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Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão

Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.

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DISCURSO DE ANIVERSÁRIO NO MEU CINQUENTENÁRIO (1968-2018)

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Queridos familiares, amigos/as e leitores,

 

Tenho o ensejo de dirigir umas breves palavras de saudação aos queridos familiares e amigos, que quiseram estar presentes neste festejo e me acompanharam nestes 50 anos de vida. Não pude deixar de contar com o apoio de todos nos momentos mais difíceis, de uma forma ou de outra, e de esperar uma colaboração afectuosa rumo à sabedoria dos anos que virão.

 

Na pessoa do ilustre Diretor da revista da Nova Águia, Professor Renato Epifânio, cujo alto profissionalismo e superior dedicação à causa lusófona me é grato referir, apresento os meus agradecimentos pelo contributo, com a apresentação do número 22 da revista, que nos dá neste festejo, que pretendi familiar, mas de cunho cultural. 

 

O que significa fazer meio século de vida ? Sem dúvida, implica uma graça divina, a que procuro corresponder com o coração aberto e a alma cheia de uma fraternidade transcendental, recordando o Padre António Vieira que concebeu o V Império em que os portugueses legarão à Humanidade num futuro moldado pelos parâmetros da cultura portuguesa, pela capacidade lusa de assumir um desígnio universalista e pelo anseio cristão de um mundo onde seja possível compaginar a felicidade pessoal e a harmonia social. Daqui depreendo um significado teológico do meu aniversário ancorado na cultura portuguesa.

 

A presença de todos vós, queridos familiares e amigos, é símbolo dos laços de afecto, de companheirismo e de entreajuda, que são fundamentais para atravessarmos os mares tormentosos de todas as eras e que aparecem sempre de forma inusitada. A caminhada que fazemos na peleja pelo bem, na vossa presença e na do Espírito Santo, numa subida íngreme cheia de espinhos, com cada vez menos forças, só é possível com o vosso carinho e a esperança numa fé que nos ancora a tibieza dos nossos passos.

 

Não querendo parecer ser poético, profético ou utopista, mas um realista de alma cheia e coração aberto, quero agradecer à minha mãe, ao meu pai, à minha mulher, à minha filha, aos meus sogros, aos meus padrinhos, aos familiares e amigos o desvelo ímpar e apreço que têm patenteado ao longo desta minha caminhada.

 

A vida humana sem cultura é de uma estranheza “escanifobética”, usando um termo da minha infância, ou nas avisadas palavras do Padre Manuel Antunes, sobre quem escrevi um pequeno artigo nesta última revista da Nova Águia, que dizia: “A cultura promove a dignidade da pessoa, porque fomenta a sua liberdade espiritual, porque educa a sua capacidade de admirar, de compreender e de contemplar...” (Brotéria, novembro de 2018, p. 658). Daí que tenha dado nomes de revistas culturais portuguesas às mesas onde vos convidei a sentar, tendo procurado um significado simbólico nas mesas a que vos associei.

 

Não me identifico com as palavras existenciais de Albert Camus, mas com as palavras cinzeladas de certa espiritualidade de Vinicius de Moraes. Frisava Albert Camus numa descrença de espírito: “A maturidade do homem é voltar a encontrar a serenidade como aquela que se usufruía quando se era menino. Nada passa mais depressa que os anos. Quando era jovem dizia: “verás quando tiver cinquenta anos”. Tenho cinqüenta anos e não estou vendo nada.”

 

Pelo contrário, afirmava, na nossa querida Língua Portuguesa, Vinicius de Moraes aquilo que verdadeiramente conta: “Queira-se antes ventura que aventura/ À medida que a têmpora embranquece/ E fica tenra a fibra que era dura./ E eu te direi: amiga minha, esquece.../ Que grande é este amor meu de criatura/ Que vê envelhecer e não envelhece.”.

 

Estes meus 50 anos de vida passaram-se num tempo histórico, que medeia entre o Marcelismo outonal, do tempo em que nasci, e os fenómenos erráticos dos populismos que emergem de uma globalização sem norte, em que vivemos submergidos. Assisti à queda do Muro de Berlim, à queda das Torres Gémeas, ao declínio da Civilização Ocidental sobre os quais espero um dia escrever um registo memorialístico ou, pelo menos, ler um livro de um historiador sem medo e com fôlego, que me faça lembrar Arnold Toynbee, Fernand Braudel ou Eric Hobsbawm.

 

A vida que tenho vivido tem frutos muito doces, embora o curso da nossa vida, como bem recordava o Concílio Vaticano II, navegue sempre entre alegrias e angústias, pois isto é próprio da condição humana.

 

Os frutos dulcíssimos da nossa vida são resultado dos nossos amores maiores e das nossas paixões - os meus queridos pais, a minha cara metade, a nossa filha - de quem escrevi, no momento do seu nascimento: “Ontem um sopro de vida/ bateu inesperadamente à nossa porta./ Só tivemos tempo de o acolher de Coração aberto/ e irradiantes de Felicidade, / esperamos que o alento que lhe demos,/ com a Graça do Espírito Santo, / lhe possa servir de fermento/ para brotar como uma flor viçosa” (Nuno Sotto Mayor Ferrão), as minhas publicações e a árvore da nossa filha que plantámos no sentido de simbolizar o seu crescimento, pois só, quando edificamos sonhos, a felicidade bate à nossa porta, numa perspetiva que se afasta em tudo da preconizada por Bertrand Russell.

 

Quero agradecer esta oportunidade de estar convosco neste marco histórico pessoal, de celebração dos meus 50 anos, ao evocar a minha identidade e vossa inestimável presença neste momento simbólico. Fazendo os melhores votos pelas prosperidades e felicidades a este querido grupo de familiares e amigos, aqui reunido, quero levantar a taça/a ”flute” pela Saúde e o Bem-Estar de todos, queridos familiares e amigos.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

 

OS MOVIMENTOS GREVISTAS NA HISTÓRIA DE PORTUGAL (1872-2013) - PASSADO, PRESENTE E FUTURO

 

 

 

A greve traduz, por determinação sindical, uma suspensão do trabalho por decisão dos trabalhadores com vista à satisfação de reivindicações profissionais. Este meio reivindicativo resulta dos direitos fundamentais dos cidadãos que os regimes democráticos consagram, como está, aliás, expresso na atual Constituição da República Portuguesa, datada de 1976.


Houve grandes movimentos grevistas no fim da Monarquia Constitucional (1872, 1897 e 1904) e no período da 1ª República (1911-1912), onde a carestia de vida tornou exponenciais as ondas grevistas. Contudo, as greves do fim do século XIX e início século XX eram, sobretudo, de âmbito operário, mas com a erupção das classes médias em Portugal no último quartel do século XX surgem greves de outros grupos profissionais.

 

Na realidade, foi o reconhecimento legal do direito de associação que permitiu a consagração da greve como um direito, na segunda metade do século XIX, em Portugal (1864 e 1891). O tema do desencadear excessivo de greves gerou desde sempre reacções públicas. Contudo, verifica-se que os movimentos grevistas estão mais acesos em momentos de instabilidade política ou económica como foram os casos das múltiplas greves da 1ª República e das greves portuguesas da atualidade, designadamente neste ano de 2013.

 

Dos movimentos grevistas dos operários sobressai que deve ser utilizado como meio de reivindicação profissional e não como meio de luta político-partidária em contexto de pluralismo ideológico. No entanto, durante a Ditadura Militar e o Estado Novo as greves foram proibidas em diplomas legais de 1927, de 1934 e de 1958, precisamente quando os regimes políticos autoritários pressentiam que estavam a ser alvo de uma contestação social mais aguda.

 

O direito à greve implica que não há incumprimento dos trabalhadores pelo que não podem ser qualificados de “faltosos”. As greves desencadeadas por motivos profissionais feitas com ponderação e intermediadas por negociações dignificam a ação dos sindicatos. Consta terem sido Antero de Quental e José Fontana[1] os grandes impulsionadores da consciência dos operários para o direito à greve no fim do século XIX.

 

No período Marcelista, já no fim do Estado Novo, na segunda metade do século XX, desencadeou-se um forte movimento grevista de índole operária que coincidiu com a subida da inflação e a perda de poder de compra dos trabalhadores, a que reagiu o regime com recurso violento à intervenção da polícia de choque. Em junho de 1969, Marcelo Caetano permitiu alguma abertura sindical ao pôr termo à necessidade das direções sindicais serem homologadas pelo Governo.


No entanto, os sindicatos, descontentes com o regime político, alimentaram um ciclo imparável de greves nos anos de 1969 e de 1970 que apenas eram sustidas pela polícia de intervenção. Exemplo emblemático desta fase histórica foi a greve dos operários da Lisnave em novembro de 1969. A intensidade do ciclo grevista voltou a reacender-se em finais de 1973 até ao eclodir da Revolução do 25 de abril de 1974[2].  

 

Em suma, o recurso à greve como recurso de legitimação de negociações na defesa dos direitos dos trabalhadores e dos cidadãos (de manutenção de postos de trabalho, de segurança salarial e de dignas condições de trabalho, etc) é absolutamente aceitável no plano da consciência Ética.


As atuais greves afirmam-se como legítimas no contexto internacional da “economia de casino”. Porquanto os Estados de Direito são prejudicados nesta conjuntura, com a falta de transparência do sistema financeiro global e a fuga ao fisco por parte dos grandes negócios através de paraísos fiscais, torna imoral grande parte dos défices dos Estados (adquiridos por vias especulativas), respeitadores dos Direitos Humanos, e legitimam, também, no plano da cidadania global as greves de muitos trabalhadores portugueses. Na verdade, as democracias do Ocidente estão em crise, porque não respeitam o pluralismo ideológico e propõem aos cidadãos uma cartilha de ideologia única imposta pela ditadura dos mercados financeiros (teocracia dos mercados).

 


[1] Maria Manuela Cruzeiro, “Greves” in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, Lisboa Publicações Alfa, 1990, p. 299-301.

[2] João Brito Freire, “Greves Operárias”, in Dicionário de História do Estado Novo, vol. I, coord. Fernando Rosas e J.M. Brandão de Brito, Venda Nova, Bertrand Editora, 1996, pp. 401-404.


Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 


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