“A EUROPA EM CRISE” DE JOSÉ PEDRO TEIXEIRA FERNANDES – RECENSÃO CRÍTICA - LEITURAS DE VERÃO (II)
José Pedro Teixeira Fernandes, A Europa em crise[1] - é um ensaio de um politólogo sobre a crise da Zona Euro, em que se deslindam as causas estruturais e conjunturais da presente crise Europeia. Há autores que sublinham em demasia que a desregulação financeira nacional se encontra, mormente, nas causas políticas internas, como é o caso de Henrique Medina Carreira[2]. Não obstante, José Teixeira Fernandes evidencia-nos, de forma clarividente, as causas conjunturais da crise financeira associada aos processos de endividamento das famílias e dos Estados Europeus, mas desenvolve uma reflexão original, muito pertinente e não soterrada pela argumentação imediatista, sobre as causas estruturais da Crise da Zona Euro que se encontram no sistema pernicioso do Capitalismo Global Neoliberal e na estrutura demográfica envelhecida resultante, na sua perceção, da Revolução social dos costumes iniciada com o fenómeno das revoltas juvenis de maio de 1968.
Esta é uma das suas análises originais, porque nos argumenta com lucidez que o Relativismo Ético terá sido estimulado pela Revolução de costumes da conjuntura do maio de 1968, de França e da Europa, que espicaçou a tendência individualista favorável à disseminação da ideologia Neoliberal.
Assim, no seu modo de ver o declínio demográfico europeu, com o envelhecimento das populações, potenciado pela mentalidade difundida com a geração de maio de 1968 tornou insustentável o antigo modelo económico-social do Estado-Providência. Contudo, passou-se da proteção máxima da vida dos indivíduos, na segunda metade do século XX, para a sua tendencial desproteção, no início do século XXI, com a instauração das sociedades manipuladas pelos mercados, desregulados, face à incapacidade dos políticos adotarem estratégias novas conducentes à resolução deste problema.
De facto, este autor faz-nos compreender que os “medicamentos”, prescritos pelos técnicos, têm atacado os sintomas de curto prazo da crise (desregulação das contas públicas), mas que não tem havido suficiente capacidade política, para desenhar uma estratégia que fosse a solução no médio e no longo prazo, devido aos egoísmos nacionalistas e à falta de verdadeiras lideranças carismáticas que façam ressurgir as convicções europeístas.
A crise da Zona Euro ligada à insustentabilidade do modelo Capitalista Neoliberal, que pôs em causa as ideologias moderadas da social-democrata, do socialismo democrático e da social-democracia cristã, tem gerado consequências nocivas para a riqueza e o bem-estar das populações europeias.
A ideologia da “fúria competitiva” com que os tecnocratas[3] querem colonizar as mentes europeias, na expressiva aceção do Professor Adriano Moreira[4], tem querido reduzir o espaço de liberdade das democracias ocidentais. Este pensador humanista, na senda de Jurgen Habermas, chama a atenção para a necessidade de se revitalizarem as Ciências Humanas para que se possa desmontar o mito do produtivismo que tem procurado tornar o homem num Ser meramente económico, o que tem levado a um crescente desmazelo Civilizacional pelas outras facetas da vida humana, designadamente da vida Espiritual. De facto, estas erróneas soluções da “vulgata” Neoliberal (do Liberalismo excessivo) aplicadas pelos Governos Europeus têm potenciado o Capitalismo Financeiro de matriz não Ética.
O objetivo das atuais políticas de austeridade excessiva, que varrem o continente Europeu, é minar o espírito crítico dos cidadãos para controlar as opiniões públicas, criando a perceção de que não há outras alternativas. Foi o caso das medidas anunciadas pelo primeiro-ministro de Portugal, resultantes da quinta visita de avaliação técnica da Troika, que tentam resolver o problema imediato da crise financeira do endividamento público, mas que tentando, simultaneamente, resolver o problema económico com a redução da taxa social única às empresas levará certamente ao agravamento da recessão pela falta de poder de compra dos trabalhadores, interna e externamente. Não passam de verdadeiras mezinhas caseiras estas orientações que se querem inscrever no Orçamento de Estado de 2013, pois apenas resolvem o problema cutâneo e não o problema estrutural.
Aliás, como já o dizem vários analistas, creditados, o arrastar da situação de crise Europeia pode levar a complicados constrangimentos sociais como a História Contemporânea é pródiga a ensinar-nos.
José Teixeira Fernandes mostra-se cético relativamente à possibilidade de se encontrar a solução através de uma Europa com estruturas Federais, no contexto económico da crise da Zona Euro, por implicar uma diminuição do espaço das autonomias nacionais e não existir na atualidade um genuíno espírito europeísta. A adoção das soluções de curto e de médio prazo, como a definida pelo primeiro-ministro de Portugal a 7 de setembro de 2012, que passam pela manutenção da austeridade sem sinais inequívocos de Esperança coletiva não auguram uma solução de fundo que procure resolver os problemas estruturais.
Importa meditar, seriamente, nestes paradoxos das linhas de ação política que se traçam e este livro serve para nos abrir os horizontes de análise e de debate das realidades complexas em que vivemos.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] José Pedro Teixeira Fernandes, A Europa em crise, Lisboa, Edições Quidnovi, 2012.
[2] Henrique Medina Carreira, O fim da ilusão, Carnaxide, Editora Objetiva, 2011. Este autor dá um especial enfoque às responsabilidades internas dos Governos Portugueses na desorientação financeira que tem contaminado os países europeus. Considera neste livro que um Programa de Governo eficaz deveria ser curto e com metas económicas concretas para salvar a Pátria da bancarrota, orientados por uma Ética Pública elevada. Conclui o seu livro afirmando o risco em caso de fracasso político do Governo, que tomou posse em junho de 2011, de voltar a surgir em Portugal um novo regime autoritário.
[3] António Borges tem sido um dos ideólogos que, na Europa e em Portugal, mais tem defendido esta linha política que tão nefastas consequências tem trazido para a qualidade de vida dos cidadãos europeus.
[4] Adriano Moreira, “Discurso de Doutoramento Honoris Causa na Universidade do Mindelo – Cabo Verde (10.12.2011), in Nova Águia, nº 9, Sintra, Editora Zéfiro, 1º semestre de 2012, p. 216.