Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Este blogue iniciou-se a 23 de julho de 2009 e faz, por isso, quatro anos de existência. Foram quatro anos bastante produtivos que se traduziram em mais de 190 post’s e estão contabilizadas no contador Sitemeter, inaugurado a 10 de fevereiro de 2010, mais de 93 000 visitas.
Este blogue acabou por revelar a minha propensão para a escrita de investigação que me abriu “as portas” à colaboração em duas revistas culturais (Nova Águia e Brotéria) em que tenho o enorme gosto e a honra de colaborar. A construção e o paulatino aperfeiçoamento deste blogue constituiu um desafio aliciante, no âmbito cultural e cívico, que só foi possível singrar com o apoio e o incentivo de muitos/as amigos/as e de leitores/as assíduos/as. Já em outros post’s anteriores aqui deixei alguns agradecimentos que quero reconhecer como contributos inestimáveis. Envio um grande bem-haja a todos os meus caríssimos/as leitores/as.
Espero que este blogue possa ainda continuar a merecer as vossas leituras por muito tempo. Da minha parte, envidarei todos os esforços para que os diversos temas e as reflexões saibam despertar o vosso interesse, no sentido de que estes textos continuem a merecer as vossas leituras. Este blogue continua a seguir a filosofia editorial, aqui desenhada inicialmente, embora tenha reforçado, por efeito de formação, os post’s de natureza histórica, mas este espaço da blogosfera assume-se, sobretudo, com uma natureza eclética de pendor humanista para fazer face ao cinzento ambiente tecnocrático que nos rodeia.
Em termos estatísticos, não obstante este não seja o critério prioritário deste espaço de liberdade cultural e cívica, posso dizer-vos com agrado que as entradas mensais têm rondado as 3000 a 4000 visitas no último ano (conforme se constata nos quadros apresentados), embora haja períodos sazonais mais altos e mais baixos. No mês de maio deste ano, 2013, atingiu as 4361 visitas.
Tenho procurado enriquecer e ilustrar os meus textos com imagens e vídeos significativos que abram novas pistas de indagação e de debate em volta das temáticas refletidas. Por outro lado, a possibilidade de deixarem comentários é sempre um mecanismo interativo que torna o blogue aberto a sugestões, a observações e a comentários que abrem a discussão das temáticas abordadas. Agradeço, pois, a todos vós, caríssimos/as amigos/as, concidadãos lusófonos e cidadãos do mundo, o interesse que têm manifestado por este blogue tornando-o cada vez mais um expressivo meio de uma consciência crítica global de feição humanista.
Para comemorar condignamente, este quarto aniversário do blogue, quero deixar-vos com músicas tocantes e inspiradoras e uma alocução de Luís Lula da Silva a propósito da importância da blogosfera, no desejo que possam ser sinais do entusiasmo que este projeto me tem merecido. Fico a aguardar as vossas impressões.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
Quadro I - Gráfico e dados do contador sitemeter, por meses, do blogue "Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão"
Quadro II - Dados gerais do contador sitemeter do blogue "Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão"
A exótica beleza da cidade de Veneza (Venezia) reside no facto de estar construída sobre bancos de areia desde a Idade Média. Como contrariedade cíclica é afetada por inundações recorrentes (como as que se verificaram na primeira quinzena de novembro de 2012) que têm aumentado de volume com o degelo do “aquecimento global”, decorrente das alterações climáticas.
Não obstante, o ritmo Veneziano está, ainda hoje, cadenciado pelas travessias dos “vaporettos”, dos barcos e das gôndolas que atravessam o grande canal e, no caso destes, os pequenos canais, não sendo muito diferente do ritmo de vida do século XVIII, com exceção feita aos magotes de turistas que acorrem à cidade e, em especial, à “Piazza San Marco”. Contudo, nos locais mais interiores da complexa e labiríntica rede urbanística, andando a pé ou de gôndola, pode sentir-se o ritmo tranquilo do romantismo que pulsa por toda a urbe, fazendo convergir para este local muitos casais de apaixonados.
O romantismo é potenciado pelos monumentos e momentos artísticos que nos atropelam em muitas esquinas da cidade, com edifícios antigos de rara beleza e com músicos espontâneos que surgem na “Piazza di Roma” ou a bordo de alguma gôndola. Os transeuntes revelam uma simpatia “sui generis” para com os casais apaixonados, que não se sente com facilidade em outras paragens turísticas, porque o tempo está mais ajustado aos batimentos sentimentais do coração. Nas suas ruelas castiças pode ouvir-se o chilrear dos pássaros, o movimento das águas, o sussurrar do vento nas árvores, mas, seguramente, a chinfrineira urbanística, insuportável das buzinas das grandes metrópoles, está arredada para a parte nova da cidade - Veneza Mestre.
Veneza teve historicamente o seu auge no tempo dos Doges (magistrado supremo do Estado), mormente na Idade Média, quando foi capital da “Sereníssima República de Veneza” que conseguiu expandir um vasto império comercial sobre o Mediterrâneo oriental, controlando as rotas do Levante que traziam as riquezas do oriente, antes dos Descobrimentos Marítimos dos Portugueses terem inaugurado a rota do Cabo. Símbolo desta abertura cosmopolita ao oriente foi a famosa viagem, de reconhecimento da rota da Seda, do Veneziano Marco Polo, que deu nome ao aeroporto da cidade.
No decorrer desta dinâmica histórica, a cidade foi perdendo o seu estratégico poder de charneira Civilizacional entre o Ocidente e o Oriente, que se plasma em muitos pormenores da arquitetura religiosa veneziana marcados pelo bizantinismo decorativo. Esta degenerescência da antiga opulência aristocrática, dos múltiplos palácios que se espraiam ao longo do grande canal, levou a que Napoleão Bonaparte (1769-1821) a conquistasse no fim do século XVIII e no terceiro quartel do século XIX tenha sido integrada no reino de Itália.
O patrono da cidade é São Marcos, pois as suas relíquias trazidas de Alexandria permitiram edificar a grandiosa Basílica que constitui um dos “ex-libris” da “citá”. O “Palazzo Ducale”, residência oficial dos Doges, apresenta em muitas das suas pinturas referências ao santo e uma monumental pintura Renascentista de Jacopo Tintoretto, ao mesmo tempo que o chão estremece ao ritmo dos passos do visitante. É, pois, um monumento recheado de obras de arte que embasbacavam os diplomatas estrangeiros. Deste modo, percebe-se, em função de todo este manancial de bens culturais que pululam na cidade, a sua classificação pela UNESCO de Património Mundial da Humanidade.
Na atualidade, Veneza é famosa pelo seu Carnaval aristocrático, com as suas máscaras luxuosas feitas por artífices especializados, pelo seu Festival de Cinema onde a cinematografia de Manuel de Oliveira tem ecoado pelos argumentos poéticos. A Bienal das Artes é, também, um certame que tem dado projeção mediática à cidade, porquanto os motivos artísticos e os cenários estéticos, de inigualável beleza, interpelam os visitantes a cada recanto da cidade. Uma outra marca forte da urbe é o conjunto de sinais de uma imensa religiosidade, com as suas múltiplas igrejas e nichos exteriores de santos, que comunica serenamente com os passeantes que sentem ter todo o tempo do mundo e se escapam da fúria competitiva, da Globalização desregulada, centrada no fazer e no ter do produtivismo imoderado.
Algumas figuras históricas, naturais de Veneza, concorreram para projetar internacionalmente a singularidade desta povoação pela forte marca identitária das suas ruas serem tracejadas pelas águas do Adriático. Destacam-se nesta panóplia de personalidades de renome mundial os Papas Gregório XII e Pio X (1876-1958), os pintores Jacopo Tintoretto (1518-1598) e Giovanni “Canaletto” (1697-1768), o galanteador Giacomo Casanova (1725-1798), o viajante Marco Polo (1254-1324) e o prodigioso compositor António Vivaldi (1678-1741).
Em suma, trata-se de uma cidade que permite usufruir aos seus utentes uma inexcedível qualidade de vida, pelas suas abundantes obras de arte e locais pitorescos, apesar dos incómodos frequentes das cheias que provocam aos seus habitantes e turistas algum receio. É, pois, um bom modelo para se repensar o paradigma de Globalização, em que vivemos, e “ipso facto” recomendo vivamente uma visita a todas as pessoas de coração romântico que se afastam do ritmo tecnocrático imposto pela ideologia ditatorial dos mercados (“teologia de mercado” na expressão justa do pensador Adriano Moreira).
O ano de 2011 foi um tempo cheio de acontecimentos inesperados que se seguiram uns atrás dos outros, em catadupa. Um dos acontecimentos mais dramáticos e preocupantes foi a crise da Zona Euro com as dívidas soberanas dos países Europeus a preocuparem a Civilização Ocidental e o mundo que entrou em fase de recessão económica. Em Portugal e em outros países europeus os governos mudaram devido a esta crise conjuntural (resultante da crise financeira dos EUA de 2008) e estrutural (resultante do capitalismo financeiro que deu azo ao totalitarismo dos mercados a nível da Globalização – “economia de casino” ou “teologia de mercado”). Em toda a Europa, tomaram-se medidas de austeridade e alguns países foram intervencionados pelas instâncias de supervisão financeira ou por entidades supranacionais.
A cidadania global esteve na ordem do dia com as manifestações cívicas contra a austeridade, com greves a percorrerem toda a Europa, com três mulheres socialmente mobilizadas a receberem o Prémio Nobel da Paz, com o “Manifestante” a ser eleito pela revista Time como a figura do ano, com o movimento anti-sistema designado “Occupy”, com as manifestações dos indignados da “geração à rasca” e as revoltas contra regimes tiranos na designada Primavera Árabe.
Isto significa que houve poucos líderes internacionais com prestígio, a não ser a Chanceler Ângela Merkel por impor à Zona Euro e à União Europeia uma solução de mero remedeio (com rígidas políticas orçamentais) sem uma política estratégica, sendo rotulada pela revista Forbes como a mulher mais poderosa do mundo, tendo inclusivamente o antigo líder da Alemanha reunificada, Helmut Kohl, criticado as intervenções titubeantes da líder alemã. Por uma boa razão, esteve o Dr. Mário Soares que lançou vários livros este ano e deu o alerta nacional para a falta de uma estratégia europeia que fosse respeitadora dos grandes objectivos dos pais fundadores da Comunidade Europeia.
Em Portugal, não obstante a crise da dívida soberana e a necessidade da ajuda internacional da “Troika” para garantir a solvabilidade do Estado Português, também houve acontecimentos maravilhosos sobretudo nos planos desportivo e cultural como tenham sido a vitória do F.C.Porto na Liga Europa sob o comando táctico de André Villas-Boas e o apuramento da Selecção Portuguesa de Futebol para o Campeonato da Europa de 2012. Na cultura destacou-se a distinção do Fado pela Unesco como Património Cultural Imaterial da Humanidade, o Prémio Pritzker de Arquitectura de Eduardo Souto de Moura e a comemoração dos 15 anos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa com vários contributos, designadamente do Movimento Internacional Lusófono.
O mundo, a lusofonia e Portugal ficaram mais pobres com desaparecimento de algumas figuras tutelares como ícones da “inteligenzia” da política, da cultura, das artes e das técnicas como sejam Václav Havel, Vítor Alves, Malangatana, Cesária Évora, Steve Jobs, Elisabeth Taylor e Vitorino Magalhães Godinho. Nos antípodas éticos, morreram alguns líderes da “inteligenzia” do Mal como Osama Bin Laden, Muammar Khadafi e Kim Jong-Il, embora os dois primeiros de formas humanitariamente muito controversas.
Como virámos mais uma página da História da Humanidade, do ponto de vista do calendário ocidental convencional com a entrada no novo ano de 2012, mas não ainda ao nível das mudanças necessárias no nosso mundo, aqui vos deixo esta canção “we are the world, we are the children” do “Live Aid” e uma “marcha clássica” de Johann Strauss dirigida por um maestro ancião, enérgico e divertido. Porque estamos no início de 2012 ficam aqui os votos de um ano novo, para todos nós concidadãos do mundo, que seja moldado pela Esperança para que possamos vencer a resignação e o pessimismo face às crises que se instalaram no nosso planeta, pois só estes apelos cívicos aos sentimentos mais fundos de confiança, de generosidade e de bondade podem colmatar o pessimismo que se tem propagado nas sociedades do século XXI – é, aliás, um dos maiores “vírus sociais” dos nossos dias. Haverá, seguramente, momentos tristes durante o ano, mas como diz o sábio provérbio popular português “tristezas não pagam dívidas” estaremos a salvo…
Perguntarão os leitores, com razão: que nexo existe entre estes dois autores tão afastados no tempo? Na verdade, quer Ludwig Van Beethoven, quer José Luís Borges são dois génios afastados pelos ambientes geográficos e pelas conjunturas históricas em que viveram, mas que se encontram unidos na adversidade que lhes cerceou a potência criadora. Este denominador comum de adversidade, respectivamente a surdez e a cegueira, torna-os genialmente criativos, pela música e pela poesia, fundindo-os na busca de uma nova dimensão espiritual. É este o tema que me proponho abordar neste texto.
Ludwig Van Beethoven (1770-1827) foi um compositor que marcou a música Romântica do século XIX e que se deixou apaixonar pelo ideal da Liberdade. Precocemente, revelou-se um menino-prodígio como músico, pois começou a receber lições de um mestre de cravo com 8 anos e iniciou a sua produção musical com 11 anos. Aos 17 anos um aristocrata, o conde Waldstein, apadrinhou-o como mecenas e encaminhou-o para Viena para aprender com o mestre Joseph Haydn. Pouco tempo depois, de regresso à sua cidade Natal, Bona, tirou um curso de Literatura que lhe moldará a alma, de forma indelével, pois inculcou-lhe no espírito os ideais da Revolução Francesa, do Iluminismo e do Romantismo, tendo convivido de perto com Friedrich Schiller. Retornando a Viena, já com 21 anos, tornou-se um pianista famoso e iniciou a publicação das suas primeiras composições.
Entretanto, a tragédia em forma de enfermidade bate-lhe à porta, inquietando-o e desafiando-o a superar os seus novos e terríveis limites. Assim, dos 26 aos 46 anos é-lhe diagnosticada uma surdez que foi evoluindo e o coloca à beira do desespero identitário. Numa reviravolta criativa, reveladora de uma inexcedível inteligência e sensibilidade, dado que as suas obras-primas foram compostas num período em que já sofria de surdez.
Efectivamente, entre 1802 e 1809 compôs algumas das suas obras mais emblemáticas pelo impacto social, na época e na posteridade, tais como: a Sinfonia nº 3 – Eróica, a Sonata para piano “Apassionata”, a Sinfonia nº 5 e a Ópera Fidelio. Contudo, a dor do drama da surdez arrefece-lhe o ânimo e lança-o num período de crise criativa, de 1812 a 1818, que depois lhe permitirá de novo surgir das cinzas, “qual Fénix renascida”, fazendo das fraquezas forças, como São Paulo, que o levam a compor com novo vigor.
Com efeito, nos derradeiros anos da sua vida, Beethoven compôs a sua obra-prima – a Sinfonia nº 9 – que se baseia num poema de Friedrich Schiller, que exalta o valor da felicidade. A sua música marcou, como nenhuma outra, a História das Sonoridades Ocidentais, influenciando muitos compositores Europeus dos séculos XIX e XX. A sua vida e obra foram determinadas pela surdez que potenciaram a sensação de desespero e a vontade de superação pela genialidade criativa. O compositor tornou-se, pela sua surdez, um músico-poeta que sublimou, de forma lírica, em algumas das suas composições, a fraternidade e a liberdade.
Jorge Luís Borges (1899-1986) foi um bibliotecário e professor universitário argentino que se dedicou, literariamente, sobretudo à poesia e ao ensaio. Produziu uma notável obra literária surrealista e, tal como L. V. Beethoven, foi colhido de uma maleita que lhe afectou a sua auto-estima, uma cegueira progressiva. Este desafio posto à sua capacidade criativa surtiu numa vontade extraordinária de superar essa limitação. Deste modo, à medida que a sua cegueira foi progredindo conseguiu estimular uma imaginação simbólico-literária, enriquecendo o teor das suas obras. Com 24 anos, publicou o seu primeiro livro de poemas. A genialidade da sua obra reside no facto de abarcar conteúdos de grande profundidade, filosófica e teológica, através das simbologias fantásticas dos seus poemas e contos. Na verdade, com o aprofundamento da sua cegueira recrudesce a sua capacidade criativa patente numa imaginação poética dificilmente inigualável.
Em síntese, Ludwig Van Beethoven e Jorge Luís Borges, separados no tempo e no espaço, foram dois génios criativos marcados por enfermidades, respectivamente a surdez e a cegueira, que os atormentaram nos seus ofícios artísticos, a música e a literatura, mas que superaram produzindo obras-primas através de forças de vontade inauditas, de inteligências invulgares e de sensibilidades brilhantes.
Neste tempo de crise das finanças, que assola a Europa e Portugal nestes últimos anos, procedente da crise de valores Éticos que se instalou no centro do Capitalismo Financeiro, que conduziu, no início de Julho de 2011, a agência de notação financeira Moody's a cortar o 'rating' lusíada, importa relembrar os grandes vultos criadores da alma portuguesa que podem ser inspiradores.
Carlos Paredes foi um exímio compositor e guitarrista, lusitano, que soube valorizar a guitarra portuguesa como portadora de um timbre bem simbólico da alma nacional. Recebeu dos seus familiares uma rica aprendizagem musical, em particular do seu pai, Artur Paredes, mestre da guitarra Coimbrã. A sua prodigiosa obra musical foi marcada pela dupla influência do uso da Guitarra de Coimbra e da sua forte inspiração na sublime beleza da paisagem e da vida da cidade de Lisboa. Registe-se que foi preso pela PIDE, acusado de se opor a Salazar como militante do Partido Comunista Português, em 1958-1959. Compôs a banda sonora do filme “Verdes Anos” (1962) e tocou com artistas famosos nacionais e estrangeiros.
Retrato de José Vianna da Motta da autoria de Columbano
José Vianna da Motta, nascido em São Tomé em 1868 e falecido em Lisboa no ano de 1948, marcou a História da Música portuguesa[1] com os seus múltiplos talentos de pianista, de compositor, de professor, de maestro, de escritor, etc. Desde cedo revelou o seu talento precoce, uma vez que aos 10 anos se apresentou num primeiro concerto público. Este facto levou o rei D. Fernando II a dar-lhe apoio mecenático que terá certamente aumentado a sua auto-estima.
Tirou o Curso na Escola do Conservatório em Lisboa com um excelente aproveitamento confirmando os seus dotes musicais, o que o levará a partir para a Alemanha onde irá estudar piano com Scharwenka e com F. Liszt e a adquirir uma forte admiração pelas obras de Richard Wagner. Em 1893 toca de forma exuberante em Lisboa e o retumbante sucesso público que alcança leva o rei D. Carlos I a atribuir-lhe o título de Comendador de Sant’ Iago da Espada.
No início do século XX fez diversas digressões internacionais com músicos afamados, que lhe aumentou o prestígio, tocando designadamente com Enesco, Pablo Casals ou Guilhermina Suggia. Neste período entre o crescente reconhecimento nacional e internacional irá criar as suas principais obras musicais. De entre estas avulta a Sinfonia “À Pátria” (1895), no rescaldo da exacerbação nacionalista resultante do Ultimato inglês de 1890 e das Campanhas de África (1895), considerada a sua obra-prima, intensamente marcada pela corrente do Romantismo de matriz nacionalista, em que evoca a obra Camoniana d’ “Os Lusíadas” e se inspira no modelo sinfónico de Beethoven. Esta atmosfera criativa, que radica neste contexto cultural, fê-lo inspirar-se em muitas das suas canções com piano em poemas nacionais de João de Deus, de Guerra Junqueiro, de Almeida Garrett, de Luís Vaz de Camões, etc.
Quando é apanhado a desenvolver o seu trabalho na Alemanha, durante a Primeira Guerra Mundial, exila-se na Suíça onde dirigiu o Conservatório de Genebra. Com o fim do conflito bélico, acaba por regressar a Portugal, abandonando grande parte da sua produção musical possivelmente por não se identificar com as correntes Modernistas que varriam a Europa, tornando-se maestro da Orquestra Sinfónica de Lisboa e no mesmo ano Director do Conservatório Nacional que ocupará até 1938.
Um outro momento de glória, da sua carreira musical, aconteceu nas celebrações do Centenário da morte de Beethoven, em Viena de Áustria no ano de 1927, com as suas virtuosas interpretações de piano das Sonatas de Beethoven que foram aclamadas pelo exigente público Vienense e pela crítica internacional. Levado por este êxito instituiu no Conservatório Nacional o Prémio “Beethoven” cujas receitas revertiam para os alunos mais carenciados da escola. A comunidade internacional considerou-o de forma definitiva como um sublime interprete das composições de Liszt, de Bach e de Beethoven.
O seu trabalho em prol da Cultura manifestou-se, também, nas reformas que implementou no ensino da música, em termos de programas e de métodos pedagógicos, em parceria com o compositor Luís de Freitas Branco em 1919, como Director do Conservatório de Lisboa. Teve uma invulgar erudição que o fez escrever no fim da sua vida alguns livros sobre música[2] ou sobre as suas fontes de inspiração, ao mesmo tempo que exerceu o seu magistério de crítica musical em múltiplas revistas e jornais nacionais e estrangeiros.
Contam-se como seus discípulos mais proeminentes o pianista José Sequeira Costa e o compositor Fernando Lopes Graça, que no ano seguinte ao seu desaparecimento escreveu sobre Vianna da Motta um texto em que destilou o seu imenso fascínio. Faleceu em 1948 na companhia da sua filha Inês Vianna da Motta e do seu genro Henrique Barahona Fernandes.
[1] Humberto d’ Ávila, “José Vianna da Motta”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol. II, Lisboa, Selecções Reader’s Digest, 1990, pp. 324-325.
[2] José Vianna da Motta escreveu como livros de referência: "Pensamentos extraídos das obras de Luís de Camões" (Porto, Renascença Portuguesa, 1919); "Vida de Liszt" (Porto, Edições Lopes da Silva, 1945);"Música e músicos alemães", 2 vols. Coimbra: Coimbra Editora, 1947).
Nuno Sotto Mayor Ferrão
Sinfonia "À Pátria" de José Vianna da Motta
Concerto para piano em lá maior de José Vianna da Motta
Como complemento, às minhas palavras do post anterior, fica aqui um "excerto" desta magnífica obra-prima de L.H. Berlioz (1803-1869), não obstante a interpretação seja de outra Orquestra. Mas vale a pena ouvir:
No dia 24 de Abril tive o privilégio de assistir à virtuosa interpretação da Sinfonia Fantástica, Opus 14, de Luís Hector Berlioz (1803-1869) nos “Dias da Música” do Centro Cultural de Belém. Esta obra, criada em 1830, distingue-se pelo contraste entre momentos melódicos de grande beleza, em andamentos lentos, e fases de grande arrebatamento emocional que fizeram vibrar entusiasticamente a plateia do grande auditório. A Orquestra Sinfónica Metropolitana de Lisboa, que executou primorosamente esta obra, foi dirigida pelo maestro Nir Kabaretti que teve uma notável prestação acompanhada pela sua exuberante expressividade corporal nos pulos ritmados evidenciados e na prodigiosa gesticulação da batuta como comandante da sinfonia.
Esta obra-prima da música romântica foi dedicada à actriz Henrietta Constance Smithsons que lhe serviu de inspiração para esta composição, com quem viria a casar apesar de futura separação. Com efeito, esta obra resultou da inspiração recebida na representação desta actriz na peça dramática “Hamlet” de W. Shakespeare e pela leitura de “Fausto” de J. W. von Goethe. É possível que Berlioz se tenha identificado com o simbolismo deste intemporal poema em que o médico e alquimista Dr. Fausto se sente insatisfeito com a ciência e arranja forma de estimular a paixão pelo seu ofício, porque se nos lembrarmos do seu percurso biográfico a seguir evocado percebemos esta dedução.
Berlioz esteve destinado a ser médico por pressão familiar, mas acabou por seguir a sua vocação musical num ímpeto claramente romântico e tornou-se maestro e compositor. Desenvolveu a sua têmpera emocional no contexto do ambiente cultural francês, tendo convivido com os escritores Alexandre Dumas, Victor Hugo e Honoré de Balzac. Esta peça musical de Berlioz é bem emblemática do espírito romântico caracterizado pela libertação em relação aos cânones das partituras clássicas e pelo arrebatamento sentimental.
Sob o signo do livro “Paixões da Alma” do filósofo René Descartes (1596-1650) o Centro Cultural de Belém organizou este ano os “Dias da Música” nos dias 23, 24 e 25 de Abril neste evento de democratização da cultura com sessões contínuas de música erudita a preços convidativos. Todavia, fazem falta concertos gratuitos de música clássica, que no fim dos anos oitenta se faziam nas ruínas do Convento do Carmo em Lisboa nas quentes noites de Verão, pois prestaram um notável serviço público neste simbólico monumento para sempre ligado à genética Revolução do 25 de Abril de 1974 que hoje comemoramos.
Afigura-se-nos que existe uma insofismável contradição entre o racionalismo deste pensador francês e a música romântica, pois a alma segundo os românticos reside no coração, que faz palpitar e estremecer o público com os andamentos sinfónicos recheados de “Allegro(s)”, de “Vivace(s)” e de “Appassionato(s) Assai”., enquanto o racionalismo de R. Descartes estava sobretudo preocupado com a sistematização das paixões. Na verdade, na senda dos ensinamentos de António Damásio e de Daniel Goldman que evidenciaram, no fim do século XX e início do XXI, à Humanidade a importância da inteligência emocional, a qual implica a plena fruição da sensibilidade e, ao mesmo tempo, a gestão de racional sensatez dos impulsos emotivos.
É, sem dúvida, uma obra a ter em conta para quem queira ter um reportório discográfico do Romantismo. Recomendo, pois, a audição atenta desta inebriante peça nestes fantásticos dias Primaveris… Pessoalmente, já não ouvia esta música há uns largos anos, tendo-a numa gravação em disco vinil que já não escutava desde o século passado.