Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
A blogosfera é um campo muito vasto da internet que nos fornece informação, documentação e opinião de autores, que vale bem a pena explorar, porque um dos problemas das actuais sociedades da informação é o excesso de dados, sem que estes sejam tratados e convenientemente interpretados. Não é, certamente, pela econometria que tornamos melhor as nossas sociedades, porque se a quantidade e os números permitem métodos de organização, não permitem métodos de escolha que se têm de basear em valores humanistas. Caso contrário, as sociedades passam a ser governadas por tecnocratas e as democracias definham. A liberdade de pensamento e de expressão é uma característica fundamental dos Estados de Direito e a blogosfera é um espaço privilegiado para o seu pleno exercício.
No tempo do sociólogo Max Weber (1864-1920) acreditava-se nos benefícios redentores da burocracia, hoje descrê-se desse paradigma e evolui-se para o paradigma da tecnocracia. No entanto, este novo modelo social não tem dado resposta a uma série de questões humanas na Era da Globalização. Daí o importante papel da blogosfera e da imprensa de opinião para suscitar o debate público de questões de cidadania, de estética, de cultura e mesmo de ciência. Evoco alguns blogues que sigo há longo tempo (Clássicos) e outros que vou descobrindo neste admirável Mundo Novo da internet (Novidades), mas que primam pelas suas diferentes qualidades.
1) Clássicos
a) Cidadania e política
Córtex Frontal – Os Professores Universitários José Medeiros Ferreira e Joana Amaral Dias têm mantido este blogue de temática política com textos curtos de grande acutilância crítica, transbordante de perspectivas lúcidas e questões bem equacionadas. Os seus pertinentes juízos de valor firmam-se em sólidos conhecimentos e em apuradas sensibilidades sociais que têm aberto caminho à necessária reflexão das Esquerdas.
A Nossa Candeia – A Professora Universitária Ana Paula Fitas tem sido uma voz de uma cidadania atenta às questões políticas, sociais e culturais através deste seu blogue que tenho seguido de perto. Tem sido especialmente sensível às questões da igualdade de género, da justiça social e das atrocidades exercidas sobre os Palestinianos.
Politeia – O Professor Universitário José M. Correia Pinto tem um blogue de análise da vida política que, fluente na linguagem e nos argumentos que apresenta, nos oferece visões críticas muito pertinentes de diferentes episódios governativos nacionais.
b) Cultura e actualidades
Duas ou três coisas – notas pouco diárias do Embaixador Português em França – O Embaixador Francisco Seixas da Costa tem-nos oferecido conteúdos de grande qualidade, seja como testemunho memorialista, seja em textos sobre temas da cultura portuguesa, seja em “posts” que versam temas de grande actualidade. É, a par disso, um autor com uma invulgar qualidade literária que dá imenso prazer ler pela grande correcção estilística.
Crónicas do Rochedo – O Jornalista Carlos Barbosa de Oliveira tem um blogue de uma prosa escorreita, emoldurada de belos arabescos poéticos, que se debruça sobre temas de actualidade, de cultura e temas periódicos que lhe servem de fio condutor de várias séries de “posts”, sendo o último “as praias da minha vida”. Recomendo vivamente uma visita.
Nova Águia - É um blogue da revista cultural intitulada "Nova Águia", que homenageia a revista a "Águia", surgida em Portugal no início do século XX , sendo o veículo de notícias referentes à revista e a diferentes eventos culturais.
Milhafre - É o blogue do Movimento Internacional Lusófono que promove notícias, textos e vídeos ligados à problemática da Lusofonia na perspectiva de uma intervenção cívica e cultural.
c) Economia
Ladrões de Bicicletas – É um blogue de vários autores que se debruçam sobre as problemáticas económicas que estão em questão nesta conjuntura de crise financeira das dívidas soberanas do mundo ocidental. Vale a pena tentar compreender os meandros da vida económica a partir da sensibilidade social destes jovens académicos.
2) Novidades
Literatura e Arte – É um blogue da Professora Universitária e Promotora Cultural Yvette Centeno que em textos de análise, aborda obras de escritores e de artistas portugueses, com muito talento e muita perspicácia na busca de aspectos simbólicos.
Gago Coutinho – É um site monográfico dedicado ao Almirante Carlos Viegas Gago Coutinho (Marinheiro, Astrónomo, Geógrafo, Historiador, etc), que em 1922 fez, com Artur de Sacadura Cabral no contexto da comemoração do centenário da independência do Brasil, a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, organizado por um Professor de História e investigador, de nome Rui Miguel da Costa Pinto, que nos apresenta um conjunto de interessantes documentos.
Os meus refúgios – Este blogue de Maria de Deus Botelho de grande qualidade gráfica e com belos textos, imagens e filmes seleccionados de escritores e artistas, merece ser conhecido.
O livro dos seres imaginários – É um blogue brasileiro, com uma excepcional qualidade estética, em que estruturalmente se escolheu reproduzirem-se obras artísticas acompanhadas de excertos poéticos que nos falam do fenómeno do amor.
Neste trigésimo sétimo aniversário da Revolução do 25 de Abril de 1974, que todos os cidadãos europeus devem conhecer, verifica-se uma redução substancial das celebrações oficiais deste facto genésico da Democracia Portuguesa devido à suspensão dos trabalhos parlamentares e à austeridade a que o país ficou obrigado.No entanto, o carácter simbólico e cívico deste acontecimento histórico levou alguns cidadãos, nascidos após 1974, a subscreverem um Manifesto, intitulado “O inevitável é inviável”, que apela para a necessidade de reconhecer que as liberdades estão a ser postas em causa com o afunilamento de opções democráticas de escolha. Na verdade, as pressões financeiras e tecnocráticas impostas pela “cúpula” da Globalização estão a constranger as hipóteses de um autêntico pluralismo democrático.
Por esta razão, é importante saber que a Associação 25 de Abril tem um importante sítio da Internet que nos abre uma panóplia documental muito interessante sobre este acontecimento. Convém, no entanto, tomar em linha de conta alguma bibliografia essencial sobre esta revolução, lembrarei um estudo clássico feito pelo Historiador José Medeiros Ferreira, um estudo actual elaborado pela Historiadora Maria Inácia Rezola e um testemunho memorialista de um dos líderes da revolução, Otelo Saraiva de Carvalho. Ficam, aqui, as referências a estas obras incontornáveis para se conhecer e compreender melhor este acontecimento histórico:
José Medeiros Ferreira, Ensaio Histórico sobre a Revolução do 25 de Abril: O período pré-constitucional, Lisboa, Publicações Alfa, 1990.
Maria Inácia Rezola, 25 de Abril – Mitos de uma Revolução, Lisboa, Esfera dos Livros, 2011.
Otelo Saraiva de Carvalho, O Dia Inicial – 25 de Abril – Hora a Hora, Lisboa, Editora Objectiva, 2011.
Por outro lado, também é verdade como diz o provérbio de sabedoria popular “em casa onde não há pão, toda a gente ralha e ninguém tem razão” e, nessa medida, percebo o apelo do Sociólogo António Barreto que subscreveu um Manifesto, com várias dezenas de outras insignes personalidades da vida pública do país, para realçar a necessidade de um mínimo de convergência nacional, nesta fase crítica da vida colectiva, para que Portugal consiga resolver a questão financeira, manter o equilíbrio social e gerar oportunidades de investimento. Afigura-se-nos que estes grandiosos desafios que o país enfrenta (necessidade de regularizar as suas contas e de tornar a Democracia mais plural) constituem uma espécie de quadratura do círculo que dificilmente é resolúvel com recurso unicamente “à régua e ao compasso”. Só, porventura, a criatividade do pensamento divergente, no longo prazo, poderá solucionar este estrangulamento da vida dos cidadãos, nacionais e mundiais, mudando as mentalidades, a nível interno, e o sistema internacional do capitalismo desregulado.
Entretanto, convém ponderar com tranquilidade e sensatez na crise financeira e económica que se está a instalar no país e relembrar com orgulho o Património simbólico da Revolução do 25 de Abril de 1974.
Verificamos com base na nossa investigação histórica[1] que o debate em torno da estruturação da administração colonial, nos anos de 1920 e 1930, não se cingiu à escolha dualitária entre centralizar ou descentralizar, porque abrangeu também os diferentes graus de operacionalização de cada uma destas tendências e os efectivos mecanismos de os concretizar.
Poder-se-à afirmar que a Historiografia actual tem andado equivocada ao considerar que este debate se limitou à escolha dicotómica entre as duas tendências, visto que na realidade a discussão política se centrou na amplitude a conferir à descentralização ou à centralização. Na verdade, a prova que o debate político não se restringia a esta dualidade é o facto dos tratadistas de Direito Colonial classificarem, na altura, os sistemas coloniais de acordo com a seguinte trilogia: sujeição, assimilação ou autonomia[2].
Por exemplo, o professor da Escola Superior Colonial José Gonçalo Santa-Rita, prestigiado teorizador da administração colonial[3], categorizou os sistemas administrativos da seguinte forma: de sujeição, eminentemente centralizador da estrutura administrativa; de assimilação, eminentemente uniformizador da estrutura administrativa de todo o território nacional ( metrópole e colónias ); e de autonomia, eminentemente descentralizador da máquina administrativa quase a meio caminho da completa emancipação política. Apreciava o sistema assimilador como mais equilibrado, porque não sendo autoritário concedia algumas liberdades às colónias, sem no entanto lhes facilitar uma futura desvinculação da soberania metropolitana.
Este teórico concordava em 1931 com a oportunidade do Acto Colonial, pelo seu carácter nacionalista, embora não o identificasse como consignando um sistema de sujeição para não lhe atribuir explicitamente um cariz centralizador. Afirmava, inclusivamente, que este diploma consagrava o regime de descentralização administrativo, não obstante reconhecesse, contraditoriamente, que concedia mais poderes à metrópole. Esta clara manipulação ideológica da opinião pública sucedeu, porque depois de intensa campanha de múltiplos e distintos publicistas nas primeiras três décadas do século XX a favor da descentralização administrativa colonial ( António Enes, Eduardo Costa, Júlio de Vilhena, José Ferreira Marnoco e Sousa, Rui Ulrich, Tomás de Almeida Garrett, etc ) era difícil sustentar uma posição doutrinária inequívoca propícia à centralização do sistema colonial.
Por conseguinte, o debate dos doutrinadores políticos girou quase sempre em torno do grau de concretização de uma orientação ou de outra ( centralização versus descentralização ). Deste modo, a amplitude assumida pelo debate da questão, em relação à forma como estruturar a administração colonial, está longe da visão simplificada da maioria dos Historiadores.
Contudo, esta polémica dividiu a sociedade portuguesa, embora tivessse havido uma defesa mais generalizada do princípio descentralizador, ao passo os defensores da tese centralizadora procuravam encobrir a sua posição asseverando que também lutavam por uma descentralização, porquanto o contexto histórico da doutrina internacional do Tratado de Versalhes de 1919 e dos antecedentes doutrinários portugueses do fim do século XIX e princípio do século XX eram claramente a favor da descentralização administrativa. Com efeito, historicamente podemos afirmar que desde 1895 com o Comissário Régio de Moçambique António Enes e depois com a realização do I Congresso Colonial Nacional[3] na Sociedade de Geografia de Lisboa em 1901 se tornou dominante na opinião pública a importância do princípio descentralizador da administração colonial.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Investigação histórica orientada pelas diligências incansáveis do Professor Doutor José Medeiros Ferreira.
[2] Cf. Júlio Monteiro Roque da Silveira, Lições da cadeira de Administração Colonial, Famalicão, Tipografia Minerva, 1931, p. 194.
[3]Congresso Colonial Nacional. Actas das sessões, Lisboa, Edição da Sociedade de Geografia de Lisboa, 1902.
Nos anos vinte, do século passado, pairaram inúmeras ameaças internacionais à soberania colonial portuguesa. Deste modo, foram aparecendo diversos cenários que representaram ameaças específicas, consoante as conjunturas nacionais e internacionais vividas. Contudo, duas fortes críticas à soberania portuguesa nas suas colónias perpassaram os diversos fóruns internacionais e as opiniões públicas estrangeiras entre as duas guerras mundiais (1919-1945).
No momento em que Portugal se libertava das campanhas de pacificação nas colónias africanas, urgia enraizar a autoridade do Estado nas colónias, em conformidade com o critério internacionalmente aceite desde a Conferênia de Berlim de 1884-1885 e confirmada na Convenção de Saint-Germain-en-Laye de 1919. Assim, desde o fim da 1ª República que o país enfrentava uma firme contestação internacional à sua legitimidade colonial. Com efeito, aparecem duras críticas da opinião pública internacional à deficiente gestão colonial portuguesa, ou seja, à incapacidade do Estado português fazer valer a sua autoridade nas colónias e de lhes garantir meios de desenvolvimento[1].
Por outro lado, outros países colonizadores, cobiçosos das colónias portuguesas, acusavam-nos de continuar a “prática da escravatura”, em Angola e em Moçambique, devido ao aproveitamento desumano da mão-de-obra autóctone. Em função destes pretensos defeitos administrantes de Portugal surgem cobiças estrangeiras à posse das colónias portuguesas.
A especificidade Moçambicana, no quadro colonial português, nos anos vinte ficou-se a dever a um conjunto de factores endógenos e exógenos. Em primeiro lugar, verificaram-se estreitas relações comerciais entre a África do Sul e Moçambique devido à mão-de-obra moçambicana usada nas minas da região do Rand e à utilização do porto de Lourenço Marques como local de embarque dos produtos de exportação sul-africanos, o que era uma situação que já vinha do início do século XX e, designadamente, da Convenção de 1909 com o Estado do Traansval. Em segundo lugar, houve um ambiente favorável à “desnacionalização”, da mentalidade das populações em Moçambique, caracterizado pela autoridade exercida em certas regiões desta colónia por parte de Companhias Majestáticas e pelo peso significativo que as comunidades estrangeiras tiveram neste território ao ponto de existirem periódicos publicados noutras línguas como o Lourenço Marques Guardian.
É neste contexto específico que se explica a pretensão da União Sul Africana de anexar Moçambique, o que deu origem a teses controversas que emergiram nesta colónia chegando alguns grupos da sociedade moçambicana a defender ideias radicais e profundamente heterodoxas de desvinculação do Estado Português, porque tinham interesses e negócios estreitos com alguns Estados vizinhos. Daí que, por exemplo, os políticos sul-africanos presentes na Conferência de Paz de 1919 em Paris, Louis Botha e Jan Christiaan Smuts, tenham pressionado Portugal para que cedesse a estratégica cidade de Lourenço Marques à União Sul-Africana[2].
Na verdade, nos anos trinta a União Sul-Africana continuou sob o impulso do carismático general Smuts a pretender incoporar Moçambique no seu território e disso estavam bem conscientes os políticos portugueses. Por exemplo, em 1939 o ministro das colónias, José Vieira Machado temia, em desabafo de consciência com António de Oliveira Salazar[3] em pleno conflito mundial, que a União, sob pretexto de que Moçambique se encontrava militarmente indefesa, se aproveitasse para garnecer a sua defesa e se apoderasse subrepticiamente das funções de soberania de Portugal dando por consumado um facto há muito desejado.
Na mesma década, pairou o perigo da Alemanha ou da Inglaterra anexaram o norte de Moçambique com o apoio explícito de habitantes da colónia. Já nos anos quarenta, Smuts protagonizou a defesa de uma União Pan-Africana que ligasse economicamente os Estados livres do Sul de África, o que foi um factor impulsionador das ideias emancipatórias de Moçambique do domínio português. Na realidade, a possibilidade de independência estaria escorada em fortes conexões económicas com os países vizinhos.
Em resumo, estes factos históricos configuraram ameaças reais e imaginárias à soberania portuguesa nas colónias africanas e, em particular, a Moçambique que pairaram nesta conjuntura da primeira metade do século XX.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Talvez a mais importante voz critica tenha sido a do sociólogo norte-americano Edward Ross que publicou um relatório que apresentou à Sociedade das Nações em 1925, que alcançou um notável êxito mediático, denunciando muitos erros e incapacidades da administração colonial portuguesa da época.
[2] José Medeiros Ferreira, Portugal na Conferência de Paz – Paris, 1919, Lisboa, Quetzal Editores, 1992, p. 31.
[3]Carta do ministro das colónias J. Vieira Machado a Salazar de 17 de Novembro de 1939, in Arquivo Oliveira Salazar/ Correspondência Oficial/ Ultramar – Pasta 9 A, ff. 94-103 ( Arquivo Nacional da Torre do Tombo).
Entre 1922 e 1926 circulou em Moçambique entre grupos de colonos a ideia de que seria vantajoso para efeitos de uma mais eficaz exploração da mão-de-obra nativa que a colónia se tornasse independente, tendo havido inclusivamente um projecto de Constituição para o futuro território emancipado. Por outro lado, esta colónia era muito mais dependente economicamente da União Sul Africana, com a qual mantinha intensas relações comerciais e sociais, do que da metrópole. Deste modo, se a administração colonial portuguesa era pouco expedita, se havia insatisfação com as medidas tomadas pelos delegados do poder metropolitano, como foi o caso do Alto-Comissário Manuel de Brito Camacho, e se os colonos percebiam que se assumissem as rédeas governativas lhes seria mais fácil a exploração do trabalho indígena torna-se fácil compreender que nesta fase politicamente mais liberal se tenham difundido nesta colónia as teses emancipalistas.
Manuel de Brito Camacho[2] após ter exercido o cargo de Alto Comissário em Moçambique, numa conferência proferida em 1924[3], argumentou que a descentralização administrativa era o caminho inevitável para a emancipação das colónias, que aliás se constituía como o fim desejável de qualquer sistema colonial, o que era uma tese inaceitável à luz da posição oficial do Estado português que pressupunha a inalienabilidade dos territórios coloniais[4].
Este intelectual politizado considerava impossível manter a soberania da metrópole nas colónias, por tempo indeterminado por ser uma inegável injustiça, defendendo como alternativa que se investisse na unidade económica entre a metrópole e as colónias e na descentralização administrativa no sentido de se possibilitar o desenvolvimento colonial, com o intuito de pôr fim à exploração desonesta das colónias e ao menosprezo pela civilização dos “indígenas”. Camacho considerava ser necessário independentizar cada vez mais os orgãos locais da administração colonial em relação ao poder metropolitano devido à instabilidade política que então se vivia na metrópole e à finalidade emancipalista do processo colonial.
Como doutrinador, Brito Camacho considerava que a evolução histórica conduziria as colónias à emancipação, opondo-se desta forma ao pensamento da maioria dos colonialistas e à posição oficial do Estado português que pressupunham a inalienabilidade do império português independentemente das circunstâncias conjunturais. Declara que as relações entre a metrópole e as colónias deviam prever e preparar a emancipação destes territórios, defendendo implicitamente que o benéfico princípio descentralizador era contrário à indesejável exploração colonial, embora julgasse que esta finalidade emancipalista estaria mais longe em povos “selvagens” ( expressão do próprio Brito Camacho ), como eram os de Moçambique ou de Angola, do que em povos com maior nível de desenvolvimento como os da União Sul-Africana.
Na sua visão estratégica heterodoxa, a política colonial devia ser exercida em proveito da metrópole e das colónias, de modo a constituir-se uma unidade económica equilibrada[5], que se atenuaria com a emancipação das colónias mas sem se perderem completamente. É por esta razão que justificava o estímulo à cultura do algodão e do açúcar em Moçambique, tal como o sustentava também Freire de Andrade, porque estas culturas beneficiavam tanto a metrópole como a colónia.
De facto, aconselhou que a política colonial seguisse uma doutrina administrativa coerente, proporcionando simultaneamente uma articulação entre o poder central e os orgãos das colónias e uma continuidade administrativa que independentizasse a máquina da administração colonial da instabilidade política que a República Parlamentar então vivia. Do seu ponto vista, só assim se poderia favorecer o desenvolvimento das colónias e das suas populações nativas. Elucida a originalidade desta visão administrativa o seguinte excerto desta conferência:
“(...) O termo natural da evolução duma Colónia, mais rápida ou demoradamente, conforme as suas circunstâncias é a sua emancipação. (...)”[6].
Por outro lado, Brito Camacho foi um crítico contundente da excessiva burocracia da administração colonial[7], porque frisou a ineficácia do funcionamento do Estado Colonial que consumia desnecessariamente o erário público em requisitos burocráticos em vez de estimular o progresso da economia colonial. A seu ver, os vícios de que enfermava a administração colonial eram a falta de formação dos dirigentes dos serviços públicos e a excessiva papelada usada na resolução de problemas, sem que, na realidade, isto resultasse numa solução expedicta dinamizadora da vida e da economia coloniais. Queixava-se, também, de que a influência do Estado sobre a sociedade civil era insuficiente, requerendo para o efeito verbas mais avultadas de fomento económico-social, porque senão os orçamentos apenas serviam para sustentar as funções burocráticas dos Serviços Públicos.
Ao mesmo tempo, Brito Camacho lamentava que a Administração colonial em Moçambique não possuísse conhecimentos científicos sobre a realidade económica tutelada ( o contexto agrícola, silvícola e mineralógico ), porque não existiam investigações, nem documentos de informação fidedignos sobre o assunto. Por esta razão, os serviços administrativos eram ineficazes, uma vez que eram excassas as informações científicas sobre a realidade colonial[8]. No fundo, opinava sobre a necessidade de tornar mais rigorosa a administração colonial alicerçando-a em múltiplos conhecimentos científicos relativos à realidade da colónia[9], referindo ser importante que os temas coloniais do território fossem introduzidos no ensino secundário com a finalidade de transmitir instrução útil aos futuros funcionários administrativos.
Sem dúvida que a experiência de Brito Camacho como Alto Comissário de Moçambique e as pressões anexionistas da África do Sul o terão levado a pensar que era inevitável a independência colonial de Moçambique, embora reputasse que, como o povo nativo era “selvagem”, o seu período de luta pela libertação seria mais alongado. Evidentemente que a influência da África do Sul e o exemplo da independência egípcia de 1922[10] poderão ter impressionado o seu espírito de molde a considerar que a emancipação dos povos coloniais era uma fatalidade. Deste modo, provavelmente as influências que o inspiraram o sentimento de inevitabilidade da independência colonial foram os exemplos externos destes dois países e o grau de discriminação racial existente em Moçambique, que geraram uma vontade explícita de revolta das populações locais contra a dominação colonial.
As influências empíricas que sofreu neste cargo por parte das ambições anexionistas da África do Sul e da intenção retrógrada do tratamento opressivo dos indígenas da parte dos colonos fizeram-no pensar que a independência colonial seria uma inevitabilidade, fosse por processo de anexação desse vizinho poderoso ou por necessidade de definir uma nova plataforma de relacionamento entre os indígenas e os povoadores brancos.
Em resumo, foi a acção política de Brito Camacho como Alto Comissário que o levou a pensar que seria inevitável mais tarde ou mais cedo a independência de Moçambique, porque as ideias governativas moralizadoras que aí intentou implementar não singraram, visto que os interesses políticos dos colonos impediram-no através dos seus ódios que as suas políticas sociais beneméritas em relação ao grosso da população colonial prosperassem[11]. Acreditava então que futuramente as populações nativas se revoltariam contra o processo subjugador dos colonos, impondo através da independência novas formas de relacionamento social entre indígenas e populações brancas.
Nos anos 20 um jornalista, Mário Domingues, do periódico A Batalha de linha anarquista, ventilou a ideia de que os povos coloniais tinham direito a tornarem-se independentes, o que significa que nas margens extremistas das correntes políticas existia na sociedade da metrópole uma corrente anticolonialista. Ele denunciava que a missão civilizadora era impossível, porque os meios de coercção exercidos sobre os indígenas não permitiam que fossem devidamente civilizados. Esta posição heterodoxa assumida por esta corrente política desligada do poder efectivo foi a única que até ao momento foi estudada pelos investigadores [12].Estas duas posições ideológicas demonstram que não havia unanimidade em relação ao futuro desejável das colónias, designadamente em relação à ideia de que o império era parte integrante e inalienável da pátria portuguesa.
Em Junho de 1923 num período de forte descontentamento social com a actuação administrativa de Brito Camacho um grupo de colonos interessados na exploração de mão-de-obra negra pretendeu tornar Moçambique independente[13], porque se eles fossem dominantes do ponto de vista político numa eventual independência poderiam controlar economicamente as populações locais. Realizou-se, inclusivamente, nesta época um comício favorável a esta causa emancipalista sustentada sobretudo por colonos com o objectivo de explorar a mão-de-obra de trabalho negro, no sentido de que a emigração sazonal para a região do Rand fosse aplicada localmente em proveito da ganância dos colonos brancos de Moçambique. Das seguintes passagens duma notícia, em tom de denúncia, se inferem estas informações:
“(...) Temos a certeza que há ainda homens de senso em Portugal que hão-de salvar o eterno explorado. Longe das ambições dos africanistas, declarados filhos de Moçambique, (...) saberão, estamos certos, arrancarem destes abutres a liberdade de extorquirem o preto a seu talante, com lei na mão, adrede feita. Não está a província em condições de ter uma autonomia administrativa, mas a embriaguez da política local vai longe: Vai até ao ponto de admitir a possibilidade de uma emancipação! Por este critério pode-se calcular da seriedade política dos agitadores, dos tais filhos de Moçambique, zelosos pela sua emancipação. (...)”[14].
Embora sob os regimes autoritários as teses coloniais heterodoxas tenham sido mais reprimidas, não obstante verificaram-se algumas excepções. Por exemplo, em Janeiro de 1929 em plena Ditadura Militar num editorial de um jornal Moçambicano[15] censurando-se a política centralista colonial defende-se, ao invés, uma administração colonial autónoma exercida pelas élites locais, que na avaliação do autor conduziria num futuro próximo à desejável emancipação do povo Moçambicano. Neste artigo rotulam-se de tirânicas as leis centralizadoras coloniais do ministro João Belo, asseverando-se que o modelo administrativo colonial nesta província tinha de ser autonómico no sentido de se caminhar para o desenvolvimento e emancipação do povo moçambicano. Esta doutrina insere-se na corrente heterodoxa que circulava em Moçambique entre alguns colonos brancos com maior apego à terra. Neste texto considera-se que esta colónia já possuía élites intelectuais capazes de governarem eficazmente “in loco” sem dependência de burocratas enviados de Lisboa[16].
Hotel Polana – Lourenço Marques
O jornal O Brado Africano, porta-voz das populações nativas Moçambicanas, criticou em 1923 as teses emancipalistas defendidas por colonos burgueses[17], porque a seu ver pretendiam dominar os autóctones quando o território se tornasse independente. Mas, na verdade talvez para conquistarem mais militantes, os defensores do emancipalismo argumentavam que as posições segregacionistas sobre os indígenas eram tomadas pela tutela metropolitana[18]. No entanto, a realidade histórica evidencia que o descontentamento burguês com a governação de Brito Camacho se devia à protecção que procurou dispensar à mão-de-obra indígena. Com efeito, o editorial deste periódico insurge-se contra a tese emancipalista e racista que começava a ser pevalecente entre os meios burgueses de Lourenço Marques[19], reconhecendo que seria preferível a tutela de Lisboa sob os aborígenes moçambicanos do que estas ambições de um grupo de colonos, porque estes eram desfavoráveis à dignidade civilizacional dos indígenas.
Em 1924 a conjugação de factores politicamente negativos, como sejam a crise económico-financeira de Angola e de Moçambique e o ódio intenso a Norton de Matos e a Brito Camacho por parte dos empresários coloniais, potenciou o recrudescimento dos movimentos independentistas nestas sociedades. Foi, neste contexto, que José Osório de Oliveira[20], funcionário colonial em Moçambique, considerou que a descentralização administrativa colonial dos Altos Comissários era responsável pela “desnacionalização” das colónias, pelo crescimento do espírito de autonomia e pelas veleidades de independência de certos sectores destas sociedades coloniais, que do seu ponto de vista poderiam fazer perigar a soberania portuguesa no ultramar.
Alertou, assim, para o perigo, à data da conjuntura de descalabro colonial, do fenómeno das “desnacionalizações” das colónias portuguesas perante as ameaças externas de cobiças de outras potências imperiais ou as ameaças internas de colonos que sonhavam com a independência dos seus territórios. Exemplifica que a força e as aspirações políticas emancipalistas das sociedades coloniais eram reais, fazendo perigar a ideia de transformarem Angola e Moçambique em “novos-brasis”, dado que ele já tinha tido nas suas mãos uma Constituição para Moçambique como território independente. Das seguintes passagens se podem corroborar estas interpretações:
“(...) O que um portuguez nascido em Portugal entende por moçambicano nunca o percebi. Sempre me pareceu que moçambicanos eram, apenas, os landins, os makuas e os makondes. Vejo porém que me enganei. Africanos não são só os pretos nem, se quiserem, os brancos que tenham nascido em África. Há brancos nascidos em Portugal que se intitulam moçambicanos ou angolenses pelo facto de viverem em Moçambique ou em Angola e pedem a autonomia e sonham com a independência em detrimento e prejuízo da sua Pátria. (...) Mas o que é facto é que em Lourenço Marques tive eu em meu poder o “Projecto de Constituição do Estado Autonómico da Província de Moçambique” e eu bem sei que ele não representa uma fantasia, mas uma corrente de opinião e uma força. (...)”[21]
O general Alfredo Freire de Andrade, representante português na renegociação do Convénio entre a União Sul-Africana e Moçambique em 1922, demonstrou em entrevista a um periódico moçambicano o risco que advinha da tese emancipalista[22]. Deste modo, considerou que a existência de um grupo de colonos no sul de Moçambique favoráveis a um regime autonómico ou mesmo a uma emancipação poderia encaminhar o território para ser absorvido pela tendência expansionista da União Sul-Africana. Em comentário, à entrevista do general, o jornalista afirma que a reinvindicação emancipalista proposta por grupos de colonos do sul de Moçambique e a ideia de Freire de Andrade de resolver o problema monetário local através da adopção de um regime de moeda de padrão ouro eram passos decisivos em direcção à absorção de Moçambique por parte do país vizinho[23].
Por conseguinte, proliferaram teses heterodoxas em certos meios moçambicanos nos anos 20 favoráveis à criação de um regime autonómico administrativo ou mesmo de uma emancipação política. Este facto parece significar que o regime dos Altos Comissários era encarado pelos sectores empresariais da sociedade moçambicanacomo ummecanismoinstitucional ainda centralizador, eurocêntrico, porque embora se tivessem reforçado poderes administrativos exercidos “in loco”, a verdade é que eram vistos como delegados do poder metropolitano.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Pesquisa histórica, que desenvolvi, inserida num projecto de investigação de História Ultramarina orientado pelo Professor Doutor José Medeiros Ferreira com base em consulta de acervos documentais no Arquivo Histórico-Ultramarino, no Arquivo Histórico-Parlamentar, no Arquivo Histórico da Universidade de Évora, na Biblioteca Municipal de Évora, na Biblioteca Nacional de Portugal, etc.
[2] “Manuel de Brito Camacho”, in Parlamentares e Ministros da 1ª República, (Coord. A.H. Oliveira Marques), Lisboa, Edição Assembleia da República, 2000, pp. 138-139.
[3] Brito Camacho proferiu esta conferência em Lisboa na Associação Comercial na data referida, tendo sido apresentado ao público com lisonjeiras palavras do general Freire de Andrade. Afirmou o publicista que era necessário propagandear as colónias para persuadir os portugueses das suas vantagens como possíveis mercados de consumo de produtos manufacturados e óptimos mercados de abastecimento de matérias-primas, para além de poderem assumir-se como terreno propício a absorver a avultada corrente emigratória portuguesa.
[4] “(...) Definir as relações entre a metrópole e as colónias é definir um sistema de direitos e obrigações, tendo por base um interesse comum. A principal obrigação da metrópole em relação às suas colónias é preparar a sua emancipação. Uma colónia que não tende para a sua emancipação é uma terra escrava e seria absurdo que tendo-se abolido a escravidão dos indivíduos se mantivesse a escravidão dos povos. (...)” Brito Camacho, Política colonial, Lisboa, Editorial Cosmos, 1936, p. 11.
[5] Em conformidade com esta lógica argumentativa, Brito Camacho seria um contestatário do regime comercial do “pacto colonial” que se veio a instaurar com o Estado Novo, pois este regime económico dava clara preponderância à metrópole no sistema de relações comerciais com as colónias. Não espanta portanto que tenha sido um acérrimo contestatário da política colonial do Salazarismo.
[7] João Fernandes, Brito Camacho – Algumas reflexões acerca da sua obra colonial, Lisboa, Edição Seara Nova, 1944, pp. 18-19.
[8] Estas críticas lançadas por Brito Camacho à realidade administrativa colonial estão bem explícitas nas seguintes citações dos seus escritos políticos: “(...) Foi só em 1908 que se organizou a repartição de agricultura, um serviço meramente burocrático, como já disse, nada mais fazendo do que ofícios e notas, ignorando a Província como ignora Índia, como ignora Macau. (...) Já o leitor sabe que ainda se não fizeram as pesquisas indispensáveis, para se avaliar, sem fantasias perigosas, do valor mineralógico da Província. E deviam estar feitas, desde há muito, estas pesquisas... (...)” ( Brito Camacho citado in João Fernandes, Brito Camacho – algumas reflexões acerca da sua obra colonial, Lisboa, Edição Seara Nova, 1944, pp. 20-21).
[9] Brito Camacho achava que havia concretamente carências de informação rigorosa sobre o valor económico-antropológico dos indígenas, a realidade metereológica e a situação mineralógica de Moçambique.
[10] “África e Ásia - 1914-1945 Início da descolonização”, in História Universal, Adapação Prof. Jorge Borges de Macedo, Lisboa, Selecções do Reader’s Digest, 1994, pp.424-435.
[15] “Descentralização”, in O Colonial, 26 de Janeiro de 1929, p. 1.
[16] As observações feitas podem ser evidenciadas nas seguintes passagens desse editorial: “(...) Somos apologistas da descentralização máxima para não dizer da autonomia quase absoluta. (...) sustentamos sem desfalecimentos a teoria de que aos povos assiste o direito de se governarem por si mesmos. (...) mas, o certo é que as nossas colónias possuem de facto, uma élite intelectual apta a constituir “self-government” eficazes tanto no campo político como no económico (...) A não ser que um povo caia na suprema desgraça em que tombaram os nossos compatriotas da metrópole não se concebe que se afronte assim um país nascente, cheio de vida, que quer caminhar, que sabe caminhar firme e conscientemente para a libertação, para a emancipação e para a prosperidade. (...)” ( Ibidem, p. 1).
[17] “Dissecando um ícaro. A grandes males, remédios enérgicos”, in O Brado Africano, 21 de Julho de 1923, p. 1.
[18] Também um jornalista do Beira News, ao encontro dos interesses sul-africanos, sustentou que Portugal pretendia oprimir os indígenas moçambicanos e portanto justificava-se a emancipação da colónia liderada pelos colonos brancos.
[19] “(...) De há muito que nesta província vem sendo introduzidos uns costumes novos, que tem trazido a vantagem de um separatismo que, dia para dia, nos está convencendo que cedo virá o dia em que raro será o nativo desta província que diga, com orgulho: sou português! De mãos dadas com o preto, a campanha indesejável, é contra o Kafir da Europa, com os apodos vários que fazem corar até o preto mais retinto. (...) No espírito daqueles dos indígenas que despertam está-se arreigando a convicção de que não podem contar com o auxílio da soberania portuguesa para melhorarem as suas condições sociais e de que o único papel, a única obra de colonização portuguesa, é a conservação do estado selvagem das raças que dominam em nome da civilização.(...) Ibidem, p.1.
[20] “A desnacionalização das nossas colónias”, in Acção Realista, 1 de Julho de 1924, nº 3, pp. 46-48.
[21] (Continuação da citação do texto: “(...) Eu só quero aqui frisar um aspecto, o mais grave da questão, e esse é o da desnacionalização das nossas colónias. (...) Pior do que isso. Deram como resultado desenvolver-se o espírito de autonomia e as veleidades de independência de Angola e de Moçambique. (...) Nem quero falar também dos elementos desnacionalizados e desnacionalizadores que lá há, uns doentes alcoolizados de anglomania. (...) Em Moçambique servem-se do pretexto da má administração metropolitana que não lhe dá, principalmente, garantias de defesa contra a União. (...)” Ibidem, pp. 46 e 47.
[22] “A entrevista com o Sr. Freire de Andrade”, in Correio de Moçambique, 27 de Abril de 1922, p. 2.
[23] Estas análises do texto fundamentam-se nas seguintes citações deste artigo: “(...) Convem porém não ocultar que no sul da província há mais de uma pessoa que entende, ou julga, que a província beneficiaria com a sua autonomia. Ora essa opinião não deve deixar-se que alastre até constituir um prurido, sendo bom que saibam todos que essa autonomia nos arrastaria, pela força das circunstânscias e mau grado dos seus partidários, a essa inevitável adesão... Poucos ignoram que há quem por mais de uma vez tenha dito ( um outro desenraizado ) que pegaria em armas de boa vontade, não para fazer revoluções, mas para conquistar essa autonomia e embora se digam coisas destas sem a consciência do que se afirma, é por estas e outras idênticas que nos aparecem por cá uns manganões com pés de lã a perguntar se não seria para nós um bom negócio arrendarmos à União o porto e os caminhos de ferro e oferecendo a necessária massa para a respectiva propaganda. Essa corrente de autonomia não tem o carácter nativista que afecta a revelação idêntica que se manifesta na outra costa. (...) É um reflexo da vida na vizinha nação que se pretende macaquear aqui. Razão de mais para aquela adesão ser uma consequência imediata da autonomia, se algum dia vier a obter-se esta antes de Moçambique chegar a ser uma nação; adesão que reserva muitas surpresas para os partidários da autonomia, visto que a União não consentiria aqui um minuto esses que não se importam de pegar em armas para conquistá-la e mais todos quantos vivem de expedientes parasitários que são indesejáveis nos países onde se trabalha e se não faz política. Parece-nos pois de sã orientação tudo quanto nos aparte dessa autonomia e nesta ordem de ideias não podemos aceitar o que na entrevista se contem com relação ao regime monetário. (...)” Ibidem, p2.
Cena simbólica do filme Tempos Modernos (1936) de Charlie Chaplin
Este texto vem na sequência do pertinente “post” da Professora Ana Paula Fitas intitulado “Qualificações, Desenvolvimento e Produtividade”, inserido no seu blogue «A Nossa Candeia»[1]. Creio que a função das minhas observações, na esteira das suas palavras, é o de criar um ambiente de sensibilização cívica para a complexa problemática que emerge do contexto em que vivemos, para que colectivamente o possamos tentar resolver.
Estou, inteiramente, de acordo, com a afirmação desta autora, de que é necessário desenvolver o aparelho produtivo nacional, em particular os sectores primário e secundário que têm sido muito menosprezados. Os problemas básicos que afectam a nossa economia nacional radicam, sem sombra de dúvida, no drama do desemprego e no endividamento público[2] que, aliás, não é uma novidade na História de Portugal dado que o atraso económico e técnico sempre foi uma das suas linhas de força, como já o frisavam alguns estrangeirados do século XVIII[3].
Subscrevo a ideia da existência de uma hipertrofia do sector terciário no nosso país. Na verdade, concordo, em absoluto, que o cerne da questão é a qualidade de vida das pessoas e a falta de um pensamento estratégico, a médio e a longo prazo, pelo facto da política estar condicionada pela “nova economia tecnológica” que impele ao imediatismo do consumo de produtos cada vez mais efémeros[4].
O contexto internacional é extremamente complexo e imensamente desafiante e, por esta razão, torna-se difícil definir um modelo de desenvolvimento sustentável nacional e europeu, porque as coordenadas financeiras se afiguram muito incertas devido a vários factores desta conjuntura da Globalização. De facto, como dizia, no outro dia na televisão, o reconhecido especialista Ernâni Lopes as actividades económicas mundiais estão desfasadas das finanças e, nesta conjuntura, a Globalização tende a ser pouco regulada e a consciência Ética dos cidadãos encontra-se fortemente ameaçada. Urge, como nos dizem, as palavras avisadas de Vitorino Magalhães Godinho e de Mário Soares mudar de paradigma Civilizacional[5], que tome em linha de conta os legados do Humanismo Europeu. Caso contrário, os impasses existenciais de um país e de um Continente permanecerão neste nó górdio. Verifiquemos, pois, alguns desses impasses…
Há, com efeito, uma série de questões que dentro deste panorama devem ser seriamente equacionadas: até que ponto a obsessão com a produtividade se constitui como um mecanismo legítimo para melhorar a qualidade de vida das pessoas? Por outras palavras, até que ponto não estamos enredados numa lógica obsessiva e economicista que faz perder às pessoas o sentido dos projectos humanistas que lhes garanta o bem-estar e a felicidade? Recordo-me sempre do filme bem actual, de que já aqui reproduzi um pequeno excerto, de Charles Chaplin intitulado “Tempos Modernos” datado de 1936. Não é urgente um paradigma humanista que faça articular a política com uma visão de médio e de longo prazo? Não se está a pensar só nos dados de curto prazo (nas estatísticas do dia, do mês, do trimestre, etc.) por culpa dos imediatismos frenéticos e das vendas de produtos tecnológicos de consumo volátil?
Faço votos para que este imprescindível debate público se faça de espírito aberto e descomplexado! Torna-se absolutamente impreterível esta reflexão tanto mais que pergunta, com grande pertinência, o Professor José Medeiros Ferreira no blogue «Córtex Frontal» se o clima de crispação social na Europa, que parece irá emergir nos próximos dias, não será um aviso das populações à filosofia tecnocrática do Ecofin.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Estas palavras pretenderam ser um mero comentário, mas por sugestão da Professora Ana Paula Fitas transformaram-se nestas breves considerações que vos apresento.
[2] No século XIX com as tímidas tentativas de modernização do país através dos projectos Fontistas de construção de infra-estruturas, de comunicação e transporte, começou um gritante endividamento do país.
[3] Por exemplo, o estrangeirado Cavaleiro de Oliveira, talentoso escritor português do século XVIII, dizia que Portugal era "um relógio atrasado no tempo pela incúria dos que o governam".
[4] Vide Vitorino Magalhães Godinho, “Revolução técnica e nova economia. A sociedade às avessas”, in Os problemas de Portugal – os problemas da Europa, Lisboa, Edições Colibri, 2010, pp. 118-130.
[5] Mário Soares,”Globalização, terrorismo e a grande crise”, in Elogio da Política, Lisboa, Sextante Editora, 2010, pp. 135-152.
No primeiro aniversário deste blogue, iniciado a 23 de Julho de 2009, quero partilhar convosco algumas ideias. É com gratidão, e imenso prazer, que tenho sentido um caloroso acolhimento por parte do público leitor. Agradeço, por isso, todo o apoio, atenção, estímulo e paciência que muitos amigos e leitores me têm dispensado. Com efeito, tem sido com muita satisfação que tenho escrito para este blogue que se tem desenvolvido em função de temas culturais, em textos longos de maior pesquisa ou em textos breves de maior vigor inspirativo, embora não tenha dado tanta relevância aos temas da actualidade como inicialmente tinha definido na filosofia deste projecto.
Tudo começou quando, no Verão de 2008, comecei a escrever uns textos manuscritos que depois enviei pela Internet a alguns amigos e a perceber, em seguida, existir alguma receptividade geral. No início de 2009 fiz circular uns textos sobre política educativa e política geral, que se podem ainda hoje encontrar na Internet, que tiveram uma empática recepção no contexto da crispação entre os docentes e a tutela. Houve, em particular, uma colega de Língua Portuguesa da Escola Secundária, onde anteriormente leccionei, que teceu considerações muito simpáticas sobre um dos meus textos e que o ajudou a divulgar. Fico-lhe, por isso, muito grato e este projecto é resultado deste e de outros importantes contributos que abaixo menciono.
Em Junho de 2009, após uma formação espiritual sobre o apóstolo São Paulo, a propósito da comemoração dos dois mil anos do seu nascimento, fui convidado a fazer uma pequena comunicação, a título de testemunho, na Igreja da minha paróquia que depois transformei num texto insuflado de inspiração, que se tornou o “post” inaugural do blogue intitulado “A Modernidade Cultural e Cívica do apóstolo São Paulo – o apóstolo dos gentios”, a seguir a ter participado num debate aberto numa conferência, sobre esta eminente figura histórica e religiosa, proferida pelo Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa.
Devo, também, uma palavra de grande reconhecimento ao meu amigo Professor Doutor José Medeiros Ferreira que me estimulou a continuar a desenvolver pesquisas históricas e a escrever novos textos. Foi, também, muito relevante o “post” que escreveu no seu antigo blogue “Bicho Carpinteiro” sobre o aparecimento destas “Crónicas”. Espero que passado um ano, este trabalho, não lhe tenha frustrado as expectativas.
As encorajadoras palavras recebidas de um dos nossos grandes Pensadores têm-me, também, dado bastante alento para continuar a escrever e a partilhar, neste blogue, textos de reflexão e de pesquisa.
Tenho desenvolvido ainda o gosto de viajar na blogosfera e de fazer comentários em blogues com os quais me identifico e em que encontro conteúdos de qualidade. Foi, por isso, extremamente importante o incentivo e a troca de ideias com autores de outros blogues, como sejam os casos: do Embaixador Francisco Seixas da Costa, da Professora Doutora Ana Paula Fitas, do Deputado e Advogado Osvaldo de Castro, dos Jornalistas João Rodrigues e Carlos Barbosa de Oliveira, etc. Quero também deixar uma palavra de agradecimento à amiga e escritora Gilda Nunes Barata que através das suas lisonjeiras palavras e pertinentes sugestões me deu ânimo, bem como o incentivo e o impulso que me foi dada pelo Doutor Renato Epifânio, Investigador na área da Cultura Contemporânea, com o qual partilho uma mesma convicção lusófona.
Devo ainda à gentileza de uma colega de trabalho o ensinamento para a incorporação de vídeos no blogue, que têm sido muito úteis para divulgar música clássica e introduzir excertos audiovisuais de valor histórico. “Last but not least”, não me esqueço do inestimável estímulo que a Rita (minha “cara-metade”), os meus pais, os muitos amigos e alguns primos me têm dado no desenvolvimento deste aliciante projecto.
De acordo com a estatística do “Sitemeter”,o blogue já conta com alguns poucos milhares de visitas, desde 12 de Fevereiro de 2010, altura em que introduzi este contador. Por mês, em média, tem registado, com algumas variações, mais de 1000 visitas mensais e nota-se já alguns leitores fiéis que o visitam regularmente, o que me deixa muito satisfeito. Em termos de interactividade, este blogue já recebeu várias dezenas de comentários que têm contribuído para transmitir uma palavra de estímulo ou para aprofundar o debate em torno dos temas tratados. Bem-haja a todos os que têm contribuído para o crescimento e amadurecimento sustentado deste blogue!
Para terminar direi que os meus propósitos iniciais poderão ter ficado aquém, na medida em que as questões políticas directas e os textos de grande actualidade foram em pequeno número. Espero, em todo o caso, que vocês, caríssimos leitores, sejam benévolos, continuem interessados e possam deixar sugestões para que possamos tornar este projecto cada vez mais apelativo e interactivo!
Cordiais saudações a todos, caríssimos leitores e amigos, Nuno Sotto Mayor Ferrão
Joana Amaral Dias, psicóloga clínica e professora universitária, publicou o livro “Maníacos de qualidade – portugueses célebres na consulta com uma psicóloga” em Janeiro de 2010 na Editora “A esfera dos livros” (1ª edição)[1]. Este livro, bem original, assume-se como um inovador ensaio sobre o conjunto de oito biografias psicológicas de personalidades, mais ou menos, relevantes da História de Portugal. No seu conteúdo abordam-se temas conhecidos da História do país do século XVII ao XX através das figuras públicas analisadas.
Em cada um dos oito capítulos, que podem ser lidos como um todo ou em separado, examinam-se as manias de cada uma das oito/dez figuras históricas, uma vez que em dois capítulos (2 e 5) o texto é desdobrado entre a figura principal e uma figura complementar. Estes indivíduos analisados nas suas vidas, públicas e/ou privadas, são identificados como “pessoas maníacas de qualidade” devido ao facto de serem pessoas com notoriedade social, pelos cargos ocupados ou pelas suas obras, que possuíam comportamentos estranhos ou menos equilibrados.
José Luís Pio de Abreu, médico psiquiatra e professor universitário, prefacia o livro invocando as dificuldades científicas em definir uma doença mental e os erros que ao longo da História médicos psiquiatras famosos fizeram com os seus pacientes. Partindo deste pressuposto, a autora evoca o facto de a psiquiatria ter adoptado ao longo da História da Humanidade terapêuticas desumanas que foram desrespeitadoras da dignidade da pessoa, como foram os casos evidentes do rei D. Afonso VI, do poeta Ângelo de Lima e da marquesa Margarida Vitória. Na verdade, a discriminação feita aos doentes mentais nos últimos séculos foi uma aberração, à luz dos nossos sentimentos e dos mais elementares princípios dos Direitos Humanos, porque uns eram isolados em asilos, em alguns casos usando fardas identificativas nos sanatórios, outros eram simplesmente sujeitos a tratamentos cruéis (choques eléctricos, tareias, sanguessugas, banhos frios, imobilização, etc.).
A análise psicológica das oito/dez figuras é precedida, relativamente às figuras mais antigas, de uma rigorosa contextualização histórica. Essas personalidades apresentadas, pela autora, através de episódios significativos das suas vidas que reportam para determinados pensamentos, atitudes ou comportamentos invulgares são analisadas em função dos diagnósticos médicos e dos tratamentos recebidos na época em comparação com os eventuais diagnósticos actuais e os presumíveis tratamentos a que poderiam ser submetidas.
Uma das linhas de força da sua análise reside na conexão entre a loucura e a genialidade que aborda com mestria. Deste modo, nestas biografias psicológicas de pessoas famosas, com doença mental ou perturbação da personalidade, esta interessante questão é debatida em particular nos capítulos dos poetas Antero de Quental e Fernando Pessoa e do cineasta João César Monteiro.
Joana Amaral Dias na biografia psicológica do rei D. Afonso VI diagnostica uma psicopatia pela sua dificuldade de refrear os impulsos e o gosto de agredir os outros. O político Sebastião José de Carvalho e Melo, vulgarmente conhecido por marquês de Pombal, é visto como um paranóico megalómano que tanto permitiu o progresso do país como agiu persecutoriamente sobre a aristocracia e o clero, tendo-se servido do padre e profeta jesuíta Gabriel Malagrida como “bode expiatório”. A rainha D. Maria I é apresentada como delirante, a partir dos 57 anos, após grandes desgostos familiares. O poeta Antero de Quental, grande vulto da geração de 70 do século XIX, é perspectivado em função das suas oscilações de humor características da bipolaridade maníaco-depressiva que o conduziu ao suicídio.
Os poetas Ângelo de Lima e António Gancho são percebidos nas suas inadaptações sociais que os levaram à extrema solidão devido às suas esquizofrenias, internados em hospícios como era comum na época, já que hoje em dia se tem a perspectiva mais humanizada de os integrar plenamente na sociedade. O poeta Fernando Pessoa viveu no entendimento da autora para glorificar a sua obra literária, amesquinhando a sua vida afectiva, a coberto do seu medo da loucura que sempre foi prevalecente. Por conseguinte, padeceu de uma pseudo-loucura que o impediu de amar Ofélia. A marquesa Margarida Vitória que passou por várias depressões, um internamento forçado no estrangeiro com tratamentos desumanos devido à incompreensão da família, viveu uma série de amores fracassados e padeceu de uma perturbação histriónica que a ficcionada[2] sessão de psicoterapia lhe diagnosticou. O cineasta João César Monteiro foi-nos retratado como um excêntrico, tanto na vida como na obra, e agressivo nos comportamentos sociais, tendo-lhe diagnosticado uma perturbação em estado-limite da personalidade.
A autora considera, neste livro, que se tivessem vivido nos nossos dias, algumas destas figuras célebres, teriam sido poupadas a grande parte dos seus sofrimentos, porque ao invés das terapêuticas atrozes seriam usados os meios actuais de medicação, de psicoterapia e de integração dos doentes socialmente mais desajustados.
Em suma, este livro em forma de ensaio, por vezes ficcionado, encontra-se muito bem fundamentado através da intensa investigação histórica efectuada, como se constata da documentação e bibliografia consultada e do apoio crítico e logístico que recebeu de historiadores (José Medeiros Ferreira e Maria José La Fuente), do psiquiatra José Luís Pio de Abreu, de cineastas (Edgar Pêra e António Escudeiro) e de amigos para aperfeiçoar as suas análises históricas e psicológicas. Um dos méritos do livro advém do facto de, não obstante a densidade científica da problemática, Joana Amaral Dias ter imprimido ao texto uma leveza que torna acessíveis os complexos temas, da natureza humana e das suas patologias, ao público leitor mais leigo.
Desta forma, o livro divulga conhecimentos históricos e, concomitantemente, permite uma melhor compreensão da complexidade da natureza humana. Com efeito, as suas abordagens desmistificam o corrente paradigma de normalidade humana enfatizando a noção de individualidade, de pessoa, e procurando situar as características patológicas, ténues ou mais profundas, como impeditivas da plena liberdade humana, assumida como o valor supremo para a felicidade dos seres humanos.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Joana Amaral Dias, Maníacos de qualidade – portugueses célebres na consulta com uma psicóloga, Lisboa, Editora A Esfera dos Livros, 2010.
[2] A autora usa neste ensaio uma inovadora metodologia no caso da marquesa Margarida Vitória ao transformar com rigor e inventividade um texto autobiográfico numa ficcionada sessão de psicoterapia entre a paciente e a psicóloga.
“(…) Têm razão os cépticos quando afirmam que a história da humanidade é uma interminável sucessão de ocasiões perdidas. Felizmente, graças à inesgotável generosidade da imaginação, cá vamos suprindo as faltas, preenchendo as lacunas o melhor que se pode (…)”
José Saramago, A viagem do elefante, Lisboa, Ed. Caminho, 2008, p. 223
José Saramago destacou-se no panorama literário português na segunda metade do século XX desembocando o seu meritório labor na escrita com a atribuição do Prémio Camões em 1995 e do Prémio Nobel da Literatura em 1998.
Na Literatura Portuguesa contemporânea, de transição do século XX para o XXI, sobressaem como autores de excepcional qualidade, em textos de prosa, para além de José Saramago, Miguel Torga, António Lobo Antunes, Agustina Bessa-Luís, Urbano Tavares Rodrigues, Teolinda Gersão e Miguel Sousa Tavares.
José Saramago teve uma prolífera obra literária que se estendeu de 1947 a 2009 com 42 livros publicados pela Editorial Caminho. Começou com uma linguagem neo-realista no seu primeiro romance, mas a sua criatividade irá levá-lo a uma linguagem Barroca na acepção do escritor Miguel Real (afirmações proferidas na TSF). Nos seus livros mais recentes a sua linguagem rompe as regras básicas da Gramática com uma linguagem próxima da verbalização coloquial entremeada de expressões e provérbios populares.
O seu livro mais exemplar foi o “Memorial do Convento” que se tornou um livro de leitura obrigatória no ensino secundário e os seus livros mais polémicos pelo tom de provocante ateísmo foram “O Evangelho segundo Jesus Cristo” e “Caim”. A leitura que fiz da sua obra literária incidiu nos seus livros mais recentes: “O Homem duplicado”, 2002; “Ensaio sobre a lucidez”, 2004; e “A viagem do Elefante”, 2008[1]. Os dois primeiros livros abordaram duas temáticas fracturantes das nossas sociedades contemporâneas: a clonagem humana e a votação em branco como forma de protesto colectivo face ao desfasamento entre os políticos e os eleitores.
O livro “A viagem do elefante” é um texto fascinante, numa incursão pelo romance histórico, que parte de um facto verídico da nossa História Diplomática: a oferta de um elefante do rei D. João III ao arquiduque Maximiliano da Áustria em meados do século XVI. O enredo do texto trata com muita imaginação o percurso do elefante entre Lisboa e Viena, ao mesmo tempo que o narrador vai fazendo algumas ilações sobre a Humanidade e os seus descaminhos. Toda esta textura nos é transmitida com uma sagacidade de um escritor de uma genialidade madura que aborda a sua história com ironia, imaginação e uma suprema lucidez na análise da condição humana. É, pois, uma bem conseguida obra-prima, que Saramago nos legou neste seu livro de sublime leitura que recomendo vivamente a quem não o conheça!
Os seus textos fluentes com poucos parágrafos obrigam o leitor a deixar-se levar na maré de palavras calorosas que nos deixam encantados e absorvidos com o fio da meada. A sua linguagem Barroca, acessível ao grande público, pejada de tiradas populares torna a sua comunicação atraente pela espectacularidade dos sons inebriantes que saem da palavra muda que emerge do livro, porque estes seus livros são para serem saboreados em voz alta.
Deste género de linguagem literária próxima do estilo coloquial há dois autores portugueses que se aproximam mais: António Lobo Antunes e Teolinda Gersão, não obstante as suas especificidades literárias. Esta característica inovadora comum a José Saramago aproximou o leitor do escritor naquilo que era o objectivo central da filosofia da linguagem de Ludwig Wittgenstein. Este progresso da literatura significou a conquista de novos leitores que possibilitou às suas tiragens em Portugal chegarem a várias dezenas de milhares.
José Saramago foi, com efeito, um “self-made man” que exercendo múltiplas profissões caminhou com muito mérito para concretizar os seus sonhos de criação literária. Criou, no fim dos seus dias, a Fundação José Saramago com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa para impulsionar a cultura e os jovens criadores literários e foi um cidadão politicamente interventivo que assumiu com clareza os seus ideais marxistas em busca de um mundo melhor.
Presto aqui a minha pequena homenagem a este escritor de dimensão universalista que os portugueses guardarão no panteão das nossas emoções! Vale a pena ler o testemunho que dele nos concedeu o Professor José Medeiros Ferreira na altura da atribuição do Prémio Nobel a Saramago intitulado “Saramago: saber renascer” reproduzido no blogue Córtex Frontal.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] José Saramago, O Homem duplicado, Lisboa, Editorial Caminho, 2002; Idem, Ensaio sobre a lucidez, Lisboa, Editorial Caminho, 2004; Idem, A viagem do elefante, Lisboa, Editorial Caminho, 2008.
No blogue Almanaque Republicano José M. Martins recorda o memorável investigador e bibliófilo José Vitorino de Pina Martins em "In Memoriam de José Vitorino de Pina Martins"
No blogue A Nossa Candeia destaco o critério de Ana Paula Fitas que evidencia a profunda beleza do pensamento de Jean Paul Sartre intitulado "Breves...de um pensador"
No blogue A Carta a Garcia sublinho a pertinente evocação histórica de Osvaldo Castro da revolta estudantil da Associação Académica de Coimbra de 1969 que fizeram tremer o Marcelismo intitulado "A revolta estudantil de 17 de Abril em Coimbra, já lá vão 41 anos"
No blogue Crónicas do Rochedo Carlos Barbosa de Oliveira fez uma sagaz reflexão sobre o ingente papel das cidades na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos intitulado "Expo 2010 abriu hoje"
À pertinente pergunta do jornalista Daniel Oliveira no Arrastão (http://www.arrastao.org/) às dúvidas da União Europeia de auxiliar as finanças da Grécia considero que o princípio da coesão social Europeia recomenda a ajuda da União Europeia à Grécia, mas é lícito ironizar, com a dúvida implícita na questão colocada pelo jornalista, ao sugerir jocosamente se não seria melhor passar a chamar à Grécia - Banco Helénico de Investimentos. A Europa está, efectivamente, com receio de, ao mesmo tempo, perder a sua coesão monetária e daí, presumivelmente, os obstáculos impostos pelo Tratado de Lisboa como nos diz o Professor José Medeiros Ferreira no "Cortex Frontal" (http://www.cortex-frontal.blogspot/).
Estamos perante este incontornável paradoxo que nos deixa perplexos face às hesitações dos políticos Europeus. Na verdade, "o velho continente", em termos históricos e demográficos, desde o fim do século XX que procura reafirmar-se como grande superpotência após a reconfiguração internacional ocorrida nos anos 90. Este é o argumento que leva alguns a pensar que é necessário continuar a alimentar a ilusão de que o sistema financeiro Europeu tem credibilidade, pois sem o projecto de relançamento económico e político este continente entrará em crise face à emergência das novas potências mundiais. Só que a questão, de fundo, é a falta de credibilidade do sistema financeiro internacional, que não garante a ética pública antes a corrompe, fazendo depender os líderes políticos mundiais que não conseguem soltar amarras das teias perniciosas do sistema... Nuno Sotto Mayor Ferrão www.mil-hafre.blogspot.com
Em tempo de balanço do ano de 2009 em termos de leituras estimulantes da Blogosfera começo por evocar cinco blogues que mais me entusiasmaram e mais chamaram a minha atenção. De seguida, faço uma segunda selecção dos blogues que, por razões diversas, despertaram a minha curiosidade em 2010. Já em finais de Agosto do ano passado escrevi uma crónica intitulada “A Literatura e a Blogosfera” em que dei a conhecer algumas das minhas preferências por determinados blogues.
Aqui fica a minha selecção de blogues de 2009:
·Duas ou três coisas ( www.duas-ou-tres.blogspot.com )- este blogue apresenta qualidade na forma e na substância, visto que a linguagem é literariamente apelativa e simultaneamente nos apresenta temas de relevante actualidade política e cultural e, por vezes, o Embaixador Francisco Seixas da Costa deixa-nos testemunhos pitorescos ou significativos da sua vida diplomática. Recomendo vivamente uma visita.
·Bicho Carpinteiro ( www.bichos-carpinteiros.blogspot.com ) – este blogue revelou-se uma referência pela qualidade dos colaboradores, em particular o Professor José Medeiros Ferreira e a Professora Joana Amaral Dias mais interventivos, associada à capacidade de síntese manifestada no tratamento dos temas de natureza essencialmente política e social. Destacou-se, ainda, pela originalidade dos pontos de vista apresentados e pelas sentenças ou juízos de valor enunciados, restaurando uma crítica de sentido moral que fazia falta à vida portuguesa, quase a fazer lembrar o espírito acutilante de José Ramalho Ortigão nas “Farpas”.
·Crónicas de Francisco José Viegas ( www.fjv-cronicas.blogspot.com ) – este blogue deste consagrado jornalista e escritor afirma-se pela, qualidade da sua prosa, pelas interpretações originais com que nos presenteia em temas literários, sociais ou futebolísticos. Por outro lado, dá-nos indicações de livros com juízos de valor que nos podem sugerir cativantes leituras e no fim brinda-nos, quase sempre, com citações caricatas de outros blogues.
·Sorumbático ( www.sorumbatico.blogspot.com ) – este blogue reúne uma panóplia de eminentes intelectuais e cientistas, de que em particular gosto de ler os textos de António Barreto e de Maria Filomena Mónica, que tratam de temas culturais e de actualidade bem pertinentes. Também se destaca pelas imagens de sensibilização cívica, pelas fotos artísticas de António Barreto e pela divulgação de cartoons antigos.
·Almocreve das Petas ( www.almocrevedaspetas.blogspot.com ) – este blogue afirma-se pelo corrosivo sentido de Humor de grande inspiração, a fazer lembrar a veia sarcástica de Rafael Bordalo Pinheiro, que retrata com muita sagacidade a classe política. É, igualmente, muito interessante pelas indicações de apaixonado bibliófilo que nos deixa ao nível de temas de História e de exemplares para coleccionadores. Recomendo vivamente uma visita.
Aqui fica a selecção das agradáveis surpresas que tive oportunidade de conhecer em 2010:
·Córtex Frontal ( www.cortex-frontal.blogspot.com ) – saúdo com muita satisfação o aparecimento deste blogue que conta com a presença de dois eminentes cronistas e comentadores, da nossa sociedade, de espírito independente ( Professor José Medeiros Ferreira e Professora Joana Amaral Dias ), a fazer lembrar os livres-pensadores, capazes de visões críticas da política nacional e internacional associadas a invulgares capacidades de síntese e de comunicação firmadas em apuradas sensibilidades. Recomendo vivamente uma visita.
·Nova Águia ( www.novaaguia.blogspot.com ) – este blogue é o prolongamento cívico e mental da pertinente revista “Nova Águia”, que procura homenagear a reconhecida revista “A Águia” e a brilhante geração intelectual que nela colaborou, num tempo presente de crescente apagamento cultural das nossas sociedades. Este espaço da blogosfera desenvolve temas de relevante interesse para a cultura lusófona e atribui espaço à estética, à filosofia, à poesia, à história e a outros temas afins.
·Milhafre ( www.mil-hafre.blogspot.com ) – este blogue emergiu pelo dinamismo dos seus promotores que percepcionaram a importância de uma intervenção cívica e cultural que realçasse as actividades e as reflexões ligadas à identidade lusófona, no sentido de ajudar a aprofundar a estratégia da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Recomendo vivamente uma visita.
No seguimento do texto intitulado “A Literatura e a Blogosfera” quero deixar os links de alguns blogues, bastante interessantes, que citei. Agradeço, também, com bastante apreço a menção muito aprazível que o Excelentíssimo Senhor Professor Doutor José Medeiros Ferreira faz no incontornável blogue “Bichos-carpinteiros” a este meu blogue. Aliás, alguns dos blogues, sobre os quais teço considerações, fiquei a conhecê-los por clarividente indicação deste meu estimado amigo e antigo Professor.
Aqui deixo, pois, registados os endereços electrónicos destes meritórios blogues, que vivamente os recomendo à leitura, dos internautas interessados, devido à qualidade dos diversos conteúdos que nos apresentam:
Ericeira, 3 de Agosto de 2009 “Dissertações literárias e escritos marcantes da blogosfera nacional”(13)
O imaginário literário, ficcionado e ideológico, molda a mundividência de todo o indivíduo humanista. Pretendo, pois, com esta crónica dar-vos a conhecer as obras literárias e os textos da blogosfera que mais me fascinam por variadas razões.
Em verdade, na minha juventude fui atraído pela literatura de aventuras, como era bem comum nos jovens da minha geração, que incitava a nossa imaginação com o heroísmo de alguns carismáticos protagonistas. Nesta minha fase, de crescimento pessoal, assumiram particular relevo no meu espírito a leitura de histórias misteriosas, como Os Cinco ou Os Sete de Enid Blyton, ou de enredos épicos com um fundo de justiça social, como Sandokan, o Tigre da Malásia de Emílio Salgari em que o herói defende, de forma altruísta, os mais fracos ou como Raízes de Alex Haley, em que Kunta Kinte capturado em África como escravo foi levado para os Estados Unidos da América, onde se desenrola a sua vida e a dos seus descendentes até à libertação final com o sistema abolicionista.
Já na idade adulta, com uma paixão pela escrita a fervilhar em mim, comecei a admirar a fluência estilística dos textos de Fialho de Almeida n’ Os Gatos e de José Ramalho Ortigão n’ As Farpas em que ao valor estético da elegante linguagem utilizada se soma a análise realista de situações e de acontecimentos seus contemporâneos. Importa destacar, também, que exerceu influência sobre este meu fascínio literário a minha vontade, frustrada, de vir a ser jornalista e de, eventualmente, moldar o cariz da minha escrita pelo estilo cativante destes autores portugueses de nomeada.
Num período mais amadurecido do meu desenvolvimento intelectual descobri dois escritores que marcaram, por identificação idiossincrática ou por afinidade com a forma e o conteúdo literário, o imaginário simbólico das minhas referências literárias. Estes autores emblemáticos, por quem nutro uma significativa predilecção, são os escritores internacionais, de sensibilidade latina, Ítalo Calvino e Mário Vargas Llosa.
Ítalo Calvino, de que possuo a obra literária quase completa, encantou-me com os seus romances irónicos, fantasiosos, de situações “surreais”[1] fruto de uma prolífica imaginação que propicia, de forma ambivalente, o exercício do sentido crítico mediante as alegorias presentes nas suas histórias ou, nos antípodas, mediante a abstracção em relação às contingências da própria realidade. Dos seus livros que mais me entusiasmaram devo destacar Marcovaldo, um romance de sátira ao Homem contemporâneo, e o Barão Trepador que, constituí uma peça de uma trilogia literária[2], sendo um livro muito elogioso das virtudes utópicas dos ideais Iluministas.
Por sua vez, o substrato cultural clássico subjacente nos romances de Mário Vargas Llosa, um escritor muito autodisciplinado de feição estóica como se anunciou em mediática entrevista na televisão portuguesa à tempos atrás, bem como a sua fluente linguagem de sabor gramatical clássico cativam os leitores intelectualmente mais exigentes. Destaco como livros da sua lavra que mais me inspiraram pela abordagem da temática “liberdade versus felicidade”: O falador, Os cadernos de Dom Rigoberto, O elogio da Madrasta e O Paraíso na outra esquina.
Tem interesse saber que estes autores ideologicamente se situam nos antípodas em termos de posicionamento no quadrante político, porque Ítalo Calvino foi um comunista com uma forte militância antifascista de luta contra o regime totalitário de Benito Mussolini, enquanto Mário Vargas Llosa teve, também, uma posição política vincada ao concorrer como candidato presidencial, por um partido conservador de Direita, derrotado, no Peru em 1990. Não obstante, esta clivagem política entre estes autores une-os uma idêntica sensibilidade latina atenta ao quadro emotivo dos seres humanos.
Gostava, agora, de vos dar a conhecer as minhas actuais preferências, da blogosfera nacional, pelos Blogues que mais aprecio. Vou proceder a uma selecção de alguns Blogues portugueses, a que costumo estar atento pela qualidade dos seus conteúdos culturais ou políticos. O denominador comum destes diversos Blogues é o requinte da elegância da forma literária empregue ou a profundidade e originalidade dos seus conteúdos interpretativos.
Começo por evocar, com prazer, o Blogue chamado Bicho Carpinteiro, que tenho seguido desde 2007, acompanhando, sobretudo, as sentenças políticas, os aforismos e as observações históricas de textos curtos do Professor Doutor José Medeiros Ferreira. De natureza bastante similar tenho seguido o Blogue do, jornalista e político, Miguel Portas, intitulado Entre Muros que nos tem dado a conhecer, com transparência, episódios da sua vida de eurodeputado ou de jornalista internacional de intervenção social.
Ainda no mesmo comprimento de onda, no âmbito da análise política, sigo com grande curiosidade, de leigo na matéria, o Blogue Ladrões de Bicicletas que normalmente nos brindam com estimulantes artigos sobre economia ou política económica subscritos por reputados economistas com convicções próximas da esquerda anti-neoliberal, com análises mordazes da governação de José Sócrates, assinados por jovens com percepções, autenticamente, socialistas como João Rodrigues, Ricardo Pais Mamede, Nuno Teles, Jorge Bateira, etc.
Por idêntico diapasão político afina o historiador e eurodeputado do Bloco de Esquerda, Rui Tavares, no seu Blogue pessoal, que premeia a nossa curiosidade, pelo reino da blogosfera de qualidade, com interessantes textos de reflexão política sobre ideias, de fundo, perspectivadas com imensa criatividade intelectual.
No terreno da divulgação da cultura internacional e nacional quero mencionar dois notáveis Blogues que me entusiasmaram pela sua qualidade literária e pela pertinência da análise de conteúdos. Designadamente, o primeiro intitula-se Crónicas de Francisco José Viegas[3], da autoria deste reconhecido jornalista e escritor, recentemente galardoado no dia de Portugal com uma ordem honorífica pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, que bem merece uma visita dos internautas de formação humanista devido ao seu estilo gracioso de linguagem que nos vai desvendando relevantes referências culturais, mal conhecidas do grande público.
O segundo Blogue, do mesmo teor, que recomendo vivamente, aos interessados leitores, uma incursão exploradora chama-se Sorumbático, pois tem um conteúdo muito diversificado com colaborações de prestigiados colunistas, mediáticos, como sejam António Barreto, Maria Filomena Mónica, Saldanha Sanches, Baptista Bastos, Alfredo Barroso, Joaquim Letria, Alice Vieira, etc. Concomitantemente, neste fascinante Blogue aparecem conteúdos bem originais, dado que além dos artigos de opinião, sempre cativantes, são também apresentados “cartoons” antigos, fotografias artísticas de António Barreto, imagens de denúncia cívica “de barbaridades” praticadas na cidade de Lisboa, concursos de âmbito cultural, etc. Vale, mesmo, a pena uma atenta viagem a este Blogue.
No patamar dos Blogues de temática híbrida quero realçar aquele que é escrito numa linguagem escorreita pelo Senhor Embaixador Francisco Seixas da Costa, com o nome de Duas ou Três Coisas, em que se conjugam pequenos relatos memorialísticos da sua vida diplomática, em que nos apresenta factos anedóticos ou factos significativos que bem podem futuramente vir a ilustrar os anais da História Diplomática Portuguesa Contemporânea, com outros textos em que nos mostra as suas meritórias iniciativas em prol da divulgação da Cultura Portuguesa em França.
Finalmente, pretendo destacar um Blogue de um autor incógnito, cujo sugestivo título é O Almocreve das Petas, que oferece, às almas capazes de entenderem as subtilezas da arte irónica, notáveis discursos de sátira política que desmistificam os actores da vida política nacional com muita graça e engenho[4]. Por último, a juntar a estes dons comunicativos o autor parece ter uma “costela alentejana”, na divertida linguagem coloquial que emprega, que me faz invejá-lo por esse apuradíssimo sentido de humor, não obstante use misteriosamente a alcunha de “Masson”[5]…
Em resumo, é lícito asseverar que o imaginário literário, formal e substantivo, e o actual universo da blogosfera nacional, de conteúdos ideológicos e ideográficos, moldam a minha mundividência humanista descrente das exageradas convicções tecnocráticas que infestaram a mentalidade das sociedades desenvolvidas dos nossos dias[6].
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Enquadra-se, alias, nesta corrente artística designada por Surrealismo que teve maior expressão sobretudo na pintura e no cinema. [2] As outras peças dessa trilogia literária de Ítalo Calvino, passíveis de serem lidas em conjunto ou em separado, são O visconde cortado ao meio e O cavaleiro inexistente. [3] Sem saber o quadrante político de Francisco José Viegas nota – se no seu pensamento um cunho conservador de Direita. [4] O tom humorístico deste Blogue, salvaguardando as devidas distâncias contextuais, fazem lembrar a veia cómica e verrinosa do imortal escritor Miguel Cervantes na celebérrima obra-prima D. Quixote de la Mancha. [5] É óbvio que o seu autor é uma pessoa bem informada e muito culta, mas será algum membro maçónico a ocultar-se por detrás desta misteriosa designação? [6] Cf. “O desenvolvimento dos povos e a técnica”, in Bento XVI, Caridade na verdade – Carta enciclíca de Bento XVI, Prior Velho, Paulinas Editora, 2009, pp. 109-120.