Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Heitor Villa-Lobos foi um prestigado maestro e compositor brasileiro, natural do Rio de Janeiro, que se destacou no século XX. Foi o introdutor nas suas composições de uma linguagem musical que soube compaginar a estética Modernista, das composições musicais, com a influência cultural dos diferentes regionalismos brasileiros inspirando-se, para isso, em canções populares e indígenas.
A paixão pela música foi-lhe infundida pelo pai, músico amador, que lhe deu as primeiras lições de música e o instigou a estudar violoncelo. Com a prematura morte do pai passou a tocar em locais públicos e, nessa altura, interessa-se pela música popular do Rio de Janeiro.
Irá, também, fazer incursões pelo interior do Brasil onde tomará contacto com a riqueza natural e musical dos sertões. No ano de 1913 casou-se com a pianista Lucília Guimarães, de quem, possivelmente, tomará o gosto pelos padrões Culturais Modernistas.
Nos anos 20 Villa-Lobos alcança grande notoriedade nacional ao participar em São Paulo na Semana de Arte Moderna e realiza, em seguida, viagens pela Europa para apresentação de obras sinfónicas já reconhecidas, designadamente a sinfonia nº 3 “A guerra” de 1919, em que recria o bélico ambiente tenebroso que a Europa tinha vivido.
A projeção internacional do seu trabalho de composição teve grandes ecos no mundo, em particular em França e nos EUA, nos meados do século XX. Após o seu desaparecimento, o Estado Brasileiro criou um Museu em sua honra no Rio de Janeiro.
De 27 a 29 de abril de 2012 decorre no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, o festival dirigido por Miguel Coelho, conhecido por “Dias da Música em Belém” dedicado este ano à voz humana através da História, que conta com cerca de 60 concertos, 100 compositores (J.S.Bach, L.Beethoven, Gilberto Gil, G. Malher, H. Purcell, R. Strauss, Paul Simon, A. Vivaldi, J. Vianna da Motta, etc.) e 1200 músicos.
O programa variado, desenhado por Francisco Sassetti, interpela os ouvintes a interrogarem-se sobre a utilização simbólica do canto ao longo da História da Música, desde a Idade Média à Época Contemporânea. Como apareceu o canto? Independentemente da resposta a esta problemática questão, que historiadores e antropólogos têm procurado encontrar, o certo é que a voz humana se transformou num instrumento musical que se alçou em alguns géneros musicais no cerne estético de certas composições sonoras.
Na verdade, a voz humana além de facultar uma sonoridade única possibilita a transmissão de letras que articula o género musical com a própria literatura, lembremos as cantigas de amigo da Idade Média, a ópera ou a letra do fado. Se o canto surgiu primeiramente ligado ao culto divino, que teve no canto gregoriano uma expressão feliz, tornou-se desde a época Romântica num instrumento fundamental para a transmissão de sentimentos.
A programação dos “Dias da Música” está estruturada no sentido de fornecer uma perspectiva do canto através dos tempos. Aqui irei evocar algumas das vozes imortais que marcaram a História da Música Ocidental, ao passo que no festival, por razões óbvias, se destacam as composições em que a voz se torna o grande protagonista instrumental. Vários itinerários são propostos para agradar aos diferentes gostos e a públicos diversos, mas é dado um destaque especial à música Barroca pelo pouco destaque que este género tem recebido nas últimas edições. Assim, apresento-vos aqui excertos selecionados de música gregoriana e das vozes inconfundíveis de Louis Armstrong, de Luciano Pavarotti, de Amália Rodrigues e de Cecília Bartoli.
“Os Dias da Música” do CCB são já um evento com alguma tradição que começou com a Festa da Música com um reportório e um elenco bastante maior de músicos, mas a crise financeira dos Estados Ocidentais que se agravou no fim da primeira década do século XXI e no início da segunda década obrigou a cortes orçamentais significativos. Não deixa de ser, no entanto, um evento que procura fazer chegar a música erudita a novos públicos, aliás já frisei, em texto anterior, este objectivo didáctico. Dos vários patrocínios deste festival de música destaco a RDP (Radiodifusão Portuguesa) Antena 2 que transmite muitos dos principais concertos em direto como foi o caso do Concerto de Abertura, a ópera Barroca, “Dido e Eneias” de H. Purcell.
Gustav Leonhardt de origem holandesa aprendeu na Escola Vienense a via tradicionalista que veio a marcar a sua carreira musical como professor, intérprete e maestro. Esta sua caminhada identitária manifestou-se na defesa e na aplicação da tese de que as músicas datadas devem ser interpretadas com instrumentos das respectivas épocas, daí a sua grande valorização do cravo como instrumento caído em desuso. Foi esta sua faceta que o fez expurgar as interpretações modernistas das sonoridades dos compositores de música Barroca, como sejam: Bach, Couperin, Scarlatti, Frescobaldi ou Handael.
A sua carreira de “estrangeirado” com uma estadia na Suíça e depois na Áustria permitiu-lhe regressar ao seu país com uma aprendizagem credenciada, sendo convidado para professor do Conservatório de Amesterdão. Recebeu ao longo da sua longa carreira inúmeros Doutoramentos Honoris Causa pelo seu trabalho de revitalização da música antiga.
A par desta tendência tornou-se um reputado e virtuoso intérprete de Johann Sebastian Bach. Adquiriu grande fama e tornou-se um cravista de projeção internacional fazendo périplos musicais por toda a Europa e pelos Estados Unidos da América. Liderou desde os anos 50 uma orquestra de câmara Barroca e patenteou uma paixão sem par pela obra de J.S.Bach, tendo participado num filme em 1967 de homenagem a este magistral compositor, representando-o. Fez, também, alguns estudos bibliográficos sobre a sua obra. Esteve envolvido nos anos 70 num projeto para gravar toda a música sacra deste compositor.
Vale a pena ouvir estas sublimes interpretações do Mestre Gustav Leonhardt recentemente falecido, em particular a magnífica obra de JS Bach "Goldeberg Variations". É uma singela homenagem a um amigo de Portugal que muito enobreceu a música antiga, com presenças frequentes na Casa de Mateus, em Vila Real, e na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
A música Barroca foi um terreno onde floriu uma música espectáculo que pretendeu entreter e encantar os membros da aristocracia europeia, deixamos aqui dois bons exemplos deste soberbo estilo musical. Arcangelo Corelli foi um apreciado violinista e compositor italiano que marcou o estilo musical Barroco com a sua inventividade, influenciando compositores como Johann Sebastian Bach ou Georg Friedrich Haendel. Recebeu apoio mecenático de muitos membros da aristocracia romana. Foi o inventor de uma nova forma de composição, “Concerto Grosso”, e destacou-se como um violinista virtuoso nas Repúblicas italianas, tendo sido professor de violino de António Vivaldi.
François Couperin foi um compositor e cravista francês de grande renome. Foi organista da igreja de Saint Gervais, por sucessão familiar, mas seu prestígio levou-o a ser organista da Capela Real no tempo do rei D. Luís XIV, cognominado de Rei-Sol. Tornou-se, assim, compositor e organista da Corte deste Rei Absolutista. Reconheceu a influência musical que recebeu de Arcangelo Corelli, que se patenteia, sobretudo, no género da sonata. Couperin, “o Grande”, escreveu a obra “A arte de tocar o cravo” que tanto influenciou as primeiras aprendizagens de Johann Sebastian Bach. As composições deste autor francês influenciaram ainda múltiplos compositores de outras gerações e de outros estilos musicais (românticos e impressionistas). As suas obras transportam um cunho poético de onde emana uma enorme beleza.
Pintura da Adoração dos Reis Magos – Pintura quinhentista de Vasco Fernandes ( Grão-Vasco )
Presépio de Machado de Castro
Na pintura, acima exibida, da autoria do mestre português quinhentista Vasco Fernandes, mais conhecido por Grão-Vasco, vemos a adoração dos reis Magos a Cristo, bebé. Embora a plasticidade das formas anatómicas não tenha sido plenamente conseguida, podemos reconhecer na imagem a importância do simbolismo dos poderosos virem de longe adorar o “Salvador” como expressão de que os potentados devem ter a humildade de se ajoelharem perante a “Luz do mundo”.
Numa pertinente leitura que o Padre Vítor Melícias fez, do Evangelho de São Lucas ( 2, 1-14 )[1], do acontecimento da Natividade de Cristo interpretando-o como símbolo da Fraternidade e da Paz Universal, constatamos que o significado desta festa sagrada que anualmente celebramos nos surge a uma luz nova. Este autor reconhece, a par de outros estudiosos, o evangelista São Lucas, historiador e teólogo, como o supremo cantor da bondade de Cristo que coloca a sua missão salvífica na dignificação do Homem existente e na sublimação dos Direitos Universais da Pessoa Humana[2]. Este comentador, franciscano, esclarece-nos que a imagem literária do presépio como o estábulo onde Deus, encarnado Homem, nasceu, sem comodidades e muito indefeso das condições atmosféricas, exalta a opção divina pelo auxílio dos mais desfavorecidos e pelo culto do ideal da humildade.
São Lucas termina a narração deste emblemático episódio da religião Cristã com uma sinfonia de Anjos[3] que exaltam Deus e os valores morais que devem nortear os crentes (o Amor e a Paz). Assim, o evangelista apresenta-nos um Deus próximo dos seres humanos, infinitamente bondoso e misericordioso, que morigerava o espírito materialista e belicista dos conquistadores romanos que dominavam a Judeia. Esta mensagem, que o inspirado escritor nos legou, tem toda a actualidade num mundo de luzes efémeras e de consumismos despojados, muitas vezes, da espiritualidade cristã, não obstante tenha havido ultimamente algumas campanhas sociais de benemerência que sensibilizaram muitas almas caridosas.
São Francisco de Assis[4], marcado por uma visão cristocêntrica de beleza e de generosidade, foi um continuador da prédica de São Lucas que humanizou ainda mais o nascimento de Cristo com a invenção dos presépios populares como obras de artesanato. Na verdade, o evangelista realça, neste momento da vida de Cristo, o valor de associar a solidariedade divina à solidariedade humana, em que Deus envia Cristo aos homens e em que os pastores albergam a família de José, Maria e Cristo, no estábulo.
Este momento, de terna Piedade, faz apelo à conjugação da força da fé e do espírito de ajuda mútua de forma a tornar possível a harmonia entre a heterogeneidade das pessoas e a cultura de paz. Este Deus, que o evangelista nos desvenda, é marcado pelo seu Espírito de Amor, que se tornou tão próximo, para salvar os Homens das maldades e dos ódios que grassavam nas sociedades da época. Este Espírito Ético, cujo sinal iconográfico é a pomba branca, simbolizadora do Espírito Santo e da Paz, é a verdadeira encarnação do Natal!
O Natal transporta, no presente, a simbologia de reunir as famílias em volta de uma consoada, em que se comem manjares tradicionais (azevias, fatias douradas, bacalhau, peru, etc), em que as crianças abrem com expectativa as prendas tão ansiadas e os adultos confraternizam, num ambiente de ternura, de conforto e de troca de afectos, e os crentes deslocam-se à Missa do Galo. No entanto, nos dias que antecedem a Ceia Natalícia, de 24 para 25 de Dezembro, há uma azáfama consumista que enche Lojas, Centro Comerciais e Hipermercados num ambiente frenético de compras compulsivas que causa “stress” e um montão de desperdícios que deixam os contentores do lixo abarrotados de papéis de embrulho e de caixotes.
Johann Sebastian Bach (1685-1750) foi um dos mais tocantes compositores do estilo Barroco, que pela sua intensa religiosidade compôs muitas e harmoniosas obras sacras[5], não obstante tenha sido na sua época reconhecido em vida como um grande organista, que prestava serviço às Igrejas Luteranas, só teve a sua obra criativa plenamente consagrada para a posteridade com a atenção que lhe prestaram os compositores Mendelssohn e Von Bulow, já no século XIX. As belas peças musicais, que a seguir vos apresento, deste compositor, fazem jus ao lugar de destaque que a simbologia cristã teve no seu génio criativo.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Vítor Melícias, “25 de Dezembro – Natal - Noite”, in Os Evangelhos 2006– Comentados, Lisboa, Edições Firmamento, 2005, pp. 249-250.
[2] Esta tendência interpretativa Humanista faz-nos lembrar a doutrina Personalista de Emmanuel Mounier, que acreditava que a solução para a crise económica e moral Europeia, do fim dos anos 20, passava por uma valorização do espírito comunitário de base humana.
[3] A música de J.Sebastian Bach ilustra-nos o espírito do coro celeste de Glorificação de Deus e da sua humanização em Jesus Cristo quando o evangelista nos diz: “(…) Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados.(....)”. ( “Evangelho de São Lucas”, Bíblia, 2, 1-14)
[4] São Francisco de Assis foi o introdutor, na noite de Natal de 1223, do culto popular do presépio, porque nessa missa solene que promoveu num bosque, em Itália, oficiou essa cerimónia com um presépio pendurado nas árvores. A ordem mendicante dos Franciscanos tornou-se junto das populações europeias na grande divulgadora do presépio como adereço Natalício. Vide Jorge Campos Tavares, Dicionário de Santos, Lisboa, Porto, Lello Editores, 2004, p. 59.
[5] Das suas inspiradas obras religiosas salientam-se uma missa Católica, Quatro Paixões (sendo a mais popular, a Paixão de São Mateus), um ‘Magnificat’ e várias oratórias.
António Vivaldi foi um músico, compositor e sacerdote que nasceu em Veneza em 1678 e faleceu em Viena em 1741. A sua música infunde uma energia bem característica das obras-primas musicais do período Barroco, tal como se manifesta no excerto melódico que a seguir apresento. Foi um autor de uma genial obra musical muito vasta, tendo composto centenas de concertos e dezenas de óperas, sinfonias, serenatas, cantatas, sonatas, etc. Assim, conseguiu criar em grande quantidade e em qualidade. A sua obra mais conhecida é a Opus 8 que encerra as magistrais melodias d’ “As quatro estações”, hoje muito divulgadas através de um anúncio televisivo. Desde jovem, seguindo o exemplo do seu pai, que além de barbeiro era um violinista virtuoso, tornou-se em Veneza um dos maiores violinistas do seu tempo.
Escreveu também muitas obras sacras na sua qualidade de membro do clero católico, cuja mais conhecida obra coral é “Gloria” que marca a sua inspiração divina. Autores, sem fundamentação documental, indicam-nos que terá mantido um caso amoroso com uma aluna, uma vez que era professor de violino num orfanato de raparigas. O seu trabalho foi reconhecido em vida em grande parte da Europa, o que o levou a fazer grandes viagens. A sua obra influenciou fortemente o trabalho de Johann Sebastian Bach que se tornou um compositor revolucionário de transição na música erudita Europeia.