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Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão

Crónicas que tratam temas da cultura, da literatura, da política, da sociedade portuguesa e das realidades actuais do mundo em que vivemos. Em outros textos mais curtos farei considerações sobre temas de grande actualidade.

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AS CAUSAS DA DECADÊNCIA DO MUNDO OCIDENTAL NOS ÚLTIMOS 80 ANOS (1945-2023)

causas-da-decadc3aancia dos povos peninsulares.jpgA_DECADENCIA_DO_OCIDENTE.jpg

 

Dedico este texto ao grande historiador José Mattoso, ontem falecido (08/07/2023).

“(…) Tenho pensado muito em José Medeiros Ferreira (1942-2014). A triste notícia chegou-me a meio do discurso de Vladimir Putin no Kremlin sobre a anexação militar da península ucraniana da Crimeia pelas forças de operações especiais russas. Um dia histórico, portanto. (…)”

Miguel Monjardino, “Um colunista na História”, in Por onde irá a História?, Lisboa, Edição Clube do Autor, março de 2023, p. 253.

 

Este texto inspira-se num título de uma brochura famosa de Antero de Quental intitulada As causas da decadência dos povos peninsulares nos últimos três séculos[1], mas se, no fim do século XIX, eram os povos ibéricos que “estavam na berlinda” e alguns políticos e intelectuais ilustres falavam na necessidade de um federalismo ibérico para a revitalização da Ibéria, neste momento, na terceira década do século XXI, tornam-se exponenciais os sinais que evidenciam um inequívoco declínio da Civilização Ocidental.  

 

Osvald Spengler, historiador e filósofo alemão, teve a premonição da decadência da Civilização Ocidental com a obra A decadência do ocidente[2], publicada, pela primeira vez, em 1918, que foi escrita em função da beligerância da 1ª guerra mundial, que destroçou as nações europeias e tendo gerado, neste continente exausto, uma enorme descrença e um tremendo pessimismo na capacidade dos países europeus se reerguerem e reafirmarem como grandes potências. Este contexto histórico permitiu, inclusivamente, que os EUA emergissem como grande potência  (superpotência), no primeiro pós-guerra, passando a deter a hegemonia internacional até ao fim do século XX e início do século XXI.

 

A Civilização Ocidental começou o seu ocaso com os “ventos da mudança” do fenómeno descolonizador, que levou ao colapso vertiginoso dos impérios coloniais europeus, após a 2ª guerra mundial, e à hegemonia dos EUA. No entanto, os norte-americanos e os europeus ainda tentaram evitar o descalabro económico do “Velho Continente”, em meados do século XX, com o recurso ao Plano Marshall e com o projeto europeu do Tratado de Roma, de suscitar uma comunidade económica europeia. Estes recursos dilatórios ainda permitiram trinta anos de glorioso crescimento económico na Europa e nos EUA (1945-1973), que desembocaram nas crises petrolíferas dos anos 70, na implementação de políticas neoliberais e no fenómeno da globalização no último quartel do século XX.  

 

A ilusão de um Mundo Novo, vindouro, democrático e liberal produziu-se com o colapso do bloco soviético, com a queda do muro de Berlim e com a reunificação da Alemanha, isto é, com o fim da guerra fria. As esperanças eufóricas traduziram-se nas teses optimistas e ingénuas de Francis Fukuyama[3], mas a desintegração do bloco de leste europeu também deu azo a algumas dúvidas. A Europa, sob o élan de alguns políticos carismáticos e com o plano de uma unificação monetária, ainda teve o seu último fôlego, na viragem do milénio, com a entrada em funcionamento da moeda europeia em 2002, o euro.

 

Contudo, a neurose provocada pela vulnerabilidade dos EUA, com o atentado de 11 de setembro de 2001, arrastou-se à Europa, com a globalização do terrorismo a atingir várias cidades europeias. O entusiasmo hegemónico europeu neste contexto desvaneceu-se e o peso do “Velho Continente” nas transações globais tornou-se cada vez mais reduzido.

 

A globalização e a deslocalização de muitas empresas multinacionais, com sedes ou sucursais na europa, conduziram a uma desindustrialização dos países do “Velho Continente”. Ora, esta circunstância tem feito os países europeus perderem dinamismo económico e relevância no conjunto da economia mundial.

 

Por seu turno, o dinamismo económico e a vitalidade demográfica das potências asiáticas como a Coreia do Sul, Hong Kong, Singapura, Taiwan, Índia e, principalmente, a China, na actualidade, que passaram por uma rápida industrialização e mantiveram taxas de crescimento excepcionalmente altas, na segunda metade do século XX e, no caso desta última potência, já no início deste século, estão a provocar uma inusitada concorrência aos países europeus. Estas novas potências económicas asiáticas estão a fazer perder protagonismo aos principais países europeus (Alemanha, Grã-Bretanha e França).

 

A crise financeira de 2008-2009 indicou para uma crescente debilidade das estruturas financeiras ocidentais, que tiveram impacto económico em alguns países europeus mais vulneráveis tais como a Grécia, Portugal, a Itália, a Irlanda e a Espanha, devido aos endividamentos excessivos e ao grandes défices públicos, conhecido este fenómeno como “a crise da zona euro”. A UE ainda prossegue o seu alargamento geográfico com a integração da Croácia em 2013 e com várias candidaturas de novos países, na atualidade, no sentido do seu futuro alargamento superar os impasses da afirmação da UE neste primeiro quartel do século XXI e na primeira metade desta centúria. A crescente perda de importância internacional e económica da UE fez com que o Reino Unido, no início de 2020, tenha saído da UE com o designado Brexit, pois parte dos ingleses convenceu-se que conseguia reafirmar-se internacionalmente, através da “Commonwealth”, recuperando alguma da sua soberania.

 

Na segunda década do século XXI, o Brexit (2016-2020) e a eleição de Donald Trump nos EUA (em novembro de 2016) evidenciaram a decadência do Ocidente, que se refugiou, no caso destas duas nações, nas premissas nacionalistas, xenófobas e no proteccionismo para criarem a ilusão de que os EUA e a Grã-Bretanha, apesar de decaírem em termos económicos, conseguirão ressurgir das cinzas como a Fénix com estas receitas esgotadas[4]. Os grandes desafios da actualidade - a globalização e a revolução digital – inserem-nos numa nova Era histórica e não será através do proteccionismo comercial e social, que a perda de fulgor económico das grandes potências do Ocidente recuperarão o seu protagonismo internacional ou posições hegemónicas. O receio e o pessimismo dos povos das antigas grandes potências ocidentais levou os EUA e a Grã-Bretanha a recuarem, ao invés de apostarem numa fuga para a frente, daí que os fenómenos da eleição de Trump e do Brexit tenham marcado a segunda década do século XXI.

 

A globalização e a grande revolução digital tornaram possíveis às grandes nações do Ocidente (EUA e Grã-Bretanha) perder terreno em termos de poderio e de riqueza, de tal forma que do G7 se passou em concomitância para um contemporâneo G20, para outras nações asiáticas que emergiram pelos seus potenciais económicos e tecnológicos. O Ocidente da revolução industrial, das descobertas científicas, dos direitos humanos e das sociedades democráticas está a perder terreno para outras nações que se estão a alçar ao cume da economia e da geopolítica global.

 

O declínio demográfico, neste início do século XXI, com o envelhecimento da população europeia tem feito acolher muitas correntes migratórias, muitas comunidades de imigrantes, para tentar garantir o funcionamento e o dinamismo da sua economia. O “Velho Continente” também está a perder fulgor tecnológico com os avanços rápidos das potências asiáticas. Com a crise do Ocidente, os seus valores essenciais, como a democracia e os direitos humanos, estão a ser questionados no mundo, favorecendo a emergência de autoritarismos em várias partes do globo e os fenómenos de populismo, que está a varrer a europa, até pela crescente descrença nos sistemas democráticos. O declínio do Ocidente é bem patente na diminuição do seu poder económico e militar, com exceção a este nível dos EUA, que só desta forma conseguem influenciar o cenário internacional atual. Contudo, o “Velho Continente” perdeu o fulgor económico e desinvestiu na sua capacidade militar.

___________________________________

[1] Antero de Quental, Causas da decadência dos povos peninsulares nos últimos três séculos, Lisboa, Tinta-da-China, 2008, 118 p.

[2] Oswald Spengler, A decadência do ocidente: esboço de uma morfologia da história universal, 1918.

[3] Francis Fukuyama, O fim da História e o último Homem, Lisboa, Gradiva, 1999.

[4] Mário Vargas Llosa, “A decadência do ocidente”, in El País, 20 de novembro de 2016 - https://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/17/opinion/1479401071_337582.html (consultado a 6 de julho de 2023).

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

DECLÍNIO CIVILIZACIONAL DO VELHO CONTINENTE (1914-2015) ?

 

A Europa tem sido denominada de velho continente, pois conseguiu afirmou-se como o berço humanista do mundo por ter feito despontar na sua Civilização a democracia liberal, um rico património ético e uma apurada sensibilidade defensora dos direitos humanos. Perguntamos se, realmente, a Europa se encontra num lento declínio civilizacional como o escreveu Osvald Spengler, no início do século XX, na obra O Declínio do Ocidente e como o pretende sustentar, também, o nosso insigne pensador Adriano Moreira.

 

Na altura, em que Spengler sustentou a sua tese decadentista a Europa, em 1918, acabara de sair de um conflito improcedente que gerou a luta de todos contra todos, designadamente fruto de uma louca ambição germânica. Arnold Toynbee, historiador britânico, vem nos anos subsequentes contrariar esta tese com uma inspiração mais espiritualista.

 

Iremos analisar o percurso histórico da Europa que nos permite perceber se esta intuição de Spengler será ainda verdadeira, ou não, nos nossos dias. Na realidade, as duas guerras mundiais que o velho continente desencadeou nos anos de 1914-1918 e de 1939-1945 por excessiva ambição germânica permitiu a ascensão dos EUA e da URSS como superpotências, ao mesmo tempo que deixou de rastos o velho continente, esfacelado em ruínas e com a sua economia nas ruas da amargura.

 

Destes tenebrosos escombros sombraíram homens de uma fibra invulgar que lutaram contra o monstro titânico chamado Adolfo Hitler ou afirmaram-se na hercúlea necessidade reconstrutora, designadamente Winston Churchill, Charles de Gaulle, Roberto Schuman e Jean Monnet.

 

Esta verdadeira loucura coletiva iniciada pela Tríplice Aliança e pelas potências do Eixo, com dois contumazes repetentes no erro, a Alemanha e a Itália, acabou por levar os europeus à perda dos seus impérios coloniais, fruto do esforço autonomista dos territórios dependentes e da consagrada ideologia do direito de autodeterminação dos povos, saída das Nações Unidas.

 

Perante esta depressão coletiva, a Europa gizou um projeto institucionalista, que começou na CECA e se transformou na CEE durante os anos 50, de relançamento material das suas condições de produção industrial, beneficiando dos trinta gloriosos anos de progresso económico (1945-1973), todavia com as crises dos anos 70 a par do emergir da potência nipónica fizeram claudicar os ânimos europeístas.

 

O fim da guerra fria fez pensar alguns ideólogos, no fim do século XX, que com a globalização, com as políticas neoliberais e com o reforço institucional da comunidade europeia transformada em União Europeia seria possível relançar o velho continente para novos horizontes.

 

Neste contexto histórico, aparece a teoria de Francis Fukuyama que ingenuamente pensou que o fim da História estaria a chegar com a expansão das democracias liberais no mundo, no entanto o caos aberto na política internacional com o desaparecimento da outra superpotência, a URSS, impediu que o paradigma ocidental se mundializasse e nem a teoria dos mercados livres pôde singrar, pois logo em 2008 surgiu uma violenta crise do Capitalismo Financeiro.

 

Entretanto, a Europa comunitária avançou para um sistema monetário comum, com a implementação do Euro, sem perceber que não estavam reunidas as condições de coesão económica e financeira nos países da zona Euro, o que levou, naturalmente, à crise das dívidas soberanas que principiou com o caso grego em 2010 e proliferou por outros países europeus designados PIGs.

 

Esta crise, do fim da primeira década do século XXI e início da segunda década, disseminou a vontade europeísta de construção de um projeto comum, que, aliás, começou logo em países integrados na zona Euro e em outros apostados nas suas moedas nacionais.

 

Contudo, houve uma tentativa de responder à crise da Zona Euro com políticas austeritárias, na senda do que vinha sendo desenhado pelas políticas neoliberais, só que estas políticas representavam uma perceção economicista do Homem, o que o deixou vulnerável a novos perigos como o reconhecem os vários relatórios do PNUD, pois tem sido descartado o desenvolvimento sustentável e a própria enciclíca do Papa Francisco Laudato Si vem sublinhar estes mesmos riscos com que a Humanidade, e não já só a Europa, se confronta.

 

Aliás, o escândalo recente das manipulações nas marcas automóveis europeias quanto às emissões poluentes demonstra a falta de valores das grandes empresas multinacionais.

 

Na Europa, até ao início do século XX, estavam as principais potências geo-estratégicas internacionais, mas encontra-se hoje em grande dificuldade, pois os seus grandes países perderam protagonismo mundial e emergem novas potências mundiais concorrentes como o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, designados BRICS.

 

De tal forma, esta transformação se reflectiu na diminuição do peso estratégico da Europa no mundo que os países mais ricos e industrializados do mundo no fim do século XX se reuniam no G7 com representatividade de 57% de países europeus, enquanto no início do século XXI o G20 já apresenta apenas uma representativa europeia de 30 %. Este aparente declínio civilizacional da Europa é fruto não de um atraso de desenvolvimento deste continente, mas, sobretudo, da crise demográfica que a faz mais diminuta populacionalmente no conjunto das nações.

 

Esta debilidade do velho continente não é, portanto, nenhuma novidade, só que algumas ilusões políticas tornaram esta realidade menos notória para a opinião pública europeia. A ausência de uma política concertada e avisada perante a crise humanitária de refugiados, que nestes últimos meses (julho, agosto e setembro de 2015) tem acorrido à Europa fruto das guerras em países como a Síria, o Iraque e o Afeganistão, mostra à saciedade a falta de uma consciência ética europeia que permitisse uma forte política comum de resposta a esta candente problemática migratória.

 

A Europa tem estado a olhar para os seus próprios problemas, para o seu umbigo, nomedamente com a questão chamada “Grexit” e só quando o problema transbordou as suas fronteiras e milhares de pessoas faleceram na travessia do Mar Mediterrâneo acabou por acordar para esta problemática de crise humanitária dos refugiados e a migração em massa para o velho continente.

 

A decadência da Europa explica-se, na atualidade, concomitantemente pela ausência de elites que saibam liderar os seus povos com carisma e determinação, apesar das agruras do momento como o fez Winston Churchill em 1940, e também pelo facto do velho continente em várias décadas ter vivido de uma mentalidade excessivamente pragmática de resposta às questões imediatas, sem pensar em definir um conceito estratégico comum com horizontes mais vastos que tivessem em conta a riqueza do património ético e histórico da Civilização Europeia.

 

Este relativismo escorado nas diferentes identidades nacionais, sem perceber que o que nos une é mais forte do aquilo que nos separa, acabou por deixar a União Europeia sem norte e por guiar-se pela principal potência industrial, a Alemanha, que carece da sensibilidade humanista de outros povos europeus.

 

Foi pena que aquando da discussão de uma Constituição Europeia, necessária para responder ao quadro da globalização desregulada, não se tenha definido como base da matriz identitária europeia o cristianismo. Aliás, é um argentino que com o seu atual carisma está a conseguir mobilizar o mundo para a necessidade de definir um paradigma comum para a unidade e a sustentabilidade da própria Humanidade, refiro-me ao Papa Francisco.

 

Em suma, só seguindo o exemplo inspirador do Papa Francisco, com as suas atitudes de simplicidade e de espontaneidade, a Europa poderá ter lideranças confiáveis que mobilizem as suas populações para uma unidade fraterna em torno de um projeto comum moldado numa estratégia que respeite as diferentes identidades nacionais, mas que una os europeus nos seus valores comuns e em prioridades bem definidas. Caso contrário, a Europa entrará verdadeiramente num inevitável declínio fruto de divisionismos políticos de que a Escócia, a Catalunha e a intolerante Hungria bem exemplificam.

 

Nuno Sotto Mayor Ferrão

 

 

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