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Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão

Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.

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NÚMERO 30 DA NOVA ÁGUIA (2º SEMESTRE DE 2022) – REVISTA DE CULTURA DO SÉCULO XXI

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  1. Os 15 anos da revista Nova Águia

A revista Nova Águia perfaz 15 anos de existência, com 30 números semestrais enriquecidos com artigos, ensaios e poemas de autores consagrados, de novas revelações literárias e de uma panóplia variada de investigadores. Renato Epifânio, fundador e seu diretor principal desde 2010, coajuvado por outros diretores e agora por vários vice-diretores, entre os quais tenho a honra de fazer parte, orientam os conjuntos temáticos dos diversos números. Este número 30 reúne mais de 60 colaboradores, onde se contam autores como Adriano Moreira, Álvaro Costa de Matos, Ana Leal de Faria, António Braz Teixeira, Ernesto Castro Leal, Francisco Ribeiro Telles, José Carlos Pereira, Nuno Sotto Mayor Ferrão, Renato Epifânio, Samuel Dimas, entre muitos outros.

 

  1. A fonte de inspiração da revista

A revista A Águia foi uma importante revista cultural, literária e científica, do início do século XX (1910-1932), em Portugal, que congregou muitas figuras de destaque das humanidades, das artes e das ciências com distintas mundividências que veicularam visões plurais, num universo de valores ligados ao republicanismo, ao socialismo e ao anarquismo. Sobressaíram na História Cultural Portuguesa, no conjunto dos seus inúmeros colaboradores, intelectuais como Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão, Raul Proença, Hernâni Cidade, Afonso Lopes Vieira, Fernando Pessoa, António Sérgio, entre muitos outros. A revista, nos seus 22 anos de vida, abordou temas literários, artísticos, filosóficos e de crítica cívica, que tanto inspirou os fundadores e colaboradores da Nova Águia.

 

Em diversos números da revista A Águia, foram publicados textos inéditos de Alexandre Herculano, de Antero de Quental e de Camilo Castelo-Branco. O ímpeto cultural da revista A Águia e do movimento da Renascença Portuguesa surgiu da ambição de expansão social da cultura humanista junto da população portuguesa, que se traduziu em edições, na criação de universidades populares, na prossecução de cursos e de colóquios, na constituição de bibliotecas, entre outras ações, permitindo, concomitantemente, reflexões sobre alguns dos grandes problemas do país (por exempo, o ensino, a agricultura e as instituições).

 

A Direção da revista A Águia, no espírito saudosista de Teixeira de Pascoais, dará azo à afirmação profética e pessoana, que estará na origem da dissidência de António Sérgio e de Raul Proença, que a criticaram de passadista e de idealista, ao contrário do sergianismo que se afirmou pelo realismo futurista na revista Seara Nova.

 

A Águia alicerçou-se numa matriz nacionalista e neorromântica, no combate sem tréguas contra a tese da decadência nacional, que pairava na mentalidade da sociedade portuguesa, desde o fim do século XIX. Com efeito, aos mentores da revista, em pleno contexto de instauração do novo regime Republicano, moveu-os o espírito de promoção da autoestima nacional, mobilizando-os contra a tese de declínio da nação portuguesa, deixada pairar pelo poeta Antero de Quental desde as Conferências do Casino de 1871 e contra a mentalidade positivista de Auguste Comte, que contaminava a intelectualidade europeia. Esta revista A Águia era o órgão da associação cívico-cultural intitulada Renascença Portuguesa, que procurou estimular a cultura no país, quando grassava o flagelo do analfabetismo, com mais de 70% da população portuguesa a padecer deste mal, pelo que atualmente a Nova Águia pugna novamente contra uma cultura tecnocrática, que tem desvalorizado a cultura humanista no ensino, na sociedade e no mercado de trabalho, impedindo uma visão crítica e holística da complexa realidade atual.

 

  1. Os conteúdos culturais da revista

O número 30 da revista Nova Águia contém vários dossiês ricos em contributos intelectuais. Fazem parte do corpo da revista nove secções compostas por textos do VII Congresso da Cidadania Lusófona; por textos relativos a Gilberto Freyre e à lusofonia; por textos do Centenário do nascimento do historiador Jorge Borges de Macedo; por artigos referentes a “Outros Vultos”, entre os quais destaco como figuras abordadas Adriano Moreira, Gastão Cruz, Guerra Junqueiro, Paula Rego e José-Augusto França. Em “Outros Voos” temos textos sobre a educação intercultural, sobre o significado de ser português, sobre as invasões francesas e a localidade de Paços de Arcos, sobre o Direito como força normativa, sobre reflexões introspectivas de Samuel Dimas; por alguns textos em “Extravoo”; por uma secção nova sobre “Periódicos Eternos”, como foi o caso emblemático do jornal oitocentista Correio Brasiliense. No “Biblioáguio” apresentam-se recensões críticas de diversos livros e no “Poemáguia” constam poemas de autores como Renato Epifânio, António José Borges, Luísa Costa Macedo e Delmar Maia Gonçalves, entre outros.

 

  1. Objetivos da mundividência cultural da revista

Em suma, o objetivo supremo da Nova Águia é alimentar o ego nacional de uma forma realista, baseado numa rica tradição humanista, escorados os seus colaboradores na inspiração criadora da “revista mãe”, que lhe deu ânimo para que pudesse voar, mas plenamente convictos da importância para o nosso futuro comum do projeto e do sentimento de identidade lusófona, no seio de uma Humanidade a necessitar urgentemente de se transfigurar eticamente.

Nuno Sotto Mayor Ferrão

CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DO HISTORIADOR JORGE BORGES DE MACEDO (1921-2021)

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A 3 de março de 2021 assinala-se e inicia-se a celebração do centenário do nascimento do historiador Jorge Borges de Macedo (1921-2021). Esta efeméride irá decorrer até ao primeiro trimestre de 2022, com referências na comunicação social, designadamente com artigos que já saíram no Diário de Notícias de Ana Leal de Faria, de Álvaro Costa de Matos (também no Público), de Luís Aguiar Santos, de Raul Rasga, de Paulo Miguel Rodrigues, de Maria João Martins e com uma sessão solene na Academia Portuguesa da História em que participará Álvaro Costa de Matos, transmitida através da plataforma Zoom no dia 17 de março entre as 15 e as 17 horas[1], dado o contexto geral de confinamento a que o país está sujeito. Está, ainda, previsto um conjunto de artigos que serão publicados num dos próximos números da revista cultural Nova Águia.

 

A 3 de março de 1921, em pleno contexto da 1ª República, nasce Jorge Borges de Macedo, filho de José Pinto de Macedo, político republicano radical e administrador colonial, e de Maria de Conceição Borges. Fez os estudos do ensino secundário no Liceu Passos Manuel, em Lisboa.

 

Na década de 1940 e na seguinte, no período em que militou nos setores da esquerda radical e se deixou influenciar pelo ideário marxista[2], licenciou-se na Faculdade de Letras de Lisboa em Ciências Histórico-Filosóficas, no ano de 1944 e no período da 2ª guerra mundial, com a tese A Situação Económica no Tempo de Pombal - Alguns Aspectos[3], que se tornou uma referência nos estudos historiográficos. Nesta década, colaborou na imprensa periódica, designadamente em O Diabo, na Seara Nova e em Vértice. No decorrer da vida, o seu pensamento foi evoluindo, passando ideologicamente de um quadrante de esquerda radical para um posicionamento de direita conservadora.

 

Nos anos 40, contraiu matrimónio com Branca Rosa de Mendonça Braga, tendo como filhos Jorge Avelino Braga de Macedo, Branca Maria Braga de Macedo e Ana Irene Braga de Macedo, tendo-se nestes anos dedicado bastante à família. Esteve ligado também, neste período, aos sectores oposicionistas ao regime do Estado Novo, tendo militado no Movimento de Unidade Democrática e apoiado a candidatura presidencial do general Norton de Matos, o que o conduziu à prisão[4].

 

Entre 1946 e 1949 dedicou-se ao ensino técnico na Escola Machado de Castro e na Escola Fonseca Benevides e, pouco depois, no fim dos anos 40 e princípio dos anos 50 foi professor de História e de Filosofia no Colégio Moderno, em Lisboa. Em 1953 entra para os quadros dos CTT, onde permanece até 1957.

 

Em 1957, por volta dos 36 anos, tornou-se professor assistente da Faculdade de Letras de Lisboa dos professores Vírginia Rau e Manuel Heleno, nas cadeiras de Teoria da História e de História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa. Nos anos 50 e 60 leccionará as cadeiras de História Moderna e Contemporânea, de História da Cultura Portuguesa, de História da Cultura Moderna, de História de Portugal I e II. Entre 1957 e 1973 foi secretário do Centro de História da Universidade de Lisboa desta Faculdade.

 

No ano de 1958, no tempo da candidatura presidencial de Humberto Delgado, tornou-se bolseiro do Centro de Estudos Históricos do Instituto de Alta Cultura[5] iniciou estudos sobre a História Económica, abordando os problemas das indústrias em Portugal no século XVIII, o que lhe permitiu elaborar a sua tese de Doutoramento e defendê-la, em junho de 1964, na mesma instituição académica com a classificação de 19 valores[6]. Em 1967, tornou-se professor agregado de História e dois anos depois, com cerca de 48 anos, atingiu o lugar de professor Catedrático.

 

Na sequência da revolução de 25 de abril de 1974, em função do seu posicionamento ideológico conservador, foi saneado da faculdade. Porém, após os exaltados anos pós-revolucionários, em 1977, é que pôde ser admitido no ensino universitário como professor de História Económica e de História Diplomática na Universidade Católica de Lisboa e, em 1980, reintegrado na Faculdade de Letras de Lisboa como lente de História Contemporânea de Portugal, tendo-se jubilado em 1991.

 

Neste ano, proferiu a sua última aula, a 10 de dezembro, subordinada ao tema “A sociedade portuguesa no tempo de Camões”, num dos auditórios da Faculdade de Letras de Lisboa e foi agraciado, pelo Presidente da República Mário Soares, com o grau honorífico de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant’iago da Espada. Foi também distinguido com os Prémios Abílio Lopes do Rego e Alexandre Herculano. Pela sua ligação à comunidade científica internacional, foi tradutor e supervisor de inúmeras obras historiográficas estrangeiras, designadamente de autores como T. S. Ashton, Lucien Febvre e Carl Grimberg.

 

Jorge Borges de Macedo foi orientador da tese de Doutoramento do professor José Manuel Tengarrinha, apesar das diferenças ideológicas que os separavam. Devido ao grau de exigência que imprimia aos investigadores sob a sua alçada garantiu a qualidade científica da dissertação deste historiador de renome da imprensa portuguesa.

 

Em 1990, foi convidado pelo Secretário de Estado da Cultura, Dr. Pedro Santana Lopes, para o cargo de Diretor dos Institutos dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, tendo inaugurado as novas instalações do imponente e antissísmico edíficio da Cidade Universitária de Lisboa, ao mesmo tempo em que impôs restrições apertadas para a consulta documental aos investigadores. Ocupou este cargo até ao seu desaparecimento, a 18 de março de 1996, perfazem-se agora 25 anos. Em ato testamentário doou a sua vasta biblioteca à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

 

Na sua obra historiográfica, Jorge Borges de Macedo procurou romper com as investigações históricas muito monográficas, sem se deixar incorrer nos processos explicativos exclusivamente abstractos. De acordo com o recente e pertinente artigo de Luís Aguiar Santos[7], o mergulho de Borges de Macedo na história económica derivou do seu interesse em afastar a investigação do passado coletivo das perniciosas tendências ideológicas dominantes no período de formação do historiador.

 

Uma das suas obras de referência, no âmbito da história diplomática e das relações internacionais, é o livro intitulado História Diplomática Portuguesa: Constantes e Linhas de Força. Estudo de Geopolítica. Nesta obra, abordam-se as orientações estratégicas e as perplexidades imanentes às estruturas históricas da vida diplomática portuguesa.

 

Segundo Luís Aguiar Santos, a opção de Borges de Macedo pelos temas de história económica foi uma forma de se desvincular das tendências ideológicas, marxistas ou nacionalistas, que dominavam a historiografia de meados do século XX, em Portugal. Neste sentido, o pombalismo foi assumido como um mecanismo de centralização do poder régio com reforço dos instrumentos administrativo-militares e não como resultado de um “plano iluminista”. Desta forma, procurou atingir um procedimento metodológico que alicerçasse as explicações históricas em dados concretos, numa apreensão quase positivista de captação da realidade passada.

 

Na sua tese de doutoramento, ao abordar os problemas da indústria portuguesa no século XVIII, destaca-nos Aguiar Santos que Borges de Macedo investigou inovadoramente os registos do “imposto da décima” e analisou os custos de transportes no território português. Salienta-nos, ainda, este investigador que o historiador defendeu a tese de que os arremedos de políticas mercantilistas e proteccionistas se deveram mais a necessidades fiscais do que a autênticas vontades de industrialização do país, defendida por algumas correntes historiográficas. Também na obra ensaística A problemática tecnológica no processo da continuidade república - ditadura militar - Estado Novo, de 1979, Borges de Macedo procurou explicações concretas para tentar fugir às leituras ideológicas.

 

Esta interessante interpretação de Aguiar Santos olvida que o objecto de estudo da História pertence à área das Ciências Sociais e Humanas e, como tal, o historiador não estará nunca imune a tendências ideológicas, por mais implícitas que estas possam ser. Lembremos, aliás, que a psicologia sofreu do mesmo drama, ao longo do século XX, isto é, da tendência mais behaviorista ou mais espiritualista dos estudos da psique.

 

Em suma, o seu método historiográfico parece ser devedor da Escola dos Annales, ao pretender situar os acontecimentos económicos em estruturas de continuidade histórica e em conjunturas, para a inteira racionalidade dos fluxos evolutivos e involutivos da realidade passada do país, procurando desfazer ideias feitas, por várias correntes historiográficas, à luz das suas investigações e de um forte espírito crítico.

_________________________________________________________________

[1] https://zoom.us/j/91611214480pwd=ZTlLZlFzT0Z1aHdqakxEaWI0YTR4Zz09;  ID da reunião: 916 1121 4480; Senha de acesso: 136099 (https://academiaportuguesadahistoria.gov.pt/eventos/2021-03-17/).

[2] Como o testemunhou Mário Soares no livro memorialístico Portugal Amordaçado.

[3] Jorge Borges de Macedo, A Situação Económica no Tempo de Pombal - Alguns Aspectos, Porto, Portugália Editora, 1951, 307 p..

[4] Reportagem da RTP sobre o falecimento de Jorge Borges de Macedo.

[5] Álvaro Costa de Matos in http://hemerotecadigital.cmlisboa.pt/EFEMERIDES/JBMacedo/Biografia.htm

[6] Jorge Borges de Macedo, Problemas de História da Indústria Portuguesa no século XVIII (tese de doutoramento em História na Universidade de Lisboa), Lisboa, Edição de autor, 1964, 394 p..

[7] Luís Aguiar Santos in https://www.dn.pt/opiniao/a-historia-economica-na-obra-de-jorge-borges-de-macedo-13389190.html

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

VÍDEOS HISTÓRICOS SOBRE SOBRE JORGE BORGES DE MACEDO:

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/entrevista-a-borges-de-macedo-2/

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/entrevista-a-borges-de-macedo/

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/ultima-aula-de-borges-de-macedo/

O CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DO PADRE MANUEL ANTUNES (1918-2018) E O ANIVERSÁRIO DO BLOGUE “CRÓNICAS DO PROFESSOR FERRÃO”

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O Padre Manuel Antunes foi um sacerdote jesuíta, ensaísta e professor universitário, nascido em 1918 na Sertã, comemorando-se, portanto, em 2018, o Centenário do seu nascimento.

 

Licenciou-se em Filosofia e em Teologia e cedo assumiu a missão de docente, leccionando aos estudantes da Companhia de Jesus e aos alunos da Faculdade de Letras de Lisboa. Colaborou em inúmeros artigos na revista Brotéria e na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura da Editora Verbo, tendo sido Diretor desta revista dos jesuítas durante muitos anos.

 

Ingressou aos 18 anos na Companhia de Jesus, pelo que ficou marcado pela espiritualidade inaciana, identificando Deus em todas as coisas. Como professor e estudioso tinha uma propensão pelas grandes sínteses e pelo saber utilitário na sua atualidade, atraindo às aulas, pelo fascínio das suas preleções, uma multiplicidade de alunos de diferentes quadrantes ideológicos.

 

A sua brilhante carreira académica e cultural foi coroada com a atribuição do Doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Lisboa e pela atribuição da comenda da ordem militar de Santiago da Espada, a 10 de junho de 1983, pelo Presidente da República, Ramalho Eanes.  

 

Segundo o estudo de António Júlio Trigueiros, SJ[1], atual Diretor da revista Brotéria, do retrato feito dele por vários intelectuais na imprensa portuguesa, aquando do seu falecimento, sobressai o humanista, o pedagogo, o homem de cultura e o filósofo.

 

Escreveu inúmeros ensaios sobre temas contemporâneos, figuras da cultura, personalidades contemporâneas, temas de atualidade, e outros incidindo mesmo nas linhas mestras do seu pensamento doutrinário. Muitos destes ensaios verteu-os nas páginas da revista Brotéria, que dirigiu, durante vários anos, a partir de 1965.

 

O seu pensamento esteve marcado por um humanismo cristão, que lhe ficou a pautar a vida na integridade de conduta e na incomensurável humildade do seu relacionamento interpessoal. As suas reflexões versaram a cultura de vários povos e, em particular, a cultura portuguesa. Como jesuíta, o seu labor consagrou-o ao aperfeiçoamento da sua ordem religiosa.

 

A seguir ao seu falecimento, múltiplos foram os intelectuais (José Medeiros Ferreira, Jorge Borges de Macedo, Orlando Ribeiro, Guilherme de Oliveira Martins, Luís Filipe Barreto e outros) que, na imprensa portuguesa, em janeiro de 1985, elogiaram o papel do Padre Manuel Antunes de servir a Igreja Católica no plano cultural. Em 2018, celebra-se o Centenário do seu nascimento e convém evocá-lo como um professor que ensinou muitos alunos a reflectir e lhes mostrou uma ímpar vivência ética.

 

A 23 de julho de 2018, o blogue “Crónicas do Professor Ferrão” celebra o seu nono aniversário (2009-2018) num espírito semelhante ao do Padre Manuel Antunes na abordagem variada de temas culturais e de atualidade, procurando uma visão global das problemáticas, como é típico dos historiadores. Aliás, foi o saudoso e estimado Professor José Medeiros Ferreira que me impulsionou a concretizar este projeto cultural, que depois foi também bastante bem acolhido e incentivado por amigos, conhecidos e desconhecidos do público em geral.

 

Tal como o Padre Manuel Antunes, este blogue procura ter uma abrangência cultural ampla (versando temas científicos, filosóficos, literários, artísticos e históricos), numa visão holística do conhecimento.

 

Quero agradecer os inúmeros contributos que favoreceram o enriquecimento qualitativo deste blogue, em termos técnicos, científicos e linguísticos, que acabou por me abrir as janelas para escrever em revistas culturais relevantes, como a Nova Águia e a Brotéria. O nome deste blogue foi prévio à sua existência, pois surgiu como projeto associado a artigos publicados num site.

 

O desafio de me ligar culturalmente à internet já me tinha sido lançado por um conhecido, para integrar conteúdos históricos num portal, mas muitas pessoas foram, de facto, as alavancas anímicas para que este projeto fosse possível. Os dois assuntos, aparentemente distintos do título deste “post”, estão afinal interligados pela proximidade dos temas que interessaram ao Padre Manuel Antunes e a este blogue.

 

Por fim, quero convosco celebrar o nono aniversário deste blogue, que só tem sido possível com os vossos apoios e o interesse sempre renovado das vossas leituras.

__________________ 

[1] António Júlio Trigueiros SJ, Posfácio – Padre Manuel Antunes, o último retrato, in Padre Manuel Antunes, Portugal, a Europa e a Globalização, Lisboa, Bertrand Editora, 2017, p. 416.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

O VERTIGINOSO RITMO CONTEMPORÂNEO – CAUSAS, PROCESSOS E CONSEQUÊNCIAS (SÉCULOS XIX-XXI)

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Relembro, com saudade, uma excelente lição que recebi do Professor Jorge Borges de Macedo, em que frisou que um dos traços da contemporaneidade é a velocidade estonteante das sociedades contemporâneas. Esta velocidade frenética obriga os historiadores a recolher muito mais informação, para se conhecer uma realidade histórica mais recente.

 

Perguntamos se, eticamente, é benéfica esta velocidade frenética em que se desenrolam as nossas vidas. Procuraremos responder a esta questão e, concomitantemente, perceber as causas, as manifestações e as consequências deste fenómeno das sociedades contemporâneas.

 

É uma evidência que a evolução histórica da Humanidade tem conduzido a um ritmo, acelerado, das sociedades dos nossos dias e como causas, manifestas desta tendência, contam-se o crescente desenvolvimento técnico/tecnológico, a industrialização das sociedades ocidentais nos séculos XIX e XX e o crescimento urbano desmesurado das últimas décadas.

 

O predomínio da tecnologia na vida quotidiana, com a evolução dos transportes e das comunicações, com o surgimento da robótica e da informática, com a evolução das telecomunicações, entre outros factores, tem levado a uma inesperada velocidade na vida das pessoas e ao crescente sentimento de 'stress' no dia-a-dia dos cidadãos. Mas decerto, nos primórdios desta aceleração, esteve a invenção dos relógios públicos, cujo mais conhecido é o Big Ben.

 

Por outro lado, a mentalidade das indústrias e dos serviços, orientada pela lógica produtivista, tem alimentado a competitividade, dando origem à necessidade de “fazer depressa”. Contudo, é legítimo perguntar se é viável a todos os indivíduos fazer depressa e bem (no ditado popular português diz-se com sabedoria: “depressa e bem não há quem”) e, ao mesmo tempo em que se geram constantes mudanças políticas, sociais e económicas, aparecem novos meios de comunicação social que difundem as notícias em catadupa.

 

Esta dinâmica acelerada manifesta-se na velocidade dos transportes (dos comboios, dos barcos, dos automóveis e dos aviões) que, desde o século XVIII, tem aumentado exponencialmente, na velocidade com que circula a informação, que tanto cresceu com os novos meios de comunicação social, na primeira metade do século XX, mas que ganhou uma veemência inusitada com a proliferação da internet.

 

Estes fatores têm facilitado transações comerciais e financeiras à escala mundial, dando à economia globalizada, do início do século XXI, uma aceleração que impede aos economistas de fazerem previsões de longo prazo, tornando a realidade dos países, das sociedades e das pessoas muito instável. Ao que já alguém chamou de “Era da Incerteza” imitando a expressão assertiva de Eric Hobsbawm de “Era dos Extremos” para o século XX.

 

Os resultados, sendo aparentemente benéficos, são amplamente prejudiciais pelas suas múltiplas consequências sociais negativas, o que nos permite concluir que este mediático progresso, na verdade marca um retrocesso na qualidade de vida dos cidadãos do mundo globalizado. Esta dinâmica tem desembocado numa clara desumanização das sociedades contemporâneas, o que tem distanciado os cidadãos dos políticos, uma vez que estes se revelam incapazes de reestruturar os vícios das sociedades desenvolvidas dos séculos XX e XXI.

 

Verifica-se, assim, que, com o evoluir das sociedades industriais e pós-industriais, os valores éticos têm sido substituídos pelos valores de mercado, esvaziando a dignidade dos valores imateriais (espirituais), daí que a reconhecida crise de valores perpasse as sociedades contemporâneas desde o início do século XX, como já o sublinhei em artigo publicado[1].

 

O desenvolvimento industrial das sociedades ocidentais dos séculos XIX e XX provocou uma violenta crise ambiental, com o esgotamento de recursos naturais, que deram origem às preocupações ecológicas, desde os anos 70 do século passado, com o emergir de uma consciência ambientalista, que culminou com a atual encíclica Laudato Si do Papa Francisco.

 

Em suma, o vertiginoso ritmo contemporâneo, que se tem acelerado do século XX aos nossos dias, tem conduzido a uma alienação dos homens, fazendo-os perder a sua dignidade e desencadeando novas doenças mentais, que se tornam cada vez mais frequentes, tais como a depressão, a ansiedade, os traumas do 'stress' de guerra e potenciado a emergência de neuroses e de psicoses coletivas e o surgir do nefasto cidadão “workaholic”.

 

[1] “Relativismo Ético na História Contemporânea (1914-2010)”, in Brotéria, nº1, volume 174, Janeiro de 2012, pp. 47-51.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

OS GRANDES MESTRES DA FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

 

Na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa tive a oportunidade de interagir com uma plêiade de notáveis professores que foram ou, ainda, são grandes mestres do saber. Além destes com quem me cruzei, outros houve que viviam no imaginário desta Faculdade pela força dos seus nomes na Cultura Portuguesa. De entre estes, quero destacar como historiadores o Padre Manuel Antunes e José Leite de Vasconcelos e o filósofo Delfim Santos.

 

Sem o conhecer como professor, embora pairando sempre no meu imaginário esteve o mediático professor e jornalista Fernando Piteira Santos. Também Raul Rosado Fernandes suscitava a minha admiração por ser um estudioso do classicismo greco-latino e um político conhecido do CDS, de que tive o privilégio de ler as suas Memórias cheias de uma inspiração classicista (Memórias de um rústico erudito, 2006).

 

De outras áreas humanísticas com os quais me cruzei sem abrir palavra, mas com retumbante admiração, contam-se os professores e escritores Urbano Tavares Rodrigues e David Mourão-Ferreira e os professores de filosofia José Barata-Moura e Viriato Soromenho-Marques.

 

Deste primeiro professor referido consta uma engraçada coincidência que nunca explorei: escreveu um livro relatando a visita do Almirante Sarmento Rodrigues às províncias ultramarinas portuguesas do oriente (Jornadas do Oriente "Lisboa-Goa e volta", 1956), entretanto faleceu sem que o tenha o interpelado com esta minha curiosidade.

 

Como professores a quem muito devo, com gratidão e reconhecimento, contam-se figuras distintas da Historiografia nacional como Joaquim Veríssimo Serrão, que escreveu uma obra volumosa e de grande erudição História de Portugal; o Professor João Medina, coordenador e orientador do meu Mestrado, que se distinguiu pela sua prosa literária, mas repleta de uma profunda erudição histórica; o Professor Jorge Borges de Macedo, que sempre se revelou de uma inteligência sintética que nos abria novas perspectivas de compreensão nas suas ricas prelecções e nos seus textos magistrais; o Professor António Borges Coelho, de uma simplicidade na maneira de ser e um trato verdadeiramente humanista, de que pude apreciar a sua apurada sensibilidade.

 

Do Professor Manuel Mendes Atanázio, que em matéria de História da Arte era a sumidade maior, antes da chegada de Vítor Serrão, que se destacava pela excentricidade e arrojo interpretativo, impressionando-nos pela agudeza crítica do seu olhar, sempre penetrante nas obras de arte e interessante pelo humor constante com que nos prendia a atenção.

 

O Professor António Dias Farinha de uma inexcedível simpatia e sempre interessado em orientar-nos com as suas pistas de investigação, que foi um grande professor da História dos Descobrimentos, mas que se veio a tornar num perito nacional na cultura islâmica.

 

Os professores José Manuel Tengarrinha e António Ventura, o primeiro com uma experiência política admirável como anti-salazarista, deputado constituinte e fundador do MDP/CDE e o segundo como um reputado especialista da Maçonaria e um intransigente defensor da Cultura Alentejana, com os quais convivi no Mestrado.

 

À Professora Ana Maria Leal de Faria, a quem muito devo pela promoção da minha auto-estima cultural, que me orientou pelos trilhos de Didáctica da História e com quem me cruzei em espaços de afeição cultural, da Biblioteca Nacional de Lisboa ao grande auditório da Fundação Calouste Gulbenkian.

 

Em suma, estes foram e alguns, felizmente, são ainda grandes mestres da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa que influenciaram gerações de estudantes, dando-nos a certeza de que nem só de pão vive o Homem, mas também do espírito que alimenta e ilumina o nosso caminho.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

 

 

A MODERNIDADE CULTURAL E CÍVICA DE SÃO PAULO - O APÓSTOLO DOS GENTIOS

Crónicas do Professor Ferrão (12)

"A modernidade cultural e cívica de São Paulo - o apóstolo dos gentios"

Lisboa, 16 de Julho de 2009

 

         Terminou a 29 de Junho de 2009 o ano Paulino comemorativo dos dois mil anos do nascimento do apóstolo de Jesus Cristo – Paulo de Tarso da Cilícia, na actual Turquia. Este texto resultou de algumas reflexões que fui fazendo no grupo Paulino a que pertenci na Igreja de Nossa Senhora do Amparo, na paróquia de Benfica, em torno da Antologia de D. Anacleto Oliveira, bispo auxiliar de Lisboa ( Um ano a caminhar com São Paulo, Coimbra, Coimbra Editora, 2008) e das esclarecidas conferências que tive o privilégio de assistir ( deste autor, do teólogo Juan Ambrósio e do Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa).  Sem estes contributos intelectuais, sem o debate no grupo Paulino e sem este dom de prosador estas reflexões, seguramente, não poderiam ser partilhadas convosco.
 
            O legado cultural da vida de São Paulo e das suas Cartas apostólicas é de uma notável modernidade como terei oportunidade de demonstrar, como aliás já o fiz publicamente numa pequena intervenção num sarau cultural no salão paroquial da supracitada igreja[1]. No entanto, não irei traçar nenhuma resenha biográfica, mas apenas chamar a atenção para alguns aspectos invulgares da sua vida e obra para a época e, sobretudo, para a actualidade.
 
            Na minha perspectiva, São Paulo foi um precursor na defesa dos Direitos Humanos no contexto histórico do império romano, como já o sustentei algumas vezes, porque universalizou a religião cristã ao evangelizar os gentios, pois transmitiu-lhes a “Boa Nova” da Salvação por Jesus Cristo. O apóstolo Paulo foi, deste modo, responsável pela irradiação geográfica do Cristianismo no mundo Mediterrânico nas pregações feitas durante as suas longas viagens e nas Cartas que enviou às suas comunidades.
 
Efectivamente, esta vertente de defesa dos Direitos Humanos emerge em São Paulo do sentido da igualdade que atribui a todos os Homens mediante o tratamento fraternal de “irmão” que concede a todos os crentes, independentemente do estatuto social de cada um. Assim, no seu modo de ver o importante, não era se alguém tinha o estatuto de centurião ou de escravo, era que esse indivíduo era filho de Deus e, portanto, tinha igual dignidade humana o escravo e o cidadão, o pobre e o rico, devendo todos ser afectuosamente tratados como “irmãos”. Reparemos na Carta de São Paulo a Filémon quando o interpela dizendo: “(…) para que o recebas (…) não já como escravo, mas muito mais do que um escravo: como irmão amado (…)” ( Flm, 15-16 ).
 
Em segundo lugar, a modernidade da mensagem religiosa de São Paulo advém da forte inteligência emocional que manifestou nas suas Cartas às comunidades cristãs, pois estas foram fruto do seu dom de formular uma síntese perfeita entre a fé e a razão. Na realidade, a base da sua convicção foi a fé como sentimento religioso primordial quando afirma na Carta aos Gálatas: “(…) já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim (…)” ( Gl, 2-20). No entanto, a esta base emocional juntou o raciocínio ético que desenvolveu através da pedagogia da palavra para explicar a bondade da mensagem cristã ao desabafar na sua primeira Carta aos coríntios com a coloquial expressão: “(...) ai de mim, se eu não evangelizar!” (…)” (1ª Cor. 9,16).
 
Por consequência, esta inteligência emocional manifestou-se na conduta religiosa de São Paulo ao unir de forma coerente a sua capacidade de acção com a sua força espiritual conseguindo, pois, conciliar a oração com as suas extenuantes viagens apostólicas de pregação religiosa da Boa Nova aos povos pagãos.
 
Importa, agora, examinar duas sugestivas visões da transfiguração de São Paulo de perseguidor de cristãos em obstinado conversor cristão de almas pagãs. Na realidade, há duas interessantes e antagónicas interpretações da sua conversão a caminho de Damasco que merecem ser conhecidas. Enquanto uma corresponde à versão do crente, a outra corresponde à versão laica do ateu. A primeira interpretação, recente, é a do teólogo Juan Ambrósio, da Universidade Católica de Lisboa, que lê a conversão de São Paulo, pelo encontro místico com Cristo Ressuscitado, como um processo lento e comunitário, ou seja, a vivência inicial de São Paulo nas comunidades cristãs, a seguir a esse encontro genésico, constituiu na sua opinião um meio de aprofundamento do conhecimento de Cristo[2].
 
A segunda versão deste acontecimento da vida de São Paulo, que quero referir, é-lhe historicamente anterior (1934) e corresponde à versão laica de um escritor português do Saudosismo ( Teixeira de Pascoais, São Paulo, Lisboa, Editora Assírio e Alvim, 2002 ), contaminado pelo ambiente anticlerical da época, que encara São Paulo como um poeta que se converteu à fé no “Ressuscitado” por um forte sentimento de remorso pela morte de Santo Estêvão, isto é, a aparição de Cristo Ressuscitado dever-se-ia à sua má consciência por este martírio[3]. 
 
São Paulo pela sua vasta cultura, formado na escola judaica de Gamaliel, acabou por ter um papel fundamental na História do Cristianismo ao abrir intelectualmente esta religião, através das suas Cartas, aos valores morais e espirituais que lhe estão subjacentes. Protagonizou, assim, a nobre missão pedagógica de transmitir os valores éticos e as virtudes cristãs que deveriam pautar a conduta dos fiéis do seu tempo e das gerações vindouras.
 
Desta maneira, revelou aos seus contemporâneos, no contexto do desvirtuamento moral do império romano em que a corrupção se generalizara, o inestimável valor das virtudes teologais ( fé, esperança e caridade ) que deviam ancorar a vida dos cristãos em meio social tão adverso. Não me espanta, pois, que tenha exortado a comunidade cristã da cidade de Colossos com as seguintes palavras de revelação ética contra comportamentos egoístas: “(…) Como eleitos de Deus, santos e amados revesti-vos, pois de entranhas de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade, suportando-vos uns aos outros (…) se alguém tiver razão de queixa contra outro (…)” ( Cl, 3, 12-13 ).
 
Na verdade, outro indício precursor, e mesmo progressista, da acção apostólica de São Paulo na vida da nascente Igreja foi a activa participação que atribuiu às mulheres na vivência organizacional das primeiras comunidades cristãs, sendo exemplo disso a liderança que delegou em Lídia na Igreja da cidade de Filipos. Deste modo, revelou uma sensibilidade “feminista” ao confiar a algumas mulheres cargos eclesiásticos, o que era pouco comum entre as instituições religiosas da época. Esta sua preocupação em melhorar a situação da mulher nas sociedades do império romano patenteia, novamente, a sua disposição para a defesa do Direito de igualdade entre todos os crentes como uma das premissas do ideal cristão, designadamente de paridade entre homem e mulher.
 
Comprova-se, portanto, a sua luta por este Direito Humano quando anuncia o universalismo da religião cristã, que o levou a evangelizar os gentios, ao proclamar na Carta aos Gálatas essa igualdade entre todos os cristãos: “(…) Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há masculino e feminino, porque todos sois um em Cristo (…)” ( Gl 3, 28).
 
Em suma, São Paulo é um exemplo de vivificante actualidade, pelo seu optimismo cristão, que nos pode ajudar a enfrentar espiritualmente esta crise multipolar ( energética, climática, económica, social, política, moral, etc. ) deste complexo mundo Globalizado em que vivemos. Com efeito, o legado cultural da esperança cristã, que este apóstolo nos ensinou nas suas epístolas, é em tempos de crise e de grandes incertezas uma resposta psicologicamente positiva às angústias e ansiedades actuais e uma solução filosófica para a crise de valores das sociedades contemporâneas e para o inerente relativismo da mentalidade dominante nos países mais desenvolvidos. Daí, advém, a importância de sermos tocados pela mensagem Paulista de confiança no que o futuro nos reserva mediante a nossa fé cristã.
 
Compreendemos, assim, as palavras que São Paulo dirigiu em carta à comunidade cristã de Filipos ao persuadir os crentes pela veemência do seu poder carismático com as seguintes expressões, que devem ter comovido os corações dos fiéis: “(…) Alegrai-vos sempre no Senhor (…) O que de vós é bondoso seja conhecido de todos os homens (…) Por nada vos deixeis inquietar. (…)” ( Fl. 4, 4-6 ).
 
Por conseguinte, o exemplo de São Paulo de inquebrantável confiança no Deus do Amor e em Jesus Cristo seu Filho, que veio salvar a Humanidade, é-nos dado pelo seu esforço de missionação no nordeste do mundo Mediterrânico, não obstante todo o sofrimento que lhe terá causado uma doença crónica[4]. Esta lição de fé deste apóstolo faz-nos recordar o singular exemplo paralelo, de crença religiosa apesar de todo o sofrimento físico e de ânimo evangelizador pelas “sete partidas do mundo”, da acção pontifícia de João Paulo II[5]. Na realidade, a semelhança entre estas duas vidas paralelas, já que este papa muito viajou apesar das suas enfermidades e em especial da doença de Parkinson, levam-nos a conjecturar a hipótese deste papa se ter inspirado substancialmente no edificante exemplo de São Paulo.
 
Por último, a moralizante acção e doutrinação de São Paulo no contexto de podridão ética do império romano constitui um exemplo a seguir perante o desnorte de valores que submerge a vida política actual, influenciada pelo fenómeno da Globalização e pela ideologia neoliberal que sacralizou a “teologia de mercado”. Foi, aliás, este dantesco cenário internacional que mergulhou o mundo naquilo que, alguns autores, chamam de “capitalismo de casino” e que favoreceu escandalosas fraudes financeiras em várias regiões do mundo.
 
Deste modo, para se sair deste caos social que assola o planeta, nos nossos dias, é necessário interligar sem dogmatismos fundamentalistas a política e a religião, como o pretende fazer Tony Blair, ex-primeiro ministro inglês, nas suas académicas prelecções de “Globalização e Fé” numa prestigiada Faculdade dos Estados Unidos da América ou os teólogos da libertação como o professor universitário Leonardo Buff, por entenderem que o agravamento das injustiças e das desigualdades sociais decorrem das bases ideológicas deste tóxico sistema internacional.
 
Em conclusão, não restam dúvidas que a alavanca para garantir o bem-estar material e espiritual nas populações deste mundo globalizado passa pela reintrodução do legado ético na vida política internacional e nacional, o que poderá ser a solução para a desejada reaproximação entre cidadãos e governantes[6]. Contudo, afigura-se-nos fundamental que se quebrem alguns pressupostos identitários do mundo em que vivemos, nomeadamente é indispensável que os poderes políticos não estejam manietados pela força das grandes autoridades económicas e financeiras, mas ao invés que sejam guiados pelo senso ético. 
 
Ao fim e ao cabo, o revolucionário exemplo de São Paulo no quadro histórico de um império materialista assume uma modernidade cultural e cívica no tempo presente absolutamente entusiasmante.
 
Nuno Sotto-Mayor Ferrão

 


[1] Comunicação que fiz, em representação de um grupo Paulino de reflexão a 25 de Junho de 2009, num sarau cultural, no salão paroquial de Nossa Senhora do Amparo em Benfica, dinamizado pelo pároco José Traquina.
[2] De acordo com Conferência proferida pelo teólogo Juan Ambrósio no Anfiteatro da Escola Secundária Padre Alberto Neto, em Queluz, a 16 de Abril de 2009.
[3] “(…) Quem lhe apareceu, na estrada de Damasco, foi o seu remorso personificado em Jesus Cristo, o deus da sua vítima. (…) O Deus de Estêvão ficou a ser o Deus de Paulo. (…)” in Teixeira de Pascoais, São Paulo, Lisboa, Editora Assírio e Alvim, 2002, p. 31.
[4] Há autores que sustentam tratar-se epilepsia essa doença crónica de São Paulo, no entanto D. Anacleto Oliveira optou por referi-la como uma doença crónica. Vide D. Anacleto Oliveira, Um ano a caminhar com são Paulo, Coimbra, Gráfica de Coimbra 2, 2008, p. 44.
[5] Sobre este papel histórico do papa João Paulo II vale a pena ler o seguinte artigo: Jorge Borges de Macedo, “O sentido e o fim do último quartel do século XX. Experiência e Crise (1974-1995)” in História Universal, vol. II, Lisboa, Selecções do Reader’s Digest, s.d., pp. 550-561.
[6] Sobre esta permanente questão da distância entre cidadãos e governantes vale a pena ler o magnífico romance do nosso escritor laureado com o Prémio Nobel da Literatura: José Saramago, Ensaio sobre a lucidez, Lisboa, Editorial Caminho, 2004.

 

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