Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Alexandre Herculano de Carvalho Araújo ( 1810-1877 ), de seu nome completo, foi um dos mais importantes intelectuais do século XIX em Portugal. Teve um génio cultural plurifacetado que se manifestou nas variadíssimas funções públicas que exerceu como bibliotecário (da Biblioteca do Porto, das Bibliotecas Reais das Necessidades e da Ajuda), jornalista, romancista, contista, poeta, político e, fundamentalmente, como historiador.
A vivência e a ideologia que sustentou são marcadas pelo contexto revolucionário liberal em que cresceu. Foi um denodado partidário de D. Pedro IV e foi um dos militares que desembarcou na praia do Mindelo a 8 de Julho de 1832, ajudando o país a libertar-se do regime Miguelista.
As suas ideias políticas foram a génese intelectual de futuros movimentos doutrinários que se manifestaram na sociedade portuguesa no século XX. De facto, a sua concepção de um poder justo passava pelo reforço dos mecanismos decisórios dos Municípios, pois acreditava que estes garantiriam menos abusos dos poderosos por, eventualmente, serem melhor controlados pelas bases sociais[1]. Esta ideia de descentralização da administração pública defendida por Herculano, no jornal O Panorama, foi certamente o fundamento do estandarte ideológico dos Republicanos que defenderam este princípio, tal como terá sido o fundamento remoto da ideia da Regionalização que, por vezes, surge no actual regime democrático.
Alexandre Herculano pugnou por um liberalismo moderado, assumindo-se como um Cartista, que não alinhava nem nas ideias “socializantes”, nem nas ideias propulsoras dum capitalismo desenfreado[2]. Foi, neste contexto, de discussão do modelo de desenvolvimento socioeconómico para o país que se torna deputado Cartista às Cortes na legislatura 1840. Mais tarde, ainda exerceu a Presidência da Câmara de Belém em 1854-1855, mas terá percebido, então, que essa não era a sua verdadeira vocação.
No entanto, as suas ideias políticas, sociais, literárias e científicas exerceram sobre o país um magistério intelectual e moral que influenciaram várias gerações. Uma das suas ideias peregrinas evocava a necessidade de consolidar uma classe média forte e culta como forma de travar a nefasta corrupção que grassava no país. Algumas das suas polémicas, no contexto da implantação do Liberalismo, feriram a imagem da Igreja Católica ao contestar o “Milagre de Ourique”, na sua História de Portugal[3], e ao relembrar o papel do Tribunal do Santo Ofício na obra História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal. Por outro lado, já na conjuntura da “Regeneração”, no terceiro quartel do século XIX, foi um dos grandes críticos da política Fontista dos melhoramentos materiais[4].
A mentalidade do Romantismo perpassa toda a sua vida e obra, em particular na idealização da Idade Média como um idílico refúgio para a hedionda modernidade industrial numa típica manifestação da atitude deste movimento de conceder a primazia ao sentimento.
O jornalismo de Alexandre Herculano emerge, a partir de 1837, na redacção e na direcção da publicação periódica de intervenção cívica e cultural intitulada “O Panorama”, que tratava de temas artísticos, literários e científicos.
Herculano foi, também, devido ao seu génio criativo e à sua vasta erudição relativa à Idade Média nacional o introdutor da Literatura Histórica em Portugal ( romances e contos ) ao inspirar-se nas notáveis obras literárias de Walter Scott e de Vítor Hugo. Destas suas criações literárias merecem especial destaque o romance Eurico, o presbítero e Lendas e Narrativas. Um dos seus textos mais memoráveis é, para mim, a lenda “A Abóboda (1401)” em que o nosso literato nos conta com enlevado sentido poético o desabar da abóbada da Sala do Capítulo do Mosteiro de Santa Maria da Vitória ( Batalha ). Ouçamos as palavras de mestre Herculano:
“(…) As portas haviam estoirado nos seus grossíssimos gonzos e muito cimento solto e pedras quebradas tinham rolado pelo portal fora, (…) Olhando para o interior daquela imensa quadra (…) a Lua, que passava tranquila nos ceús, reflectia o seu clarão pálido sobre este montão de ruínas (…) e por cima daquele temeroso silêncio passava o frio leste da noite e vinha bater nas faces turbadas dos que, apinhados na sacristia, contemplavam este lastimoso espectáculo. (…)”[5]
Este pujante intelectual teve, ainda, um relevante papel na modernização da Historiografia Portuguesa no século XIX ao introduzir, como pioneiro, uma matriz institucionalista nos estudos históricos, dando, ao mesmo tempo, ênfase à sua predilecção pelo período medieval. Com efeito, as suas obras historiográficas, já supramencionadas, foram a génese da historiografia científica. Neste campo de trabalho, sobressaiu o seu labor na recolha de documentos dos cartórios conventuais que foram compilados na volumosa obra “Portugaliae Monumenta Histórica”, feita nos anos de 1853-1854, a pedido da Academia das Ciências de Lisboa.
Há uma frase sua do prefácio da 3ª edição da História de Portugal, em 1863, que o consagrou como intelectual, que nos ajuda a explicar o exílio rural a que se submeteu na sua Quinta de Vale de Lobos, no distrito de Santarém, quando se encontrava já profundamente desiludido com a vida pública portuguesa: “(…) Pobres homens práticos! Pobres estadistas!”[6]. Este exílio de mundanidade a que se submeteu na sua bucólica e romântica Quinta decorreu da força da sua autoridade moral que o fizeram permanecer fiel a valores e a ideais para não se deixar corromper nos meandros da vida pública. Num dos seus últimos textos, o escritor e jornalista Francisco José Viegas traça, numa bela síntese, o paralelismo entre esta sensação de Herculano e a que paira nos nossos prezados concidadãos ( www.fjv-cronicas.blogspot.com ).
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Foi, certamente, sugestiva a palestra intitulada “Alexandre Herculano, Patrono do Municipalismo e dos Centros Históricos Portugueses” proferida pelo Professor Doutor Pedro Gomes Barbosa (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa – Instituto Alexandre Herculano de Estudos Regionais e do Municipalismo), na Sala do Arquivo dos Paços do Concelho com que arrancou a 28 de Março de 2010 o Programa das Comemorações do Bicentenário do Nascimento de Alexandre Herculano (1810-2010).
[2] Maria de Lourdes Lima dos Santos, “Alexandre Herculano”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, Vol. 1, Coordenador José Costa Pereira, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, p. 310.
[3] Há uma interessante edição mais recente desta obra de A. Herculano ( História de Portugal em 8 volumes, Lisboa, Edição Ulmeiro, 1980 ).
[4] “(…) Para Herculano, o Progresso só poderia ser concretizado se existissem governantes probos, capazes de não se deixarem enredar nas malhas da corrupção que os negócios inevitavelmente acarretam. (…)” in Maria Filomena Mónica, Fontes Pereira de Melo – uma biografia, Viseu, Alêtheia, 2009, p. 36.
[5] Alexandre Herculano, “A abóbada (1401), in Lendas e Narrativas, Lisboa, Publicações Europa-América, Colecção Livros de Bolso, s.d., p. 173.
[6] Alexandre Herculano, “Prefácio da Terceira Edição”, in História de Portugal, vol. 1, Lisboa, Edição Ulmeiro, 1980, p. 11.
Recensão crítica do livro: Maria Filomena Mónica, Fontes Pereira de Melo - uma biografia - edição revista e aumentada, Viseu, Alêtheia Editores, 2009 ( 1ª edição 1999, 4ª edição 2009 )
Este livro de Maria Filomena Mónica é uma biografia política de António Maria Fontes Pereira de Melo, um dos mais significativos políticos da Monarquia Constitucional Portuguesa da segunda metade do século XIX. A sua elaboração resultou de vários anos de investigação da autora com base, sobretudo, na consulta de uma extensa rede de espólios epistolográficos. A primeira edição saiu em 1999.
Partindo da crítica às visões tendenciosas da época e às visões clássicas da historiografia portuguesa, Maria Filomena Mónica consegue dar-nos uma imagem de um político com estatura de Estadista que deixou uma impressiva marca do seu génio pragmático no contexto social português da segunda metade de Oitocentos.
Com efeito, baseando-se na visão transmitida nos bancos da escola de FPM, como o político pragmático construtor de obras públicas, a autora procurou evidenciar-nos as outras facetas pessoais que influenciaram o Estado português. Começou por evocar a inveja que esteve subjacente à hostilidade como os grandes intelectuais da geração de 70 o percepcionavam. Salientou, em particular, a inveja que lhe nutriam: Joaquim Pedro Oliveira Martins que o encarava sem qualquer traço de genialidade e Rafael Bordalo Pinheiro que na sátira corrosiva das suas caricaturas o via como um extorsor de impostos.
Na sua análise mais aprofundada tende a considerar que FPM garantiu, no período em que exerceu os cargos de ministro e de presidente do conselho, a estabilidade governativa e o desenvolvimento material do país entre 1851 e 1886. Está subjacente a esta indagação histórica o vínculo de articulação entre o presente e o passado, de que nos falava epistemologicamente Marc Bloch no desabrochar da “História Nova”. Assim, a autora com o seu magistral poder de síntese apresenta-nos FPM como um Estadista tecnocrata e pragmático preocupado em fazer sair o país da letargia, da pobreza e da decadência quando os intelectuais estavam tão-só a esmiuçar as suas origens.
A autora sublinha que o seu perfil de Estadista se torna mais visível ao sabermos que exerceu os altos cargos públicos com honestidade e que acabou por morrer pobre, mas amplamente reconhecido postumamente pelos seus adversários e pela posteridade. Na sua dimensão ideológica estampa-lhe as convicções de liberal progressista que acreditava na tolerância e no contínuo progresso material. No entanto, estas convicções plasmaram-se em austeridade e inflexibilidade com que chefiou o Partido Regenerador. Foi, aliás, esta sua postura supranacional e o seu temperamento forte, sem nunca se deixar cair num nacionalismo exacerbado, na opinião de Maria Filomena Mónica, que incutiram instintivamente no regime político a estabilidade através do rotativismo partidário. A autora tem, com efeito, o imenso mérito de descobrir as qualidades pessoais que FPM conseguiu transmitir ao Estado português no contexto do liberalismo monárquico.
Reforça a ideia clássica de que FPM foi o maior responsável pela expansão ferroviária do país até 1886. Chamou, também, a atenção para o facto de ter sido militar de carreira, atingindo o posto de general, e ter como político procurado modernizar o Exército com novas armas. A autora colocou em evidência que não se atormentou com o facto dos seus adversários políticos o denunciarem como despesista, uma vez que os empréstimos externos que solicitou endividaram o país para que pudesse levar a cabo o progresso material das infra-estruturas civilizacionais da época. Notou, igualmente, com pertinência que com o falecimento de FPM emergiu na sociedade portuguesa o ímpeto Republicano que teve no Ultimato inglês o primeiro grande sinal.
Em suma, o livro para além da originalidade destas novas interpretações, em relação ao papel de FPM na configuração do regime e do Estado, revela grande rigor na análise das fontes documentais, ao mesmo tempo que nos brinda com imagens do biografado e de alguns dos seus contemporâneos mais prestigiados. A linguagem empregue é bastante cativante, pela simplicidade, prendendo-nos como leitores até ao fim. É, pois, um livro de excelente recorte intelectual, com uma extensa bibliografia e um índice remissivo, que se deve recomendar a interessados e leigos.
Em tempo de balanço do ano de 2009 em termos de leituras estimulantes da Blogosfera começo por evocar cinco blogues que mais me entusiasmaram e mais chamaram a minha atenção. De seguida, faço uma segunda selecção dos blogues que, por razões diversas, despertaram a minha curiosidade em 2010. Já em finais de Agosto do ano passado escrevi uma crónica intitulada “A Literatura e a Blogosfera” em que dei a conhecer algumas das minhas preferências por determinados blogues.
Aqui fica a minha selecção de blogues de 2009:
·Duas ou três coisas ( www.duas-ou-tres.blogspot.com )- este blogue apresenta qualidade na forma e na substância, visto que a linguagem é literariamente apelativa e simultaneamente nos apresenta temas de relevante actualidade política e cultural e, por vezes, o Embaixador Francisco Seixas da Costa deixa-nos testemunhos pitorescos ou significativos da sua vida diplomática. Recomendo vivamente uma visita.
·Bicho Carpinteiro ( www.bichos-carpinteiros.blogspot.com ) – este blogue revelou-se uma referência pela qualidade dos colaboradores, em particular o Professor José Medeiros Ferreira e a Professora Joana Amaral Dias mais interventivos, associada à capacidade de síntese manifestada no tratamento dos temas de natureza essencialmente política e social. Destacou-se, ainda, pela originalidade dos pontos de vista apresentados e pelas sentenças ou juízos de valor enunciados, restaurando uma crítica de sentido moral que fazia falta à vida portuguesa, quase a fazer lembrar o espírito acutilante de José Ramalho Ortigão nas “Farpas”.
·Crónicas de Francisco José Viegas ( www.fjv-cronicas.blogspot.com ) – este blogue deste consagrado jornalista e escritor afirma-se pela, qualidade da sua prosa, pelas interpretações originais com que nos presenteia em temas literários, sociais ou futebolísticos. Por outro lado, dá-nos indicações de livros com juízos de valor que nos podem sugerir cativantes leituras e no fim brinda-nos, quase sempre, com citações caricatas de outros blogues.
·Sorumbático ( www.sorumbatico.blogspot.com ) – este blogue reúne uma panóplia de eminentes intelectuais e cientistas, de que em particular gosto de ler os textos de António Barreto e de Maria Filomena Mónica, que tratam de temas culturais e de actualidade bem pertinentes. Também se destaca pelas imagens de sensibilização cívica, pelas fotos artísticas de António Barreto e pela divulgação de cartoons antigos.
·Almocreve das Petas ( www.almocrevedaspetas.blogspot.com ) – este blogue afirma-se pelo corrosivo sentido de Humor de grande inspiração, a fazer lembrar a veia sarcástica de Rafael Bordalo Pinheiro, que retrata com muita sagacidade a classe política. É, igualmente, muito interessante pelas indicações de apaixonado bibliófilo que nos deixa ao nível de temas de História e de exemplares para coleccionadores. Recomendo vivamente uma visita.
Aqui fica a selecção das agradáveis surpresas que tive oportunidade de conhecer em 2010:
·Córtex Frontal ( www.cortex-frontal.blogspot.com ) – saúdo com muita satisfação o aparecimento deste blogue que conta com a presença de dois eminentes cronistas e comentadores, da nossa sociedade, de espírito independente ( Professor José Medeiros Ferreira e Professora Joana Amaral Dias ), a fazer lembrar os livres-pensadores, capazes de visões críticas da política nacional e internacional associadas a invulgares capacidades de síntese e de comunicação firmadas em apuradas sensibilidades. Recomendo vivamente uma visita.
·Nova Águia ( www.novaaguia.blogspot.com ) – este blogue é o prolongamento cívico e mental da pertinente revista “Nova Águia”, que procura homenagear a reconhecida revista “A Águia” e a brilhante geração intelectual que nela colaborou, num tempo presente de crescente apagamento cultural das nossas sociedades. Este espaço da blogosfera desenvolve temas de relevante interesse para a cultura lusófona e atribui espaço à estética, à filosofia, à poesia, à história e a outros temas afins.
·Milhafre ( www.mil-hafre.blogspot.com ) – este blogue emergiu pelo dinamismo dos seus promotores que percepcionaram a importância de uma intervenção cívica e cultural que realçasse as actividades e as reflexões ligadas à identidade lusófona, no sentido de ajudar a aprofundar a estratégia da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Recomendo vivamente uma visita.