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Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão

Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.

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O SUBSTRATO VIVENCIAL DA IDEOLOGIA ULTRAMARINA PORTUGUESA DA 1ª GUERRA MUNDIAL À GUERRA COLONIAL (1919-1961)

1ª Guerra Mundial - Moçambique

 

Respetivamente Ernesto de Vasconcelos, Ladislau Batalha e Alfredo Freire de Andrade

Guerra Colonial Portuguesa

É fundamental analisar a correlação entre as doutrinas coloniais heterodoxas e a vivência colonial dos diferentes ideólogos.


Verificamos que os doutrinadores com funções sócio-profissinais nas colónias ou que lá tinham interesses defendiam um grau superior de autonomia da administração colonial, ou mesmo o direito à independência, sendo exemplos desta situação os engenheiros António Lisboa de Lima e Virgílio de Lemos. De facto, estes coloniais entendiam que para resolver os problemas concretos existentes nas colónias e para os solucionar a contento das populações locais seria necessário uma administração colonial com amplos poderes de ação no terreno. Por outras palavras, os doutrinadores que sustentaram ideias coloniais mais progressistas ou mesmo a importância de aprofundar a descentralização administrativa foram genericamente indivíduos com funções nas colónias ou que, pelo menos, aí tinham prestado serviço em tempos mais recuados.

 

Por outro lado, revelando também uma postura progressista os jornalistas e os teóricos da metrópole que só estiveram de passagem no ultramar, casos de António Galvão, Anacleto da Silva e Ladislau Batalha, manifestaram uma mentalidade menos racista e mais generosa para com as populações autóctones, pois preconizaram a concessão de direitos de cidadania aos indígenas ou que pudessem eleger representantes para os orgãos administrativos coloniais. Estas ideias eram impensáveis para a maioria dos teóricos da colonização portuguesa que possuíam preconceitos darwinistas em relação aos autóctones africanos.

 

Deste modo, alguns teóricos da metrópole que prestaram serviço nas colónias subscreveram a ideia de ( tais como Armando Cortesão, Ernesto de Vasconcelos e Manuel Ferreira da Rocha ) fortalecer o poder central da estrutura administrativa ultramarina em detrimento dos poderes coloniais, embora a maioria das individualidades desta categoria duvidasse da capacidade do Estado central para resolver de forma expedicta os problemas concretos das colónias, porque segundo este ponto de vista deveria prevalecer um critério nacional sobre o interesse real das populações locais.

 

Por conseguinte, conclui-se que os teóricos que reputavam fundamental moderar o grau de descentralização administrativa ou mesmo implementar uma tendência centralizadora não eram indivíduos que tivessem interesses ou funções nas colónias, embora alguns pudessem por lá ter passado. Talvez o caso mais emblemático, desta realidade, seja o de António de Oliveira Salazar que nunca tendo ido ao império colonial, o quis governar de forma centralizada do seu gabinete ( como ministro das finanças, ministro interino das colónias ou presidente do conselho ).   

 

É também significativo que os professores universitários, Luís Carrisso e José Gonçalo Santa-Rita, que apenas conheceram o ultramar de visitas curtas ou que nunca lá estiveram tenham enfatizado a necessidade de estimular a emigração de qualificados quadros técnicos e ser preciso desconcentrar poderes nos governadores coloniais subalternos, sem no entanto conferir verdadeiros poderes às populações coloniais. 

 

Por outras palavras, os defensores de ideias mais progressistas em prol da autonomia administrativa colonial ou dos direitos das suas populações nativas eram militares, engenheiros ou jornalistas com uma intensa vivência colonial ou com um espírito mais idealista, isto é, homens práticos ou, por outro lado, intelectuais com uma forte independência crítica. Por oposição, os que sustentaram mecanismos de centralização administrativa ou, no mínimo, um reforço da capacidade coordenadora dos orgãos metropolitanos eram cientistas, militares, políticos e economistas possuidores de visões mais abstratas ou mesmo de uma fraca mundividência colonial que conhecendo duma forma distanciada e superficial os territórios do império pretendiam ver as colónias governadas da metrópole, pois tinham uma conceção mental nitidamente europocentrista. 

 

Esta é apenas uma das possíveis análises das motivações sócio-experienciais das ideias coloniais heterodoxas e das razões por que uns defenderam modelos mais autonomistas de administração colonial e outros pugnaram por paradigmas mais centralizadores. No entanto, múltiplos outros padrões de análise poderão ser seguidos para compreender em profundidade a problemática causal das ideias coloniais heterodoxas mais progressistas ou mais conservadoras.

 

Em suma, as teses coloniais oficiais da 1ª República e da Ditadura Militar foram lançadas por políticos com intensa vivência colonial, como por exemplo os Altos Comissários José Norton de Matos e Manuel de Brito Camacho e os Ministros João Belo e Eduardo Marques. Pelo contrário, durante o início do Estado Novo as teses coloniais do regime foram sustentadas por políticos com pouca ou nenhuma vivência colonial, porque as decisões deviam ter por prioridade o interesse nacional formado a partir da metrópole, sendo exemplos disso António de Oliveira Salazar e o seu mentor Avelino Quirino de Jesus e os seus Ministros Armindo Monteiro e José Vieira Machado.

 

Em relação às teses coloniais heterodoxas que defendiam uma descentralização radical  ( autonomistas e federalistas ) ou mesmo a desvinculação política do Estado português   ( emanciaplistas, pan-africanistas e alienadores de infraestruturas de transporte ) foram criadas por doutrinadores com intensa vivência colonial ou que, no mínimo, possuíam investimentos capitalistas nas colónias. Estes doutrinadores consideravam necessários poderes decisórios locais com capacidade de resposta rápida aos problemas concretos das colónias ou encaravam, mesmo, a metrópole como inimiga do desenvolvimento local por ser extorquidora das riquezas coloniais e por isso ambicionavam a separação do Estado português. Entre as individualidades que perfilharam estas teses contam-se: Norton de Matos, Brito Camacho, Freire de Andrade, Vírgilio de Lemos e Domingos Cruz ou grupos de colonos burgueses de Lourenço Marques ligados alguns à União Sul-Africana.

 

Entre os defensores heterodoxos da centralização contam-se os indivíduos sem vivência colonial ou aqueles que tendo vivência colonial foram prejudicados com a política indígena progressista de Norton de Matos em 1921-1923, como foi o caso do ressentido empresário Venâncio Guimarães. Subscreviam esta tese estudiosos interessados em solucionar a crise colonial, Angolana e Moçambicana, de meados dos anos vinte que entendiam que só uma forte fiscalização centralizadora poderia evitar que futuramente se reinstalasse o caos administrativo nas colónias, sendo os seus mais destacados difusores Armando Cortesão e João Carneiro de Moura. 

 

Os doutrinadores que sustentavam a tese heterodoxa de que era justo criar uma cidadania comum a colonos e aos indígenas possuíam uma forte vivência colonial ou conviviam inclusivamente com os indígenas no local de trabalho. Entre os seus principais defensores contam-se: Ladislau Batalha, dirigente socialista, e a União Goana. Aquelas individualidades que pugnaram por teses heterodoxas de descentralização com âmbitos muito específicos     ( regionalista de Moçambique, monetarista, heterogénea e vertical ), alguns tinham vivência colonial e outros não, mas todos possuíam uma forte formação técnica ou académica, porque estas são teses de natureza essencialmente técnica e não tanto política.

 

A História Contemporânea de Portugal da colonização de África no século XX está cheia de um pluralismo ideológico que os regimes ditatoriais vieram obscurer ao imporem visões ideológicas únicas.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

 

O DEBATE COLONIAL PORTUGUÊS RELATIVO AO DIREITO DE CIDADANIA DOS AUTÓCTONES DO ULTRAMAR (1920-1961)

 

 

Nos anos 20 e 30 aparecem na comunidade internacional alguns libelos denunciadores da prática dissimulada da escravatura em Angola e em Moçambique e alguns elementos ligados às populações nativas do ultramar começam a sustentar a tese de que seria necessário alargar o direito de cidadania aos indígenas. Talvez um dos primeiros indivíduos a defender ser imprescindível alargar os direitos de cidadania aos indígenas africanos seja o parlamentar socialista Ladislau Batalha.

 

No entanto, com a ditadura militar a discriminação dos indígenas africanos acentua-se com a consagração de um estatuto jurídico dos indígenas dos territórios africanos, que obrigava a cumprir rigorosos requisitos aos indivíduos que estivessem interessados em transitar do estatuto de indígena ao de cidadão (1929). E, por sua vez, no Estado Novo esta tendência discriminatória para os naturais do ultramar estende-se a outras colónias mais desenvolvidas, o que levou ao protesto de uma associação da Índia portuguesa. 

 

O deputado socialista Ladislau Batalha e alguns quadrantes políticos progressistas sustentam, numa época de preconceitos racistas e duma explícita mentalidade de darwinismo social dominante na sociedade portuguesa, a concessão de direitos de cidadania aos indígenas africanos[1], destacando-se neste movimento cívico a Junta de Defesa dos Direitos de África. As ideias deste político perfilam-se numa concepção revolucionária de profunda reorganização político-institucional e defende que o sistema colonial deveria ter um pendor assimilacionista com uma larga autonomia administrativa.

 

Efectivamente, o deputado Ladislau Batalha na discussão do projecto dos Altos Comissários[2] na Câmara dos Deputados, em 3 de Agosto de 1920, sustentou teses progressistas a favor dos indígenas africanos. Na verdade, assumiu uma atitude colonialista heterodoxa considerando que estes cargos implicavam uma falsa descentralização da administração colonial e que este projecto legislativo postulava uma sujeição das colónias à metrópole. Este político propunha uma profunda descentralização colonial consignadora de direitos e regalias aos indígenas das colónias, à semelhança do que se praticava na política colonial francesa.

 

Este ponto de vista era defensável visto que as Cartas Orgânicas Coloniais proclamavam como princípios básicos de administração colonial a autonomia financeira e a descentralização administrativa, só que, a seu ver, estes pressupostos não passavam de uma mera declaração de intenções sem operacionalidade prática. A sua doutrina colonial contrária à oficialmente aceite, inspirada nos Estatutos da Junta de Defesa dos Direitos de África[3], consagrava os seguintes princípios: as leis para as colónias deviam ser comuns à metrópole ( assimilacionismo legal ); o império africano português deveria funcionar como um sistema federal; as colónias teriam de possuir uma autonomia administrativa considerável, devendo a acção civilizadora ser exercida nesse sentido; os direitos de propriedade das populações nativas tinham de ser defendidos e elas deviam ser educadas para que soubessem governar-se a si próprias.  Estava subjacente a esta doutrina colonial o seu ideário socialista que prezava como valores supremos: a liberdade, a igualdade e a solidariedade.

 

Ladislau Batalha revelava que à política colonial portuguesa presidia uma lógica egoísta, na medida em que constatava estarem as colónias subjugadas aos interesses económicos da metrópole e que consequentemente aceitava-se a “escravização” dos indígenas. Deste modo, denunciava que não eram tidos em conta os interesses das populações nativas, não lhes sendo dados direitos de cidadania, nem educação, nem se construíam as necessárias infra-estruturas de desenvolvimento material, prevalecendo como única lógica na política colonial portuguesa a exploração económica dos territórios e das populações autóctones.

 

Estas ideias eram controversas na época, porque este político preconizava que a descentralização colonial passava por conceder poderes civis e políticos aos indígenas das colónias, o que contrariava a doutrina ortodoxa que postulava dever a descentralização concretizar-se na simples transferência de poderes administrativos da metrópole para os colonos dos territórios ultramarinos ou para os delegados do poder central. Em suma, estava em discussão, também neste caso, o grau e a natureza da descentralização político-administrativa colonial.

 

Por outras palavras, este socialista acusava o sistema colonial português de ser injusto ao estabelecer uma desigualdade civil entre os indivíduos originários da metrópole e os originários das colónias, afirmando que as exigências para os indígenas serem cidadãos não se aplicavam aos naturais de Portugal continental, não obstante se soubesse que o analfabetismo e a miséria grassavam na metrópole como nas colónias. De facto, denunciou que a desigualdade social entre colonizadores e colonizados no plano jurídico da cidadania era a evidência da subjugação das colónias aos interesses egoístas da metrópole. Criticou também a venda do trabalho dos indígenas de Moçambique às minas da África do Sul, no momento em que se discutia a actualização da Convenção com este país e os parâmetros desta emigração indígena, e denunciou que o cargo de Alto-Comissário só na aparência correspondia a uma descentralização colonial[4], dado que na sua perspectiva estes dignitários eram instrumentos locais do governo da metrópole[5].

 

Em 1933, na altura em que o Acto Colonial estava a ser integrado na Constituição fundadora do Estado Novo, a União Goana contestou o facto dos indivíduos originários da Índia Portuguesa terem passado a ser excluídos dos direitos de cidadania, o que significou uma acentuação da discriminação entre colonizadores e colonizados resultante das crenças racistas do darwinismo social que voltaram a estar em voga durante os primórdios do regime Salazarista. Em carta do Presidente do Comício da Comunidade Goesa, V. Bragança Cunha, ao ministro Armindo Monteiro é enviada a moção[6], votada por unanimidade, de protesto contra os princípios do Acto Colonial. 

 

Esta moção da União Goana foi votada em comício realizado em Bombaim a 30 de Julho de 1933 e contestou fundamentalmente dois princípios daquele diploma, a saber: que retirava aos originários das colónias, nomeadamente da Ìndia Portuguesa, os direitos civis e políticos de cidadania e que consignava um retrógrado sistema administrativo colonial centralizador. Por conseguinte, esta associação da cidade de Goa censurou de uma forma enérgica e pública a doutrina político-administrativa implícita no Acto Colonial[7].

 

De facto, a tese de que se deviam alargar os direitos de cidadania aos autóctones das colónias portuguesas surgiu no contexto internacional das acusações dos abusos laborais sobre os indígenas das colónias de Angola e de Moçambique durante a 1ª República, o que deu origem às políticas indígenas protecionistas de Norton de Matos e de Brito Camacho sem se chegar a adoptar esta tese heterodoxa. Todavia, com a Ditadura Militar e com o Estado Novo sob o efeito da mentalidade social darwinista e da concepção elitista da política autoritária os autóctones das colónias portuguesas viram-se excluídos do direito de cidadania.

 

Não obstante, D. Sebastião Soares Resende, bispo da Beira de 1943 a 1967, foi à revelia do Estado Novo um contestatário do Estatuto do Indigenato[8] por achar que este só servia, não para discriminar positivamente os nativos africanos no sentido de os auxiliar a civilizarem-se, para efectivamente os explorar como mão-de-obra barata ou gratuita. Esta posição de defesa dos direitos humanos dos indígenas por parte do bispo D. Sebastião Soares Resende gerou dissabores e incómodos nos colonos fazendeiros brancos que o viam inculcar um espírito de insubmissão nos trabalhadores autóctones. A sua rota de colisão ideológica com o regime Salazarista revelou-se ao ponto da Censura e da Polícia Política ter sido posta no seu encalço.

 

Ladislau Batalha e D. Sebastião Soares Resende foram, assim, percursores do que viria a tornar-se uma realidade doutrinária com a pressão dos acontecimentos, descolonizadores e com o início da guerra colonial, que levou Manuel Maria Sarmento Rodrigues a declarar a transitoriedade do estatuto do ingenato em 1953 e Adriano Moreira a pôr-lhe fim em 1961.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 



[1] Diário da Câmara dos Deputados, sessão nº 122, 3 de Agosto de 1920, pp. 5-10.

[2] Após um ano desde o início da discussão política do projecto do cargo dos Altos Comissários coloniais continuava a ser intensamente debatido no Parlamento, embora tivesse sido momentaneamente promulgado pelo Governo de Domingos Pereira. Nesta sessão foram discutidas as emendas do Senado a este projecto de descentralização administrativa colonial, tendo participado na troca de argumentos os deputados Vasco de Vasconcelos, Ladislau Batalha e o ministro das colónias Ferreira da Rocha. Este último queixava-se de não saber se devia nomear Altos-Comissários ou governadores para Angola e Moçambique.

[3] Cf. Estatutos da Junta de Defesa dos Direitos de África, Lisboa, Centro Tipográfico Colonial, 1912. A Junta de Defesa dos Direitos de África foi uma corporação federadora de diversas associações de indígenas da África portuguesa que existiu pelo menos de 1912 a 1922, tendo protagonizado na sociedade portuguesa uma posição colonial heterodoxa ao defender os interesses, os direitos e as liberdades económicas, sociais e políticas dos indígenas das colónias africanas portuguesas. Tendo sido fundada em 1912 afirmava defender algumas finalidades sociais, designadamente as seguintes metas: estimular a autonomia administrativa das colónias; salvaguardar os direitos de propriedade dos indígenas contra a cobiça de colonizadores pouco escrupulosos; contribuir para a elevação cultural e educativa dos indígenas; influenciar a legislação da metrópole a reger-se pelos ideais humanitários da Revolução Francesa. Segundo os seus estatutos estas finalidades seriam concretizadas recorrendo aos seguintes meios: elaboração de sugestões e pareceres fornecidos aos poderes públicos, criação de secções e comissões permanentes de trabalho fixados na sede, promoção de mecanismos de divulgação dos trabalhos da Junta ( algumas conferências, um jornal, uma biblioteca, um congresso, etc ). Previa-se também que esta organização fosse composta por diversos organismos internos ( Comité Federal, Comité Revisor de Contas, Assembleia Geral e Congresso Anual ). Na realidade, afigura-se-nos como sendo uma instituição progressista que se empenhou em pugnar pelas regalias e as liberdades económicas e políticas dos indígenas da África portuguesa, o que só foi possível no ambiente liberal da 1ª República.É interessante notar que ao Congresso, reunindo delegados de todas as agremiações federadas, competiria discutir e apreciar a política colonial internacional. Parece-nos perfeitamente plausível que nestes Congressos tenha havido críticas à política colonial portuguesa e propostas heterodoxas para modificar a estruturação da nossa administração colonial.    

[4] Vide “(...) Visto que o Terreiro do Paço não pode, nem sabe governar, arranjam-se os intermediários, para governar colónias que podiam perfeitamente reger-se por si mesmas. (...) Pois, Sr. Presidente, se não cuidarmos a tempo e horas de refundir toda a nossa legislação colonial, dando às colónias absoluta descentralização, se não tratarmos de lançar os alicerces do novo edifício do provincialismo colonial, esperemos de qualquer recanto da Europa outro Ultimatum semelhante ao de 1890, que nos obrigue a enveredar pelo verdadeiro caminho. (...)” ( in Diário da Câmara dos Deputados, sessão nº 122, 3 de Agosto de 1920, pp. 5-10 ).

[5] Ladislau Batalha discordou da institucionalização do cargo de Altos Comissários, asseverando ser necessário rever toda a legislação colonial no sentido de aprofundar de forma verdadeira a impreterível descentralização administrativa ultramarina, pois caso contrário o país poderia sofrer de ameaças externas de usurpação territorial por parte de potências coloniais mais capazes de fomentarem o desenvolvimento colonial. Em resumo, ele foi um político heterodoxo defensor de uma doutrina de crítica à linha oficialmente aceite para a governação colonial. 

[6] “Carta do Presidente do Comício da Comunidade Goesa ao ministro Armindo Monteiro”, in Arquivo Oliveira Salazar, Correspondência Oficial, Ultramar - 10- A, ffs. 98-99 ( Arqivo Nacional Torre do Tombo).

[7] Das seguintes passagens desta moção se esclarecem estas observações feitas no corpo do texto: “(...) Considerando que o Acto Colonial, hoje integrado na Constituição da República Portuguesa, restringe os diretos constitucionais que numa República tem de ser extensivos a todos os cidadãos, quer eles sejam metropolitanos, quer coloniais; (...) os emigrantes goeses dispensam promessas e declarações dos Delegados do Governo português na Índia, enquanto num Estatuto da Nação não estejam novamente integrados os seus direitos de cidadãos; (...) A comunidade goesa reunida num comício convocado pela União Goana, (...) delibera protestar perante o Governo da República Portuguesa, contra os princípios do Acto Colonial que hoje faz parte da Constituição Portuguesa, e muito em especial contra os artigos 2 e 32 do Acto Colonial. (...)” Ibidem, f. 99.

[8] Pedro Ramos Brandão, “O primeiro Bispo da Beira”, in História, nº 71, Novembro de 2004, pp. 42-47. 

 

 

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