Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
A 10 de Junho celebra-se o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. O poema “Perdigão perdeu a pena”, aqui citado, representa de forma satírica o pessimismo enraizado na índole portuguesa. Este dia foi escolhido para prestar preito a Portugal por vários motivos: é o dia em que se assinala a morte do poeta, é o poeta épico que exalta as glórias da época áurea dos Descobrimentos Marítimos Portugueses, é o poeta que consta terá dito ao ver a Pátria desfalecer perante a crise dinástica que abriu as portas à União Ibérica: “Morro com a Pátria”.
O poeta Luís Vaz de Camões (1524-1580) é um escritor de dimensão universal, porque canta os grandes temas da condição humana (o amor, a mudança, o envelhecimento, etc) e se fez ouvir além fronteiras desde a sua morte. A sua obra-prima “Os Lusíadas” evoca a epopeia das Descobertas Marítimas que “abriram novos mundos ao mundo”, sendo nesta medida o cantor da Globalização iniciada pelos povos ibéricos. A universalidade do escritor mede-se, ainda, no ritmo cadente e melodioso dos seus poemas que encantam vários cantos da Humanidade, onde chega pela via das traduções.
O Dia de Portugal começou a ser celebrado durante o Estado Novo, mas já antes no fim do regime Monárquico e durante a 1ª República, o dia da morte de Camões, e a sua efeméride, passou a conter um eivado e exaltante sentimento patriótico. Foi, aliás, a comemoração do tricentenário da sua morte, em 1880, em Portugal promovida por figuras cimeiras da História do país, como Luciano Cordeiro ou Teófilo Braga, que permitiu a intensificação da propaganda dos ideais Republicanos por associá-los à ideia da sua inevitabilidade política para o ressurgimento da pátria, porquanto a ideia da decadência de Portugal tinha transcorrido grande parte do século XIX.
O Brasil também se associou ao tricentenário da morte de Camões com a inauguração de uma Exposição na Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, presidida pelo Imperador D. Pedro II, com o início da construção do Gabinete Português de Leitura, com a realização de um espectáculo de música, teatro e recitação em homenagem do poeta no Teatro D. Pedro II e com uma regata na baía de Botafogo em que os vencedores receberam exemplares d’ “Os Lusíadas”. O espírito lusófono que portugueses e brasileiros sentiram nesta obra-prima, que exalta o encontro de povos e culturas, deu o mote para se irmanarem num ambiente de uma mútua aculturação, apesar da separação política.
No dia de Portugal, a 10 de Junho de 2011, o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, vai agraciar com as ordens honoríficas várias dezenas de personalidades que se destacaram na sociedade portuguesa em várias áreas. Maria Fernanda Rollo, historiadora, professora universitária e vice-presidente do Instituto de História Contemporânea vai receber a Comenda do Infante Dom Henrique pelos relevantes serviços culturais prestados como investigadora e divulgadora da História de Portugal Contemporâneo. Foi coordenadora, conjuntamente com o historiador Fernando Rosas, da obra colectiva “História da Primeira República Portuguesa”e fez parte da Comissão Nacional para a Comemoração do Centenário da República. Tem estado ligada aos estudos de História económica e da engenharia nacional e à compreensão das dinâmicas nacionais nas relações internacionais do pós-guerra.
Retrato de José Vianna da Motta da autoria de Columbano
José Vianna da Motta, nascido em São Tomé em 1868 e falecido em Lisboa no ano de 1948, marcou a História da Música portuguesa[1] com os seus múltiplos talentos de pianista, de compositor, de professor, de maestro, de escritor, etc. Desde cedo revelou o seu talento precoce, uma vez que aos 10 anos se apresentou num primeiro concerto público. Este facto levou o rei D. Fernando II a dar-lhe apoio mecenático que terá certamente aumentado a sua auto-estima.
Tirou o Curso na Escola do Conservatório em Lisboa com um excelente aproveitamento confirmando os seus dotes musicais, o que o levará a partir para a Alemanha onde irá estudar piano com Scharwenka e com F. Liszt e a adquirir uma forte admiração pelas obras de Richard Wagner. Em 1893 toca de forma exuberante em Lisboa e o retumbante sucesso público que alcança leva o rei D. Carlos I a atribuir-lhe o título de Comendador de Sant’ Iago da Espada.
No início do século XX fez diversas digressões internacionais com músicos afamados, que lhe aumentou o prestígio, tocando designadamente com Enesco, Pablo Casals ou Guilhermina Suggia. Neste período entre o crescente reconhecimento nacional e internacional irá criar as suas principais obras musicais. De entre estas avulta a Sinfonia “À Pátria” (1895), no rescaldo da exacerbação nacionalista resultante do Ultimato inglês de 1890 e das Campanhas de África (1895), considerada a sua obra-prima, intensamente marcada pela corrente do Romantismo de matriz nacionalista, em que evoca a obra Camoniana d’ “Os Lusíadas” e se inspira no modelo sinfónico de Beethoven. Esta atmosfera criativa, que radica neste contexto cultural, fê-lo inspirar-se em muitas das suas canções com piano em poemas nacionais de João de Deus, de Guerra Junqueiro, de Almeida Garrett, de Luís Vaz de Camões, etc.
Quando é apanhado a desenvolver o seu trabalho na Alemanha, durante a Primeira Guerra Mundial, exila-se na Suíça onde dirigiu o Conservatório de Genebra. Com o fim do conflito bélico, acaba por regressar a Portugal, abandonando grande parte da sua produção musical possivelmente por não se identificar com as correntes Modernistas que varriam a Europa, tornando-se maestro da Orquestra Sinfónica de Lisboa e no mesmo ano Director do Conservatório Nacional que ocupará até 1938.
Um outro momento de glória, da sua carreira musical, aconteceu nas celebrações do Centenário da morte de Beethoven, em Viena de Áustria no ano de 1927, com as suas virtuosas interpretações de piano das Sonatas de Beethoven que foram aclamadas pelo exigente público Vienense e pela crítica internacional. Levado por este êxito instituiu no Conservatório Nacional o Prémio “Beethoven” cujas receitas revertiam para os alunos mais carenciados da escola. A comunidade internacional considerou-o de forma definitiva como um sublime interprete das composições de Liszt, de Bach e de Beethoven.
O seu trabalho em prol da Cultura manifestou-se, também, nas reformas que implementou no ensino da música, em termos de programas e de métodos pedagógicos, em parceria com o compositor Luís de Freitas Branco em 1919, como Director do Conservatório de Lisboa. Teve uma invulgar erudição que o fez escrever no fim da sua vida alguns livros sobre música[2] ou sobre as suas fontes de inspiração, ao mesmo tempo que exerceu o seu magistério de crítica musical em múltiplas revistas e jornais nacionais e estrangeiros.
Contam-se como seus discípulos mais proeminentes o pianista José Sequeira Costa e o compositor Fernando Lopes Graça, que no ano seguinte ao seu desaparecimento escreveu sobre Vianna da Motta um texto em que destilou o seu imenso fascínio. Faleceu em 1948 na companhia da sua filha Inês Vianna da Motta e do seu genro Henrique Barahona Fernandes.
[1] Humberto d’ Ávila, “José Vianna da Motta”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol. II, Lisboa, Selecções Reader’s Digest, 1990, pp. 324-325.
[2] José Vianna da Motta escreveu como livros de referência: "Pensamentos extraídos das obras de Luís de Camões" (Porto, Renascença Portuguesa, 1919); "Vida de Liszt" (Porto, Edições Lopes da Silva, 1945);"Música e músicos alemães", 2 vols. Coimbra: Coimbra Editora, 1947).
Nuno Sotto Mayor Ferrão
Sinfonia "À Pátria" de José Vianna da Motta
Concerto para piano em lá maior de José Vianna da Motta