Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.
“(…) Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor tinha dito pelo profeta: «Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho; e hão de chamá-lo Emanuel, que quer dizer Deus connosco. Despertando do sono, José fez como lhe ordenou o anjo do Senhor, e recebeu sua esposa. E, sem que antes a tivessem conhecido, ela deu à luz um filho, ao qual ele pôs o nome de Jesus. (…)” Evangelho segundo São Mateus, 1, 22-25, in Bíblia Sagrada, Lisboa, Difusora Bíblica, 2002, p. 1566.
O Natal é a celebração do nascimento de Jesus Cristo, que se assume como um acontecimento religioso que expresso nas escrituras Sagradas do Novo Testamento tem influenciado a Ética e a Arte da Civilização Ocidental nos últimos séculos. No entanto, não nos podemos esquecer que a religião Cristã surgiu e desenvolveu-se no seio de um império materialista que estava a entrar em decadência - o império romano. Hoje, como ontem, e digo-o como eco-socialista-cristão, face à cultura materialista e tecnocrática dominante que desencadeou tendências individualistas e egoístas parece-me que a existência de místicas e de utopias é cada vez mais fundamental para que todos possamos ser concidadãos num mundo mais justo e mais humano. Esta foi a razão objetiva da conversão de São Paulo no primeiro século da nossa Era e do imperador Constantino no início do século IV.
Obviamente, para os cidadãos laicos, das sociedades europeias, Jesus Cristo pode não passar de um revolucionário que subverteu no longo prazo as estruturas religiosas e mentais do Império Romano. Contudo, para as pessoas de fé Jesus Cristo é visto como o filho de Deus que desceu à terra para pregar ideais Éticos que, defendidos e praticados, afastavam, paulatinamente, o Homem do Mal (do pecado) e garantiam a multidimensionalidade do Homem (corpo e espírito) nas sociedades onde vivessem cristãos. Acontece que, hoje em dia, com o capitalismo financeiro instalado no centro da Globalização, os cidadãos e os políticos tendem a olvidar os valores Éticos, porque as tendências para o hedonismo e o individualismo fazem desprezar os sentimentos da bondade, da solidariedade e da compaixão.
A Europa tem-se esquecido progressivamente da sua matriz cultural cristã, como se notou quando afastou do projeto de um Tratado Constitucional Europeu uma referência clara do Cristianismo como um dos pilares da Civilização Europeia, que se encontra, como todos sabemos, em decadência. A Doutrina Social da Igreja é respeitadora dos Direitos Humanos e Sociais dos indivíduos e, por isso, é profundamente lamentável que as correntes políticas moderadas e humanistas da democracia-cristã, da social-democracia e do socialismo cristão democrático estejam a perder terreno para a “teologia de mercado”, designada por neoliberalismo. O Natal surgiu como data comemorada no século IV d.C., após a conversão do Imperador Constantino, num ato de fé individual. Todavia, o Natal tornou-se no Império Romano, neste século, uma data celebrativa para converter os pagãos. Desde essa época, até hoje, o Cristianismo foi-se espraiando e moldando às diferentes conjunturas históricas pelos sete cantos da Europa e do mundo.
Em conclusão, o significado do Natal é aquele que já apresentámos, mas tornou-se, também, a festa das famílias cristãs que se reúnem para se recolherem no aconchego dos seus lares afetivos e para celebrarem a vinda de Deus feito Homem que desceu dos céus para nos dar a Boa Nova de uma vida que se deve nortear por uma conduta impoluta de Amor aos outros e por uma mensagem de Esperança em relação ao futuro.
Pintura da Adoração dos Reis Magos – Pintura quinhentista de Vasco Fernandes ( Grão-Vasco )
Presépio de Machado de Castro
Na pintura, acima exibida, da autoria do mestre português quinhentista Vasco Fernandes, mais conhecido por Grão-Vasco, vemos a adoração dos reis Magos a Cristo, bebé. Embora a plasticidade das formas anatómicas não tenha sido plenamente conseguida, podemos reconhecer na imagem a importância do simbolismo dos poderosos virem de longe adorar o “Salvador” como expressão de que os potentados devem ter a humildade de se ajoelharem perante a “Luz do mundo”.
Numa pertinente leitura que o Padre Vítor Melícias fez, do Evangelho de São Lucas ( 2, 1-14 )[1], do acontecimento da Natividade de Cristo interpretando-o como símbolo da Fraternidade e da Paz Universal, constatamos que o significado desta festa sagrada que anualmente celebramos nos surge a uma luz nova. Este autor reconhece, a par de outros estudiosos, o evangelista São Lucas, historiador e teólogo, como o supremo cantor da bondade de Cristo que coloca a sua missão salvífica na dignificação do Homem existente e na sublimação dos Direitos Universais da Pessoa Humana[2]. Este comentador, franciscano, esclarece-nos que a imagem literária do presépio como o estábulo onde Deus, encarnado Homem, nasceu, sem comodidades e muito indefeso das condições atmosféricas, exalta a opção divina pelo auxílio dos mais desfavorecidos e pelo culto do ideal da humildade.
São Lucas termina a narração deste emblemático episódio da religião Cristã com uma sinfonia de Anjos[3] que exaltam Deus e os valores morais que devem nortear os crentes (o Amor e a Paz). Assim, o evangelista apresenta-nos um Deus próximo dos seres humanos, infinitamente bondoso e misericordioso, que morigerava o espírito materialista e belicista dos conquistadores romanos que dominavam a Judeia. Esta mensagem, que o inspirado escritor nos legou, tem toda a actualidade num mundo de luzes efémeras e de consumismos despojados, muitas vezes, da espiritualidade cristã, não obstante tenha havido ultimamente algumas campanhas sociais de benemerência que sensibilizaram muitas almas caridosas.
São Francisco de Assis[4], marcado por uma visão cristocêntrica de beleza e de generosidade, foi um continuador da prédica de São Lucas que humanizou ainda mais o nascimento de Cristo com a invenção dos presépios populares como obras de artesanato. Na verdade, o evangelista realça, neste momento da vida de Cristo, o valor de associar a solidariedade divina à solidariedade humana, em que Deus envia Cristo aos homens e em que os pastores albergam a família de José, Maria e Cristo, no estábulo.
Este momento, de terna Piedade, faz apelo à conjugação da força da fé e do espírito de ajuda mútua de forma a tornar possível a harmonia entre a heterogeneidade das pessoas e a cultura de paz. Este Deus, que o evangelista nos desvenda, é marcado pelo seu Espírito de Amor, que se tornou tão próximo, para salvar os Homens das maldades e dos ódios que grassavam nas sociedades da época. Este Espírito Ético, cujo sinal iconográfico é a pomba branca, simbolizadora do Espírito Santo e da Paz, é a verdadeira encarnação do Natal!
O Natal transporta, no presente, a simbologia de reunir as famílias em volta de uma consoada, em que se comem manjares tradicionais (azevias, fatias douradas, bacalhau, peru, etc), em que as crianças abrem com expectativa as prendas tão ansiadas e os adultos confraternizam, num ambiente de ternura, de conforto e de troca de afectos, e os crentes deslocam-se à Missa do Galo. No entanto, nos dias que antecedem a Ceia Natalícia, de 24 para 25 de Dezembro, há uma azáfama consumista que enche Lojas, Centro Comerciais e Hipermercados num ambiente frenético de compras compulsivas que causa “stress” e um montão de desperdícios que deixam os contentores do lixo abarrotados de papéis de embrulho e de caixotes.
Johann Sebastian Bach (1685-1750) foi um dos mais tocantes compositores do estilo Barroco, que pela sua intensa religiosidade compôs muitas e harmoniosas obras sacras[5], não obstante tenha sido na sua época reconhecido em vida como um grande organista, que prestava serviço às Igrejas Luteranas, só teve a sua obra criativa plenamente consagrada para a posteridade com a atenção que lhe prestaram os compositores Mendelssohn e Von Bulow, já no século XIX. As belas peças musicais, que a seguir vos apresento, deste compositor, fazem jus ao lugar de destaque que a simbologia cristã teve no seu génio criativo.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
[1] Vítor Melícias, “25 de Dezembro – Natal - Noite”, in Os Evangelhos 2006– Comentados, Lisboa, Edições Firmamento, 2005, pp. 249-250.
[2] Esta tendência interpretativa Humanista faz-nos lembrar a doutrina Personalista de Emmanuel Mounier, que acreditava que a solução para a crise económica e moral Europeia, do fim dos anos 20, passava por uma valorização do espírito comunitário de base humana.
[3] A música de J.Sebastian Bach ilustra-nos o espírito do coro celeste de Glorificação de Deus e da sua humanização em Jesus Cristo quando o evangelista nos diz: “(…) Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados.(....)”. ( “Evangelho de São Lucas”, Bíblia, 2, 1-14)
[4] São Francisco de Assis foi o introdutor, na noite de Natal de 1223, do culto popular do presépio, porque nessa missa solene que promoveu num bosque, em Itália, oficiou essa cerimónia com um presépio pendurado nas árvores. A ordem mendicante dos Franciscanos tornou-se junto das populações europeias na grande divulgadora do presépio como adereço Natalício. Vide Jorge Campos Tavares, Dicionário de Santos, Lisboa, Porto, Lello Editores, 2004, p. 59.
[5] Das suas inspiradas obras religiosas salientam-se uma missa Católica, Quatro Paixões (sendo a mais popular, a Paixão de São Mateus), um ‘Magnificat’ e várias oratórias.