periódico moçambicano o risco que advinha da tese emancipalista[22]. Deste modo, considerou que a existência de um grupo de colonos no sul de Moçambique favoráveis a um regime autonómico ou mesmo a uma emancipação poderia encaminhar o território para ser absorvido pela tendência expansionista da União Sul-Africana. Em comentário, à entrevista do general, o jornalista afirma que a reinvindicação emancipalista proposta por grupos de colonos do sul de Moçambique e a ideia de Freire de Andrade de resolver o problema monetário local através da adopção de um regime de moeda de padrão ouro eram passos decisivos em direcção à absorção de Moçambique por parte do país vizinho[23].
Por conseguinte, proliferaram teses heterodoxas em certos meios moçambicanos nos anos 20 favoráveis à criação de um regime autonómico administrativo ou mesmo de uma emancipação política. Este facto parece significar que o regime dos Altos Comissários era encarado pelos sectores empresariais da sociedade moçambicanacomo ummecanismoinstitucional ainda centralizador, eurocêntrico, porque embora se tivessem reforçado poderes administrativos exercidos “in loco”, a verdade é que eram vistos como delegados do poder metropolitano.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Pesquisa histórica, que desenvolvi, inserida num projecto de investigação de História Ultramarina orientado pelo Professor Doutor José Medeiros Ferreira com base em consulta de acervos documentais no Arquivo Histórico-Ultramarino, no Arquivo Histórico-Parlamentar, no Arquivo Histórico da Universidade de Évora, na Biblioteca Municipal de Évora, na Biblioteca Nacional de Portugal, etc.
[2] “Manuel de Brito Camacho”, in Parlamentares e Ministros da 1ª República, (Coord. A.H. Oliveira Marques), Lisboa, Edição Assembleia da República, 2000, pp. 138-139.
[3] Brito Camacho proferiu esta conferência em Lisboa na Associação Comercial na data referida, tendo sido apresentado ao público com lisonjeiras palavras do general Freire de Andrade. Afirmou o publicista que era necessário propagandear as colónias para persuadir os portugueses das suas vantagens como possíveis mercados de consumo de produtos manufacturados e óptimos mercados de abastecimento de matérias-primas, para além de poderem assumir-se como terreno propício a absorver a avultada corrente emigratória portuguesa.
[4] “(...) Definir as relações entre a metrópole e as colónias é definir um sistema de direitos e obrigações, tendo por base um interesse comum. A principal obrigação da metrópole em relação às suas colónias é preparar a sua emancipação. Uma colónia que não tende para a sua emancipação é uma terra escrava e seria absurdo que tendo-se abolido a escravidão dos indivíduos se mantivesse a escravidão dos povos. (...)” Brito Camacho, Política colonial, Lisboa, Editorial Cosmos, 1936, p. 11.
[5] Em conformidade com esta lógica argumentativa, Brito Camacho seria um contestatário do regime comercial do “pacto colonial” que se veio a instaurar com o Estado Novo, pois este regime económico dava clara preponderância à metrópole no sistema de relações comerciais com as colónias. Não espanta portanto que tenha sido um acérrimo contestatário da política colonial do Salazarismo.
[7] João Fernandes, Brito Camacho – Algumas reflexões acerca da sua obra colonial, Lisboa, Edição Seara Nova, 1944, pp. 18-19.
[8] Estas críticas lançadas por Brito Camacho à realidade administrativa colonial estão bem explícitas nas seguintes citações dos seus escritos políticos: “(...) Foi só em 1908 que se organizou a repartição de agricultura, um serviço meramente burocrático, como já disse, nada mais fazendo do que ofícios e notas, ignorando a Província como ignora Índia, como ignora Macau. (...) Já o leitor sabe que ainda se não fizeram as pesquisas indispensáveis, para se avaliar, sem fantasias perigosas, do valor mineralógico da Província. E deviam estar feitas, desde há muito, estas pesquisas... (...)” ( Brito Camacho citado in João Fernandes, Brito Camacho – algumas reflexões acerca da sua obra colonial, Lisboa, Edição Seara Nova, 1944, pp. 20-21).
[9] Brito Camacho achava que havia concretamente carências de informação rigorosa sobre o valor económico-antropológico dos indígenas, a realidade metereológica e a situação mineralógica de Moçambique.
[10] “África e Ásia - 1914-1945 Início da descolonização”, in História Universal, Adapação Prof. Jorge Borges de Macedo, Lisboa, Selecções do Reader’s Digest, 1994, pp.424-435.
[15] “Descentralização”, in O Colonial, 26 de Janeiro de 1929, p. 1.
[16] As observações feitas podem ser evidenciadas nas seguintes passagens desse editorial: “(...) Somos apologistas da descentralização máxima para não dizer da autonomia quase absoluta. (...) sustentamos sem desfalecimentos a teoria de que aos povos assiste o direito de se governarem por si mesmos. (...) mas, o certo é que as nossas colónias possuem de facto, uma élite intelectual apta a constituir “self-government” eficazes tanto no campo político como no económico (...) A não ser que um povo caia na suprema desgraça em que tombaram os nossos compatriotas da metrópole não se concebe que se afronte assim um país nascente, cheio de vida, que quer caminhar, que sabe caminhar firme e conscientemente para a libertação, para a emancipação e para a prosperidade. (...)” ( Ibidem, p. 1).
[17] “Dissecando um ícaro. A grandes males, remédios enérgicos”, in O Brado Africano, 21 de Julho de 1923, p. 1.
[18] Também um jornalista do Beira News, ao encontro dos interesses sul-africanos, sustentou que Portugal pretendia oprimir os indígenas moçambicanos e portanto justificava-se a emancipação da colónia liderada pelos colonos brancos.
[19] “(...) De há muito que nesta província vem sendo introduzidos uns costumes novos, que tem trazido a vantagem de um separatismo que, dia para dia, nos está convencendo que cedo virá o dia em que raro será o nativo desta província que diga, com orgulho: sou português! De mãos dadas com o preto, a campanha indesejável, é contra o Kafir da Europa, com os apodos vários que fazem corar até o preto mais retinto. (...) No espírito daqueles dos indígenas que despertam está-se arreigando a convicção de que não podem contar com o auxílio da soberania portuguesa para melhorarem as suas condições sociais e de que o único papel, a única obra de colonização portuguesa, é a conservação do estado selvagem das raças que dominam em nome da civilização.(...) Ibidem, p.1.
[20] “A desnacionalização das nossas colónias”, in Acção Realista, 1 de Julho de 1924, nº 3, pp. 46-48.
[21] (Continuação da citação do texto: “(...) Eu só quero aqui frisar um aspecto, o mais grave da questão, e esse é o da desnacionalização das nossas colónias. (...) Pior do que isso. Deram como resultado desenvolver-se o espírito de autonomia e as veleidades de independência de Angola e de Moçambique. (...) Nem quero falar também dos elementos desnacionalizados e desnacionalizadores que lá há, uns doentes alcoolizados de anglomania. (...) Em Moçambique servem-se do pretexto da má administração metropolitana que não lhe dá, principalmente, garantias de defesa contra a União. (...)” Ibidem, pp. 46 e 47.
[22] “A entrevista com o Sr. Freire de Andrade”, in Correio de Moçambique, 27 de Abril de 1922, p. 2.
[23] Estas análises do texto fundamentam-se nas seguintes citações deste artigo: “(...) Convem porém não ocultar que no sul da província há mais de uma pessoa que entende, ou julga, que a província beneficiaria com a sua autonomia. Ora essa opinião não deve deixar-se que alastre até constituir um prurido, sendo bom que saibam todos que essa autonomia nos arrastaria, pela força das circunstânscias e mau grado dos seus partidários, a essa inevitável adesão... Poucos ignoram que há quem por mais de uma vez tenha dito ( um outro desenraizado ) que pegaria em armas de boa vontade, não para fazer revoluções, mas para conquistar essa autonomia e embora se digam coisas destas sem a consciência do que se afirma, é por estas e outras idênticas que nos aparecem por cá uns manganões com pés de lã a perguntar se não seria para nós um bom negócio arrendarmos à União o porto e os caminhos de ferro e oferecendo a necessária massa para a respectiva propaganda. Essa corrente de autonomia não tem o carácter nativista que afecta a revelação idêntica que se manifesta na outra costa. (...) É um reflexo da vida na vizinha nação que se pretende macaquear aqui. Razão de mais para aquela adesão ser uma consequência imediata da autonomia, se algum dia vier a obter-se esta antes de Moçambique chegar a ser uma nação; adesão que reserva muitas surpresas para os partidários da autonomia, visto que a União não consentiria aqui um minuto esses que não se importam de pegar em armas para conquistá-la e mais todos quantos vivem de expedientes parasitários que são indesejáveis nos países onde se trabalha e se não faz política. Parece-nos pois de sã orientação tudo quanto nos aparte dessa autonomia e nesta ordem de ideias não podemos aceitar o que na entrevista se contem com relação ao regime monetário. (...)” Ibidem, p2.