A TESE DA DESCENTRALIZAÇÃO, ADMINISTRATIVA COLONIAL, VERTICAL NO DEBATE POLÍTICO PORTUGUÊS (1919-1930)
Retrato de José Gonçalo Santa-Rita
Fotografia de Manuel Rodrigues Júnior
Em 1930 depois do golpe de Estado angolano liderado por Almeida d’ Eça contra Salazar e antes da promulgação do Acto Colonial, no início de Maio no III Congresso Colonial Nacional, proclama-se a tese descentralizadora vertical, ou seja, afirma-se a necessidade da distribuição de competências administrativas coloniais chegar aos governadores de província e de distrito. Na verdade, esta tese preocupava-se com o descontentamento dos colonos que tinham aspirações autonomistas e, concomitantemente, manifestava uma crítica silenciosa ao espírito centralista deste diploma em discussão na sociedade portuguesa à época.
Por exemplo, os professores universitários Manuel Rodrigues, José Gonçalo Santa-Rita e alguns membros da Sociedade de Geografia defenderam a ideia que se devia desconcentrar poderes na administração colonial, alargando as competências aos administradores regionais ( governadores de província e de distrito ), mas não efectuar uma autêntica descentralização, porque as colónias portuguesas eram de exploração e não de povoamento.
Segundo a opinião de José Santa-Rita, expressa em 1930, o processo de descentralização administrativo estava inconcluído, porque, a seu ver, eram insuficientes os poderes delegados nos governadores subalternos, sendo assim necessário disseminar também poderes pelos pequenos administradores regionais, visto que as competências administrativas tinham sido sobretudo transferidas para os governadores-gerais ou para os Alto-Comissários.
O professor doutor Manuel Rodrigues, docente da cadeira de Administração Colonial, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no ano lectivo de 1919-1920, expressou uma posição política heterodoxa, do ponto de vista formal e não de conteúdo, ao preconizar que nas colónias portuguesas se devia desconcentrar poderes na administração colonial, atribuindo poder decisório a funcionários de vários graus hierárquicos enviados pelo governo central para as colónias, mas não descentralizá-la, já que isto implicaria delegar em assembleias locais os negócios coloniais[1]. Argumentava que como as colónias portuguesas eram de exploração e os colonos constituíam uma fatia social minoritária da população seria aconselhável a desconcentração de poderes administrativos à descentralização. O seu mérito para o debate, da altura, foi apenas o de acrescentar esta pequena “nuance” conceptual[2].
O professor da Escola Superior Colonial José Santa-Rita aconselhava em intervenção no III Congresso Colonial Nacional em 1930[3] a necessidade de reestruturar o sistema administrativo colonial fundamentando que o processo descentralizador estava inacabado. Assegurava categoricamente que as ineficácias administrativas coloniais que tinham provocado algumas crises no passado recente resultavam deste facto, pois do seu ponto de vista a delegação/desconcentração administrativa de competências não chegava aos governadores subalternos ( de província e de distrito ), dado que eram juridicamente encarados pelos governadores-gerais como burocratas e não como micro-decisores. Portanto, parecia- lhe que a transmissão de poderes da metrópole, decorrente da lógica descentralizadora, deveria implicar também a disseminação de atribuições aos pequenos administradores regionais das colónias[4].
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Na acepção do académico Manuel Rodrigues descentralizar significava, pois, conferir um alto grau de autonomia administrativa, o que nos ajuda a compreender a diversidade de significações que o conceito de descentralização da administração colonial teve neste período de estruturação do Estado Colonial consoante a posição ideológica do doutrinador fosse protagonizada por um cientista ou por um político.
[2] À semelhança de outros cientistas da época Manuel Rodrigues dividiu os sistemas coloniais em três tipos ( regime de sujeição, regime de assimilação e regime de autonomia ). Num preciosismo académico distinguiu os métodos de desconcentração e de descentralização administrativa, definindo um como o mecanismo de atribuir as decisões a funcionários enviados pelo poder central para as colónias, enquanto o outro consistia em delegar em assembleias locais os negócios coloniais. A sua doutrina sustentava que nas colónias de povoamento, em que os colonos fossem quantitativamente maioritários em relação aos indígenas, se poderia privilegiar o sistema descentralizador; mas que nas colónias de exploração em que os colonos eram minoritários, se devia desconcentrar poderes administrativos. O que significa que, para as colónias portuguesas na época, o professor Manuel Rodrigues defendia a adopção deste segundo sistema. A prova, aliás, de que esta asserção doutrinária vingou foi a promulgação do regime dos Altos Comissários de Angola e de Moçambique que vigorou de 1920 a 1930 como mecanismo de descentralização da administração colonial.
[3] José Gonçalo da Costa Santa-Rita, “Grande divisão administrativa das Colónias”, in 3º Congresso Colonial Nacional, Lisboa, Edição da Sociedade de Geografia de Lisboa, 1934, 6 p..
[4] O professor José Santa-Rita considerava que a descentralização não tinha descido toda a estrutura administrativa até à base institucional, tendo havido excessivos poderes conferidos aos governadores-gerais e aos Altos Comissários, mas não aos governadores subalternos das províncias e dos distritos. Salientou que era preciso reestruturar ao nível da divisão administrativa das colónias a compartimentação de Angola, que estava seccionada em duas grandes zonas com centros administrativos em Luanda e em Mossamedes, porque na sua óptica as diferenças geográficas e económicas entre estas regiões não seriam suficientes para justificar esta partilha. Contudo, quanto a Moçambique concordava com a sua divisão administrativa em duas grandes zonas, a norte na região de Tete e a sul na região de Lourenço Marques, porque razões de diferenciação geográficas e económicas a fundamentavam. Cf. Idem, Ibidem, 6 p..