Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Portugal é um país de grandes poetas devido à sua matriz identitária latina, pejada de uma sensibilidade lírica, de fino recorte criativo. Possivelmente, por esta razão, os países do Norte da Europa tenham muito a aprender connosco, na medida em que o Homem é um ser multidimensional que se deve desenvolver nas suas múltiplas facetas (materiais e espirituais). A inspiração e a capacidade criativa dos portugueses, transposta para a poesia por muitos escritores, foram sublimadas pelo poder imaginativo de Fernando Pessoa, que soube dar “novos mundos ao mundo” poético, tendo-se tornado uma figura de valor universal indiscutível.
A matriz de arrebatamento emocional dos latinos tem possibilitado uma invulgar veia artística e estética aos povos latinos. Aliás, num estudo recente este temperamento mais arrebatado dos povos latinos foi valorizado, pois dizia-se que as pessoas que exteriorizavam mais as emoções, sendo os povos latinos pouco fleumáticos, ao contrário das pessoas do Norte da Europa, tinham uma predisposição para terem uma vida mais longa.
Em Portugal germinaram grandes poetas como Luís Vaz de Camões, Almeida Garrett, Teixeira de Pascoaes, Afonso Lopes Vieira, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, António Gedeão, Miguel Torga, Sophia de Mello Breyner Andersen, Eugénio de Andrade, David Mourão-Ferreira, entre muitos outros que expressaram a alma pátria através desta arte literária. O temperamento latino está timbrado por esta colossal riqueza emotiva, que na paleta semântica da poesia soube ser imensamente prolífera. A localização geográfica desta pátria no sudoeste Europeu, com um clima ameno, e uma paisagem de grande variedade e beleza incitaram a inspiração criativa. Aliás, foi esta tocante natureza de tons paradisíacos que inspirou o grande poeta britânico Lord Byron a qualificar Sintra como a “mais bela vila do mundo”, num êxtase de inspiração que o ambiente pitoresco do local potenciou.
Não é, também, de menosprezar a intensa vivência lusófona, ao longo da História de Portugal, que constituiu uma fonte de vivências abertas que entusiasmaram o poder de criação poética de alguns escritores portugueses, onde avulta o nome de Luís Vaz de Camões.
Em face destas fosforescentes estruturais mentais, do povo português, não admira as capacidades extraordinárias que tem revelado para cantar o Amor na versão poética. Esta alma poética dos portugueses fez surgir um grande realizador de cinema de projeção internacional, Manuel de Oliveira, que nos seus filmes nos manifesta esta alma lusíada.
De facto, esta valorização do património poético que é um traço de identidade dos portugueses pode servir de lição para que o mundo e a Civilização Ocidental, em particular (numa permuta culturalmente enriquecedora entre o Sul e o Norte da Europa), encontrem novos pontos de equilíbrio para compaginarem o desenvolvimento material e o desenvolvimento espiritual do Homem. Mais do que nunca, nesta presente fase histórica, perante a crise multipolar que a Humanidade vive, este dom espiritual dos portugueses, de serem poetas nos momentos de adversidade, pode despertar a Esperança, para que se procurem as alternativas necessárias, de forma que o desânimo não catapulte a nossa Civilização para uma depressão coletiva.
A intervenção cívica da poesia em Portugal teve em Miguel Torga e em Sophia de Mello Breyner Andersen bons expoentes. A inteligência emocional, de que nos falam os modernos cientistas, não se coaduna com a mentalidade materialista e tecnocrática que reina impunemente nas nossas sociedades e abafa as virtualidades do espírito Humanista.
Em suma, a saúde das democracias, a saúde mental dos cidadãos, a saúde das sociedades desta Globalização desregulada exigem a revitalização do património poético para o bem-estar comum da Humanidade. Neste pressuposto, a riqueza cultural de Portugal e de toda a Comunidade Lusófona podem ser uma mais-valia importante para superar este impasse gerado por uma ideologia totalitária que tem inquinado as relações internacionais neste início do século XXI.
“(…) Têm razão os cépticos quando afirmam que a história da humanidade é uma interminável sucessão de ocasiões perdidas. Felizmente, graças à inesgotável generosidade da imaginação, cá vamos suprindo as faltas, preenchendo as lacunas o melhor que se pode (…)”
José Saramago, A viagem do elefante, Lisboa, Ed. Caminho, 2008, p. 223
José Saramago destacou-se no panorama literário português na segunda metade do século XX desembocando o seu meritório labor na escrita com a atribuição do Prémio Camões em 1995 e do Prémio Nobel da Literatura em 1998.
Na Literatura Portuguesa contemporânea, de transição do século XX para o XXI, sobressaem como autores de excepcional qualidade, em textos de prosa, para além de José Saramago, Miguel Torga, António Lobo Antunes, Agustina Bessa-Luís, Urbano Tavares Rodrigues, Teolinda Gersão e Miguel Sousa Tavares.
José Saramago teve uma prolífera obra literária que se estendeu de 1947 a 2009 com 42 livros publicados pela Editorial Caminho. Começou com uma linguagem neo-realista no seu primeiro romance, mas a sua criatividade irá levá-lo a uma linguagem Barroca na acepção do escritor Miguel Real (afirmações proferidas na TSF). Nos seus livros mais recentes a sua linguagem rompe as regras básicas da Gramática com uma linguagem próxima da verbalização coloquial entremeada de expressões e provérbios populares.
O seu livro mais exemplar foi o “Memorial do Convento” que se tornou um livro de leitura obrigatória no ensino secundário e os seus livros mais polémicos pelo tom de provocante ateísmo foram “O Evangelho segundo Jesus Cristo” e “Caim”. A leitura que fiz da sua obra literária incidiu nos seus livros mais recentes: “O Homem duplicado”, 2002; “Ensaio sobre a lucidez”, 2004; e “A viagem do Elefante”, 2008[1]. Os dois primeiros livros abordaram duas temáticas fracturantes das nossas sociedades contemporâneas: a clonagem humana e a votação em branco como forma de protesto colectivo face ao desfasamento entre os políticos e os eleitores.
O livro “A viagem do elefante” é um texto fascinante, numa incursão pelo romance histórico, que parte de um facto verídico da nossa História Diplomática: a oferta de um elefante do rei D. João III ao arquiduque Maximiliano da Áustria em meados do século XVI. O enredo do texto trata com muita imaginação o percurso do elefante entre Lisboa e Viena, ao mesmo tempo que o narrador vai fazendo algumas ilações sobre a Humanidade e os seus descaminhos. Toda esta textura nos é transmitida com uma sagacidade de um escritor de uma genialidade madura que aborda a sua história com ironia, imaginação e uma suprema lucidez na análise da condição humana. É, pois, uma bem conseguida obra-prima, que Saramago nos legou neste seu livro de sublime leitura que recomendo vivamente a quem não o conheça!
Os seus textos fluentes com poucos parágrafos obrigam o leitor a deixar-se levar na maré de palavras calorosas que nos deixam encantados e absorvidos com o fio da meada. A sua linguagem Barroca, acessível ao grande público, pejada de tiradas populares torna a sua comunicação atraente pela espectacularidade dos sons inebriantes que saem da palavra muda que emerge do livro, porque estes seus livros são para serem saboreados em voz alta.
Deste género de linguagem literária próxima do estilo coloquial há dois autores portugueses que se aproximam mais: António Lobo Antunes e Teolinda Gersão, não obstante as suas especificidades literárias. Esta característica inovadora comum a José Saramago aproximou o leitor do escritor naquilo que era o objectivo central da filosofia da linguagem de Ludwig Wittgenstein. Este progresso da literatura significou a conquista de novos leitores que possibilitou às suas tiragens em Portugal chegarem a várias dezenas de milhares.
José Saramago foi, com efeito, um “self-made man” que exercendo múltiplas profissões caminhou com muito mérito para concretizar os seus sonhos de criação literária. Criou, no fim dos seus dias, a Fundação José Saramago com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa para impulsionar a cultura e os jovens criadores literários e foi um cidadão politicamente interventivo que assumiu com clareza os seus ideais marxistas em busca de um mundo melhor.
Presto aqui a minha pequena homenagem a este escritor de dimensão universalista que os portugueses guardarão no panteão das nossas emoções! Vale a pena ler o testemunho que dele nos concedeu o Professor José Medeiros Ferreira na altura da atribuição do Prémio Nobel a Saramago intitulado “Saramago: saber renascer” reproduzido no blogue Córtex Frontal.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] José Saramago, O Homem duplicado, Lisboa, Editorial Caminho, 2002; Idem, Ensaio sobre a lucidez, Lisboa, Editorial Caminho, 2004; Idem, A viagem do elefante, Lisboa, Editorial Caminho, 2008.